sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

O terremoto que apavorou São Paulo há 100 anos



CRÉDITO,BIBLIOTECA NACIONAL
Legenda da foto,

Os jornais paulistanos da época noticiaram o terremoto nas manchetes


Foi um susto e tanto. Há 100 anos, às 3h55 da madrugada do dia 27 de janeiro de 1922, os paulistanos e habitantes de cidades vizinhas, num raio de 450 km, foram despertados abruptamente por um estrondo mais forte que um trovão.


O barulho foi seguido de um chacoalhar da terra e de suas casas, que derrubou gente da cama, rachou paredes e colunas, quebrou louças e móveis e apavorou todo mundo.


As pessoas, em pânico, saíram às ruas, muitas gritando por socorro e "senhoras e senhoritas" em "trajes menores". É possível que tenha havido pelo menos uma morte - de susto.


É até hoje o maior terremoto registrado na parte continental das regiões Sul e Sudeste do Brasil, com magnitude 5.1, na escala Richter.


"Seu epicentro foi na região de Espírito Santo do Pinhal [a 198 km da capital], onde estou neste dia 27, com o professor Marcelo Assumpção, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), para realizar algumas filmagens e ele dar um conferência sobre o tremor", conta o geólogo Alberto Veloso, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e autor do livro Tremeu a Europa e o Brasil Também.


"O terremoto estremeceu boa parte da capital paulista, alarmando pessoas, produzindo danos menores em construções e enchendo os jornais de notícias variadas."


No livro Sismicidade do Brasil, de 1984, do qual Veloso e Assumpção são coautores, há vários relatos sobre o abalo de 27 de janeiro de 1922, coletados em jornais e de pessoas entrevistadas por esses veículos.


Eles dão conta de que "precisamente" às 3h55 um "tremor precedido de grande rumor" derrubou algumas cimalhas (molduras superiores de fachadas de edifícios) de várias construções, rachou paredes, dilatou alicerces e deixou "diversas arqueações de cobertura" desintegradas.


Os relatos da época também informavam que a Igreja de São Benedito, em Espírito Santo do Pinhal, "de construção defeituosa e atentatória a todos os princípio de engenharia, devido à desproporção da torre para o corpo estrutural do templo, apresentava, além das que já existiam, diversas novas fendas, ameaçando a torre vir abaixo".


Técnicos que estiveram no local, "dada a violência do abalo, não sabem como essa torre não se derruiu completamente".



CRÉDITO,ALBERTO VELOSO
Legenda da foto,

A Igreja São Benedito (imagem atual), em Espírito Santo do Pinhal, sofreu abalos em sua estrutura depois do terremoto


Ainda de acordo com os jornais dos dias seguintes ao evento, citados no livro Sismicidade do Brasil, em diversas casas, os móveis que existiam no interior foram atirados ao chão e as louças de uso doméstico ficaram quase todas quebradas.


"Além disso, "diversas lojas tiveram as suas prateleiras caídas, sendo que vários negociantes foram muito prejudicados com quebra de mercadorias frágeis".

Registro de morte


O sismo durou apenas 5 segundos, mas foi o suficiente para assustar todo mundo. Segundo os jornais, a população, "em trajes ligeiros, veio à rua". Depois do tremor, algumas pessoas não voltaram mais para suas casas com medo de repetição do fenômeno. "Os primeiros trens deixaram a cidade abarrotados de pessoas que a abandonavam."


A quase 200 quilômetros dali, na capital paulista, também houve danos, pânico e agitação. Em um vídeo sobre o terremoto, postado em seu canal no YouTube, Veloso diz que a cidade já era grande na época, com seus quase 65 mil prédios e cerca de 650 mil habitantes. "O tremor foi sentido em toda a capital e as pessoas ficaram assustadas", conta.



CRÉDITO,MARCELO ASSUMPÇÃO

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"Numerosas famílias abandonaram lares e foram as ruas. A Praça da República foi invadida por senhoras e senhoritas em trajes menores. Na rua Anna Cintra, ruiu parte do telhado de um prédio, causando enorme susto. Na avenida Paulista, Vila Mariana, em Santana o terremoto foi mais sensível e, racharam-se várias paredes de residência particulares."


Ele teria causado ainda pelo menos uma vítima fatal. "Jornais dão nome, idade e endereço do morto que, segundo palavras do delegado e do legista, faleceu de susto causado pelo sismo", conta Veloso.


A vítima teria sido o operário Vicente Júlio Novaes Júnior, de 58 anos, que teria tido uma "síncope" logo depois do abalo.


A princípio ninguém sabia o que tinha acontecido. Segundo Veloso, o próprio governador, Washington Luís, acreditou ter ocorrido uma convulsão social, uma revolta com o uso de dinamite.


"Após negativa da polícia, ele procurou informações no Observatório Meteorológico, que contava com barógrafos, instrumento que mede a pressão atmosférica e a registra continuamente, mas não terremoto. O equipamento registrou o início do abalo, no entanto, às 3h50min40."


O diretor do Observatório, José Nunes Belfort de Mattos, informou a duração de 4 segundos e amplitude 8 centímetros do sinal registrado.


"Baseado apenas naquela amplitude, ele interpretou que o solo da cidade de São Paulo subiu e desceu oito centímetros, o que não era correto", diz Veloso. Mas outro observatório, o Nacional do Rio de Janeiro, registrou o terremoto.


"O encarregado da sismologia, Alex Lemos, fez a leitura no sismograma e estimou a distância até o epicentro em 400 quilômetros", conta Veloso.



CRÉDITO,MARCELO ASSUMPÇÃO


Dois estudos mais abrangentes do sismo de Espírito Santo Pinhal só foram feitos 57 anos depois, em 1979. Um deles pelo próprio Veloso.


"Eu e um colega da UnB, Jorge Mendes, estudamos o tremor e sua magnitude através da área de percepção", explica. "Estimamos que ela foi 4.8, com erro de mais ou menos 0.3, coincidindo, então, com a magnitude consagrada de 5.1."


O outro, mais aprofundado, foi realizado por Assumpção, que contava com uma equipe maior. Ele pesquisou a área onde o abalo foi sentido e o grau de intensidade em cada local.


"Isso tornou possível estimar a magnitude Richter (5.1) e o seu epicentro, que foi perto de Espírito Santo do Pinhal e São João da Boa Vista, no Estado de São Paulo", conta. "Um sismo dessa magnitude, nessa região do limite entre São Paulo e Minas Gerais, ocorre uma vez a cada 400 anos. É muito raro, portanto, ocorrer outro igual. Mas não é impossível."


De acordo com Assumpção, assim como todos os terremotos no Brasil, o de 1922 foi consequência indireta das forças que movimentam as placas tectônicas.


"Mesmo estando longe das bordas da Placa Sul-Americana, numa região que chamamos de intraplaca, o Brasil está submetido a pressões geológicas que podem causar tremores", explica. "Alguns com magnitudes perto de 5 ou mais têm causado danos."


Algumas regiões do país são mais propensas a sismos do que outras. Uma delas é justamente a da divisa entre São Paulo e Minas Gerais, que vai desde Espirito Santo do Pinhal (SP), passando por Poços de Caldas, até Araxá (MG). "Uma hipótese possível para explicar essa maior sismicidade, é que nessa região a placa sul-americana é mais fina, o que concentra as pressões geológicas que vêm das bordas das placas", diz Assumpção.


Ele alerta que, apesar de muito raramente causar danos em construções civis, o estudo dos tremores é importante para garantir a segurança de instalações críticas, como usinas nucleares e barragens de hidrelétricas e de rejeitos de minério, por exemplo.


"Nesses casos, é preciso levar em conta eventos 'extremos', isto é, fortes e muito raros, mas que podem ter consequências catastróficas se não forem tomados cuidados de segurança", diz. "Para usinas nucleares e barragens de rejeito, por exemplo, a legislação exige que se considere eventos com período de recorrência de 10.000 anos."




Autor: Evanildo da Silveira
Fonte: Vera Cruz (RS) para BBC News Brasil
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 27/01/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60147867

O objeto giratório 'assustador' encontrado na Via Láctea por cientistas australianos



CRÉDITO,ICRAR/CURTIN
Legenda da foto,

Uma imagem mostra a Via Láctea vista da Terra, com um ícone de estrela mostrando a posição do misterioso objeto


Cientistas australianos dizem ter descoberto um objeto giratório desconhecido na Via Láctea - e afirmam ser diferente de tudo o que já foi visto antes.


O objeto — descoberto pela primeira vez por um estudante universitário — foi observado liberando uma enorme explosão de energia por um minuto inteiro a cada 18 minutos.


Objetos que pulsam energia no universo são frequentemente descobertos. Mas os cientistas dizem que algo que "fica ligado" por um minuto é muito incomum.


O objeto foi descoberto pela primeira vez pelo estudante Tyrone O'Doherty da Curtin University Honors em uma região do interior da Austrália Ocidental conhecida como Murchison Widefield Array, usando um telescópio e uma nova técnica que ele próprio desenvolveu.


O'Doherty fazia parte de uma equipe liderada pela astrofísica Natasha Hurley-Walker, da divisão da Universidade Curtin dentro do Centro Internacional de Pesquisa em Radioastronomia (ICRAR).

"[Ele] estava aparecendo e desaparecendo ao longo de algumas horas durante nossas observações", disse ela em um comunicado de imprensa do ICRAR sobre a descoberta.


"Isso foi completamente inesperado. Foi meio assustador para um astrônomo porque não há nada conhecido no céu que faça isso."

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Objetos que "ligam e desligam" no Universo não são novos para os astrônomos — eles os chamam de "transitórios". Mas um objeto que fica ligado por um minuto inteiro é "realmente estranho", diz a astrofísica do ICRAR-Curtin, Gemma Anderson, segundo o comunicado.


O ICRAR acrescentou que, depois de vasculhar anos de dados, a equipe conseguiu estabelecer que o objeto está a cerca de 4 mil anos-luz da Terra, é incrivelmente brilhante e possui um campo magnético extremamente forte.


Especula-se que o objeto possa ser uma estrela de nêutrons ou uma anã branca — termo usado para os restos de uma estrela colapsada. No entanto, grande parte da descoberta permanece um mistério.


