quarta-feira, 30 de maio de 2018

SOB A PATA DO BOI: Documentário revela como opera a cadeia da pecuária na Amazônia

Documentário revela como opera a cadeia da pecuária na Amazônia, principal vetor de desmatamento da maior floresta tropical do mundo

Filme estreia em São Paulo 31/05, em Belém 04/06, no Rio de Janeiro 07/06 e estará disponível em plataformas digitais a partir do segundo semestre de 2018





A Amazônia tem hoje 85 milhões de cabeças de gado, três para cada habitante humano. Na década de 1970, o rebanho era um décimo desse tamanho e a floresta estava quase intacta. Desde então, uma porção equivalente ao tamanho da França desapareceu, da qual 66% virou pastagem. A mudança foi incentivada pelo governo, que motivou a chegada de milhares de fazendeiros de outras partes do país. A pecuária tornou-se bandeira econômica e cultural da Amazônia, no processo, elegendo poderosos políticos para defender a atividade. Em 2009, o jogo começou a virar quando o Ministério Público obrigou os grandes frigoríficos da região a se tornarem responsáveis por monitorar as fazendas fornecedoras de gado e não comprar daquelas que têm desmatamento ilegal.

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=fMwfsILKW70

“Sob a pata do boi” é um documentário de média metragem (49 minutos), que conta essa história. Dirigido por Marcio Isensee e Sá, o filme é uma produção do site ((o))eco, de jornalismo ambiental, e do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Faz parte de um projeto de jornalismo investigativo que já dura dois anos e cujas reportagens podem ser lidas no site oficial: http://sobapatadoboi.com/

Estreia

31/05 – 19h30
Centro Cultural São Paulo
Rua Vergueiro, 1000 – Liberdade
Sessão seguida de debate com a equipe do filme

07/06 – 19h EVENTO MUSEU DO MEIO AMBIENTE – RJ
Museu do Meio Ambiente
Rua Jardim Botânico, 1008 – Jardim Botânico, Rio de Janeiro

Bate-papo após a exibição com José Augusto Pádua (professor de história ambiental da UFRJ), Sergio Besserman – Presidente do Jardim Botânico, Paulo Barreto (pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon) e com o diretor do filme Marcio Isensee e Sá.

Aberto e gratuito
Sujeito à lotação
Essa exibição é parte da programação da Virada Sustentável – RJ

EXIBIÇÕES NA MOSTRA ECOFALANTE – SP

2/06 – 18h30
Centro Cultural Banco do Brasil
R. Álvares Penteado, 112 – Centro, São Paulo
Sessão seguida de debate com a equipe do filme

05/06 – 19h30
Galeria Olido
Av. São João, 473 – Centro, São Paulo

07/06 – 10h
Fábrica de Cultura Sapopemba
R. Augustin Luberti, 300 – Fazenda da Juta, São Paulo

09/06 – 14h
Centro Cultural Banco do Brasil
R. Álvares Penteado, 112 – Centro, São Paulo

*Abertos e gratuitos e sujeitos à lotação


Colaboração de Julia Ribeiro, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/05/2018

Autor: Julia Ribeiro
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 30/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/30/sob-a-pata-do-boi-documentario-revela-como-opera-a-cadeia-da-pecuaria-na-amazonia/

Exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas: estudos ambientais apresentados são insuficientes, conclui Parecer Técnico do Ibama




Ibama

Parecer Técnico do Ibama (n° 72/2018-COEX/CGMAC/DILIC) concluiu que o Estudo Ambiental de Caráter Regional da Bacia da Foz do Amazonas, elaborado pelas empresas Total, BP e Queiroz Galvão, apresenta “lacunas e incongruências que inviabilizam a sua aprovação”. Segundo o documento, são necessárias informações e esclarecimentos dos empreendedores sobre os meios físico e biótico.

Em outro Parecer Técnico, n° 73/2018-COEXP/CGMAC/DILIC, o corpo técnico do Instituto concluiu que pendências e incertezas identificadas no licenciamento ambiental para exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas impedem o prosseguimento do processo da Total. A dificuldade da empresa em apresentar um Plano de Emergência Individual (PEI) satisfatório é apontada como um dos impeditivos, além da ausência de acordo bilateral entre Brasil e França relacionado a ocorrências que envolvam derramamento de óleo.

O Parecer Técnico n° 73 destaca que surgiram fatos novos no processo que precisam ser esclarecidos, como a alteração da metodologia de perfuração, substituída pelo drift-running, e a existência de recifes biogênicos nos blocos da empresa, o que gera insegurança técnica.

A diretora de Licenciamento Ambiental, Larissa Amorim, encaminhou o Parecer Técnico n° 72 aos empreendedores para que sejam atendidas as pendências identificadas. Em relação ao Parecer n° 73, a diretora confirmou o entendimento técnico quanto à necessidade de apresentação de informações e esclarecimentos sobre o PEI, a identificação e avaliação de impactos ambientais, a modelagem de dispersão de óleo, a área de influência e as medidas de mitigação e controle ambiental.

Mais informações:

Parecer Técnico n° 72/2018-COEXP/CGMAC/DILIC
Parecer Técnico n° 73/2018-COEXP/CGMAC/DILIC
Despacho Dilic

Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama


Do Ibama, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/05/2018



Autor: Ibama
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 30/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/30/exploracao-de-petroleo-e-gas-na-foz-do-amazonas-estudos-ambientais-apresentados-sao-insuficientes-conclui-parecer-tecnico-do-ibama/

‘PL do Veneno’: Projeto de Lei que altera lei dos agrotóxicos desconsidera impactos na saúde e meio ambiente

O Projeto de Lei 6299/2002, mais conhecido como “PL do Veneno”, que propõe flexibilizar o uso e registro dos agrotóxicosno país, desconsidera todo e qualquer impacto na saúde, no meio ambiente e na economia. A observação perpassou os depoimentos de todos os seis especialistas que participaram, na última quarta-feira (23/5), da Audiência Pública para debater os impactos dos agrotóxicos na cidade, promovida pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados. E os impactos descritos foram muitos: contaminação da água, do ar (por meio da volatização e deriva de pulverização dos venenos), de alimentos de origem animal e vegetal, contaminações de trabalhadores nos campos e cidades (jardineiros, transporte e manuseio de produtos etc), além de um rol extenso de doenças.


No Brasil, no período 2007/2017, somaram mais de 107 mil os casos de intoxicação com 3.452 mortes, conforme dados do Ministério da Saúde (foto: Mônica Geovanini, Fiocruz Brasília)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que anualmente ocorram 25 milhões de casos de envenenamento por agrotóxico, com 20 mil óbitos. No Brasil, no período 2007/2017, somaram mais de 107 mil os casos de intoxicação com 3.452 mortes, conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Os números foram apresentados por Guilherme Franco Netto, assessor de Saúde e Ambiente da vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. Ele destacou que os efeitos dos agrotóxicos vão além da contaminação, causando diversos tipos de cânceres, abortos e morte fetal, má-formação congênita, redução do número de espermatozoides, desregulação endócrina, alergias, alterações nos sistemas imunológicos, nervoso, gastrointestinal, circulatório e muitos outros.

Tabaco, amianto e agrotóxicos foram apontados pelo especialista da Fiocruz como riscos presentes na sociedade contemporânea, cabendo a ela enfrentá-los. O especialista relatou que na década de 1950, foram identificadas evidências consistentes de o tabaco causar cânceres, mas que foram necessários 50 anos para a sociedade entender e enfrentar o assunto. No caso do amianto, após décadas de luta, só recentemente o uso foi banido do Brasil.

A PL dos agrotóxicos, segundo Franco Netto, é uma medida que propõe o desmonte de uma legislação republicana que, além de ser uma referência mundial, estabelece cuidados importantes, como a concessão de registro resultar de uma deliberação conjunta de órgãos da saúde, meio ambiente e agricultura. O pesquisador foi enfático ao destacar problemas existentes na PL 6299/2002, como ocultação do risco, centralização de poderes no Ministério da Agricultura, suspensão de avaliação de risco dentre outros.

“Ao propor a substituição do termo ‘agrotóxico’ por ‘produtos fitossanitários’ e ‘produtos de controle ambiental’ ocorre um reducionismo que oculta a compreensão de que agrotóxicos são tóxicos, além de comunicar uma falsa segurança, induzindo a uma falsa crença de inocuidade”, afirmou Guilherme Franco, que citou a etimologia das palavras: agrotóxico vem da junção de agro, que significa terreno cultivável e de tóxicos que significa veneno. Já “produtos fitossanitários” vem da junção de fito=planta com sanitário=saúde.

O pesquisador acrescentou que as propostas contêm uma inversão do conceito de risco ao propor que os agrotóxicos devem ser proibidos apenas nos casos em que, “nas condições recomendadas de uso, apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente”, conforme prevê o texto da proposta. Além de ir na contramão da tendência internacional, pois recentemente a Comunidade Europeia fez alterações nos critérios de regulação de risco e perigo, igualando ao previsto na lei em vigor no Brasil.

“A liberação do uso de agrotóxicos proibidos na União Europeia causará restrição das exportações brasileiras de produtos que contenham resíduos de agrotóxicos que apresentem estes efeitos”, disse o especialista.

Carla Bueno, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, disse existir um grande interesse de empresas transnacionais por trás da proposta do projeto de lei “do veneno” e que estes mesmos conglomerados que produzem os agrotóxicos são donos das indústrias farmacêuticas. O mesmo foi destacado por Rafael Arantes, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Ambos foram contundentes nas críticas ao PL do Veneno.

