Um mapeamento traçou as origens e dispersão do vírus da febre amarela durante o maior surto em 100 anos no Brasil. Ouça abaixo a entrevista que uma das autoras do trabalho, Ester Sabino, concedeu ao programa Jornal da USP no Ar. Na imagem, o mosquito Sabethes, um dos que tiveram papel importante no surto recente – Foto: James Gathany/CDC via Agência Fapesp
Avanço da febre amarela reflete ação do homem na natureza
Osurto de febre amarela vivenciado pelo Brasil entre o fim de 2016 e o início de 2018, o maior dos últimos 100 anos, ganhou terreno apenas pela via silvestre de transmissão da doença, em que mosquitos dos gêneros Sabethes e Haemagogus, que habitam copas de árvores, transmitiram o vírus primeiro para macacos e depois para seres humanos. Não houve disseminação da doença por meio do mosquito Aedes aegypti, de hábitos urbanos, que transmite outras doenças, como zika, dengue e chikungunya. Não há registro de febre amarela transmitida por A. aegypti desde 1942. Essas conclusões fazem parte de estudo publicado na Science. Segundo o trabalho, no Cerrado mineiro, área bastante afetada pela epidemia, os casos em humanos começaram a aparecer, em média, quatro dias depois de o vírus ter se tornado dominante em populações de macacos de áreas vizinhas. O surto causou mais de 600 mortes de pessoas e 2.043 casos de febre amarela no País.
A professora Ester Cerdeira Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT) da USP, falou ao Jornal da USP no Ar sobre o trabalho publicado na revista Science do qual é coautora. Os resultados estabeleceram uma estrutura para monitorar a transmissão do vírus em tempo real, que contribuirá na criação de uma estratégia global para eliminar epidemias futuras.
Ouça a seguir:
Mapeamento: origens e dispersão
“O vírus espalhou-se rapidamente em populações locais de mosquitos silvestres e primatas não humanos a uma velocidade média de 3,3 quilômetros (km) por dia, em direção às grandes cidades dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro”, diz o biomédico português Nuno Faria, da Universidade de Oxford, da Inglaterra, primeiro autor do artigo. O trabalho integrou dados epidemiológicos e sequências de genoma de 64 amostras do vírus coletadas de vítimas da doença durante a epidemia e contou com a participação de pesquisadores da USP, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto Adolfo Lutz e Fiocruz, entre outras instituições.
Análises das amostras de vírus permitiram um mapeamento genético da presença geográfica do vírus em tempo real durante a epidemia.
Nosso estudo descreve um novo método para sequenciar genomas de vírus em menos de 48 horas com um aparelho portátil que cabe na palma de uma mão, explica Faria.
Mapeamento: origens e dispersão
“O vírus espalhou-se rapidamente em populações locais de mosquitos silvestres e primatas não humanos a uma velocidade média de 3,3 quilômetros (km) por dia, em direção às grandes cidades dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro”, diz o biomédico português Nuno Faria, da Universidade de Oxford, da Inglaterra, primeiro autor do artigo. O trabalho integrou dados epidemiológicos e sequências de genoma de 64 amostras do vírus coletadas de vítimas da doença durante a epidemia e contou com a participação de pesquisadores da USP, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto Adolfo Lutz e Fiocruz, entre outras instituições.
Análises das amostras de vírus permitiram um mapeamento genético da presença geográfica do vírus em tempo real durante a epidemia.
Nosso estudo descreve um novo método para sequenciar genomas de vírus em menos de 48 horas com um aparelho portátil que cabe na palma de uma mão, explica Faria.
Kit de testes, com sequenciamento de DNA, para uso em campo – Foto: Nuno Faria/Universidade de Oxford via Agência Fapesp
“Há menos de três anos, esse processo era demorado, caro e apenas se podia fazer em poucas instituições brasileiras.” Mapeando o grau de proximidade genética entre vírus que infectavam diferentes populações de macacos e humanos, Faria e seus coautores descobriram que, apesar de ter emergido em Minas Gerais, o vírus que desencadeou o surto era mais relacionado com linhagens que circulam na região amazônica.Para descartar a hipótese de que o Aedes pudesse ter contribuído para o surto, os pesquisadores fizeram um recorte da epidemia levando em conta a localização precisa dos casos, idade e sexo das vítimas. Chegaram a um perfil médio do indivíduo infectado – homem, jovem adulto, morador de bairro próximo a área de floresta – que se enquadrava no modelo de transmissão da febre amarela silvestre, ainda que houvesse exceções. Se o surto tivesse sido causado pela forma urbana de transmissão da doença, seriam atingidas mulheres, crianças e idosos em maior número, argumentam os pesquisadores.
Um mapa feito para o estudo mostra círculos interconectados que revelam a relação geográfica entre as 64 amostras de vírus que tiveram material genético sequenciado e o momento em que elas foram detectadas. A figura indica que, muitas vezes, os macacos e os mosquitos sozinhos não seriam capazes de levar a doença tão rápido e tão longe. Mesmo sem auxílio do Aedes, humanos tiveram papel importante em disseminar o vírus, seja pelo deslocamento de pessoas doentes, tráfico de animais silvestres infectados ou até mosquitos de floresta pegando “carona” em carros.