"Mais detecções dirão aos astrônomos se este foi um evento único raro ou uma vasta nova população que nunca havíamos visto antes", disse Hurley-Walker. "Estou ansiosa para entender esse objeto e, em seguida, estender a busca para descobrir mais."





Autor: BBC News Brasil
Fonte: BBC News Brasil
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 27/01/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-60153127

Coletivo Jovem Albatroz lança folder colaborativo sobre os caminhos para o desenvolvimento de lideranças na juventude

Documento também aborda o histórico do CJA, compila materiais acadêmicos sobre coletivos jovens de meio ambiente e traz orientações para organização.



Santos (SP), janeiro de 2022 - Os coletivos jovens são uma maneira de garantir a voz das juventudes nas tomadas de decisão e potencializar a mobilização juvenil. Desde 2015, o Coletivo Jovem Albatroz (CJA) trilha o caminho de formar lideranças jovens para a conservação marinha, desenvolvendo intervenções, cursos, participação em políticas públicas e, claro, a formação de novas juventudes com o mesmo desejo de mudar a realidade. Com mais de seis anos de experiência como coletivo estruturado e referência para outros grupos do país, o CJA publicou em dezembro o seu primeiro folder colaborativo, disponível para download na biblioteca virtual do site do Projeto Albatroz.

O conteúdo foi selecionado, produzido e editado por mais de dez jovens do CJA, com o apoio da equipe de comunicação do Projeto Albatroz, patrocinado pela Petrobras. A ideia é que a publicação oriente jovens por todo o país sobre os princípios orientadores dos grupos, as formas de estruturação, as condutas dos educadores e jovens participantes, além dos principais marcos históricos para as juventudes.

Pontapé inicial

No começo do ano, quando o Coletivo Jovem Albatroz divulgou as inscrições para o curso ‘Década do Oceano: a juventude na transformação da sociedade’, a equipe preparou uma breve cartilha sobre o que era o CJA, sua linha do tempo e como funcionavam as atividades, já que para muitos participantes aquele era o primeiro contato com um coletivo jovem.

Porém, no segundo semestre, quando receberam um pedido de ajuda dos jovens do Coletivo Paranã, de Ubatuba (SP), para orientações sobre como estruturar o próprio coletivo jovem, quais ações realizar e como se organizar veio a ideia de criar um folder que abrangesse o maior número possível de informações sobre o tema. As orientações ao novo coletivo resultaram em uma formação e na intervenção artística ‘Maré de Utopias’.

“Essa dificuldade de encontrar literatura surge porque as informações estão, em sua maioria, em artigos científicos ou publicações governamentais espalhadas pela internet”, explica a educadora ambiental responsável pelo Coletivo Jovem Albatroz, Thaís Lopes. “No CJA, nós decidimos então criar uma cartilha que facilitasse esse processo para os jovens, educadores e interessados na área para que tivessem todos esses documentos compilados em um único material”.

Transformando ciência em informação

O Coletivo Jovem Albatroz foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da pós-graduação em Educação Ambiental e a Transição para Sociedades Sustentáveis de Thaís Lopes, que rendeu bons frutos não só para o enriquecimento teórico do folder, mas também para a formação dos jovens.

O trabalho trouxe de forma inédita uma série de condutas que o educador e o educando precisam ter para que o coletivo jovem funcione de maneira igualitária, horizontal, dialógica, em que todos se sintam pertencentes para contribuir e somar nas ações coletivas - algo que até então era entendido de forma prática pelos participantes.

“Nós trouxemos toda essa informação teórica, acadêmica e governamental sobre o que são coletivos jovens de meio ambiente, como eles funcionam dentro da perspectiva da educação ambiental, e transformamos tudo isso em um conteúdo acessível para todos”, explica Thaís.

Sobre o Coletivo Jovem Albatroz

Criado em 2015, o Coletivo Jovem Albatroz é um espaço de formação de jovens lideranças na conservação marinha e costeira de 18 a 29 anos de todo o Brasil. Neste processo educador, os jovens são protagonistas, propondo e realizando projetos de intervenção para a transformação da realidade. Os integrantes do Coletivo realizam diversos cursos, oficinas e visitas técnicas; participam ativamente de reuniões de órgãos colegiados para criação de políticas públicas; e marcam presença em eventos ligados à Juventude e Meio Ambiente, apresentando suas experiências.

Projeto AlbatrozReduzir a captura incidental de albatrozes e petréis é a principal missão do Projeto Albatroz, que tem o patrocínio da Petrobras. O Projeto é coordenado pelo Instituto Albatroz - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que trabalha em parceria com o Poder Público, empresas pesqueiras e pescadores.

A principal linha de ação do Projeto, nascido no ano de 1990, em Santos (SP), é o desenvolvimento de pesquisas para subsidiar Políticas Públicas e a promoção de ações de Educação Ambiental junto aos pescadores, jovens e às escolas. O resultado deste esforço tem se traduzido na formulação de medidas que protegem as aves, na sensibilização da sociedade quanto à importância da existência dos albatrozes e petréis para o equilíbrio do meio ambiente marinho e no apoio dos pescadores ao uso de medidas para reduzir a captura dessas aves no Brasil.

Atualmente, o Projeto mantém bases nas cidades de Santos (SP), Itajaí e Florianópolis (SC), Itaipava (ES), Rio Grande (RS), Cabo Frio (RJ) e Natal (RN).

Mais informações: www.projetoalbatroz.org.br






Autor: Albatroz
Fonte: Albatroz
Sítio Online da Publicação: Albatroz
Data: 27/01/2022
Publicação Original: www.projetoalbatroz.org.br

A concentração de CO2 na atmosfera continua aumentando

A concentração de CO2 na atmosfera continua aumentando, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A concentração de CO2 na atmosfera continua aumentando, a despeito de todo o blá-blá-blá das COPs e da governança global.

A cada dia aumenta a consciência das pessoas e das instituições nacionais e internacionais sobre a gravidade da crise climática. Porém, as soluções apontadas e os acordos assinados não são capazes de frear e reverter as emissões de gases de efeito estufa.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (ou Conferência de Estocolmo) foi realizada na capital da Suécia entre 5 e 16 de junho de 1972. Naquela ocasião, há 50 anos, a concentração de CO2 na atmosfera estava em 330 partes por milhão (ppm) e a população mundial era de 3,85 bilhões de habitantes.

O mundo tomou conhecimento que o número de 280 ppm que era o máximo que havia prevalecido antes da Revolução Industrial e Energética, durante todo o Holoceno (últimos 12 mil anos). Entre os princípios acordados em Estocolmo estava o reconhecimento de que os recursos naturais necessitavam de gestão adequada para não serem esgotados e a necessidade do controle da poluição.

Porém, a concentração de CO2 continuou subindo como mostra o gráfico abaixo. Em 1988, o climatologista James Hansen fez um depoimento no Congresso Americano mostrando como o aquecimento global estava acelerando. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 354 ppm e a população mundial tinha passado para cerca de 5 bilhões de habitantes.





A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 ou Cúpula da Terra, aconteceu na cidade do Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992, com o objetivo foi debater os problemas ambientais globais. Naquela ocasião a concentração de CO2 tinha passado para 360 ppm.

A 1ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (a COP1) aconteceu na cidade de Berlim em 1995. Dois anos depois, em 1997, aconteceu a COP3, quando foi assinado o Protocolo de Kyoto, no Japão. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 367 ppm e a população mundial tinha passado para quase 6 bilhões de habitantes.

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida também como Rio+20, foi realizada entre os dias 13 e 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 396 ppm e a população mundial tinha ultrapassado 7 bilhões de habitantes.

Nos 70 anos da ONU, foi realizado a COP21, quando foi assinado o Acordo de Paris que é um tratado ocorrido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC). O acordo foi negociado na capital da França e aprovado em 12 de dezembro de 2015. Entre as principais medidas estão a redução das emissões de gases estufa, a fim de conter o aquecimento global abaixo de 2º C e, preferencialmente, abaixo de 1,5º C, e garantir a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 404 ppm.

No final de 2021 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, na cidade de Glasgow, na Escócia. A tarefa mais urgente da COP26 foi traçar metas mais ambiciosas de redução de gases de efeito estufa para evitar um aquecimento global acima de 1,5º C. No ano passado a concentração de CO2 estava em 419 ppm e a população mundial estava chegando a 8 bilhões de habitantes. Portanto, a curva de Keeling continua a aumentar a despeito de todo o blá-blá-blá da governança global, pois o crescimento demoeconômico do mundo continua em sua marcha incessante e desregrada.

De fato, as emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram 36 bilhões de toneladas entre 2019 e 2021. Em consequência do efeito estufa, as temperaturas do Planeta estão subindo e acelerando as mudanças climáticas e seus efeitos danosos sobre a vida na Terra.

No passado foram os países desenvolvidos que mais emitiram CO2 em função da queima de combustíveis fósseis. Mas no século XXI os países fora da OCDE emitem mais do que os países da OCDE e a soma da China + Índia emite muito mais do que a Europa + EUA, conforme mostra o gráfico abaixo de artigo do climatologista James Hansen.





Sob o Acordo de Paris adotado em 2015, praticamente todas as nações do mundo se comprometeram a limitar o aquecimento global a um patamar “bem abaixo” de 2º C (em relação aos níveis pré-industriais) e também, se possível, “buscar” esforços para limitar o aquecimento a 1,5C. Contudo, no momento, o mundo não está nem perto do caminho necessário para atingir essas metas e a concentração de CO2 deve atingir 422 ppm em maio de 2022.

Segundo análise do Carbon Brief, os cenários para os próximos anos são os seguintes:
• O mundo provavelmente excederá 1,5º C entre 2026 e 2042 em cenários onde as emissões não são reduzidas rapidamente, com uma estimativa central em 2031;
• O limite 2º C provavelmente será excedido entre 2034 e 2052 no cenário de emissões mais altas, com um ano mediano de 2043;
• Em um cenário de mitigação modesta – onde as emissões permanecem próximas aos níveis atuais – o limite 2º C seria excedido entre 2038 e 2072, com uma mediana em 2052.

