quinta-feira, 14 de março de 2019
Mercantilização ambiental, Parte 3/4, artigo de Roberto Naime
Mercantilização ambiental
A realidade das dinâmicas econômica, política e social operam em uma velocidade bem superior à das negociações diplomáticas. E isso é até natural e compreensível.
Portanto, se aproveitando dessa distância, o conceito de “economia verde”, já está há um bom tempo sendo utilizado pelos governos, implementado pelas grandes empresas e divulgado pelos meios de comunicação como a grande panaceia para todos os males que o consumismo tem provocado sobre o ecossistema. Só que a problemática é bem mais complicada do que aparenta.
Por isso se sabe que leis e normas não vão resolver os problemas, embora sejam instrumentos relevantes.
A civilização humana vai acabar determinando nova autopoiese sistêmica, na acepção livre das concepções semânticas de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio.
Que é um sistema instável, muito frágil e vulnerável. Para sua própria sobrevivência, o “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva.
Em sua tendência a universalizar as relações mercantis, o atual sistema econômico passou a incorporar a dimensão do “meio ambiente” também como instrumento de acumulação e dinamização do mercado. Os primeiros esboços concentraram-se na área de emissão de gases do efeito estufa (GEE).
A partir das determinações previstas no Protocolo de Kyoto, lançado em 1997, começaram a surgir os “créditos de carbono”, que vieram a se constituir em instrumentos de negociação no próprio mercado financeiro. Não deixa de ser uma bem caracterizada mercantilização ambiental.
Com isso, as empresas que conseguissem reduzir seu volume de emissão de GEE teriam direito a emitir esses títulos de crédito de carbono, que passaram a ser precificados, ou seja mercantilizados, e negociados no mercado. De acordo com os padrões estabelecidos atualmente, um crédito de carbono equivale à redução de 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2).
O objetivo implícito é que ele seria um mecanismo de estimular a substituição de processos produtivos “sujos” por novos processos “limpos”.
O termo genérico desse tipo de ação ficou conhecido como “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL) e contaria com algum tipo de regulação e fiscalização por parte da ONU, de maneira a evitar que os títulos de crédito de carbono pudessem ser objeto de fraude e descontrole.
O crescimento do volume de títulos emitidos e a generalização de sua negociação criaram um verdadeiro mercado, com todo tipo de produto financeiro associado.
O crédito de carbono tem uma cotação nas Bolsas de Mercadorias, tendências de alta, expectativas de queda, operações de mercado futuro e por aí vai. Como todos os títulos similares, está bastante sujeito a muita especulação.
Mais recentemente, outros instrumentos financeiros passaram a ser incorporados à prática dos grandes grupos multinacionais, mas ainda não são objeto de regulação e controle institucional.
Trata-se do procedimento de “redução de emissão por desmatamento e degradação evitados” (REED), por meio do qual as corporações e seus empreendimentos de larga escala buscam obter ganhos econômicos, a partir de iniciativas que possam diminuir o ritmo de destruição ambiental, como a redução de áreas de floresta ou o comprometimento de áreas envolvidas com extração mineral.
E aqui novamente o mercado financeiro pode atuar como facilitador dos negócios e da alavancagem de projetos, pois tudo se consolida em emissões de títulos que passam a ter um valor e são negociados nos mercados mobiliários por todos os cantos do planeta.
E como quase tudo no mercado opera com base na especulação, o que dizer de operações sem nenhum lastro no setor real da economia. É a mercantilização ou financeirização do meio ambiente, absorvido pelos mercados.
Um outro mundo é possível. Ocorre enfatizar que nada é contra a livre-iniciativa.
Que sem dúvida sempre foi e parece que sempre será o sistema que melhor recepciona a liberdade e a democracia. Mas uma nova autopoise sistêmica para o equilíbrio do arranjo social, é imprescindível.
A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade.
Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda. Por isso tudo é absorvido pelos chamados mercados, que só entendem uma linguagem. Ou serve para ganhar dinheiro ou não serve para nada.
Pensar em satisfação existencial é uma grande abstração na atual autopoiese de equilíbrio do arranjo sistêmico.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Referência:
http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Economia-verde-e-mercantilizacao-do-Meio-Ambiente/26817
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/03/2019
Autor: Roberto Naime
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 14/03/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/03/14/mercantilizacao-ambiental-parte-34-artigo-de-roberto-naime/
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