segunda-feira, 4 de junho de 2018
1968 e o envelhecimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Não confie em ninguém com mais de trinta anos”
Demografia e democracia tem muito mais em comum do que o prefixo. Nas manifestações da juventude revolucionária de 1968, uma das bandeiras era: “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”. Existia uma enorme vontade de mudar as rígidas estruturas fordistas, autoritárias e conservadoras da sociedade e um grande anseio de renovação econômica, social e cultural.
Os jovens que tinham entre 15 e 30 anos em 1968, agora, em 2018, têm entre 65 e 80 anos. A juventude de 1968 é a “terceira idade” de 2018 e não estará viva em 2068 para comemorar o centenário do lema “Proibido proibir”.
Alguns analistas dizem que a ideia de contestação e revolta de 1968 morreu. Outros dizem que está viva. O escritor Zuenir Ventura diz que 1968 não terminou. Mas o tempo não para.
Talvez, o mais correto seria dizer que 1968 envelheceu.
Não é somente as pessoas que envelhecem, a estrutura etária da população também fica envelhecida. A diferença é que, enquanto as pessoas morrem, a população continua viva. Só que a população deixará de ter uma estrutura etária jovem e passará a ter, permanentemente, uma estrutura envelhecida. Com a mudança do século XX para o século XXI, no mundo e nos diferentes países, o maior peso proporcional dos jovens vai cedendo lugar, paulatinamente, ao peso proporcionalmente maior dos idosos.
O gráfico acima mostra o Índice de Envelhecimento (IE) para o mundo, a França e o Brasil. Nota-se que, em 1968, no mundo havia 21,5 idosos (com 60 anos e mais) para cada cem jovens (de 0 a 14 anos de idade). Na França havia 71 idosos para cada 100 jovens e no Brasil 12,6 idosos para cada cem jovens. Ou seja, em todos os lugares o número de jovens superava o número de pessoas idosas na população. A estrutura etária era rejuvenescida em todo lugar, alguns países, como a França, era menos rejuvenescida, outros, como o Brasil, era extremamente rejuvenescida.
Em 2018, a realidade demográfica já havia mudado bastante. Na França, o IE chegou a 144, isto é, o número de idosos superou em 44% o número de jovens. No mundo, a proporção de idosos chegou a 50 para cada cem jovens e no Brasil chegou a 61,5 idosos para cada cem jovens. A França já é um país envelhecido, enquanto o Brasil e o mundo ainda possuem uma estrutura etária rejuvenescida.
Mas a inversão entre os grupos etários extremos será bem mais acentuada em 2068. No mundo haverá 121 idosos para cada cem jovens. Na França, serão 204 idosos para cada cem jovens e, no Brasil, serão 270 idosos para cada cem jovens. Ou seja, os idosos serão maioria em todos os lugares, sendo que na França haverá o dobro de idosos em relação aos jovens e no Brasil será quase o triplo de idosos em relação aos jovens.
A idade mediana da população mundial em 1968 era de 22 anos, ou seja, metade da população global tinha menos de 22 anos. Na França a idade mediana era de cerca de 30 anos. No Brasil a idade mediana era de somente 19 anos, ou seja, metade da população brasileira tinha menos de 19 anos. Em 2018, a idade mediana do mundo passou para 30 anos, do Brasil para 32 anos e a França para 42 anos. Para 2068, a idade mediana deve chegar a 38 anos no mundo, 45 anos da França e quase 50 anos no Brasil. Ou seja, metade da população brasileira terá mais de 50 anos, um quadro demográfico de alto envelhecimento populacional, bem diferente do quadro que existia em 1968.
A ciência política costuma dizer que os jovens são mais progressistas e os idosos são mais conservadores. Como diz um velho ditado popular: “Um jovem que não seja revolucionário não tem coração. Um idoso de esquerda não tem razão”. Não há consenso sobre isto e, se assim foi no passado, quando havia uma estrutura etária rejuvenescida, não quer dizer que será no futuro.
Com toda a certeza podemos dizer que o perfil demográfico da população brasileira, francesa e mundial, em 2068, será de predomínio dos idosos. Mas o perfil democrático está aberto, pois não existe uma correlação determinística entre idade das pessoas e das ideias.
Assim como os jovens podem assumir velhas concepções conservadoras, os idosos podem abraçar novas concepções progressistas. O importante é ter cabeça aberta e aceitar, independentemente da idade, como disse Belchior: “Que o novo sempre vem”.
Referências:
ALVES, JED. O eleitorado brasileiro cada vez mais feminino e envelhecido, Ecodebate, 21/05/2018 https://www.ecodebate.com.br/2018/05/21/o-eleitorado-brasileiro-cada-vez-mais-feminino-e-envelhecido-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Cai a razão de suporte dos idosos no Brasil e no Mundo. Portal do Envelhecimento, 30/06/2017
http://www.portaldoenvelhecimento.com.br/cai-razao-de-suporte-dos-idosos-no-brasil-e-no-mundo/
ALVES, JED. Demografia, Democracia e Direitos Humanos, Textos para discussão, Escola Nacional de Ciências Estatísticas, IBGE, número 18, 2005 http://www.ence.ibge.gov.br/images/ence/doc/publicacoes/textos_para_discussao/texto_18.pdf
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/06/2018
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 01/06/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/06/01/1968-e-o-envelhecimento-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
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