A crise climática significa clima instável e com variações extremas, provocando mais furacões, mais secas, mais inundações, mais incêndios e queimadas, além de mais mortes relacionadas ao calor e mais prejuízos econômicos. Maiores temperaturas significam maior degelo. O nível do mar aumentará alguns metros à medida que as prateleiras de gelo dos polos derreterem. Milhões de pessoas serão forçadas a mudar de área ou país. A agricultura terá perda de produtividade e a insegurança alimentar deve aumentar.

Só existe um caminho para evitar os piores cenários e este caminho passa pelo fim das emissões de gases de efeito estufa e pela reversão da curva de Keeling. O crescimento precisa virar decrescimento. O mundo registrou uma concentração de CO2 de 321 ppm em maio de 1962 e 360 ppm em maio de 1992 (um aumento de 39 ppm nos 30 anos anteriores à Cúpula da Terra no Rio de Janeiro). Em maio de 2022 deve atingir 422 ppm (um aumento de 62 ppm nos 30 anos posteriores à Cúpula do Rio). Ou seja, o aumento da curva de Keeling se acelerou nos últimos 30 anos a despeito de todas as Conferências, Tratados e Acordos da governança global.

Portanto, é urgente interromper a emissão de gases de efeito estufa e voltar o mais rápido possível ao patamar de 360 ppm, considerando o nível seguro para evitar um aquecimento global catastrófico.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:
ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21
https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/01/2022






Autor: José Eustáquio Diniz Alves
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/01/2022
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2022/01/26/a-concentracao-de-co2-na-atmosfera-continua-aumentando/

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Hortas comunitárias promovem alimentação saudável e produção compartilhada


Foto EBC

Hortas comunitárias promovem alimentação saudável e produção compartilhada

Mais que a produção compartilhada entre voluntários e moradores, as plantações são experiências comunitárias que promovem alimentação saudável e encontro solidários.

Quem entra na Rua Marquês de Herval, na Vila Saúde, em São Paulo, em princípio não vê nada de diferente. Mas em meio a casas e prédios, um estreito portão de ferro oferece passagem a um verdadeiro oásis. O Bosque das Mandalas é uma das 273 hortas registradas na capital paulista, segundo a plataforma Sampa Mais Rural, da prefeitura. Mais que a produção compartilhada entre voluntários e moradores, as plantações são experiências comunitárias que promovem alimentação saudável e encontro solidários.

“Já fizemos a feira. Levamos folhas de brócolis, almeirão, serralha, capuchinha, que eu não conhecia, mas comi as flores, uma delícia, e a salada ficou muito bonita. Levei limão. Só de saber que é sem agrotóxico é bom demais”, afirma Vilma Souza, 67 anos, que é de Goiânia, mas está em São Paulo para passar uma temporada com a filha. “Foi só assim que ela conseguiu me convencer a vir. Eu adoro verde, mexer com terra”, relata. Era o primeiro dia de Vilma no local. O espaço do Bosque das Mandalas é cedido pela empresa de energia (Enel), proprietária do terreno.

Em faixa de terra que vai de uma rua a outra, a torre da Enel ocupa pequena área entre mais de 200 espécies não catalogadas, conforme estimativa de Clélia Carretero, 63 anos, uma das idealizadoras da horta que já tem cinco anos. “A agrônoma Débora Ota, que mora aqui ao lado, deu muitas dicas de Pancs – plantas alimentícias não convencionais. Ela disse: ‘planta taioba, que pode usar como couve’. No ano retrasado, conhecemos mais uma turma que quis trabalhar com tijolinho de bioconstrução, e erguemos essa parede. Tudo tem um pouco de cada pessoa que mora no bairro”, conta.

O Sampa Mais Rural reúne iniciativas de agricultura, turismo e alimentação saudável. No site da plataforma é possível visualizar a localização das hortas espalhadas pela cidade.

Solidariedade e encontro

A cuidadora Edilane de Souza, 33 anos, conhecida como Dila, mora há um ano em apartamento ao lado da horta. Ela acompanha Sueli Albano, 73 anos, que vem para o local aproveitar a sombra e o verde. Enquanto Sueli descansa, Dila ajuda as companheiras a tirar o mato, colher alimentos e plantar novas mudas. “Eu acho uma maneira bonita de ajudar, ser voluntária, ajudar as pessoas. E adoro trabalhar com a terra”, relatou à Agência Brasil. Clélia conta que o trabalho é feito em mutirão e é preciso sempre divulgar para que mais pessoas participem. “É trabalho de formiguinha. Usamos as redes sociais”.

Ana Borba, 82 anos, é a mais experiente da turma. “Esta aqui é a nossa curandeira natural”, diz Clélia. Ana, com um facão na mão e muita disposição, mostra orgulhosa os feitos dela na horta: “Plantei uma bananeira ontem, daquele pé de café, eu já fiz o pó e dei uma colher de sopa para cada um aqui. Fiz colorau com urucum, cará chinês é bom para regular diabetes e, com romã, você melhora a garganta”. O passeio pela horta mostrou que tudo ali tinha muito da sabedoria da Ana. Ela diz que o local é um reencontro com a infância, quando morava numa fazenda. “Moro ali ó, o pessoal diz que eu sou a vigia da horta”, brinca, apontando para a janela do prédio em que vive.

Conhecimento e integração

Na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), região oeste paulistana, a horta comunitária também é um meio de integração. “É um local de aprendizado. Sempre falo que é um lugar muito horizontal, uma grande coisa para uma instituição hierárquica, que tem a figura do professor como detentor de todo o conhecimento. A horta é onde o jardineiro sabe mais do que eu em relação à produção de muita coisa”, explica Thais Mauad, pesquisadora do Departamento de Patologia e fundadora da horta comunitária da FMUSP.

Já são oito anos de funcionamento. “A gente hoje fornece temperos para o Hospital das Clínicas. Toda semana, a equipe de nutrição vem aqui na horta, e a gente cede os temperos: cebolinha, salsinha, tomilho”, enumera. Outra ação relacionada à iniciativa é o oferecimento de uma disciplina de medicina culinária. “É justamente mostrar para o futuro médico a importância da alimentação saudável na gênese e no manejo de doenças”, explica. A professora lembra que essa é uma tendência entre os cursos de medicina, pois “sabe-se que a alimentação está na gênese de muitas doenças crônicas, hipertensão, diabetes e alguns cânceres”.

Thais explica que a horta é cuidada com trabalhos em mutirão e o apoio voluntário da comunidade. O que é produzido pode ser colhido para uso próprio. “A gente está vivendo uma situação de insegurança alimentar no país que é muito triste, com políticas públicas em relação à alimentação sendo desmanchadas, então a questão da alimentação permeia a educação médica”, acrescenta.

De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), nos últimos meses de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentaram algum grau de insegurança alimentar.

Por Camila Maciel, da Agência Brasil, EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/01/2022







Autor: Henrique Cortez
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/01/2022
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2022/01/26/hortas-comunitarias-promovem-alimentacao-saudavel-e-producao-compartilhada/

Poluição dos mares e oceanos por microplásticos pode ser maior do que o estimado


Foto: Naja Bertolt Jensen/Unsplash / 21 Oct 2021


Poluição dos mares e oceanos por microplásticos pode ser maior do que o estimado
Uma equipe de investigação do ICTA-UAB conclui que a diversidade de técnicas e métodos utilizados para estudar a poluição microplástica dos mares e oceanos limita o conhecimento atual deste grave problema ambiental e que os níveis destes poluentes no Mediterrâneo são possivelmente superiores aos estimados.

O estudo, publicado na Environmental Pollution , destaca a importância de definir um quadro comum de métodos e resultados para caracterizar o amplo espectro de poluentes plásticos no Mar Mediterrâneo e seus impactos.

Universitat Autònoma de Barcelona (ICTA-UAB)*

A grande diversidade de técnicas e métodos científicos utilizados no estudo da poluição marinha por microplásticos limita o conhecimento atual deste grave problema ambiental que ameaça nossos ecossistemas. Esta é a principal conclusão de um estudo realizado pelo Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universitat Autònoma de Barcelona (ICTA-UAB) que revisa as pesquisas realizadas para medir a presença de microplásticos nas áreas costeiras e na água do mar do Mediterrâneo Mar, tanto nas águas superficiais do mar, coluna de água do mar como nos sedimentos marinhos. As conclusões mostram que os níveis de microplásticos no Mediterrâneo são provavelmente superiores aos estimados, mas os métodos utilizados não são capazes de os registar.

A poluição por microplásticos é um dos problemas ambientais que ameaçam nossos ecossistemas, com interesse crescente para a sociedade. Especificamente, o Mar Mediterrâneo é uma das maiores áreas de acumulação de plástico do mundo e apresenta níveis de poluição semelhantes aos da “grande mancha de lixo marinho” do Oceano Pacífico, uma vez que a grande população que habita a área e a dinâmica marinha fazem com que os plásticos flutuantes fiquem presos na bacia, com poucas possibilidades de fuga para o Oceano Atlântico.

O campo científico que estuda esse problema é relativamente novo e seus métodos estão em constante evolução, dificultando a definição dos termos e técnicas mais adequados para identificá-los. “Os materiais plásticos são numerosos e muito diversos, com características diferentes que dificultam ter uma estrutura padrão para analisá-los todos da mesma maneira. Além disso, aditivos como pigmentos ou retardantes adicionam mais complexidade”, explica Laura Simon , pesquisadora do ICTA-UAB e primeira autor do estudo, publicado na revista científica Environmental Pollution .

O estudo afirma que os métodos utilizados nos laboratórios para amostragem são muito diversos, “e embora isso tenha feito muito progresso neste campo científico, também fez com que muitos dos dados produzidos até agora não possam ser comparados”, acrescenta e reconhece que isso afeta o conhecimento atual que a comunidade científica tem sobre esse problema.

Segundo a pesquisa, das 3.000 amostras coletadas na última década, 82,8% foram coletadas em áreas costeiras, então os cientistas têm menos evidências para entender a distribuição dos microplásticos em mar aberto. Além disso, redes com malha de 200 mícrons ou mais foram usadas para amostrar as águas superficiais, portanto, partículas menores não podem ser capturadas. Estudos realizados até o momento estimam que o Mar Mediterrâneo contém 84.800 microplásticos por km2 em suas águas superficiais, cerca de 300 microplásticos por quilo de sedimentos marinhos e 59 microplásticos por quilo de areia de praia. “O número de microplásticos no ambiente natural aumenta à medida que seu tamanho diminui, portanto, os níveis de microplásticos no Mediterrâneo provavelmente são mais altos, mas por causa dos métodos usados ??não podemos registrá-los”, explica o Dr. Patrizia Ziveri , chefe da linha de pesquisa do ICTA-UAB.