Pedro Luiz Serafim, subprocurador geral do Trabalho e coordenador do Fórum Nacional de Combate ao Uso Abusivo de Agrotóxicos, e Tereza Raquel de Sena, coordenadora do Fórum Sergipano, falaram sobre as consequências de exposição dos trabalhadores rurais, tais como suicídios, mal de Parkinson, autismo e outras neuropatias. Tereza apresentou resultado de pesquisa recente que mostra aumento de surdez entre os trabalhadores.

Jacimara Guerra Machado, Diretora de Qualidade Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), falou da importância de se preservar a legislação vigente e citou que monitoramentos realizados periodicamente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por intermédio do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), indicam presença de venenos em diversos alimentos in natura.

Da AFN, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/05/2018



Autor: AFN
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 30/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/30/pl-do-veneno-projeto-de-lei-que-altera-lei-dos-agrotoxicos-desconsidera-impactos-na-saude-e-meio-ambiente/

As boas coisas da paralisação dos caminhoneiros, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

A cidade está um silêncio.

As ruas estão desertas, bicicleteiros e pedestres podem andar à vontade.

O ar está limpo.

Não há ruídos para perturbar nossos ouvidos

Não há gás na cidade, muita gente cozinhando com churrasqueira, panela elétrica, fogão solar.

Não há postos com gasolina e os carros estão nas garagens.

Começa faltar de tudo nos mercados e supermercados, mas os hortigranjeiros que vem do interior estão passando em nossas portas, também galinha caipira, bode fresco, peta, ovos, etc. Portanto, fome ainda não chegou por aqui.

Aqui é uma região produtora de hortigranjeiros, a exportação está bloqueada, prejuízos de 570 milhões de reais segundo a VALEXPORT. Em compensação, estamos comendo quase de graça as frutas de exportação que antes nem passavam pelo mercado local, como a banana de primeira que nunca se via por aqui.

Sabe que seria interessante aprender a lição e voltarmos a ter pomares nas chácaras, hortas nas casas, menos dependência de supermercado e dos shoppings?

Quem sabe dependermos menos de caminhões, com produções mais regionalizadas…

Quem sabe até pensarmos em ferrovias, trens com muitos vagões, apenas uma locomotiva, levando gente e mercadoria….

Quem sabe navegação de cabotagem pela longa costa brasileira, abastecendo grande parte de nossas cidades litorâneas…

Quem sabe mais energia solar produzida pelo povo, também eólica e assim menos dependência de combustíveis fósseis…

Quem sabe chegue a hora que não precisemos mais de petróleo – esse poluidor do ar, que colabora com o aquecimento global – e possamos viver de energias limpas. Como gorjeta nos livraríamos dos Pedros Parentes e dos analistas do mercado.

Quem sabe uma civilização menos predatória, menos consumista, mais sustentável, mais humana e realmente agradável de se viver…

Olha, esse paraíso nem parece tão impossível….

OBS: Escrevo a partir do dipolo Juazeiro-Petrolina


Roberto Malvezzi (Gogó)*, Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco. Membro da Equipe de Assessoria da REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica)
www.robertomalvezzi.com.br


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/05/2018



Autor: Roberto Malvezzi (Gogó)
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 30/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/30/as-boas-coisas-da-paralisacao-dos-caminhoneiros-artigo-de-roberto-malvezzi-gogo/

Da Medicina à repressão policial: as drogas sob o foco da história


O livro acompanha momentos de maior ou menor repressão às drogas, entre 1921 e 1945 (Fotos: Divulgação)


“Logo, muito logo, os moços elegantes se embriagarão com a diamba, (...) o vício terrível passará a fazer parte da moda, como já o é a mania do éter, da morfina, da cocaína, etc.” O comentário é do médico Francisco de Assis Iglésias, em artigo publicado em 1918 nos Anais paulistas de medicina cirúrgica. Além de registrar os hábitos daqueles primeiros anos do século passado, Iglésias segue descrevendo a degeneração física e moral que, a seu ver, acompanha o consumo da cannabis sativa, nome científico da popular diamba, maconha, biricutico, erva, cangonha, bango, ganja, entre diversas outras denominações: “O indivíduo perde o brio, a dignidade, o sentimento do dever, e, incapaz para todo trabalho, não busca senão obedecer à tirania de seu vício execrado.”

O fato é que, ao longo da história, o homem sempre buscou substâncias com que pudesse amenizar as angústias da existência ou intensificar as alegrias, o lado lúdico da vida. E a historiadora Maria de Lourdes da Silva fez do assunto tema de seu livro Drogas: da Medicina à repressão policial, publicado pela editora Outras Letras, com apoio do programa Auxílio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ. Nele, ela procura acompanhar as mudanças de mentalidade que se refletiram em momentos de maior ou menor repressão ao vício. Nas 330 páginas do livro, ela conta como a sociedade passou do consumo de elixires e beberagens à base de ópio e cocaína, que entre suas indicações visavam deixar os trabalhadores mais bem dispostos e aptos a enfrentar as exaustivas jornadas de trabalho, à repressão mais acirrada, que culminaria na atual “guerra contra as drogas”. Seu trabalho foca, especificamente, no período entre 1921 e 1945.

“A primeira lei, de 1921, não criminaliza, mas restringe essas substâncias ao uso clínico. Ou seja, era preciso ter uma prescrição médica para comprá-las na farmácia. Até porque opiáceos e a própria cocaína serviam como base a diversos medicamentos. Também a maconha tinha uso clínico. E o álcool, que desde épocas remotas tinha função de assepsia e purificação, era considerado o veículo ideal para outras substâncias medicamentosas”, explica a autora. Maria de Lourdes fez extensa pesquisa sobre o tema, objeto de sua tese de doutorado, defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 2009, e, transformada em livro em 2015. Para isso, ela mergulhou em relatórios de polícia, na produção literária e científica da época, e mesmo na legislação vigente para compreender as representações associadas às drogas nas primeiras décadas do século XX.

“É um elemento de caráter moral que aos poucos vai mudando a ideia de que o consumo recreativo dessas substâncias é danoso às práticas laborais e à sociedade”, diz Maria de Lourdes. Mesmo assim, há drogas e drogas. A cocaína, assim como o láudano, vinhos e tônicos à base de opiáceos, que eram mais consumidos pelas classes altas em suas atividades de lazer e de entretenimento – incluindo-se aí a prostituição e os jogos de azar –, pouco sofria perseguição policial, enquanto o ópio e a maconha fumados pelos imigrantes chineses e negros, respectivamente, assim como a cachaça barata consumida pelos pobres eram considerados altamente perniciosos e alvo constante da ação dos agentes da lei. Como mostra a autora, artigo da Revista Policial publicado na década de 1920 ilustra a preocupação da polícia com os métodos para abordar usuários. “Vendedores e consumidores recebiam o mesmo tratamento: primeiro advertência e multa, e, no caso de reincidência, multa e prisão. O problema era a diferença entre aqueles que a polícia prenderia e aqueles com quem seria bem mais leniente”, explica a autora.

Essa tendência se acentuaria ao longo do tempo. “Os policiais distinguiam por bairro, gênero e grupo social, dirigindo suas operações apenas para onde se dizia que ‘podiam achar coisas’”. Em outras palavras, costumava-se "achar coisas" em bairros de periferia e grupos de classes sociais mais baixas e marginalizados socialmente. Nesse sentido, as batidas policiais aos terreiros de religiões de matriz africana, as perseguições a capoeiristas e tocadores de violão, assim como as prisões por vadiagem deixavam claro quem eram os alvos habituais dessa repressão.

Uma nova legislação, de 1932, passa a criminalizar o consumo da cannabis sativa, que a partir de então passa a ser proibida. A erva deixava de ser monopólio médico para se tornar caso de polícia. O mesmo acontece com a cocaína, que do uso popularizado por prescrição médica contra dores e fadiga, é totalmente banida a partir dos anos 1930. “O controle policial vem consolidar o imaginário negativo que acompanha o discurso moralista da época.” Vivia-se um período de convulsões sociais que culminaria no endurecimento da repressão e na implantação do Estado Novo. Embora a prioridade da polícia passe cada vez mais a ser a ameaça comunista, as drogas começam a ser associadas não só às práticas desregradas como também à subversão. “Com esta mudança de mentalidade, o consumo de psicoativos ganha um aspecto político; o usuário é não apenas o toxicômano, mas também o degenerado, o perigoso, o subversivo.”

Maria de Lourdes da Silva: historiadora fez extensa pesquisa sobre a repressão às drogas


No caso do álcool, embora o Brasil estivesse alinhado às políticas americanas, que viviam o período da Lei Seca, entre nós o debate foi intenso, mas a tese que colocava o álcool como o terceiro flagelo da humanidade – e que, por isso, devia ter o consumo também proibido – não saiu vitoriosa. “Mesmo que a primeira lei de drogas usasse a expressão 'embriagar-se' para identificar os estados de alteração provocados por psicoativos, na prática, o álcool recebe um tratamento diferente do dispensado às demais drogas. Enquanto a cerveja é anunciada nos jornais como “saudável e nutritiva”, no país produtor de cana-de-açúcar, os grandes fabricantes de cachaça são fortes o suficiente para que seu produto permaneça liberado”, diz Maria de Lourdes.

