Tatiane Vargas no site da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) elabora reflexão e entrevista Josino Costa Moreira, então coordenador do Laboratório de Ecotoxicologia do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP.
Nas últimas semanas, uma discussão sobre o cultivo de alimentos de maneira orgânica e da forma tradicional, com uso de agrotóxicos, tem promovido grande polêmica entre os especialistas do tema.
Um estudo da Universidade de Stanford, Estados Unidos, comparou o valor nutricional dos alimentos orgânicos aos cultivados pela agricultura convencional. A tão polêmica pesquisa afirma que os alimentos orgânicos não são mais nutritivos e nem ao menos mais saudáveis que os convencionais.
As afirmações, porém, têm gerado inúmeras críticas por parte de pesquisadores brasileiros, que asseguram que os orgânicos são a melhor opção.
De acordo com o estudo, baseado em uma revisão de resultados de 237 pesquisas, realizadas desde 1960, sobre o valor nutricional e os riscos que causam à saúde, em termos nutricionais, ambos os cultivos de alimentos orgânicos e convencionais (cultivados com uso de agrotóxicos e pesticidas) são iguais, pois as características nutritivas não têm a ver com o tipo de manejo, e sim com características do solo.
O estudo aponta ainda que o diferencial do alimento cultivado de maneira orgânica é, em teoria, não ser contaminado com agrotóxicos. A revisão que baseou o estudo não deixou de lado os riscos que a ingestão de alimentos cultivados com base na agricultura convencional pode trazer à saúde humana.
Na área da Saúde Pública, as afirmações do estudo têm causado polêmica. Pesquisadores de diversas instituições discordam das afirmações citadas pela pesquisa e ressaltam que, principalmente em níveis nutricionais, os dois tipos de produção de alimentos podem até não possuir tamanha diferença.
Entretanto, em relação à produção e ingestão dos agrotóxicos, eles são categóricos quando afirmam os malefícios trazidos à saúde humana a ao meio ambiente.
O coordenador destacou que o modelo agrícola baseado no uso de agrotóxicos produz um PIB anual de 140 bilhões. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), anualmente são usados no mundo cerca de 2,5 milhões de toneladas de agrotóxicos.
O consumo anual de agrotóxicos no Brasil tem sido superior a 300 mil toneladas. Este consumo se difere nas várias regiões do país, nas quais se misturam atividades agrícolas intensivas e tradicionais. Pesquisas realizadas pela instituição apontaram que os agrotóxicos têm sido mais usados nas Regiões Sudeste (cerca de 38%), Sul (31%) e Centro-Oeste (23%). Na Região Norte, o consumo de agrotóxicos é comparativamente muito pequeno (pouco mais de 1%), enquanto na Região Nordeste (em torno de 6%), uma grande quantidade concentra-se principalmente nas áreas de agricultura irrigada.
O coordenador do Laboratório de Ecotoxicologia do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP, Josino Costa Moreira, foi entrevistado pelo “Informe ENSP” para falar sobre as polêmicas afirmações da pesquisa americana, sobre o uso dos agrotóxicos e suas relações prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, além de apontar os modelos econômicos de agricultura.
A apresentação da entrevista é feita a seguir.
Informe ENSP: Um polêmico estudo afirma que os alimentos orgânicos não são mais nutritivos e nem mesmo mais saudáveis que os convencionais. Segundo a pesquisa, existe pouca diferença em relação aos benefícios à saúde entre orgânicos e alimentos convencionais. Uma crítica, de pesquisadores brasileiros, é que o estudo não teria considerado os efeitos da exposição prolongada a pesticidas e agrotóxicos na saúde. Que tipos de danos podem ser relacionados a esse consumo prolongado de alimentos contaminados?
Josino responde “penso que, neste comentário, estão incluídos conceitos bem distintos. Um relativo à capacidade nutricional e outro à segurança dos alimentos. Quanto à capacidade nutricional, eu, embora não seja especialista no assunto, acredito que a afirmação esteja correta. Ou seja, não devem existir diferenças significativas entre produtos cultivados de maneira orgânica ou não. Quanto à segurança de fato, a existência de resíduos de substâncias não naturais (particularmente aquelas que têm propriedades biocidas) em qualquer alimento não é desejável”.
Prossegue e conclui “entretanto, a utilização do termo agrotóxicos, que representa uma família de mais de uma centena de substâncias diferentes, que possuem atividade biológica, mecanismo de ação e propriedades completamente diferenciadas, generaliza muito o comentário e o enfraquece. Isso porque, em inúmeros casos, inexiste comprovação válida em termos científicos, ou ainda essa comprovação é extremamente débil sobre os riscos que algumas dessas substâncias, mesmo em casos de exposição prolongada a seus resíduos, trazem à saúde. Discussões genéricas trazem o risco de nos envolvermos em discursos inflamados, mas sem qualquer base científica sólida”.
Informe ENSP: Outro dado destacado na pesquisa é sobre o modo de produção de alimentos, tendo em vista que, em uma agricultura orgânica, se deve levar em conta o respeito à natureza e as questões sociais em sua cadeia produtiva. O que você aponta como a principal diferença entre esses dois modelos: o modelo ambientalmente sustentável e o de monocultivos?
Josino Costa Moreira: argui “diferença fundamental perpassa muito mais os aspectos econômicos que aqueles relacionados à saúde ambiental. Sob este ponto de vista, interessa a produtividade e o menor custo de produção; quanto maior a produtividade e menor o custo, melhor. Políticas de aumento de produtividade agrícola, em geral, trazem em seu âmago o incentivo à monocultura e ao uso de agrotóxicos e fertilizantes”.
Informe ENSP: Atualmente, muito se fala sobre a agricultura orgânica. Esse modo de produção é economicamente viável, de maneira que, em um determinado espaço de tempo, apenas se cultive alimentos orgânicos?
Costa Moreira explana “a agricultura orgânica tem se mostrado economicamente viável, e essa viabilidade conta com um fator importante que é o preço dos alimentos produzidos por essa via, bem mais elevado que os demais, o que tem privilegiado as classes de maior poder de compra em detrimento das outras. Sobre a produção exclusivamente orgânica, eu creio que podemos caminhar para isso, mas ainda há um longo caminho a percorrer, envolvendo inclusive uma grande mudança de mentalidade”.
Informe ENSP: A questão do uso dos agrotóxicos hoje é debatida tanto no meio acadêmico, por meio de pesquisas científicas, quanto nos movimentos sociais, como, por exemplo, na campanha “Contra os agrotóxicos e pela vida”, liderada pelo Movimento dos Sem Terra. Isso significa que a questão passou a ser uma discussão integrada na sociedade. Você acha que, atualmente, podemos começar a discutir de fato um modelo de desenvolvimento sustentável, que considere essa integração entre a saúde e o ambiente?
Josino Costa Moreira defende “o próprio conceito de saúde inclui, há muito tempo, o ambiente, o que mostra que a relação saúde-ambiente é indissociável. Não se pode falar de saúde sem considerar o ambiente. É óbvio que uma discussão do modelo de desenvolvimento e, principalmente, de sustentabilidade deve ter a participação de todas as camadas populares e requer a conscientização por parte delas, baseada em critérios válidos em termos científicos. A sustentabilidade jamais será obtida sem a participação de todos”.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
Referência:
http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/31056
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/04/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 02/04/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/04/02/agrotoxicos-e-organicos-na-saude-artigo-de-roberto-naime/
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