A maioria dos plásticos flutua no mar. No entanto, o fundo do mar é considerado o local de despejo final onde se espera que os microplásticos se acumulem. “Ainda temos muito pouco conhecimento sobre os mecanismos que exportam microplásticos das águas superficiais para o fundo do mar, para os quais precisamos de mais estudos na coluna de água”, diz o Dr. Michael Grelaud , pesquisador do ICTA-UAB.

Por isso, destacam a importância de definir um quadro comum para comparar resultados e combinar métodos para poder caracterizar o amplo espectro de poluentes plásticos no Mar Mediterrâneo e seus potenciais impactos. Eles também pedem uma maior colaboração internacional entre os países mediterrâneos, já que atualmente a parte oriental da bacia e o norte da África foram amostrados em menor grau.

Referência:

Simon-Sanchez, L., Grelaud, M., Franci, M. & Ziveri, P. (2022) Are research methods shaping our understanding of microplastic pollution? A literature review on the seawater and sediment bodies of the Mediterranean Sea. Environmental Pollution. https://doi.org/10.1016/j.envpol.2021.118275

Henrique Cortez *, tradução e edição.


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/01/2022





Autor: Henrique Cortez
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/01/2022
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2022/01/26/poluicao-dos-mares-e-oceanos-por-microplasticos-pode-ser-maior-do-que-o-estimado/

Crianças internadas em UTI sofrem uma elevada carga de sequelas psicológicas

Uma revisão sistemática com metanálise publicada no periódico JAMA Pediatrics encontrou uma elevada carga de sequelas psicológicas entre crianças que foram internadas em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), sugerindo que a estratificação e a intervenção precoce para grupos de alto risco são necessárias para minimizar as morbidades psicológicas em longo prazo.

As taxas de mortalidade em UTIP vêm diminuindo, apesar do aumento das admissões na última década. A maioria das crianças internadas sob cuidados intensivos sobrevive e apresenta boa recuperação física. Todavia, apesar dessas melhorias, as morbidades psicológicas de longo prazo entre esses pacientes estão aumentando. Há cada vez mais evidências que sugerem que as experiências e intervenções na UTIP estão associadas a desfechos psicológicos negativos em longo prazo.

O foco na sobrevivência após a admissão se beneficiaria ao incluir uma consideração do bem-estar psicológico nessa faixa etária. No entanto, a compreensão atual das consequências psicológicas pós-UTIP ainda não é bem compreendida. Dessa forma, o objetivo do estudo Assessment of Long-term Psychological Outcomes After Pediatric Intensive Care Unit Admission A Systematic Review and Meta-analysis foi revisar e avaliar sistematicamente os desfechos psicológicos de longo prazo relatados entre crianças previamente internadas em UTIP.



Metodologia

Os pesquisadores realizaram uma busca sistemática através do Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Embase, MEDLINE (PubMed) e PsycINFO, desde o início do banco de dados até junho de 2021. Os termos de pesquisa incluíram frases relacionadas a terapia intensiva (por exemplo, unidades de terapia intensiva e terapia intensiva) e termos para transtornos psicológicos, como transtorno de estresse pós-traumático, transtorno depressivo, transtorno de conduta e transtorno do neurodesenvolvimento, limitados à população pediátrica.

Os títulos e resumos dos artigos foram selecionados independentemente por dois revisores, com extração de dados realizada de acordo com a diretriz PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). Os dados foram agrupados usando um modelo de efeitos aleatórios durante a meta-análise.

Foram incluídos ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais relatando distúrbios psicológicos em pacientes com menos de 18 anos de idade que foram admitidos em UTIP com seguimento mínimo de 3 meses. Os transtornos psicológicos foram definidos usando o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais Quinta Edição (DSM-5). Os pacientes eram excluídos da revisão se tivessem sido admitidos na UTIP por condições cerebrais primárias, como traumatismo cranioencefálico (TCE), meningoencefalite e tumores cerebrais, ou se receberam alta para o domicílio para cuidados paliativos.

Os principais desfechos e medidas avaliados foram escores de QI (quociente de inteligência) corrigidos para a idade e desfechos psicológicos em longo prazo, medidos por escalas como a Child Behavior Checklist (escores mais altos indicam mais problemas comportamentais) entre crianças internadas em UTIP.

Resultados

Os 31 estudos independentes (EI) incluídos na análise envolveram 20 coortes internadas em UTIP por uma variedade de indicações de internação (referidas como coortes mistas de UTIP [n=6,654]), 4 coortes para cirurgia cardíaca (n=584), 2 coortes por parada cardíaca (n=199), 2 coortes por choque séptico (n=170), 1 coorte por coqueluche (n=111), 1 coorte por asma aguda grave (n=50) e 1 coorte por bronquiolite (n=18). Desses 31 estudos, 8 relataram um grupo de comparação. Os grupos de comparação incluíram 1.247 participantes totais, dos quais 737 eram crianças saudáveis, 155 eram crianças internadas em enfermaria pediátrica geral e 355 eram crianças que sobreviveram a um incêndio. Um estudo, no qual 36 de 97 pacientes (37,1%) tiveram TCE, foi incluído porque os resultados desses pacientes puderam ser separados durante a análise. Todos os estudos foram publicados entre 1995 e 2020.

Entre um total de 7.786 participantes, a média de idade foi de 7,3 anos, sendo 4.267 (54,8%) do sexo masculino e 3.519 (45,2%) do sexo feminino. Nem todos os estudos relataram raça e etnia.

No geral, 1/19 crianças (5,3%) a 14/16 crianças (88,0%) tiveram problemas psicológicos variando de 3 meses a 15 anos após a admissão na UTIP. Problemas emocionais e comportamentais (22 estudos totais [ET] baseados em 15 EI) e comprometimento cognitivo (19 ET baseados em 13 EI) foram os mais comuns, seguidos por transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) (11 ET baseados em 8 EI), ansiedade (2 EI), comprometimento da memória (4 EI), déficit de atenção (3 EI), atraso no desenvolvimento (3 EI), depressão (1 EI) e diminuição da saúde geral (1 EI).

Em suma: de um número total de 7.786 pacientes pediátricos, 5,3% a 88% das crianças apresentaram problemas psicológicos 3 meses a 15 anos depois da internação. Em comparação com crianças saudáveis, aquelas admitidas em UTIP apresentaram escores de QI mais baixos aos 5 anos, desenvolveram mais problemas emocionais e comportamentais e tiveram pior memória.

Conclusões

Esta revisão sistemática com metanálise concluiu que há uma carga substancial de sequelas psicológicas entre crianças previamente internadas em UTIP, sugerindo que a estratificação e a intervenção precoce para grupos de alto risco são necessárias para minimizar as morbidades psicológicas em longo prazo. Os achados também revelaram a complexidade e prevalência das sequelas psicológicas vivenciadas por esses pacientes e destacaram a importância de considerar os desfechos psicológicos entre as crianças que sobrevivem à doença crítica. De acordo com os pesquisadores, os centros de saúde que oferecem instalações de UTIP podem considerar a adoção da infraestrutura necessária para apoiar avaliações psicológicas, com ênfase em planos de acompanhamento de longo prazo. Esses programas seriam mais benéficos se não fossem apenas confinados à UTIP, mas também envolvessem uma equipe multidisciplinar, estendendo-se longitudinalmente mesmo após a alta da criança.









Autor: Roberta Esteves Vieira de Castro
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 26/01/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/criancas-internadas-em-uti-sofrem-uma-elevada-carga-de-sequelas-psicologicas/

Quais os resultados de cirurgia de revisão de reconstrução do ligamento cruzado anterior em praticantes de futebol?

Lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) são comuns na prática de futebol, muitas das vezes em traumas sem contato físico. O tratamento cirúrgico instituído é a reconstrução do ligamento com o objetivo de promover o retorno dos atletas às atividades. Entretanto, alguns estudos demonstraram altas taxas de re-ruptura e necessidade de revisão cirúrgica.

Apesar de na população geral os estudos demonstrarem piores resultados após cirurgias de revisão de reconstrução do LCA, não há dados sobre resultados dessas cirurgias em praticantes de futebol. Um estudo de coorte prospectivo foi publicado recentemente na revista Bone and Joint Open com o objetivo de avaliar a taxa de retorno ao esporte de praticantes de futebol após revisão de reconstrução de LCA e testar a hipótese de que a escolha do enxerto e o sexo estariam associados a diferenças estatísticas no “return to play”.



O estudo

O estudo multicêntrico contou com 95 participantes submetidos à revisão de LCA de 12 diferentes hospitais nos Estados Unidos. A média de idade dos pacientes foi de 24 anos, com os homens tendo uma média de 28,1 e as mulheres de 20 anos. Nas mulheres, em 51% dos casos o membro lesionado foi o dominante, enquanto que nos homens essa porcentagem foi de 48%. Não houve diferença relevante entre os sexos na escolha do enxerto utilizado na cirurgia. A maior parte dos atletas disputavam competição de ensino médio (38%), seguidos por adultos em atividades recreacionais (25%) e universitários (17%).

Em uma média de 9,6 meses após a cirurgia de revisão, 63% dos pacientes retornaram ao esporte, sendo 70% dos homens e 56% das mulheres. Desses pacientes, 78% retornaram ao mesmo nível de performance de jogo. Em um follow-up de 6 anos, a prática do futebol caiu significativamente (p < 0,001, teste qui-quadrado) para 19% dos pacientes (21% dos homens e 18% das mulheres). Contando os participantes que continuaram jogando futebol após 6 anos, apenas 64% seguiram jogando com o mesmo nível de performance, sendo significativamente estatístico (p < 0,001, teste qui-quadrado).