Se na legislação de 1921 já havia artigo que indicava a internação para tratamento, a lei seguinte, de 1932, já estabelece a internação compulsória do toxicômano. “A questão é que apesar de a lei prever a criação de instituições específicas, não há hospitais especializados para esse tipo de tratamento. O que acontece então é a internação nos manicômios comuns, uma vez que a toxicomania era considerada uma forma de alienação mental. Isso só iria mudar bem mais tarde, com a reforma manicomial de final dos anos 1970”, comenta Maria de Lourdes.

Depois do período Vargas e do fim da Segunda Guerra Mundial, segue-se o momento político de redemocratização das décadas de 1940 e 1950. "É quando se consolida a ideia do uso de psicoativos como patologia e surge a figura do viciado propriamente dito", fala Maria de Lourdes. Enquanto as organizações internacionais se mobilizam para configurar as drogas como uma questão de saúde pública, os opiáceos e a cocaína ainda encontram largo abrigo na prática da medicina. “Do ponto de vista social, as drogas passam a ser vistas como ‘coisa de gueto', de grupos marginais e de delinquentes", afirma a pesquisadora. A década seguinte, de 1960, veria o surgimento da contracultura, do movimento hippie e das idéias libertárias, mas o golpe de 1964, que instalaria a ditadura militar no Brasil pelos 21 anos seguintes, faz recrudescer e ampliar a repressão.

Mais uma vez, há uso político das condutas associadas ao uso de psicoativos, especialmente levando-se em conta o que as drogas representavam no movimento de contracultura. “É promulgada, em 1976, uma lei mais draconiana, igualando usuários a traficantes, com tratamento e punição semelhantes.” A diferenciação legal entre um e outro só aconteceria em 2006. “O movimento de descriminalização das drogas – que inclui a proposta de descriminalizar o porte para uso pessoal, por exemplo – está suspenso desde 2015 no Supremo Tribunal Federal (STF), embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) caminhe para o reconhecimento do uso medicinal da cannabis sativa, a maconha”, diz Maria de Lourdes. E acrescenta: “A repressão às drogas, um eficiente dispositivo de controle social, reflete, de forma mais ou menos acirrada, o momento político que o País vive.”


Autor: Vilma Homero
Fonte: Fiocruz
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data de Publicação: 24/05/2018
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3576.2.8

Consultório holográfico virtual: saúde ao vivo, a cores e em 3D*


Consultório virtual: a nova tecnologia que permitirá aos médicos do HCE acompanhar o atendimento realizado no Acre em tempo real.(Foto: Divulgação)


No limiar do território brasileiro, na tríplice fronteira com Peru e Bolívia, está o município de Assis Brasil, no estado do Acre. Cortado pela Floresta Amazônica, ele abriga pouco mais de 6.863 habitantes, segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parte deles é de militares do 2º Pelotão de Fronteira do Exército brasileiro. Além de reprimir o narcotráfico, o contrabando de armas, a biopirataria, a exploração ilegal de madeira e minérios, o Exército garante também a saúde e o bem-estar da população local. Num futuro bem próximo, os militares de lá poderão contar com uma tecnologia que promete mudar por completo o apoio ao atendimento médico realizado dentro dos hospitais de campanha: é o consultório holográfico virtual.

Há exatamente 4 mil km de distância de Tefé, o Acre, no Hospital Central do Exército (HCE), no Rio de Janeiro, uma junta de médicos-especialistas, em colaboração com os pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), já vem testando a nova tecnologia, que permitirá aos médicos do HCE acompanhar o atendimento que está sendo realizado em Tefé, em tempo real. Além de ver o paciente em 3D, a junta poderá interagir na consulta, auxiliando o médico no diagnóstico da doença do paciente e até determinando rapidamente a necessidade ou não de cirurgia e remoção para uma unidade hospitalar. O aparato tecnológico foi desenvolvido pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos de Tecnologias Avançadas da Escola de Engenharia (NETAv/UFF), em parceria com o Corpo de Saúde do Hospital Universitário Antonio Pedro (Huap), e já está sendo utilizado semanalmente pelo Exército brasileiro.

Semelhante a um consultório comum, com maca, mesa e cadeira, o consultório virtual é equipado com uma webcam, um microfone, Internet, um tripé – que garante a fixação de um celular capaz de fazer fotos nítidas –, um computador para transmissão de imagem holográfica e lâmpadas, posicionadas estrategicamente para garantir a boa visibilidade do paciente na sala. Enquanto conversa com o médico à sua frente, o paciente também é ouvido e analisado por uma junta, reunida em um centro de saúde holográfico a quilômetros dali, em qualquer grande polo urbano do País, como na UFF ou no HCE. Na sala, os médicos conseguem ouvir, conversar e ter a visão real da cena, como se estivessem também frente a frente com o paciente.

A um custo médio de instalação de R$ 10 mil e manutenção à distância, o consultório virtual é um investimento que pode não só reduzir as despesas de transporte de pacientes de uma região remota, como também salvar vidas. Essa é a principal motivação dos pesquisadores envolvidos no projeto, que levou cinco anos para ser desenvolvido.

Batizado de Projeto Telessaúde, o sistema foi idealizado em 2012 e maturado ao longo dos anos de 2014 a 2016 dentro do Centro de Referência em Assistência à Saúde do Idoso, Serviço de Geriatria do Huap. Coordenadora da equipe de Saúde, Yolanda Moreira Boechat conta que a ideia partiu de uma aluna da pós-graduação, que tinha o desejo de promover o atendimento médico à distância, tendo como foco a interiorização da medicina na Amazônia.

"Junto à Escola de Engenharia, vimos que era possível trazer a tecnologia para o auxílio à saúde. Contamos também com o apoio de algumas empresas parceiras, como a Eyemotion, a Embratel e a Star One, que foram determinantes para a escolha da holografia como sistema ideal para a transmissão das imagens", conta a professora Yolanda.

Do ponto de vista da medicina, o “sistema ideal”, mencionado pela professora Yolanda, seria aquele que permitiria à equipe de especialistas do consultório virtual ter uma visão em tamanho real e global do contato entre o médico e seu paciente. "A imagem refletida em uma tela fina, posicionada à frente da junta médica, garante a sensação de conforto e tridimensionalidade. Pelo sistema holográfico é possível acompanhar a cena completa. Os médicos observam dos pés até a cabeça do paciente. Seus gestos e sinais de relaxamento ou tensão", ressalta o engenheiro de Telecomunicações, professor titular da UFF e coordenador-geral do projeto, Julio Cesar Rodrigues Dal Bello.

Passada a etapa de determinação do sistema a ser adotado, faltava encontrar meios de garantir que o envio dos dados – som e imagens –, fossem feitos de modo online e on time. "O emprego da holografia em shows já nos era conhecido. Mas as imagens transmitidas não eram feitas em tempo real", diz o engenheiro de Telecomunicações, professor da UFF e um dos responsáveis pelo planejamento e implantação de Sistemas Holográficos, René Pestre Filho.

Colega de equipe, a engenheira em Eletrônica e Computação e professora Natalia Castro Fernandes conta que, quando o grupo pensou em utilizar a holografia para o atendimento médico, logo sentiram a necessidade de criar mecanismos que garantissem a conexão em tempo real entre médico e paciente e a junta de especialistas. "Tudo isso sem deixar de pensar no lado da economia. Era preciso fazer com que todo esse conjunto fosse viável, a custos bem baixos", enfatiza Natalia.

A segurança no envio e compartilhamento de dados dos pacientes também é assegurada pelo sistema, garante a dupla de especialistas. De acordo com os engenheiros, as informações são transmitidas dos consultórios virtuais até o centro de saúde holográfico de forma criptografada, por meio de um provedor de Internet público ou por satélite.

“Com uma Internet de 2 megabits por segundo de velocidade (de upload) no consultório virtual já é suficiente para que as imagens do médico e paciente em High Definition (HD) cheguem ao centro de saúde holográfico, onde a junta médica estará reunida. Já a velocidade de download pode ser baixa, visto que do centro de saúde holográfico só são enviados dados de voz ao médico”, explicam René e Natalia.

No ano de 2014, com o fomento inicial da FAPERJ, a equipe envolvida no projeto desenvolveu o protótipo do consultório de saúde virtual. Um piloto do consultório de saúde virtual foi instalado no HCE, em 2016, e o pedido de patente da tecnologia também já foi realizado junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi). No mesmo ano, foi feita a entrega dos resultados à Marinha do Brasil, instituição parceira na pesquisa, e também à FAPERJ.

Aqui no Rio de Janeiro, exatamente no Centro de Referência em Assistência à Saúde do Idoso, no campus da UFF, o consultório virtual já auxiliou profissionais na realização de testes psicológicos e no diagnóstico precoce de demência. Já a médica-dermatologista Capitão Fabiana de Sousa Borges Rudolph, do HCE, tem utilizado o aparato, em parceria com médicos da UFF desde 2016, para definir um protocolo que, futuramente, irá ajudar médicos-militares de regiões remotas a identificar doenças de pele. Na Marinha, o sistema foi testado no navio de apoio oceanográfico Ary Rongel, em uma viagem para a Antártica.

Consultor da Escola de Engenharia da UFF para assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação junto à Marinha do Brasil, o Capitão-de-Mar-e-Guerra reformado Gustavo Benttenmüller Pereira ressalta que o sistema tem como potencial adicional o de auxiliar no treinamento de médicos inexperientes, especialmente os que estão longe de uma base de apoio formada por profissionais mais maduros. "A tecnologia dá mais segurança ao médico na definição do diagnóstico da doença que acomete o paciente”, avalia.

