sexta-feira, 23 de março de 2018
Um encontro estelar
Concepção artística da estrela de Scholz (Foto: Michael Ozadciw/U. de Rochester)
Há 70 mil anos, aqui na Terra, ainda existiam Neandertais que conviviam com os Homo sapiens. Por certo eles passavam algum tempo contemplando o céu, mas é difícil dizer se o objetivo era algo maior do que tentar prever o tempo. Um olhar científico, certamente ainda estava por acontecer.
O que eles não sabiam, e nem tinham como saber, é que nas proximidades do Sistema Solar se esgueirava uma estrela bem fraquinha. Na verdade ela não veio só, um sistema duplo passou por perto e deixou suas marcas até hoje.
Publicado nesta semana em uma revista britânica de astronomia, um estudo sugere que há 70 mil anos um sistema com uma anã vermelha e uma anã marrom tenha se aproximado do Sistema Solar a ponto de chegar a uma distância de apenas 1 ano luz. Isso é muito próximo. Veja que atualmente a estrela mais próxima de nós é a Próxima Centauri, que está a 4,2 anos luz de distância. Alguns pesquisadores chegam a colocar a fronteira do Sistema Solar a mais ou menos 1 ano luz de distância do Sol. Essa seria a região onde está a Nuvem de Oort, resquícios da nuvem primordial que formou o Sistema Solar e que seria hoje uma grande nuvem de objetos ricos em materiais voláteis congelados. Em suma, a Nuvem de Oort seria o reservatório de cometas do nosso sistema planetário.
De tempos em tempos, algum desses objetos é puxado pela gravidade combinada dos planetas gigantes gasosos e do Sol e, como ele é rico em material volátil, se torna um cometa destacado ao se aproximar de nós. A nuvem é uma previsão teórica e a observação dos cometas de longo período apontam para que ela exista de fato. Observar esses objetos é impossível com a tecnologia atual, pois além de muito distantes, eles são muito pequenos para refletirem quantidades significativas de luz.
De toda a forma, quando há alguma perturbação gravitacional é que um desses objetos tem a chance de nos visitar. Isso depois de muitos anos depois de sofrerem essa desestabilização.
Mas parece que a visita do par de astros deu um empurrão nessa galera.
Pesquisando cometas de longo período, a equipe liderada por Carlos e Raul de la Fuente, dois irmãos especialistas em computação, encontrou uma certa tendência quando analisaram suas órbitas. Trezentos e quarenta cometas de sua amostra tinham órbitas que apontavam para uma mesma direção de chegada. Ou seja, esses 340 cometas parecem sair de um mesmo ponto do céu. E esse ponto é justamente onde está o par de estrelas que se aproximou do Sol há 70 mil anos.
É verdade que as evidências não são lá tão fortes. Bom, para ser sincero até são. Como a Nuvem de Oort é esférica, as chances de um cometa despencar dela são iguais em todas as direções, ou seja, sua distribuição deveria ser aleatória. Se você procurar a direção de origem dos cometas, não deveria ver nenhum ponto com mais cometas chegando. Mas foi exatamente isso o que os irmãos de la Fuente encontraram, 340 cometas vinham de uma direção preferencial no céu.
O grande porém dessa pesquisa é que essa direção preferencial coincide com a posição atual do par de objetos. A pergunta óbvia é: não deveria ser com a posição ocupada pelo par há 70 mil anos?
Sim, deveria.
Um dos irmãos, o Carlos, disse que as incertezas no cálculo das órbitas cresce muito quando o tempo pesquisado é muito grande. Então não daria para falar em um ponto específico do céu, mas de uma região mais extensa e, olhando com cuidado, nessa região está o par de objetos. Ou seja, olhando para esse campo mais aberto, há grandes chances da dupla ter passado nessa região do céu e ter provocado a perturbação que jogou os cometas no interior do Sistema Solar.
Outro achado relevante da análise das órbitas de cometas de longo período é que cometas, de 340 estudados têm alta velocidade. Os cometas que são atraídos da Nuvem de Oort têm uma velocidade característica da região de onde eles partiram. Acima dessa velocidade, o cometa deve ter vindo de uma região mais distante ainda, ou seja, deve ter vindo de outro sistema estelar. Esse é o principal argumento para defender a ideia que Oumuamua seja um viajante interestelar. É preciso analisar outras coisas junto, mas há uma grande chance de termos aí mais 8 cometas interestelares que a gente ainda nem tinha percebido.
Ah, a anã vermelha do par de objetos chama-se estrela de Scholz, por ter sido identificada por Ralf-Dieter Scholz em 2013 e está atualmente a 20 anos luz de distância. E se você está se perguntando se tamanha aproximação assustou nossos antepassados com um forte brilho no céu, a resposta é certeza que não. Apesar da grande proximidade, a estrela de Scholz é a anã vermelha mais anã que existe, ela está no limite da classificação de estrelas, um pouco menos e ela nem estrela seria. Com isso, seu brilho é muito fraco e a 1 ano luz ela tinha apenas 1 centésimo do brilho da estrela mais fraca que um ser humano pode ver. Sua companheira, uma anã marrom nem estrela é. Até brilha um pouco, mas só no infravermelho. Ou seja, eles nem ficaram sabendo desse evento.
Autor: G1 Saúde
Fonte: G1 Saúde
Sítio Online da Publicação: G1 Saúde
Data de Publicação: 23/03/2018
Publicação Original: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/blog/cassio-barbosa/post/2018/03/23/um-encontro-estelar.ghtml
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