O retorno ao esporte não esteve associado a idade, sexo ou tipo de enxerto e 71% dos pacientes que não retornaram ao esporte justificaram como sendo o joelho lesionado a causa do afastamento. A taxa de reoperação após a revisão foi de 12%, sendo 20% das mulheres e 4,5% dos homens (p = 0,050, teste de Fischer).
Conclusão

É uma limitação do estudo o tamanho pequeno da amostra. De acordo com a coorte estudada, aproximadamente dois terços dos pacientes retornam ao futebol depois de uma revisão de LCA, com a participação decaindo ao longo do tempo. Não há associação do sexo ou tipo de enxerto utilizado com o retorno ao jogo, porém as mulheres apresentam chance elevada de cirurgia adicional no futuro.







Autor: Giovanni Vilardo Cerqueira Guedes
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 26/01/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/quais-os-resultados-de-cirurgia-de-revisao-de-reconstrucao-do-ligamento-cruzado-anterior-em-praticantes-de-futebol/

Avaliação do cálcio coronário ou escores de risco para predição de eventos cardiovasculares e indicação de estatina?

Atualmente, a indicação de estatinas para prevenção primária de eventos cardiovasculares é baseada na estimativa do risco de eventos em dez anos. Essa estimativa é feita por meio de escores de risco, sendo o recomendado pelas diretrizes americanas o Pooled Cohort Equations (PCE). Algumas limitações da sua utilização são o grande peso da idade no cálculo do risco, sua natureza probabilística, ou seja, ela calcula a probabilidade de uma pessoa com determinadas características ter um evento em dez anos e não o risco daquele indivíduo específico, e a não utilização de novos marcadores de risco

A quantidade de cálcio nas coronárias se correlaciona com a carga aterosclerótica e é altamente preditiva de risco de evento cardiovascular futuro. O escore de cálcio coronário vem sendo utilizado há mais de 20 anos, emite pouca radiação, não tem custo alto e é muito útil em reclassificação de risco, sendo que até 50% dos pacientes com score de Framingham de risco intermediário são reclassificados para maior ou menor risco, com melhor seleção de quem se beneficia de tratamento com estatinas. Além disso, o impacto visual da placa parece melhorar a aderência do paciente ao tratamento.



Estudo

Atualmente, os guidelines não recomendam sua realização de rotina e sim como um auxiliar em pacientes selecionados, já que não há estudos randomizados que compararam escore de cálcio e PCE. Sendo assim, é necessário um estudo para avaliar se o escore de cálcio é melhor na indicação de estatinas e se isto estaria associado a melhor eficiência da prevenção primária (com desfechos iguais ou melhores) em comparação ao PCE. Foi feito então um estudo inicial, para avaliar a viabilidade de um estudo maior.

Os objetivos foram avaliar se seria possível conseguir pacientes elegíveis em número suficiente por um sistema de saúde local, se haveria diferença quanto a recomendação de estatina e aderência dos pacientes no grupo avaliado com escore de cálcio em comparação ao avaliado pelo PCE, e se haveria possibilidade de desfechos diferentes entre os grupos em um ensaio clínico maior.
Método do estudo e população envolvida

Foi um ensaio clínico randomizado de curta duração e de tamanho moderado. Os critérios de inclusão eram pacientes de 50 a 85 anos em prevenção primária e os de exclusão eram presença de doença coronária, cerebrovascular, doença arterial periférica, diabetes, uso prévio de estatina ou expectativa de vida menor que dois anos.

De 18.345 pacientes elegíveis, foram convidados a participar do estudo, 4.013. Entre 2018 e 2019, 601 pacientes responderam ao convite do estudo e foram randomizados em uma razão 1:1 para os grupos PCE (299 pacientes) e escore de cálcio (302 pacientes), sendo que 259 pacientes do grupo PCE e 281 do grupo escore de cálcio completaram todas as avaliações necessárias. Todos realizaram dosagem de perfil lipídico no início do estudo e foram seguidos por pelo menos um ano.

O grupo PCE recebeu estatina baseado nas recomendações das diretrizes da AHA/ACC de prevenção primária. O grupo escore de cálcio seguiu a recomendação a seguir: estatina de alta potência era indicada para todos os pacientes com LDL maior que 190mg/dL ou com escore de cálcio > 100, pacientes com score de cálcio 0 não recebiam estatina e os que tinham escore entre 1 e 100 recebiam estatina baseada no PCE.

Resultados

Os dois grupos eram semelhantes entre si. Em relação ao escore de cálcio, entre os pacientes com LDL < 190mg/dL, 139 (49,8%) tinham escore 0, 100 (35,9%) entre 1 e 100 e 40 (14,3%) maior que 100. Em relação ao PCE, 129 (51,8%) tinham escore de risco calculado menor que 5%, 50 (20,1%) entre 5 e 7,5% e 70 (28,1%) maior ou igual a 7,5%.

No geral, 41,7% tinham recomendação de iniciar estatina, sendo esta recomendação menos frequente no grupo escore de cálcio comparado ao PCE (35,9% x 47,9%, p = 0,005). A maior parte das estatinas no grupo escore de cálcio foram de alta potência.

Mais de um terço dos pacientes com escore de cálcio 0 tinham risco estimado pelo PCE maior ou igual a 5% e a mudança da recomendação de estatina com base neste exame foi frequente, sendo indicada em 35,5% dos pacientes avaliados com escore de cálcio. Caso esses pacientes tivessem sido avaliados apenas pelo PCE, 49,5% deles teriam indicação de estatina.

O escore de cálcio mudou a recomendação de tratamento em 20,6% dos pacientes avaliados com base no PCE, sendo a maior parte para o não uso das estatinas. Homens foram mais reclassificados para o não tratamento que as mulheres.

Além disso, a aderência referida pelos pacientes ao uso de estatina foi de 62,2% e 42,2% em três meses (p = 0,009) e 63,3% e 45,6% em um ano (p=0,03) nos grupos escore de cálcio e PCE respectivamente.

No seguimento de um ano, ocorreram apenas dois eventos, um AVC por dissecção de carótida e uma doença aterosclerótica obstrutiva com necessidade de angioplastia.

O custo resultante da realização de tomografia com escore de cálcio foi superado pelo custo do tratamento com estatinas, maior no grupo PCE (48% x 36%). Além do custo da medicação, há o custo de exames complementares para avaliação da resposta ao tratamento e das consultas médicas. Ou seja, o escore de cálcio é custo efetivo em relação ao PCE.

Uma limitação importante do método são as placas lipídicas não calcificadas, que tem maior chance de ruptura e não são detectadas na avaliação do escore de cálcio. Porém, esse exame ainda parece ter mais benefícios que os escores de risco calculados.

Conclusão

Esse estudo, o primeiro ensaio clínico randomizado que comparou um algoritmo de decisão baseado em escore de cálcio comparado a um algoritmo baseado no escore de risco PCE para decisão de iniciar estatina em pacientes em prevenção primária, mostrou que a realização de um ensaio clínico maior é viável.

A reclassificação de risco ocorreu em 58% dos pacientes com risco intermediário, tanto para baixo quanto para alto risco. O escore de cálcio levou a menos recomendações de estatina e melhor aderência ao tratamento em um ano de seguimento, selecionado quem realmente parece ter benefício do tratamento medicamentoso e incentivando o paciente a fazer uso da medicação.

A ocorrência de eventos em um ano foi muito baixa, não sendo possível avaliar se há diferença de eventos entre os grupos, sendo que esse também é um dos objetivos de um estudo maior já em andamento.







Autor: Isabela Abud Manta

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Critérios para insuficiência hepática aguda pediátrica: Orientações baseadas a partir do painel PODIUM 

A insuficiência hepática aguda é uma síndrome complexa, grave e rara em crianças e apresenta uma série de dificuldades para sua avaliação. As definições e conceitos relacionados a esse quadro são geralmente baseados em opiniões de experts ou adaptadas de consensos de adultos, o que não facilita o manejo baseado em evidências desses quadros. A etiologia, a fisiopatologia, o desenvolvimento da encefalopatia e os desfechos da insuficiência hepática aguda são diferentes em adultos e crianças, o que impossibilita o uso de protocolos baseados em adultos na prática pediátrica. Da mesma forma, os critérios de inclusão para definição da insuficiência hepática aguda podem ser diferentes entre adultos e crianças.

insuficiência hepática aguda

Atualizações sobre insuficiência hepática aguda pediátrica

Em janeiro de 2022, a revista Pediatrics publicou um artigo trazendo atualizações relacionadas ao quadro de insuficiência hepática aguda pediátrica realizadas pela colaboração PODIUM (Pediatric Organ Dysfunction Information Update Mandate), uma iniciativa que busca desenvolver critérios baseados em evidência científica para a disfunção orgânica em pacientes pediátricos críticos. O grupo contou com a participação de pesquisadores de 24 centros de transplante pediátricos dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Foi feita uma revisão sistemática da literatura, com inclusão de 54 estudos publicados no período de 1992 a 2020.

O artigo traz critérios para a inclusão de pacientes no diagnóstico de insuficiência hepática aguda pediátrica. Esses critérios serão abordados a seguir. 
Critério 1: Ausência de evidência de doença hepática crônica: 

Para caracterizarmos a insuficiência hepática aguda pediátrica, inicialmente devemos descartar uma história prévia de doença hepática crônica. A lesão hepática crônica agudizada pode se apresentar de forma muito semelhante à insuficiência hepática aguda, o que nos obriga a determinar, a partir de bases clínicas, as possibilidades de cada caso. Baseados em uma anamnese adequada, podemos avaliar informações como:

  • Presença de episódios de icterícia prévios;
  • Elevação prévia de enzimas hepáticas;
  • Diagnóstico de doença hepática prévia.