Experiente no atendimento em áreas remotas da Amazônia, o médico-cirurgião do Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército, coronel Celso Luiz Chouin exemplifica que nem sempre um médico generalista será capaz de conseguir fazer a diferenciação entre uma mancha simples na pele e o diagnóstico de hanseníase. "Ter o apoio de um grupo de especialistas de forma ágil e fácil é uma vantagem tanto para o médico-militar, quanto para o paciente. Essa tecnologia também pode ajudar a fixar mais médicos na região", aponta.

A numerosa e multidisciplinar equipe de pesquisadores do projeto está ansiosa por alçar novos voos, dentro e fora do Brasil. Para este ano, o grupo planeja aperfeiçoar o Sistema Holográfico, garantindo-o novas funcionalidades. Além disso, os pesquisadores querem viajar com a tecnologia para Oriximiná, no Pará, onde a UFF conta com uma unidade avançada de atendimento médico-ambulatorial à população local, de 50 mil habitantes. Pretende-se, também, implantar o sistema nas outras unidades de fronteira do Exército brasileiro.

“Estamos discutindo a elaboração de um projeto de extensão para o curso de Medicina em Oriximiná. A unidade, especializada em saúde da mulher, poderia receber os internos, que seriam submetidos a acompanhamento constante e avaliação, tanto por um médico preceptor local como pela junta de professores-médicos instalada no centro holográfico da UFF", antecipa a coordenadora da equipe de Saúde do projeto, Yolanda Boechat.

"As aplicações na área médica e no ensino e pesquisa são tão grandes que não conseguimos contabilizar as milhares de possibilidades vislumbradas. Até um banco de dados sobre doenças tropicais poderá ser criado por meio desse sistema", diz o professor Ricardo Campanha Carrano, engenheiro de Telecomunicações e coordenador do NETAv/UFF.

Diante de tantos novos rumos que o Projeto Telessaúde começa a seguir, Dal Bello diz que a sensação é de dever cumprido. "Sem o suporte da FAPERJ não teríamos chegado tão longe, transformando um protótipo em piloto", afirma, entusiasmado, o coordenador-geral do projeto. "Mas queremos continuar avançando. Precisamos de mais recursos e novas parcerias, seja com agências de fomento, órgãos de Defesa ou empresas."

Para a professora Yolanda Boechat, é preciso que toda a sociedade conheça o potencial do projeto e de seus pesquisadores. "Precisamos dizer que isso existe no Brasil. Essa é uma estratégia de assistência à saúde e, por que não dizer também, ao ensino e à pesquisa.", conclui a professora.


Serviço de telemedicina encurta distâncias e acelera laudos médicos

De seis meses para 48 horas. Essa é a redução do tempo que populações ribeirinhas de municípios do interior do estado do Amazonas têm levado para receber o laudo médico de exames radiológicos e por imagem, como uma mamografia. A revolução é resultado da aplicação de um serviço inovador, que possibilita a realização dos exames em regiões distantes dos grandes centros urbanos e até mesmo em localidades com infraestrutura de telecomunicação precária.

"Se antes as chapas de exames precisavam viajar de barco até a capital, Manaus, e entrar na fila de laudos para serem analisadas pelo médico, agora os exames seguem para os especialistas rapidamente", diz Leonardo Severo Alves de Melo, executivo da Diagnext.com, empresa contemplada em dois editais da FAPERJ – Apoio ao Desenvolvimento da Tecnologia da Informação e Tecnova/Rio Inovação/Subvenção Econômica à Inovação – que oferece o serviço à Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas, desde 2012.

A tecnologia da Diagnext.com permite o envio dos arquivos de imagens de forma compacta, em ambientes hostis, isto é, regiões com falta ou ausência de infra-estrutura de energia e de telecomunicações. O sistema foi implantado em 51 hospitais do interior do estado do Amazonas, viabilizando a realização de cerca de 110 mil exames radiológicos, inclusive de emergência, no período de um ano. Desse total, cerca de 4,5 mil, em 2015, e 15 mil, em 2016, foram mamografias.

"Um caminhão de radiologia móvel do Sistema Único de Saúde (SUS) é levado para o interior e nós viabilizamos a conectividade da transmissão dos dados de imagem, de forma rápida e com custos bem mais viáveis, comparados aos serviços oferecidos pelo projeto de uma companhia inglesa", explica Leonardo Melo.

Por meio desse sistema, a rede do interior é conectada a uma central que funciona em Manaus, onde uma equipe médica analisa as imagens geradas nos municípios e devolve os laudos via satélite ou telefonia móvel para as unidades de saúde do interior. Segundo a companhia, a partir da tecnologia, é possível transmitir, em menos de 10 minutos, um exame que, por outros métodos, poderia levar até 8 horas para chegar aos especialistas.

Leonardo Melo diz que sua empresa é a única do Brasil no segmento de telemedicina a transmitir dados em ambientes hostis, utilizando um sistema que combina simultaneamente o uso de transmissão via telefonia móvel ou por satélite. "Além do Amazonas, a Diagnext.com levou sua tecnologia de transmissão de grandes volumes de dados para o interior do estado de São Paulo. Hoje, trabalhamos ainda em outra frente: aperfeiçoar a rede tecnológica de armazenamento e transmissão de dados de grandes hospitais do Rio de Janeiro, Brasília e Bahia", diz o executivo.

O sistema inovador levou a Diagnext.com a se destacar no mercado e a receber quatro premiações: o Abimed de Inovação Transformacional, da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed), em 2015; o terceiro lugar no Prêmio Inova Saúde 2015, da Associação Brasileira de Insumos Médicos e Hospitalares (Abimo); o prêmio latino-americano de Inovação em Saúde (Healthcare Innovation Awards) do órgão internacional do segmento de saúde Healthcare Information and Management Systems Society (HIMSS); e os "100 mais influentes em Saúde" na categoria Inovação, da revista Healthcare Management.


*Reportagem originalmente publicada em Rio Pesquisa, Ano IX, Nº 38 (Março de 2017)




Autor: Aline Salgado
Fonte: Faperj
Sítio Online da Publicação: Faperj
Data de Publicação: 24/05/2018
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3575.2.2

terça-feira, 29 de maio de 2018

Medidas de austeridade podem aumentar mortalidade infantil no Brasil

Fonte: Fiocruz Minas

A mortalidade de menores de cinco anos poderá ser fortemente impactada por medidas de austeridade fiscal que reduzam programas de proteção social e aqueles voltados para a atenção básica à saúde. O alerta vem de um estudo publicado na revista Plos Medicine, que envolveu pesquisadores da Fiocruz Minas, Universidade Federal da Bahia, do Imperial College de Londres, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. De acordo com a pesquisa, a taxa de mortalidade poderá ser de até 8,6% maior em 2030, o que corresponde a um incremento de 20 mil óbitos evitáveis entre crianças. Já as internações evitáveis no mesmo grupo etário poderá chegar a 124 mil.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores usaram modelos matemáticos para analisar a associação de um conjunto de variáveis sociais e econômicas com dois programas brasileiros: Bolsa Família e Estratégia Saúde da Família. Segundo o estudo, ambos os programas têm atuação preponderante na redução das desigualdades e podem evitar mortes e doenças vinculadas à pobreza.

“Essas duas iniciativas têm forte impacto na saúde da população. Exatamente por isso, nesse período de crise econômica, precisam ser preservados. Mais do que isso: eles devem ser ampliados, uma vez que o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social tende a aumentar”, afirma o pesquisador da Fiocruz Minas Rômulo Paes, um dos coordenadores do estudo.

Ainda de acordo com as estimativas dos pesquisadores, havendo redução dos dois programas, os municípios menores e mais pobres, especialmente aqueles que concentram grande parte de sua população na área rural, seriam desproporcionalmente afetados, registrando as mais altas taxas de mortalidade e de internação de menores de cinco anos. As regiões Norte e Nordeste seriam amplamente atingidas.

Especialista em avaliação de políticas públicas, Paes destaca que a crise econômica reduz a capacidade de se adquirir bens e serviços, além de afetar as condições de moradia, questões que influenciam diretamente na saúde da população. Ao mesmo tempo, a crise diminui as possibilidades de investimento do poder público em grandes estruturas de assistência. Dessa forma, segundo ele, a manutenção e a expansão de programas que atuem em prevenção, como é o caso do Saúde da Família e do Bolsa Família, se fazem ainda mais importantes.

“É preciso que se produzam mecanismos de compensação sempre que se prevê redução em bem-estar, devido ao desemprego e à queda de rendimento. Essa recomendação foi feita pelo Banco Mundial para o Brasil há um ano e meio atrás. Funciona dessa maneira em todos os países de economia forte que souberam enfrentar com competência a crise econômica”, conta o pesquisador. “Os níveis de igualdade social que esses países atingiram depende de políticas de proteção social”, enfatiza.

De acordo com o pesquisador, países que passaram por crises econômicas graves e não se atentaram para a importância de criar formas de compensação e proteger programas de cunho social tiveram impactos negativos na saúde. “É o caso da Grécia. A crise econômica e as medidas de austeridade sobre a população refletiram em aumento de pessoas com depressão, ansiedade, alcoolismo, doenças transmissíveis e também nos índices de suicídio”, lembra.

Intitulado Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: A nationwide microsimulation study, o estudo preenche uma lacuna importante em relação aos impactos da crise econômica na saúde, já que há poucas evidências sobre o tema em países em desenvolvimento.

