quarta-feira, 27 de março de 2019

Pesquisa indica que ausência da leptina em fases iniciais da vida leva à obesidade em adultos




A obesidade já é a segunda maior causa de morte no mundo, considerando que ela pode contribuir para a ocorrência de diversas doenças cardiovasculares, diabetes, problemas renais e vários tipos de câncer. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que o sobrepeso e/ou a obesidade já afetam 39% da população adulta e 18% das crianças e adolescentes entre cinco e 18 anos. Apesar de ser decorrente de múltiplos fatores, a obesidade tem uma característica comum: defeitos na ação do hormônio leptina. Este hormônio é produzido pelo tecido adiposo de maneira proporcional às reservas de energia; assim, informa ao hipotálamo sobre a necessidade de ingestão de mais alimentos. Por isso, uma das ações mais conhecidas da leptina é a de regular o peso corporal, embora este hormônio também esteja envolvido em outras funções importantes, como o desenvolvimento cerebral ou manutenção do sistema reprodutivo.

Estudo conduzido pelo pesquisador Jose Donato Junior, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com a neurocientista do Instituto de Bioquímica Medica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernanda De Felice – Cientista do Nosso Estado da FAPERJ –, traz uma nova luz sobre o papel da leptina e complementa as pesquisas, em sua maioria, focadas no metabolismo. O artigo foi publicado na revista eLife e está disponível desde o final de janeiro de 2019, no PubMed, banco de dados do National Center for Biotecnology Information (NCBI), com mais de 29 milhões de citações de literatura biomédica da Medline.

Evidências em roedores e humanos demonstram que no período inicial da vida os organismos interagem ativamente com seu entorno. Estressores nutricionais, como mudança da disponibilidade de alimentos (escassez ou excesso) podem causar alterações permanentes no metabolismo, visando adaptações às novas condições. Este processo é denominado “programação metabólica” e acredita-se que faça parte do processo de desenvolvimento da obesidade na vida adulta e que a leptina participe dessa resposta. A leptina regula o balanço energético e também exibe efeitos neurotróficos durante períodos críticos de desenvolvimento. No entanto, seu real papel durante o desenvolvimento ainda não é totalmente compreendido.

Para Jose Donato Junior, o cerne da questão é: o que a leptina tem a ver com o metabolismo e quais as consequências em longo prazo de sua ausência nas crianças? As descobertas revelam que a falta de leptina em fases iniciais da vida afeta não só o metabolismo, mas o desenvolvimento dos neurônios, com consequências de longo prazo nos adultos. Ou seja, mudanças na sinalização de leptina durante o início da vida podem desencadear problemas endócrinos, neuroendócrinos e do desenvolvimento de forma permanente na vida adulta. Os experimentos em laboratório foram conduzidos, principalmente, pela aluna de doutorado de Donato, Angela Ramos-Lobo. A novidade que o estudo sugere é a existência de uma relação estreita entre o período embrionário e a doença futura.


Jose Donato Junior, Angela Ramos-Lobo e Fernanda De Felice (Fotos: Arquivos pessoais)


Recentemente, Fernanda De Felice ganhou destaque com sua pesquisa sobre o papel do hormônio irisina, produzido pelos músculos durante a prática de exercícios, para prevenir, reverter ou até mesmo estacionar os sintomas do Alzheimer. Seus conhecimentos em Neurobiologia foram decisivos no convite para colaborar com o estudo. “É crescente o interesse de diversas áreas sobre os efeitos de hormônios no cérebro, especialmente no que se refere à obesidade. Esse trabalho mostrou que a deficiência da sinalização de leptina no cérebro durante o desenvolvimento, que pode acontecer em casos de obesidade infantil, impacta negativamente e de modo persistente o desenvolvimento do cérebro e o metabolismo", resume a doutora em Química Biológica pela UFRJ.

Segundo Donato, a constatação de que a leptina é importante nos estágios mais precoces da vida, participando em processos como o desenvolvimento cerebral, é um grande passo. Na atual fase da pesquisa, o grupo se dedica a investigar detalhes da participação da leptina nestes processos, em compreender melhor o seu papel durante o começo da vida, avaliando as alterações que ocorrem na fisiologia de camundongos adultos que se desenvolveram sem ação da leptina, e se essas alterações são permanentes. O pesquisador acredita que essas perguntas contribuem para o entendimento da fisiologia da leptina, as causas que levam à programação metabólica e, eventualmente, ao desenvolvimento da obesidade.

Nos estudos realizados com camundongos, verificou-se que, em termos de desenvolvimento do hipotálamo, as primeiras duas semanas de vida dos ratos são semelhantes ao último trimestre de gestação do feto. Foi utilizado um modelo de camundongos com uma mutação que os leva a crescer sem a ação da leptina. A expressão do receptor de leptina foi restaurada na vida adulta dos animais, permitindo que o hormônio passasse a agir de forma fisiológica. “Observamos que a ausência do receptor de leptina durante o início da vida levou à obesidade na vida adulta, sendo que esses indivíduos tiveram menor capacidade de perder peso e menor taxa metabólica, sem desenvolver o quadro de resistência à leptina”, esclarece o pesquisador. Outras funções, como a do sistema reprodutivo e o desenvolvimento cerebral, também foram afetadas permanentemente. “Finalmente, a circuitaria cerebral que se acreditava prejudicada permanentemente pela ausência de leptina no começo da vida, foi restaurada. Esses resultados desafiam o conceito atual de que as ações neurotróficas da leptina estão limitadas a um período neonatal”, esclarece Donato.

Para prevenir a obesidade, a equipe de pesquisadores faz as mesmas recomendações que norteiam os programas de saúde pública: alimentação saudável e manutenção do peso ideal. Os estudiosos alertam para o fato de que a obesidade não só aumentou como tem ocorrido em crianças, que estarão mais vulneráveis a doenças metabólicas futuras, além de dificuldades cognitivas, como Fernanda e seu grupo de estudo em doenças neurodegenerativas vêm demostrando claramente. Donato alerta que o aumento da longevidade é um agravante para adultos obesos, que certamente terão mais suscetibilidade a doenças neurodegenerativas. “Por isso é importante identificar o fator metabólico para o desenvolvimento de terapias futuras”, conclui o pesquisador.




Autor: Paula Guatimosim
Fonte: Faperj
Sítio Online da Publicação: Faperj
Data: 21/03/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3722.2.9

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