Na presença desses fatores, devemos estabelecer o diagnóstico de doença hepática crônica descompensada. Da mesma forma, a presença de alterações no exame físico sugestiva de doença hepática crônica, como baqueteamento digital, padrão de veia em cabeça de medusa e/ou ascite, sugerem um quadro de hipertensão portal crônica devido à uma doença hepática subjacente. Os sintomas também devem ter se iniciado em menos de oito semanas para que possamos classificar como insuficiência hepática aguda.
Critério 2: Aumento das provas de lesão hepática

Com relação aos exames de injúria hepática, alguns pontos de corte são sugeridos pelo artigo como forma de diagnóstico da insuficiência hepática aguda: 

 
  • TGO > 100 UI/mL  
  • TGO > 100 UI/mL  
  • Gama-GT > 100 Ui/mL  
  • Bilirrubina total > 5 mg/dL  
  • Bilirrubina direta > 2 mg/dL 

Apesar disso, é importante lembrar que alguns casos de insuficiência hepática aguda podem se apresentar com aumento leve ou mesmo normalidade desses indicadores, como nos casos de intoxicação por paracetamol ou galactosemia.
Critério 3: Alteração da coagulação

Com relação a coagulação, o estudo utiliza o tempo de protrombina ou o INR como marcadores de lesão dos hepatócitos, uma vez que esses exames são facilmente disponíveis e os resultados são obtidos em horas. O critério utilizado é o tempo de protrombina ≥ 15 segundos ou INR ≥ 1,5 após administração de vitamina K. Se o INR for entre 1,5 a 1,9, a encefalopatia deve estar presente. Se for ≥ 2,0, a encefalopatia não é requerida.

O uso de vitamina K é indicado para descartar a presença de deficiência nutricional ou uso de varfarina. Assim, um paciente que apresenta resposta ao uso endovenoso de vitamina K (de 1 a 10 mg, dependendo da idade do paciente) dentro de 6-8 horas da infusão pode ter descartado a insuficiência hepática aguda.
Critério 4: Encefalopatia hepática

Esse critério é extremamente importante, pois sua presença está relacionada a determinados prognósticos, como necessidade de transplante hepático e morte. Apesar disso, é um critério difícil de avaliação em crianças, principalmente nas pequenas. O artigo sugere a utilização de duas escalas dependendo da idade dos pacientes: 

 

(a) Escala de Whittington – para menores de três anos de idade; 

(b) Critério de West Haven – para maiores de três anos de idade. 

Cada uma dessas escalas leva em consideração a idade do paciente e a facilidade de avaliação de cada uma das escalas. O uso dessas escalas permite a classificação do grau de encefalopatia do paciente, o que também permite a inferência de determinados prognósticos. 

Definição de insuficiência hepática aguda pediátrica: Irá acontecer quando o paciente apresentar todos os critérios acima. 


É importante ressaltar que esses critérios para a definição da insuficiência hepática aguda não permitem determinar qual é o prognóstico da criança. Durante a admissão hospitalar de uma criança, a entrada dela nos critérios para disfunção hepática indica que a criança alcançou um limiar clínico onde três possibilidades podem ocorrer: permanecer viva com o fígado nativo, morte, ou necessidade de transplante hepático. Dessa forma, a criança deverá ser avaliada por um especialista em transplante hepático para avaliação, principalmente quando a insuficiência hepática é a causa principal de disfunção múltipla de órgãos. 





Autor: Isabel Cristina Melo Mendes
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 24/01/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/criterios-para-insuficiencia-hepatica-aguda-pediatrica-orientacoes-baseadas-a-partir-do-painel-podium%e2%80%af/




Como aplicar uma evidência na prática: decisão médica compartilhada

A nova edição da Revista PEBMED trará tudo o que o médico precisa saber sobre a Medicina Baseada em Evidências. Como forma de te deixar por dentro do que ela abordará, estamos trazendo um pouco dos principais temas. Nesse texto, comentamos o artigo sobre como aplicar a evidência na tomada de decisão médica.



Tomada de decisão médica

A tomada de decisão deve ser um processo que envolve tanto o médico quanto o paciente. Os modelos de tomada de decisão compartilhada, que consideram as preferências do paciente nas condutas médicas, diante das melhores evidências disponíveis, vêm ganhando espaço cada vez maior na prática.

Os objetivos do processo de decisão compartilhada incluem melhorar o conhecimento do paciente acerca da direção, magnitude e precisão dos efeitos do tratamento, elevando o envolvimento do paciente e reduzindo o conflito entre as recomendações do médico e as preferências e valores do paciente. Em geral, é melhor aplicada em decisões que envolvem uma avaliação do benefício contra o risco ou nas que exijam motivação e ação do paciente, como as que dependem da adesão a um tratamento específico.

Evidências e comunicação

Para que a tomada de decisão seja realmente compartilhada, o paciente precisa estar informado sobre suas opções e a forma como as informações são apresentadas pode fazer diferença. Outros fatores, como concepções prévias em relação ao risco basal de determinada condição e características pessoais, também podem influenciar a tomada de decisão.

Com isso, é preciso ter em mente que a comunicação de evidências envolve não só a interpretação adequada do significado numérico dos resultados, mas também compreender como sentimentos e emoções podem influenciar a tomada de decisão. Da mesma forma, estilo de vida, profissão e valores individuais podem influenciar na escolha por uma ou outra forma de terapia e estes não podem deixar de ser considerados e valorizados.

As ferramentas de auxílio para tomada de decisão podem ajudar no processo de decisão compartilhada, podendo ser construídas em diversas mídias. Compartilham alguns objetivos, como informar, de forma baseada em evidências, a cerca de opções disponíveis, encorajar os pacientes a participar de forma ativa no processo de tomada de decisão e ajudar os indivíduos a pensar no que eles valorizam para que suas escolhas reflitam seus valores e preferências.

A decisão compartilhada enfatiza o respeito, autonomia e o direito à participação dos pacientes nas decisões clínicas que se referem à sua saúde. A participação ativa dos pacientes na tomada de decisão é um dos pilares do processo e deve ser sempre buscada pelo médico junto ao paciente para aplicação de uma verdadeira prática clínica baseada em evidências.










Autor: Isabel Cristina Melo Mendes
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 24/01/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/como-aplicar-uma-evidencia-na-pratica-decisao-medica-compartilhada/

Mediastinite fibrosante: o que precisamos saber

A mediastinite fibrosante (MF) é uma doença rara, caracterizada pela proliferação de fibrose localmente invasiva no mediastino. Em até 80% dos casos, há relação com a histoplasmose pulmonar. Além das doenças fúngicas, a tuberculose é outra doença bastante associada à MF e pode ter evolução desfavorável a depender do caso.



Mediastinite fibrosante

A incidência da doença aumenta em áreas endêmicas para a histoplasmose. No geral, não há predileção por sexo, a faixa etária varia entre 30 e 50 anos, com uma predominância discretamente maior em negros. Nos Estados Unidos, a incidência é estimada em cerca de 3 casos de MF para cada 100.000 de histoplasma. No Brasil, a histoplasmose pulmonar é uma doença sem notificação compulsória, o que dificulta sua estimativa em nosso meio.

Além das doenças fúngicas, a tuberculose é uma das doenças mais associadas à MF, além de doenças autoimunes como a Doença de Behçet, artrite reumatoide, doença por IgG4, malignidades e procedimentos de radioterapia. A fisiopatologia da MF é incerta, acreditando-se que há uma desregulação imunológica, capaz de ativar processos inflamatórios com deposição de colágeno e formação de fibrose em estruturas mediastinais, sobretudo no mediastino médio, regiões paratraqueais e subcarinais, predominantemente à direita. Alguns autores acreditam que indivíduos predispostos desenvolvem uma resposta imunomediada aos antígenos do histoplasma, semelhante à reações de hipersensibilidade.

Diagnóstico

Os sintomas são decorrentes da compressão de estruturas locais como as vias aéreas, vasos pulmonares e a veia cava superior. Nas séries relatadas, o principal sintoma foi a tosse, seguida de dispneia aos esforços. Infecções de repetição, hemoptise e síndrome da veia cava superior (SVCS) também são relatados, com menos frequência. O exame padrão ouro para o diagnóstico da FM é a tomografia de tórax sem contraste, que demonstra lesão mediastinal com áreas de calcificação que podem comprimir os hilos e os vasos da base. A radiografia de tórax é inespecífica e a ressonância magnética do tórax possui baixa sensibilidade para detecção das calcificações. O PET-CT é um exame de grande utilidade no diagnóstico diferencial e no seguimento dos pacientes como avaliação de resposta ao tratamento. A biópsia cirúrgica é indicada em casos de suspeita de malignidade e é realizada na grande maioria dos pacientes.

Tratamento

O tratamento pode ser dividido em clínico e cirúrgico/intervencionista. O tratamento clínico é feito com antifúngicos quando há a evidência de infecção pelo histoplasma seja pelo escarro, a presença na biópsia, a sorologia positiva ou a presença de antígenos urinários. Além disso, o tratamento com imunossupressores é controverso e pode ser utilizado quando há indícios de lesões inflamatórias no PET. As drogas mais utilizadas são a prednisona, o tamoxifeno, azatioprina e o micofenolato. Atualmente não há a recomendação de prescrição de antifúngicos ou imunossupressores para os pacientes devido a escassez de evidências.

Já o tratamento cirúrgico é reservado para tratamento das consequências da doença como a colocação de stents nos vasos pulmonares e brônquios acometidos pela fibrose. A recorrência de sintomas e a necessidade de diversos procedimentos para obtenção de resultado são relatados em diversos casos. A principal causa de mortalidade é a hipertensão pulmonar secundária à estenose de veias pulmonares.





Autor: Guilherme das Posses Bridi
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 24/01/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/mediastinite-fibrosante-o-que-precisamos-saber/

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

FAPESP esclarece dúvidas sobre Auxílio à Pesquisa Projeto Inicial π

Página no portal da Fundação reúne dúvidas mais frequentes sobre as normas da nova modalidade concebida para consolidação da carreira em pesquisa em ensino, que recebe propostas até março

A FAPESP reuniu em uma nova página (https://fapesp.br/faqappi) de seu portal as dúvidas mais frequentes sobre as normas para o Auxílio à Pesquisa Projeto Inicial π, lançada no último dia 07 de dezembro.

A data também marcou a abertura de inscrições da primeira chamada para apoio a propostas selecionadas nos moldes da nova modalidade – a data limite para submissões é dia 20 de março.

Na nova página de FAQs estão reunidas 10 respostas a dúvidas com a finalidade de esclarecer pesquisadores quanto aos objetivos do Auxílio à Pesquisa Projeto Inicial π e as normas que definem o perfil e o acesso a este instrumento.