“Trata-se de indicadores importantes, que poderão nortear a implementação de políticas públicas, de forma a corrigir rumos e constituir mecanismos de compensação”, ressalta o pesquisador.

Meta da ONU

As conclusões apresentadas pelo estudo vão ao encontro do que preconiza a Organização Mundial de Saúde. Em 2015, o Brasil comemorou o alcance da meta de redução da mortalidade infantil, estipulada pela entidade. Dois anos antes, em 2013, a ONU havia creditado os progressos no combate à mortalidade infantil a políticas de assistência social implementadas no país, como o Bolsa Família.

Além do Bolsa Família, na época, foram citados como elementos que contribuíram para o resultado positivo a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) com foco na atenção primária de saúde, na melhoria do atendimento materno e ao recém-nascido e aos esforços para prestar assistência à saúde no nível comunitário.

Acesse o artigo na íntegra.


Autor: Fiocruz
Fonte: Fiocruz
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data de Publicação: 28/05/2018
Publicação Original: https://portal.fiocruz.br/noticia/medidas-de-austeridade-podem-aumentar-mortalidade-infantil-no-brasil

Castelo da Fundação Oswaldo Cruz completa 100 anos



Por: César Guerra Chevrand (COC/Fiocruz)

O maior símbolo da Fundação Oswaldo Cruz está completando 100 anos em 2018. Idealizado pelo próprio cientista Oswaldo Cruz, que desenhou seus primeiros esboços, e projetado pelo arquiteto português Luiz Moraes Júnior, o Castelo Mourisco chega ao seu centenário tendo cumprido a missão desejada pelo patrono da Fiocruz, de ser o ícone do desenvolvimento da ciência e da saúde pública no Brasil.

Para a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, além de ser um símbolo da ciência brasileira, o Pavilhão Mourisco é um monumento para expressar o caráter permanente que deve ter a atividade de pesquisa voltada para a resolução dos problemas de saúde. “O Castelo é um símbolo da maior importância contemporânea, quando afirmamos que os recursos aplicados em ciência, tecnologia e inovação não devem ser vistos como gasto e sim como investimento no futuro do país como nação autônoma e inclusiva. É também um símbolo reconhecido pelos diferentes países com os quais a Fiocruz estabelece cooperação; um símbolo de uma ciência voltada para a saúde global, a justiça e a paz”, afirma Nísia.

“Por sua arquitetura singular, nos convida a uma reflexão sobre as relações entre arte, cultura e ciência, um encontro que enriquece a experiência de todos os que trabalham ou estudam na instituição, em suas diversas sedes no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras, e de todos que levam consigo um pouco dela, seja por meio de resultados de pesquisa, cursos, vacinas, serviços, enfim, um pouco deste rico mosaico chamado Fiocruz”, completa a presidente.

Diretor da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), unidade técnico-científica responsável pela preservação e da restauração do patrimônio arquitetônico, ambiental e urbanístico da Fundação, Paulo Elian reafirma a importância do monumento. “O Castelo Mourisco é o maior símbolo da Fiocruz e representa o êxito da ciência brasileira, desta instituição científica centenária e reconhecida por suas grandes contribuições para o país. A comunidade da Fiocruz e a sociedade reconhecem esse símbolo, seu valor científico e cultural. Nós da Casa temos sobre esse patrimônio enorme responsabilidade na sua preservação, pesquisa e uso social”, destaca.

Palácio das Ciências

Construído entre 1905 e 1918, o Pavilhão Mourisco foi erguido em uma colina na antiga fazenda de Manguinhos, de frente para a Baía de Guanabara, para substituir as antigas e improvisadas instalações do Instituto Soroterápico Federal, criado em 25 de maio de 1900. Principal edificação do Núcleo Arquitetônico Histórico (NAHM) de Manguinhos – também composto hoje pelo prédio do Quinino ou Pavilhão Figueiredo Vasconcellos, Cavalariça, Pavilhão do Relógio ou da Peste, Pombal ou Biotério para Pequenos Animais, Hospital Evandro Chagas e a Casa de Chá – o “Palácio das Ciências” foi imaginado por Oswaldo Cruz para ser a sede do novo instituto, criado à imagem do Instituto Pasteur, de Paris, reunindo a produção de vacinas e remédios, a pesquisa científica e demais atividades ligadas à saúde pública.

“A ideia era marcar a gestão dele à frente da Saúde Pública e a própria presença da Saúde Pública nas ações do Brasil novo, republicano, com um Palácio das Ciências. Uma edificação suntuosa, não pelo luxo, mas pela sua expressão. Uma construção sólida e monumental para ser importante e durar no tempo”, afirma o arquiteto, urbanista e pesquisador do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Casa de Oswaldo Cruz, Renato Gama-Rosa, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde da COC.

De acordo com Renato Gama-Rosa, o estilo eclético que define o Pavilhão Mourisco teve três influências principais, ao longo de seus anos de construção. A primeira foi o Palácio de Montsouris, em Paris, que Oswaldo Cruz conheceu quando estudou na França. Ali já estava marcada a presença da linguagem neo-mourisca, que vivia um momento de valorização no final do século 19 na Europa. A segunda influência foi justamente o Castelo de Alhambra, em Granada, Espanha. “Na biblioteca particular de Oswaldo Cruz tem um livro sobre a Alhambra, que ele comprou e provavelmente mostrou ao Luiz Moraes Jr. O arquiteto copiou os seus desenhos. Depois do livro de Alhambra, as obras do Castelo ganharam outra dimensão”, explica Renato.

A terceira principal influência, revelada mais recentemente, foi a sinagoga de Berlim, que inspirou outras sinagogas mundo afora e também as torres do Castelo do então Instituto Oswaldo Cruz. “As torres do Castelo são cópias fiéis das torres dessas sinagogas”, diz Renato. Entre outras influências, Renato também destaca a presença da arquitetura de saúde da época. “As construções de saúde dessa época obedeciam à planta em formato H para permitir a ventilação cruzada dos ambientes”.

A construção

Para a construção do Pavilhão Mourisco foram utilizados vidros, telhas, revestimentos, mármores, ferros e luminárias importados da Europa. A maior parte do material chegava de barco, por meio de um cais instalado na Baía de Guanabara, cujas águas chegavam até onde hoje está a Avenida Brasil, inaugurada apenas em 1947. Ainda na primeira década do século 20, o primeiro e o segundo pavimentos do Pavilhão Mourisco foram ocupados por laboratórios, enquanto seguiam as obras nos pavimentos superiores.


Foto: Acervo da Casa de Oswaldo Cruz

O terceiro, quarto e quinto pavimentos do Castelo, incluindo seu terraço e suas torres, foram finalizados a partir de 1910. Em 1918, o museu e a biblioteca já estavam funcionando no terceiro andar e os trabalhos de ornamentação do hall e do salão nobre da biblioteca foram concluídos. Os equipamentos de laboratório e as instalações elétricas, térmicas, telefônicas e telegráficas também já haviam sido implementadas, caracterizando o Pavilhão Mourisco como um dos edifícios de maior sofisticação tecnológica do país, incluindo um elevador que funciona até os dias de hoje.

“O fato de o Instituto Oswaldo Cruz ter uma sede tão robusta e tão sólida ajudou na própria perenidade da instituição, com impacto para o desenvolvimento da ciência e da saúde no país. Se não houvesse uma obra de maior vulto nas antigas instalações da fazenda de Manguinhos, talvez a instituição não tivesse tido o progresso que teve. Era como se desde o início o Castelo simbolizasse a instituição”, comenta Renato Gama-Rosa.

Usos e conservação

Morto precocemente em 11 de fevereiro de 1917, Oswaldo Cruz não conseguiu ver o seu projeto concluído, mas o sonho de um “Palácio das Ciências” permaneceu vivo para as próximas gerações. O Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico em 1981. Desde a criação da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), em 1986, o patrimônio histórico e cultural da Fiocruz está sob a sua guarda e responsabilidade. Segundo o arquiteto e pesquisador do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Casa de Oswaldo Cruz, a solidez do Castelo contribuiu para que não fossem necessárias muitas obras de manutenção ao longo dos anos. O maior esforço foi justamente para rever algumas reformas que descaracterizaram o projeto original.

“As maiores intervenções foram feitas para descaracterizá-lo internamente, no período dos militares, nos anos 1970. Quando a Casa de Oswaldo Cruz surgiu foi para desfazer uma série de intervenções mal feitas pelos militares na parte interna do Castelo, como fechamento de portas e vãos”, afirma Renato, que aponta os terraços e as torres como as áreas mais frágeis do Pavilhão Mourisco.

Atualmente, o Castelo Mourisco é ocupado pela Presidência da Fiocruz e seus setores administrativos, pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da COC e pelo Instituto Oswaldo Cruz, unidade técnico-científica da Fiocruz. Além disso, o Castelo também abriga a Biblioteca de Obras Raras (imagem), sob a guarda do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde (Icict/Fiocruz), e três salas de memórias, em homenagem aos cientistas Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Costa Lima, que fazem parte do roteiro de visitação do Museu da Vida em Manguinhos. “São alguns usos que a gente fez questão de preservar. Tem que ter usos simbólicos, mas compatíveis com um monumento centenário deste porte”, diz Renato.

