O Níger é o país que tem a maior taxa de fecundidade total (TFT) e é um dos poucos países que não deu início à transição de um alto número para um baixo número médio de filhos por mulher. A TFT se mantém acima de 7 filhos por mulher entre 1950 e 2015. Uma TFT tão alta gera uma estrutura etária muito rejuvenescida e uma elevada razão de dependência (poucas pessoas, proporcionalmente, em idade produtiva), o que dificulta o aumento da taxa de investimento para a geração de empregos e de riqueza.
O gráfico acima mostra que a renda per capita (em dólares constantes, segundo a “Penn World Table”) do Níger estava em US$ 1.373 em 1960, subiu para o pico de US$ 1.630 em 1965 e caiu continuamente nas décadas seguintes até US$ 890 em 2015. Sem dúvida é impressionante que a renda per capita tenha caído ao longo de 55 anos. O Níger que é muito pobre, está mais pobre do que foi em 1960. Para efeito de comparação, a Tailândia tinha uma renda per capita menor do que a do Níger em 1960, no valor de US$ 1.159. Mas ao longo, dos 55 anos, a renda per capita da Tailândia passou para US$ 14.708 em 2015, dezessete vezes superior à renda do Níger.
Ou seja, o Níger está totalmente preso na “Armadilha da Pobreza”. Isto significa que a população cresce à taxa próxima de 4% ao ano, mas as pessoas não têm acesso à educação, à saúde e ao pleno emprego e trabalho decente. O desperdício do potencial produtivo impede o crescimento econômico e, desta forma, o país fica acorrentado ao ciclo intergeracional da pobreza. Sem crescimento da renda e do bem-estar a TFT não cai e o alto crescimento demográfico passa a demandar recursos que poderiam ir para o aumento do investimento e o “take off” do desenvolvimento.
A Conferência de Bucareste, em 1974, lançou a palavra de ordem: “O desenvolvimento é o melhor contraceptivo”. Mas no caso do Níger, não há desenvolvimento, portanto, não há queda da fecundidade e sem a redução da alta proporção de crianças e jovens não há bônus demográfico e nem a superação da pobreza extrema.
A população do Níger era de 2,5 milhões de habitantes em 1950, passou para 11,4 milhões no ano 2000 e chegou a 21,5 milhões em 2017. Pelas projeções da Divisão de População da ONU, na hipótese média, indicam uma população de 68,5 milhões em 2050 e de 192 milhões em 2100. Mas pela projeção alta, a população do Níger pode chegar a 300 milhões de habitantes, como mostra o gráfico abaixo.
A densidade demográfica era de 2 hab/km2 em 1950, passou para 9 hab/km2 em 2000, para 17 hab/km2 em 2017 e pode chegar a 52,4 hab/km2 em 2050 e a 151,7 hab/km2 em 2100 (para efeito de comparação a densidade demográfica do Brasil era de 25 hab/km2 em 2017 e pode cair para 23 hab/km2 em 2100). O Níger possui uma área de 1.270.000 km², mas cerca de 75% de sua área é composta pelo Deserto do Saara.
Evidentemente, a falta de terras agricultáveis é grave para um país que precisa alimentar sua população, com cerca de 80% vivendo em área rural. O Níger é um dos países mais pobres do mundo e possuía um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de somente 0,353, o penúltimo do ranking de 188 países, só perdendo para República Centro-Africana.
Segundo as projeções da ONU a pirâmide etária (como mostrado nos gráficos abaixo) vai engrossar durante o século XXI, mas mantendo uma estrutura etária jovem, mesmo na hipótese de que a TFT comece a cair no atual quinquênio.
O otimismo da ONU pode não se realizar, pois o Níger é um país sem litoral, situado na região do Sahel, que já enfrenta um grande déficit alimentar e o avanço do deserto. Mais de 1,5 milhão de pessoas no Níger foram afetadas pela fome em 2017. Estima-se que outros 1,5 milhão estejam com insegurança alimentar crônica e outros milhões sofrem de escassez transitória durante a época de escassez. Quase 20% da população não consegue satisfazer suas necessidades alimentares devido a fatores como produção agrícola inadequada e má distribuição.
Em um contexto de desigualdade de gênero generalizada e arraigada, a insegurança alimentar afeta as mulheres de maneira desproporcional, especialmente nas áreas rurais. As disparidades de gênero persistentes continuam a desafiar o desenvolvimento e têm impacto na segurança nutricional. Em torno de 42% das crianças menores de 5 anos sofrem de desnutrição crônica e 10,3% sofrem de desnutrição aguda. As dietas não possuem as vitaminas e minerais necessários. Como resultado, mais de 73% das crianças com menos de 5 anos e quase 46% das mulheres em idade reprodutiva são anêmicas. A situação é desesperadora. Só com ajuda internacional o Níger poderá superar a Armadilha da Pobreza e a queda da TFT é um passo essencial.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/06/2018
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 29/06/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/06/29/alta-fecundidade-e-armadilha-da-pobreza-no-niger-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
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