São dúvidas relativas a condições de elegibilidade, questões relativas a outorgas de bolsas no projeto, dúvidas sobre o propósito da modalidade π e, mais especificamente, sobre como seu objetivo se diferencia dos de outras modalidades como Jovem Pesquisador e Geração, com as quais possui relações de complementariedade.

O Auxílio à Pesquisa Projeto Inicial π é voltado a pesquisadores recém-contratados com excelente potencial, e tem a finalidade de financiar pesquisas de médio prazo (máximo até 60 meses) para estabelecimento de uma carreira sólida em pesquisa e ensino – por isso a chamada se propõe a contemplar projetos que integrem metas audaciosas de pesquisa com iniciativas de ensino e orientação a estudantes de pós-graduação e de graduação.

Leia a notícia em https://fapesp.br/15244.

A chamada de propostas com as normas para apresentação e seleção de propostas de Auxílio à Pesquisa Projeto Inicial π está publicada em: https://fapesp.br/projetoinicialpi.





Autor: FAPESP
Fonte: FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 11/01/2022
Publicação Original: https://fapesp.br/15284/fapesp-esclarece-duvidas-sobre-auxilio-a-pesquisa-projeto-inicial-p

Cientistas da USP criam luva que detecta pesticidas em alimentos

Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) criaram um dispositivo sensor vestível embutido em uma luva de borracha sintética capaz de detectar resíduos de pesticidas em alimentos. O trabalho, apoiado pela FAPESP, foi idealizado e liderado pelo químico Paulo Augusto Raymundo-Pereira, pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP).

O dispositivo tem três eletrodos, localizados nos dedos indicador, médio e anelar. Eles foram impressos na luva por meio de serigrafia, com uma tinta condutora de carbono, e permitem a detecção das substâncias carbendazim (fungicida da classe dos carbamatos), diuron (herbicida da classe das fenilamidas), paraquate (herbicida incluído no rol dos compostos de bipiridínio) e fenitrotiona (inseticida do grupo dos organofosforados). No Brasil, carbendazim, diuron e fenitrotiona são empregados em cultivos de cereais (trigo, arroz, milho, soja e feijão), frutas cítricas, café, algodão, cacau, banana, abacaxi, maçã e cana-de-açúcar. Já o uso de paraquate foi banido no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).



A análise pode ser feita diretamente em líquidos, apenas mergulhando a ponta do dedo contendo o sensor na amostra, e também em frutas, verduras e legumes, bastando tocar na superfície da amostra.

Sergio Antonio Spinola Machado, professor do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP) e coautor da pesquisa, diz que não há nada semelhante no mercado e que os métodos mais utilizados atualmente para detecção de pesticidas se baseiam em técnicas como cromatografia (técnica analítica de separação de misturas), espectrofotometria (método óptico de análise usado em biologia e físico-química), eletroforese (técnica que utiliza um campo elétrico para separação de moléculas) ou ensaios laboratoriais.

“No entanto, essas metodologias têm custo alto, demandam mão de obra especializada e um tempo longo entre as análises e a obtenção dos resultados. Os sensores são uma alternativa às técnicas convencionais, pois, a partir de análises confiáveis, simples e robustas, fornecem informação analítica rápida, in loco e com baixo custo.”

Na luva criada pelo grupo, cada dedo é responsável pela detecção eletroquímica de uma classe de pesticida. A identificação é feita na superfície do alimento, mas em meio aquoso. “Precisamos da água, pois é necessário um eletrólito [substância capaz de formar íons positivos e negativos em solução aquosa]. Basta pingar uma gotinha no alimento e a solução estabelece o contato entre este e o sensor. A detecção é feita na interface entre o sensor e a solução”, detalha a química Nathalia Gomes, pesquisadora do IQSC-USP e integrante da equipe.

Sensores

O processo de verificação de presença de pesticidas é simples. Coloca-se um dedo de cada vez na amostra: primeiro, o indicador; depois, o médio e, por último, o anelar. No caso de um suco de frutas, basta fazer a imersão dos dedos no líquido, um de cada vez. A detecção é feita em um minuto e, no caso do dedo anelar, em menos de um minuto.

“O sensor no dedo anelar usa uma técnica mais rápida. Ele é composto por um eletrodo de carbono funcionalizado, enquanto os dos outros dois dedos por eletrodos modificados com nanoesferas de carbono [dedo indicador] e carbono printex, um tipo específico de nanopartícula de carbono [dedo médio]. Após a detecção, os dados são analisados por um software instalado no celular”, explica Raymundo-Pereira.

O pesquisador ressalta que a incorporação de materiais de carbono conferiu seletividade aos sensores, uma das propriedades mais importantes e difíceis de alcançar em dispositivos semelhantes. “Uma escolha criteriosa de materiais à base de carbono permitiu a detecção sensível e seletiva de quatro classes de pesticidas dentre os mais empregados na agricultura: carbamatos, fenilamidas [subclasse das fenilureias], compostos de bipiridínio e organofosforados. Assim, um dos diferenciais da invenção está na capacidade de detecção seletiva em presença de outros grupos de pesticidas, como triazinas, glicina substituída, triazol, estrobilurina e dinitroanilina. Com os métodos tradicionais isso não é possível.”

Outro destaque do dispositivo está na possibilidade de detecção direta, sem exigir preparo de amostra, o que torna o processo rápido. Além disso, o método preserva o alimento, permitindo o consumo após a análise.

A luva não tem prazo de validade e pode ser usada enquanto não houver danos nos sensores. Osvaldo Novais de Oliveira Junior, professor do IFSC-USP e coautor da pesquisa, explica que os sensores podem ser danificados por solventes orgânicos (como álcool e acetona) ou por algum contato mecânico impróprio na superfície do sensor (um objeto que o arranhe, por exemplo).

Mercado

Raymundo-Pereira salienta que o produto é inovador e que já está em andamento o processo de requisição de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Ele afirma que não há um procedimento simples para a detecção de pesticidas, principal razão pela qual os testes para discriminação de diferentes classes de pesticidas e outros contaminantes ainda não estão disponíveis no mercado. Para ele, o uso de dispositivos como a luva, que permitem a análise química de materiais perigosos in loco, seria relevante em aplicações alimentares, ambientais, forenses e de segurança, permitindo um rápido processo de tomada de decisão no campo.

“Representantes das agências internacionais que fazem o controle da entrada de alimentos nos diversos países do mundo já usam luvas para manipulá-los. Imagine se tivessem um sistema de sensoriamento de pesticidas embutido? Alimentos contendo pesticidas proibidos seriam descartados já na fronteira. O dispositivo pode ser usado durante a colheita também.”

Segundo o pesquisador, o custo do dispositivo é basicamente o custo da luva, sem o sensor. “Os sensores custam menos de US$ 0,1. O custo principal é a luva. Usamos uma luva nitrílica porque é menos porosa que a de látex. Com a pandemia, o preço dela disparou. E o custo individual subiu. Mas, ainda assim, o dispositivo que criamos é um produto muito barato. Mais acessível que os testes feitos atualmente.”

A pesquisa recebeu financiamento da FAPESP por meio de quatro projetos (16/01919-6; 20/09587-8; 19/01777-5; e 18/22214-6).

O artigo Selective and sensitive multiplexed detection of pesticides in food samples using wearable, flexible glove-embedded non-enzymatic sensors pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1385894720334045.




Autor: Karina Ninni
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 19/01/2022
Publicação Original: https://agencia.fapesp.br/cientistas-da-usp-criam-luva-que-detecta-pesticidas-em-alimentos/37744/

Brasil registra recorde de extremos de chuva no início do verão

O número de eventos extremos de chuva no início da atual estação de verão no Brasil foi recorde, aponta levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em São José dos Campos, interior de São Paulo.

Entre 1º e 31 de dezembro de 2021, a equipe técnica do Cemaden emitiu 516 alertas de risco de desastres de origem geo-hidrológica, como deslizamentos de terra, inundações e enxurradas, para os 1.058 municípios monitorados atualmente pela instituição em todo o país. Desse total, 163 concretizaram-se em ocorrências.

Em 2020, no mesmo período, o número de alertas foi ligeiramente maior – de 539 –, mas as ocorrências foram quase 60% menores (103) em comparação com 2021.





“Tivemos emissão de alertas de risco praticamente todos os dias em dezembro de 2020 e 2021. Não me recordo de outros períodos em que tivemos tanta atividade”, diz Rafael Alexandre Ferreira Luiz, tecnologista do Cemaden.

“Se levarmos em consideração a quantidade de alertas enviados, podemos considerar que 2020, 2021 e, provavelmente, 2022 são anos em que os períodos chuvosos têm apresentado mais episódios de extremos de chuva, o que aumenta consideravelmente o risco de desastres em áreas vulneráveis do país”, avalia.

Além do aumento da frequência e da intensidade dos extremos chuvosos que têm sido observados em grande parte do Brasil nesse início de verão, outra característica que chama a atenção dos pesquisadores da instituição é a simultaneidade de eventos extremos no país causados por excesso de chuva nas regiões Norte, Sudeste e parte do Centro-Oeste, e por escassez hídrica na região Sul e parte da região Nordeste, compreendida pelos Estados de Pernambuco, Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Norte.

De acordo com os pesquisadores, os extremos de chuva que aconteceram no sul da Bahia – e que ocorrem agora no norte de Minas Gerais, Piauí, Tocantins e Maranhão –, além da atual seca na região Sul do país, estão associados ao La Niña. O fenômeno climático que ocorre, em média, em um intervalo de dois a sete anos, provoca uma série de alterações nos padrões de chuva e temperatura globais. No Brasil, o fenômeno causa chuvas mais abundantes no Norte e Nordeste. No Centro-Sul, provoca aumento de temperaturas e seca.

Em relação à expressiva quantidade de chuva observada recentemente no sul da Bahia, os especialistas apontam que no verão é comum a atuação de um sistema meteorológico denominado Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS).

Esse sistema é marcado pela presença de uma banda de nebulosidade e chuvas com orientação noroeste-sudeste, que normalmente se estende da Amazônia até o Sul/Sudeste do Brasil, contribuindo para grandes volumes de chuva principalmente na área geográfica compreendida pelos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Durante o mês de dezembro de 2021 ocorreu uma rara configuração de três episódios de ZCAS em um curto período, que oscilaram e se mantiveram predominantemente no sul da Bahia, ocasionando os extremos de precipitação fora de época naquela região.