Para manter os setores em funcionamento, com dezenas de pessoas ocupando diariamente o Pavilhão Mourisco, a Casa de Oswaldo Cruz investiu, desde a sua criação, no setor de Educação Patrimonial. O objetivo era incentivar os trabalhadores da Fiocruz a respeitar o patrimônio da instituição. “O nosso desafio, desde a criação da Casa de Oswaldo Cruz, é justamente conciliar o uso com a questão patrimonial. Por um lado o uso ajuda na conservação e na manutenção do edifício, mas por outro lado impõe uma série de medidas que não afetem os seus materiais originais. A gente teve que adotar o ar condicionado, por exemplo, para permitir o uso e o conforto de quem trabalha no Castelo. A gente faz um planejamento para que o uso seja possível, com o menor impacto possível”, explica Renato.

Leia também: Especial 100 anos do Castelo Fiocruz



Autor: Fiocruz
Fonte: Fiocruz
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data de Publicação: 28/05/2018
Publicação Original: https://portal.fiocruz.br/noticia/castelo-da-fundacao-oswaldo-cruz-completa-100-anos

Justiça Federal determina medidas para conter chorume do Aterro de Gramacho na Baía de Guanabara


Poluição na Baía de Guanabara. Foto: EBC

Por Lígia Souto, da Radioagência Nacional.

A Justiça Federal determinou que sejam tomadas medidas para conter o chorume proveniente do aterro sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

A sentença chega nove anos após ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, que pediu a instalação de três pontos adicionais de monitoramento no aterro, que já foi o foi o maior “lixão” da América Latina.

Mesmo desativado desde 2012, o local continua sendo uma ameça ao meio ambiente. De acordo com o MPF, há fissuras e rachaduras em vários trechos do aterro, que provocam vazamento de chorume para a Baía de Guanabara. Na decisão, o juiz federal Eduardo Maciel afirmou que as provas demonstram efetivo risco de acidentes ambientais, mesmo após o encerramento das atividades.

O procurador da República, Júlio Araújo, explicou que a ação foi motivada após vistorias identificarem falhas no monitoramento da parte hídrica.

Por essa razão, segundo o procurador, a sentença estabeleceu que a empresa Novo Gramacho Energia Ambiental, concessionária responsável pelo aterro, e a Comlurb, Companhia Municipal de Limpeza Urbana, implementem monitoramento contínuo e rigoroso do chorume bruto e tratado para se avaliar a eficiência da redução da poluição.

A reportagem entrou em contato com a Comlurb, que informou, por nota, que recebeu a decisão e está analisando o processo para entrar com recurso. Já a empresa Novo Gramacho não se posicionou sobre a decisão da Justiça.


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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/05/2018


Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 28/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/28/justica-federal-determina-medidas-para-conter-chorume-do-aterro-de-gramacho-na-baia-de-guanabara/

Sociedades científicas endossam manifesto da SBPC contra Projeto que altera lei dos agrotóxicos


Embalagens vazias de agrotóxicos. Foto EBC

Jornal da Ciência / SBPC

Mais de 20 sociedades científicas associadas à SBPC manifestaram total apoio ao documento divulgado na terça-feira, 22 de maio. Na manifestação, a SBPC alerta para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação da chamada “Lei do Veneno” para a saúde pública e pede um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências do Projeto de Lei

O manifesto da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 6.299/2002, conhecida como “Lei do Veneno”, recebeu o apoio de mais de 20 sociedades científicas associadas desde sua publicação na terça-feira, 22 de maio.

Diante do cenário do uso de agrotóxicos no Brasil e preocupada com a desregulamentação do aparato regulatório de proteção à saúde e ao meio ambiente relacionado aos agrotóxicos no País, a SBPC divulgou um manifesto contra a aprovação do Projeto de Lei que altera a Lei dos Agrotóxicos e alertando para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste PL para a saúde pública.

Se aprovado o projeto, o termo “agrotóxico” será substituído pela expressão “produto fitossanitário e produtos de controle ambiental”. Conforme observa a SBPC, o termo agrotóxico ou pesticida é reconhecido mundialmente, e a proposta sugere a troca do termo sem nenhuma justificativa científica plausível.

Além disso, o PL prevê, entre outros pontos, que os agrotóxicos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se órgãos reguladores, como Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído suas análises.

Segundo o manifesto, o uso excessivo de agrotóxicos ameaça seriamente os ecossistemas além de representar um problema grave para a saúde. A presença desses compostos nos ecossistemas terrestres e aquáticos representa um risco para os organismos, com vários efeitos negativos já reportados e resultantes desta exposição. “Um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. A Anvisa apontou, em 2013, que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos. Registre-se que, em apenas doze anos, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de agrotóxicos no Brasil”.

A entidade finaliza o documento conclamando que as instituições de pesquisa, os órgãos governamentais, o Congresso Nacional, as entidades representativas dos diversos setores sociais e a sociedade brasileira como um todo para que seja realizado um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências deste PL, e com o tempo adequado, para que não se aprove às pressas uma legislação sobre os agrotóxicos que pode trazer consequências ainda mais graves para a saúde da população e para o meio ambiente brasileiro.

Após sua publicação, sociedades científicas de todas as áreas, por todo o País, manifestaram total apoio ao documento divulgado para a SBPC. As seguintes entidades endossam o documento:

Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC)

Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO)

Associação Brasileira de Cristalografia (ABCr)

Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação – (Socicom)

Sociedade Astronômica Brasileira (SAB)

Sociedade Botânica do Brasil (SBB)

Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN)

Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBF)

Sociedade Brasileira de Catálise (SBCat)

Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS)

Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTa)

Sociedade Brasileira de Computação (SBC)

Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM)

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC)

Sociedade Brasileira de Fisiologia Vegetal (SBFV)

Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)

Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE)

Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI)

Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT)

Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO)

Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP)

Sociedade Brasileira de Toxinologia (SBTx)

Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)

Leia abaixo o manifesto na íntegra:

Manifestação da SBPC sobre o Projeto de Lei Nº 6.299/2002

Está neste momento sendo discutida, em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a aprovação do Projeto de Lei Nº 6.299/2002, relacionado aos agrotóxicos. O projeto “altera os arts 3º e 9º da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências”.

O projeto de lei traz uma proposta de alteração da Lei nº 7.802/89, restringindo a atuação dos órgãos de saúde e ambiente em todo o processo de liberação e controle dos agrotóxicos, concentrando as competências no setor da agricultura, com destaque para os seguintes pontos: a eliminação dos atuais critérios de proibição de registro de agrotóxicos descritos no § 6º do Artigo 3º da referida Lei, principalmente carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade, distúrbios hormonais e danos ao sistema reprodutivo; a possibilidade de comercialização de produtos que ainda não tenham sido autorizados pelos órgãos de governo, mediante a criação do registro temporário e da autorização temporária. O termo agrotóxico ou pesticida é reconhecido mundialmente, porém a nova legislação proposta sugere a troca do termo agrotóxico para defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental, sem uma justificativa científica plausível para tal.

O uso excessivo de agrotóxicos ameaça seriamente os ecossistemas além de representar um problema grave para a saúde. A presença desses compostos nos ecossistemas terrestres e aquáticos representa um risco para os organismos, com vários efeitos negativos já reportados e resultantes desta exposição. A saúde humana é a mais afetada pelos efeitos adversos do uso de agrotóxicos. Muitas dessas substâncias têm o potencial de se acumular na corrente sanguínea, no leite materno e, principalmente, nos alimentos consumidos pela população. Um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. A Anvisa apontou, em 2013, que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos. Registre-se que, em apenas doze anos, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de agrotóxicos no Brasil.

A literatura científica nacional e internacional aponta que, dentre os efeitos sobre a saúde humana associados à exposição aos agrotóxicos, os mais preocupantes são as intoxicações crônicas, caracterizadas por infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, manifestada através de distúrbios cognitivos e comportamentais, e quadros de neuropatia e desregulação hormonal. Além disso, há estudos que evidenciaram os efeitos imunotóxicos, caracterizados por imunoestimulação ou imunossupressão, sendo este último fator favorável à diminuição na resistência a patógenos ou mesmo diminuição da imunovigilância, com comprometimento do combate às células neoplásicas levando a uma maior incidência de câncer.

A questão dos agrotóxicos, apesar de polêmica por envolver interesses de setores da economia como a indústria química e do agronegócio, é um exemplo importante da necessidade de serem utilizadas evidências científicas para dar suporte à elaboração de legislações e políticas públicas. Um caso clássico mundial, e emblemático, foi o livro “A Primavera Silenciosa” da pesquisadora e escritora norte-americana Rachel Carson, publicado em 1962. Carson denunciou vários efeitos negativos resultantes do uso do DDT em plantações. As suas análises foram a base para a criação de um Comitê de Consultoria Científica do presidente dos Estados Unidos sobre a temática dos agrotóxicos, que acabou por reforçar suas conclusões, fornecendo elementos para a criação futura de órgãos como a Agência de Proteção Ambiental Americana.

Em 2015, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, uma das associações científicas afiliadas à SBPC, elaborou um dossiê de alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde (disponível no site: www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/) no qual foram reunidas evidências científicas sobre o risco que toda a população brasileira está correndo frente a medidas que intensificam o uso e a exposição a agrotóxicos no País. Além das consequências para o ambiente e para a saúde da população, o uso exagerado de agrotóxicos afeta a economia brasileira com um custo muito alto (mais de 12 bilhões de dólares por ano) uma vez que a produção de insumos agrícolas, incluindo agrotóxicos, é controlada por grandes multinacionais.