Se o ciclo urbano de febre amarela tivesse de fato ocorrido em 2017, a estratégia de vacinação teria sido comprometida. “Esse risco ainda é real”, afirma Renato Souza, virologista do Instituto Adolfo Lutz, coautor do estudo na Science. “Sabemos que o Aedesapresenta algum grau de competência para transmissão da febre amarela. O vírus da doença se aproximou muito da população humana, nas áreas periféricas, e pode infectar populações desse mosquito.”Por contar com um número limitado de doses de vacina no início do surto, as autoridades de saúde precisaram escolher áreas prioritárias para se anteciparem ao deslocamento das populações de vírus. O fato de mosquitos do gênero Aedes não terem tido papel relevante nessa epidemia facilitou o planejamento.
O estudo multicêntrico também oferece pistas para a compreensão de por que o último surto de febre amarela foi maior do que os anteriores, nos quais os casos no país não passavam de algumas dezenas. Segundo Souza, dessa vez certamente contribuiu o fato de que a febre amarela silvestre chegou a regiões onde a porcentagem de população humana vacinada era baixa, menos de 80%. “Fora isso, o vírus atingiu áreas de floresta em que havia populações de primatas completamente suscetíveis a ele”, afirma o pesquisador.
De acordo com Nuno Faria, ainda há fatores desconhecidos que precisam ser computados para oferecer uma resposta mais precisa sobre a dimensão tão grande do último surto. “Por meio da análise de dados históricos, sabemos que existem ondas de transmissão de febre amarela silvestre, que podem ser de sete em sete ou de 14 em 14 anos, dependendo das regiões geográficas”, afirma o pesquisador português. Isso pode estar relacionado à dinâmica do vírus nos “reservatórios”, animais que sustentam a presença do vírus quando ele não está circulando em macacos nem em humanos. “Infelizmente sabemos ainda muito pouco sobre as espécies que atuam como reservatório do vírus, onde existe transmissão silenciosa de febre amarela, aparentemente sem causar óbito.”
“Há menos de três anos, esse processo era demorado, caro e apenas se podia fazer em poucas instituições brasileiras.” Mapeando o grau de proximidade genética entre vírus que infectavam diferentes populações de macacos e humanos, Faria e seus coautores descobriram que, apesar de ter emergido em Minas Gerais, o vírus que desencadeou o surto era mais relacionado com linhagens que circulam na região amazônica.Para descartar a hipótese de que o Aedes pudesse ter contribuído para o surto, os pesquisadores fizeram um recorte da epidemia levando em conta a localização precisa dos casos, idade e sexo das vítimas. Chegaram a um perfil médio do indivíduo infectado – homem, jovem adulto, morador de bairro próximo a área de floresta – que se enquadrava no modelo de transmissão da febre amarela silvestre, ainda que houvesse exceções. Se o surto tivesse sido causado pela forma urbana de transmissão da doença, seriam atingidas mulheres, crianças e idosos em maior número, argumentam os pesquisadores.
Um mapa feito para o estudo mostra círculos interconectados que revelam a relação geográfica entre as 64 amostras de vírus que tiveram material genético sequenciado e o momento em que elas foram detectadas. A figura indica que, muitas vezes, os macacos e os mosquitos sozinhos não seriam capazes de levar a doença tão rápido e tão longe. Mesmo sem auxílio do Aedes, humanos tiveram papel importante em disseminar o vírus, seja pelo deslocamento de pessoas doentes, tráfico de animais silvestres infectados ou até mosquitos de floresta pegando “carona” em carros.
Se o ciclo urbano de febre amarela tivesse de fato ocorrido em 2017, a estratégia de vacinação teria sido comprometida. “Esse risco ainda é real”, afirma Renato Souza, virologista do Instituto Adolfo Lutz, coautor do estudo na Science. “Sabemos que o Aedesapresenta algum grau de competência para transmissão da febre amarela. O vírus da doença se aproximou muito da população humana, nas áreas periféricas, e pode infectar populações desse mosquito.”Por contar com um número limitado de doses de vacina no início do surto, as autoridades de saúde precisaram escolher áreas prioritárias para se anteciparem ao deslocamento das populações de vírus. O fato de mosquitos do gênero Aedes não terem tido papel relevante nessa epidemia facilitou o planejamento.
O estudo multicêntrico também oferece pistas para a compreensão de por que o último surto de febre amarela foi maior do que os anteriores, nos quais os casos no país não passavam de algumas dezenas. Segundo Souza, dessa vez certamente contribuiu o fato de que a febre amarela silvestre chegou a regiões onde a porcentagem de população humana vacinada era baixa, menos de 80%. “Fora isso, o vírus atingiu áreas de floresta em que havia populações de primatas completamente suscetíveis a ele”, afirma o pesquisador.
De acordo com Nuno Faria, ainda há fatores desconhecidos que precisam ser computados para oferecer uma resposta mais precisa sobre a dimensão tão grande do último surto. “Por meio da análise de dados históricos, sabemos que existem ondas de transmissão de febre amarela silvestre, que podem ser de sete em sete ou de 14 em 14 anos, dependendo das regiões geográficas”, afirma o pesquisador português. Isso pode estar relacionado à dinâmica do vírus nos “reservatórios”, animais que sustentam a presença do vírus quando ele não está circulando em macacos nem em humanos. “Infelizmente sabemos ainda muito pouco sobre as espécies que atuam como reservatório do vírus, onde existe transmissão silenciosa de febre amarela, aparentemente sem causar óbito.”
Autor: Jornal da USP
Fonte: Jornal da USP
Sítio Online da Publicação: Jornal da USP
Data: 30/08/2018
Publicação Original: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-biologicas/sao-paulo-pode-se-tornar-zona-endemica-de-febre-amarela-2
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