Além disso, as ZCAS se associaram a outro sistema meteorológico de baixa pressão, denominado Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN), bastante atuante no litoral nordestino nesta época do ano e que também contribuiu para a persistência das chuvas no sul da Bahia.

“Se levarmos em consideração a climatologia da região, não era esperada chuva e muito menos com o volume observado no sul da Bahia para esta época do ano”, diz à Agência FAPESP José Marengo, pesquisador do Cemaden e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – um dos INCTs financiados pela FAPESP em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo.

“As chuvas em dezembro nessa região foram abundantes, irregulares e concentradas em três períodos relativamente curtos. Em razão do volume e da intensidade delas, os impactos foram bastante altos”, avalia Marengo.

Em dezembro de 2021, foram registradas formações de três ZCAS no Nordeste, que provocaram as chuvas intensas no sul da Bahia. A primeira ocorreu entre os dias 1º e 4 de dezembro, a segunda entre os dias 7 e 11 e a terceira entre os dias 23 e 27 do mesmo mês.

“As chuvas causadas por esse último episódio de ZCAS não foram tão intensas como as do período de 7 a 11 de dezembro. Mas com as chuvas acumuladas o solo no sul da Bahia já estava muito encharcado, o que favoreceu as enxurradas e os movimentos de terra naquela região”, explica Marengo.

A posição dessas três ZCAS para essa época do ano e a ocorrência sucessiva delas também são raras, aponta Vinícius Sperling, meteorologista do Cemaden.

“Essas ZCAS deveriam estar em uma posição mais ao Sudeste, em Minas Gerais ou São Paulo, e estavam mais situadas no Nordeste”, diz Sperling.

“A ZCAS é um evento incomum de acontecer sobre a região do sul da Bahia. Ocorrer duas ou três em um mês é muito mais raro”, afirma o pesquisador.

Efeito das mudanças climáticas

Segundo Marcelo Seluchi, coordenador-geral do Cemaden, não é possível estabelecer uma relação direta entre as ZCAS e eventos climáticos extremos isolados com as mudanças do clima. Mas, em conjunto, esses extremos climáticos sugerem a influência do aquecimento global.

“Para cada evento climático extremo recente, como as chuvas no sul da Bahia ou a onda de calor extremo no Sul do Brasil, conseguimos dar uma explicação meteorológica. Mas quando juntamos essas situações com as de anos anteriores podemos dizer que, de alguma forma, estamos sendo afetados pelas mudanças climáticas”, avalia Seluchi.

“Esses eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes e já estamos observando isso”, afirma o pesquisador.

As conclusões da contribuição do Grupo de Trabalho 1 (WG1) para o sexto relatório de avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em agosto de 2021, apontam que a intensidade e a duração de eventos climáticos extremos aumentarão mesmo se o aquecimento global se estabilizar em 1,5 ºC. Nesse cenário, haverá incremento das ondas de calor, estações quentes mais longas e temporadas de frio mais curtas.

Já com o aquecimento global de 2 ºC, os extremos de calor atingiriam mais frequentemente os limiares de tolerância crítica para a agricultura e a saúde, projetam os autores.

Com a limitação do aquecimento entre 1,5 ºC e 2 ºC, os impactos dos eventos climáticos extremos seriam menores, porque permitiria a adaptação”, ponderam os autores.

Cada meio grau adicional de aquecimento global causará aumentos estatisticamente significativos nos extremos de temperatura, na intensidade de fortes chuvas e na gravidade de secas em algumas regiões.

Em escala global, os eventos de chuva forte se intensificarão em cerca de 7% para cada grau adicional de aquecimento, uma vez que uma atmosfera mais quente é capaz de reter mais umidade, estimam os cientistas (leia mais em: agencia.fapesp.br/36533/).

“Estudos já mostram que os extremos de chuva estão aumentando nos últimos 40 ou 50 anos, particularmente no sudeste da América do Sul, e as projeções de mudanças climáticas para as próximas décadas apontam na mesma direção”, diz Marengo, que editou e revisou o capítulo 3 do relatório.

“O clima está mais irregular e essa irregularidade amplifica os riscos climáticos, o que aumenta significativamente a chance de desastres de origem geo-hidrológica no Brasil”, afirma.

“Porém, o risco de desastres também é influenciado por ações que nada têm a ver com o clima, tais como política de planejamento urbano e redução de vulnerabilidade, de modo que a população possa morar longe de áreas de alto risco de enchentes, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra. Ou seja, o governo e os tomadores de decisão têm um papel crucial para proteger a população do alto risco climático futuro”, pondera.

O pesquisador destaca a importância de centros de monitoramento e alertas no Brasil, como o Cemaden, que podem atuar conjuntamente com órgãos de Defesa Civil das três esferas do governo e que são fundamentais para a mitigação dos impactos futuros.





Autor: Elton Alisson
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 20/01/2022
Publicação Original: https://agencia.fapesp.br/brasil-registra-recorde-de-extremos-de-chuva-no-inicio-do-verao/37759/

Grupo da Unifesp desenvolve protocolo para impressão 3D de células cerebrais

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desenvolveu um protocolo para a impressão em três dimensões (3D) de células neurais. A chamada biotinta é composta de polímeros naturais que permitem aos astrócitos, um tipo de célula cerebral, sobreviver por pelo menos 14 dias em laboratório depois de passar por uma impressora 3D. O procedimento resulta num modelo mais parecido com o tecido neural do que os obtidos pelos protocolos atuais, em que as células são cultivadas em duas dimensões.

O estudo, apoiado pela FAPESP, foi publicado no Journal of Visualized Experiments (JoVE).

“No organismo, as células são tridimensionais. Mas quando cultivadas em laboratório têm plástico embaixo e meio de cultura em cima [conjunto de substâncias que permitem a sobrevivência e a proliferação celular]. Isso é muito distante da organização natural do tecido ou do órgão, em que elas estão arranjadas de maneira tridimensional. A biotinta que desenvolvemos tenta reproduzir a relação da célula com o microambiente e com outras células. É um sistema intermediário entre a cultura 2D e experimentos com animais”, explica Marimélia Porcionatto, professora da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenadora do estudo.



Os astrócitos têm papel fundamental em diversos processos do cérebro, inclusive em doenças que afetam o sistema nervoso central. O procedimento padronizado pelas pesquisadoras da Unifesp pode ser adaptado para estudar outros tipos celulares e atualmente está sendo aplicado pelo grupo para analisar astrócitos e neurônios infectados com o vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, no âmbito de outro projeto financiado pela FAPESP.

“Estamos testando diferentes biomateriais que sejam compatíveis com células do tecido neural, não apenas astrócitos, mas neurônios e células-tronco neurais. A bioimpressão é uma técnica bastante recente na engenharia de tecidos e, ainda mais os neurais, compostos por células mais sensíveis. Por isso, esse protocolo será útil tanto para quem quer trabalhar com astrócitos e outras células do cérebro quanto com outros tipos celulares”, conta Bruna Alice Gomes de Melo, primeira autora do trabalho, realizado durante seu pós-doutorado na EPM-Unifesp (leia mais em: agencia.fapesp.br/32255).

O protocolo foi desenvolvido com células de camundongos, mas usa materiais biocompatíveis que podem ser adaptados para o estudo de células humanas. Além de estudar doenças do sistema nervoso central num formato mais próximo ao do cérebro, o grupo liderado por Porcionatto busca materiais que futuramente possam recuperar áreas cerebrais lesionadas por traumatismo cranioencefálico ou acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo (leia mais em: agencia.fapesp.br/29645).

Receita

A biotinta é composta de insumos disponíveis no mercado, como a laminina, extraída de bovinos, um componente da matriz extracelular (moléculas que se localizam entre as células). A receita inclui ainda fatores de crescimento para as células, compostos que permitem que sobrevivam em cultura.

Também conta com um produto conhecido como gelatina metacrilada. O insumo é vendido comercialmente no exterior, mas as pesquisadoras o produzem no laboratório a um custo muito inferior ao do importado. Melo recebeu treinamento para produzir a gelatina metacrilada no doutorado, conduzido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mais especificamente durante estágio no Programa de Ciências da Saúde e Tecnologia das universidades Harvard e Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, apoiado por bolsa da FAPESP.

“Em outras composições, uma boa parte das células sobrevivia ao estresse da impressão em 3D e até se tornavam viáveis por um tempo, mas a morfologia dos astrócitos não condizia com a que é vista no tecido vivo. A gelatina metacrilada e a laminina foram essenciais”, diz a pesquisadora.

Depois que passa pelo bico ejetor da impressora, a biotinta, que tem aspecto de um gel, é disposta em camadas. Em poucos dias, os astrócitos começam a se replicar e têm um comportamento similar ao que apresentam no tecido nervoso.

O objetivo agora é aumentar a complexidade do protocolo. Além dos astrócitos, o estudo com SARS-CoV-2 usou uma biotinta com neurônios e uma terceira que combina os dois tipos celulares. Em breve, as pesquisadoras devem incluir na mistura células-tronco neurais.

“A ideia é chegar o mais próximo possível da complexidade do tecido neural. Quando esses protocolos estiverem bem validados com células de camundongos, poderemos criar outros com células humanas. Isso vai servir para uma variedade de estudos, como testar novos fármacos, identificar genes que são expressos durante o desenvolvimento do cérebro, modelar doenças, entre outros”, completa Porcionatto.

O trabalho teve ainda como autoras mais três bolsistas FAPESP na EPM-Unifesp: Elisa M. Cruz, de doutorado; Taís N. Ribeiro, de mestrado, e Mayara Mundim, que realizou doutorado.

O artigo 3D Bioprinting of Murine Cortical Astrocytes for Engineering Neural-Like Tissue pode ser lido em: www.jove.com/t/62691/3d-bioprinting-murine-cortical-astrocytes-for-engineering-neural-like.







Autor: André Julião
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 21/01/2022
Publicação Original: https://agencia.fapesp.br/grupo-da-unifesp-desenvolve-protocolo-para-impressao-3d-de-celulas-cerebrais/37767/