Diante do cenário do uso de agrotóxicos no Brasil e preocupada com a desregulamentação do aparato regulatório de proteção à saúde e ao meio ambiente relacionado aos agrotóxicos no Brasil, a SBPC se manifesta contra a aprovação do Projeto de Lei Nº 6.299/2002 e demais projetos apensados. Alertamos a sociedade brasileira para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste PL para a saúde pública. A nossa entidade, que está à disposição para trazer as evidências científicas que justificam sua posição, se soma às análises técnico-científicas de órgãos que já se manifestaram pela rejeição do PL como a Fiocruz, o INCA, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública da União, o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente, a ANVISA e a ABA, que produziram notas técnicas alertando para os riscos contidos nesse Projeto de Lei. A SBPC conclama as instituições de pesquisa, os órgãos governamentais, o Congresso Nacional, as entidades representativas dos diversos setores sociais e a sociedade brasileira como um todo para que seja realizado um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências deste PL, e com o tempo adequado, para que não se aprove às pressas uma legislação sobre os agrotóxicos que pode trazer consequências ainda mais graves para a saúde da população e para o meio ambiente brasileiro.

Ildeu de Castro Moreira

Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Do Jornal da Ciência / SBPC, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/05/2018



Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 28/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/28/sociedades-cientificas-endossam-manifesto-da-sbpc-contra-projeto-que-altera-lei-dos-agrotoxicos/

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Aquecimento Global: Riachos podem emitir mais dióxido de carbono em um clima mais quente




Riachos e rios podem bombear dióxido de carbono para o ar a taxas crescentes se continuarem aquecendo, potencialmente aumentando os efeitos do aquecimento global, mostrou uma nova análise mundial.

Para chegar a essa conclusão, uma equipe de pesquisa internacional conduziu o primeiro estudo em escala continental dos fluxos de carbono para dentro e para fora dos córregos em seis grandes zonas climáticas. Eles coletaram dados em bacias hidrográficas de Porto Rico, Oregon (EUA), Austrália e Alasca. Em cada um deles, os cientistas analisaram o equilíbrio entre a fotossíntese – que usa CO2 atmosférico para gerar material vegetal, como raízes e folhas – e a respiração, que bombeia CO2 de volta para o ar.

Os cientistas publicaram seus resultados esta semana na revista Nature Geoscience.

A questão é importante porque os rios e riachos do mundo trocam carbono com a atmosfera a taxas comparáveis com os ecossistemas terrestres e os oceanos. Se o aquecimento global continuar, um aumento nas emissões de carbono baseadas em fluxo poderia aumentar a concentração de CO2 na atmosfera.

“Este estudo é o primeiro a olhar para os efeitos da mudança climática sobre o ‘metabolismo’ do fluxo na escala continental usando observações de campo”, disse Alba Argerich, co-autor. “Essa abordagem leva em consideração a complexidade de um ecossistema, em oposição a experimentos controlados em que você recria versões simplificadas de um ecossistema.”

Argerich e outros cientistas monitoraram os fluxos de temperatura da água, oxigênio dissolvido e luz solar na superfície da água. Os pesquisadores também simularam o equilíbrio entre a produção primária líquida (o produto da fotossíntese por todos os organismos no córrego) e a respiração sob um aumento de 1 grau Celsius na temperatura da correnteza. O resultado líquido das simulações, eles relataram, foi uma mudança de 24 por cento em direção a mais respiração e emissões de CO2. No entanto, nem todos os fluxos respondem da mesma maneira.

A mudança em direção a mais emissões de CO2 parece ser mais pronunciada em fluxos mais quentes, descobriram os cientistas, enquanto correntes mais frias podem realmente ver um aumento na produção primária líquida. A ciclagem de carbono nos riachos também pode ser afetada por outros fatores, como plantas e micróbios no ecossistema do córrego e nutrientes que fluem para a água das terras vizinhas.

Argerich conduziu seu trabalho como pesquisadora no College of Forestry da Oregon State University. Ela é agora professora assistente na Escola de Recursos Naturais da Universidade do Missouri. Em trabalhos anteriores no HJ Andrews Forest, Argerich mostrou que pequenos riachos podem exportar quantidades surpreendentes de carbono tanto a jusante quanto para a atmosfera. “Este documento confirma o papel dos fluxos como uma fonte ativa de CO2 para a atmosfera, que pode ser ainda mais importante à medida que as temperaturas globais aumentam”, disse ela.

Chao Song, autor principal da Universidade da Geórgia, foi acompanhado por 26 co-autores dos Estados Unidos e da Austrália. Outras bacias hidrográficas representadas no estudo incluíram a Floresta Experimental de Luquillo em Porto Rico, o Parque Nacional Litchfield na Austrália, a Konza Prairie em Kansas e a Caribree-Poker Creeks Watershed e a Estação de Campo Toolik Lake no Alasca.


Referência:

Continental-scale decrease in net primary productivity in streams due to climate warming
Chao Song, Walter K. Dodds, […]Ford Ballantyne IV
Nature Geoscience (2018)
doi:10.1038/s41561-018-0125-5
http://dx.doi.org/10.1038/s41561-018-0125-5


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/05/2018



Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 28/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/28/aquecimento-global-riachos-podem-emitir-mais-dioxido-de-carbono-em-um-clima-mais-quente/

População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”
Augusto Comte (1798-1857)




O Brasil já nasceu grande em termos de extensão territorial, mas ainda era uma economia pequena no século XIX. Com o fim da escravidão (1888) e a Proclamação da República (1889) o país redirecionou o seu sistema produtivo para a busca do desenvolvimento nacional e, progressivamente, para o fortalecimento do mercado interno.

O lema “Ordem e Progresso” foi inscrito na bandeira nacional por influência dos positivistas. Este binômio foi inspirado no lema do sociólogo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do positivismo: “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”. O progresso era uma ideia em moda no século XIX e a Europa era uma referência para o mundo na medida em que conquistava territórios e vendia seus produtos modernos. Inspirados na ideologia europeia, os positivistas brasileiros tiveram papel de destaque na Proclamação da República (Só não se sabe porque eles não colocaram a palavra amor na faixa da bandeira nacional).

Naquela época, o Brasil era um país pouco povoado, rural, agrário e com pouca integração entre suas diversas regiões. Desta forma, não é de se estranhar que o progresso estivesse relacionado ao crescimento populacional, ao desenvolvimento econômico, à dominação da natureza e à grandeza da Pátria. Não havia preocupação com as questões ambientais e a defesa da biodiversidade.

O presidente do Brasil, Afonso Pena (1906-1909), dizia que “Governar é povoar”. Já Washington Luis (1926-1930), ampliando esta concepção, dizia que “Governar é abrir estradas”. A frase completa do último presidente da República Velha, dando ênfase à ocupação do território, é: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; Governar é, pois, fazer estradas”.

O Presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) chegou ao poder prometendo redirecionar o desenvolvimento brasileiro para o mercado interno e para o interior. Ele apoiou a família extensa, o crescimento populacional e a migração para o Oeste. Os trabalhadores assalariados da CLT foram premiados com um “salário-família” a título de estimular uma prole numerosa. No governo Vargas foram implantadas políticas sociais que, de forma intencional ou não, tinham objetivos pronatalistas.

Mas além da política positivista voltada para o crescimento populacional, na era Vargas houve uma legislação claramente anti-controlista, por exemplo: a) o Decreto Federal n. 20.291, de 11 de janeiro de 1932 estabelecia “É vedado ao médico dar-se à prática que tenha por fim impedir a concepção ou interromper a gestação”; b) a Constituição de 1937 em seu artigo 124 diz: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. As famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus encargos”; c) em 1941, durante o Estado Novo, foi sancionada a Lei das Contravenções Penais que em seu artigo 20 proibia: “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar o aborto ou evitar a gravidez”.

A maior obra do presidente pós Segunda Guerra, Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), foi a construção da Via Dutra (BR 116), inaugurada em 19 de janeiro de 1951 ligando as duas maiores cidades do Brasil. Após o segundo governo Vargas, foi eleito o Presidente Juscelino Kubitschek que tinha como lema central a bandeira: “50 anos em 5”. Ele prometia acelerar a modernização do país, construindo hidrelétricas, indústria de base, automóveis, bens de consumo em geral e, principalmente, a construção de Brasília e a conquista do Cerrado. Os governantes brasileiros sempre consideraram a natureza uma fonte inesgotável de riquezas que deveriam ser exploradas sem maiores considerações e seguiram a visão cornucopiana de Pero Vaz de Caminha: “Aqui, nesta terra, em se plantando, tudo dá.”

Os militares, que tomaram o poder em 1964, estavam na linha de frente da exploração desenfreada do meio ambiente e da política populacional expansionista do “Brasil potência”. Mesmo com as precárias condições de vida e a falta de investimentos no bem-estar qualitativo da população, os primeiros governos militares adotaram uma política pronatalista, como mostrou Canesqui: “A doutrina da Segurança Nacional, adotada pelo regime militar no período 1964-1970, assegurou a posição natalista, incluindo expectativas quanto ao crescimento demográfico e o preenchimento dos espaços vazios de regiões a serem colonizadas (Amazonas e Planalto Central). Esta preocupação ficou bastante clara no Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) do governo Costa e Silva. Este mesmo governo reafirmou suas convicções natalistas face ao desenvolvimento e à segurança, em mensagem dirigida ao Papa Paulo VI, por ocasião da publicação da Encíclica Humanae Vitae (1968) de forma a não contrariar a posição oficial da Igreja Católica, diante da política controlista da natalidade”.

Seguindo a linha dos governos autoritários, o general linha dura e Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) chegou a estabelecer a seguinte orientação para o processo de ocupação territorial: “Levar os homens sem-terra à terra sem homens”. Na Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, o General Costa Cavalcante, Ministro do Interior e representando o governo, proferiu um discurso claramente antiecológico: “Para a maioria da população mundial, a melhoria de condições é muito mais uma questão de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhorar vestimentas, habitação, assistência médica e emprego, do que ver reduzida a poluição atmosférica”.

Após o processo de redemocratização, os governos José Sarney (1985-1989), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) pouco fizeram para reverter a o quadro de degradação ambiental e redirecionar o processo de desenvolvimento do país. Da mesma forma, os governos Luís Ignácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014) reviveram a linha do neodesenvolvimentista, dando incentivo aos grandes projetos, como o pré-sal, a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas na Amazônia e a venda de commodities do agronegócio e dos agrotóxicos, assim como de produtos minerais altamente poluidores (ferro, bauxita, nióbio, ouro e outros metais). O uso do mercúrio e do cianeto na separação e limpeza da exploração mineral transforma o garimpo em uma das atividades mais poluidoras, tendo como consequência a contaminação de peixes e animais silvestres, afetando inclusive a saúde humana.

O Brasil passa por uma especialização regressiva e a economia está muito dependente de produtos básicos, vindos da “Roça” (agronegócio) e da “Mina” (pré-sal e mineração). A Câmara dos Deputados aprovou, dia 29 de novembro de 2017, o texto-base da Medida Provisória 795/17, que concede isenções tributárias para a indústria do petróleo que podem ultrapassar R$ 1 trilhão em 25 anos. Por conta disto, o Brasil recebeu uma honraria indesejada pelos países durante as negociações climáticas da COP23: o “Fóssil do Dia”. O “prêmio” é dado pela Climate Action Network para os países que ou estão atravancando as conversas na conferência ou não tomando internamente as ações necessárias para o combate às mudanças climáticas. Portanto, a ideologia positivista do desenvolvimentismo a qualquer custo continua viva e virou quase uma religião de Estado.

Evidentemente a ideia de progresso tal como aconteceu no país tem sido questionada por muitas pessoas e diversos movimentos populares. Por exemplo, em entrevista à Revista época (04/06/2012), Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, fez várias críticas sobre a forma como o progresso brasileiro possibilitou o aumento do genocídio dos índios e o ecocídio das espécies vivas do Cerrado e da floresta amazônica. Na verdade dos os ecossistemas brasileiros foram afetados terrivelmente pelo processo de desenvolvimento do Brasil.

O gráfico acima, mostra que até os 200 anos da Independência (1822-2022), a população brasileira terá crescido 46 vezes, o PIB terá crescido 834 vezes e a Renda per capita terá aumentado em 18 vezes. A despeito das desigualdades sociais, o progresso humano foi espetacular. Mas todo o progresso humano ocorreu às custas do retrocesso ambiental. Todos os biomas brasileiros foram afetados e continuam sendo degradados. Os rios urbanos viraram esgotos e foram enterrados vivos. Os dois maiores rios da região Sudeste (rio Doce e Paraíba do Sul) estão em estado de miséria.

O rio São Francisco está cada vez mais sem água e o assoreamento e a degradação é quase uma sentença de morte. Os rios Pajeú e Riacho do Navio só existem na imortal música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

Embora o Brasil seja o país com o maior superávit ambiental do mundo, caminha, se forem mantidas as tendências das últimas décadas, para uma situação de déficit. A Footprint Network apresenta duas medidas úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.

A pegada ecológica per capita do Brasil, em 1961, era de 2,4 hectares globais (gha) e a biocapacidade per capita era de 22,7 gha. Portanto, a biocapacidade per capita era 10 vezes maior do que a pegada ecológica. Mas em 2013, a pegada ecológica subiu para 3 gha, enquanto a biocapacidade caiu para 8,9 gha. A relação entre as duas medidas caiu para menos de 3 vezes. O Brasil ainda possui um grande superávit ambiental, mas pode jogar fora todo este patrimônio natural nos próximos 50 anos se nada for feito para reverter o padrão insustentável de desenvolvimento.







A análise apresentada nesse artigo é uma pequena parte do capítulo “Population, development and environmental degradation in Brazil” de ALVES e MARTINE (2017), que compõe o livro “Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, editado por ISSBERNER LR; LENA P. (2017). Uma síntese do capítulo pode ser acessada no link abaixo, com base na apresentação feita no dia 27/09/2017, no Rio de Janeiro. Se o rumo da insustentabilidade não for redirecionado, o Brasil não terá nada a comemorar, em 2022, nos 200 anos da Independência.

Referências:

ALVES, JED; MARTINE, G. Population, development and environmental degradation in Brazil. In: Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, Londres, NYC, Routledge, 2017

ALVES, JED. População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, Apresentação do capítulo do livro Brasil no Antropoceno, no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, 27/09/2017
https://pt.scribd.com/document/360151759/Populacao-desenvolvimento-e-degradacao-ambiental-no-Brasil


José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br


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Data de Publicação: 28/05/2018
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Caminho do Mar: o filme do rio Paraíba do Sul, por Juliana de Carvalho e Guilherme Souza



Foi fazendo a edição de um livro sobre os cursos hídricos da cidade do Rio de Janeiro que me deparei com a história da transposição do rio Paraíba do Sul para abastecer de água a cidade. Parece estranho, mas essa é uma informação que a maioria dos cariocas desconhece, ou não entende a importância e o perigo do fato. Diante da minha ignorância e surpresa, pensei: isso vale um filme. Assim nasceu o argumento Paraíba do Sul , o filme que mais tarde se chamaria Caminho do Mar, por sugestão do diretor convidado Bebeto Abrantes, inspirado em um verso do poema O Rio,de João Cabral de Melo Neto.

Caminho do Mar, que estreia nos cinemas do Rio e de São Paulo, no dia 7 de junho, na Semana do Meio Ambiente, não é um documentário-denúncia, que quer revelar os culpados, é um grito de alerta contra o descaso das autoridades brasileiras, frente ao desgaste de nosso meio ambiente e dos nossos recursos naturais. Em especial, a esse rio que abastece uma das regiões mais populosas do Brasil: a região Sudeste.

É natural uma relação de conflito entre as cidades e o uso de suas águas. Mas no caso do rio Paraíba do Sul um desastre ambiental acontece diariamente e estamos ignorando a gravidade da situação. Depois do que aconteceu com o rio Doce, não é alarmismo dizer que o Rio de Janeiro pode um dia acordar sem ter água para beber. Como disse Paulo Canedo, nosso consultor em hidrologia para o filme: “Dói no coração ver nossos rios sendo mortos”.

O rio Paraíba do Sul nasce em São Paulo, por entre um rico fragmento de Mata Atlântica, na Serra da Bocaína, e ao longo de um bom percurso desliza das regiões de maiores altitudes para as mais planas em meio a duas serras, a do Mar e a da Mantiqueira. Nesse percurso recebe águas de inúmeros afluentes até desaguar no litoral fluminense, em Campos dos Goytacazes e São Francisco do Itabapoana. Como dados numéricos ele também é majestoso. Ao todo, são 5,5 milhões de habitantes, sendo 1,8 milhão no estado de São Paulo, 2,4 milhões no Rio de Janeiro e 1,3 em Minas Gerais. Ao todo são 184 municípios que dependem da água da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Esse contingente aumenta quando incluímos os 8,7 milhões de habitantes da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma vez que também consomem a água dessa bacia hidrográfica.

No entanto, apesar da sua expressividade nacional, seja populacional seja econômica (detêm o maior PIB – Produto Interno Bruto), o índice de tratamento do esgotamento sanitário é menor que 11,3 % (Fonte: CEIVAP). Além desse aspecto, outros contribuem para o desequilíbrio ambiental na bacia como: despejos de efluentes industriais, os inúmeros barramentos hidrelétricos, os desmatamentos, o uso irregular do solo, dentre outros.

Inevitavelmente, tal descaso interfere na biodiversidade aquática. Em relação aos peixes, o Paraíba do Sul ainda possui uma grande variedade de espécies, mas é na porção terminal desse rio que as espécies são mais diversas, nos cursos médio inferior e o baixo Paraíba do Sul. Esses trechos, além de não serem industrializados, ainda possuem como rotas migratórias para possibilitarem a reprodução dos peixes, e também rotas de escape para os peixes durante os recorrentes acidentes químicos, inclusive mantendo espécies ameaçadas de extinção, como a piabanha (Brycon insignis), o surubim-do-Paraíba (Steindachneridiom parahybae) dentre outros. É por esse e outros motivos é que temos que preservá-lo

E nossa esperança foi darmos voz ao Paraíba do Sul no Green Film Festival que aconteceu durante o 8º Fórum Mundial do Água, de 18 a 23 de março em Brasília, e pela primeira vez no Hemisfério Sul. Nossa missão é trazer para o debate político e popular o futuro do Paraíba do Sul, e quem sabe alterar o curso dessa história. Parafraseando o clássico filme brasileiro do mestre do documentário Eduardo Coutinho, “Cabra marcado para morrer” ( 1984) não vamos deixar o Paraíba do Sul ser mais um rio marcado para morrer.

Por Juliana de Carvalho, idealizadora e produtora do documentário, e Guilherme Souza, depoente do filme e biólogo do Projeto Piabanha

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