segunda-feira, 15 de abril de 2019

Cai o investimento público e a produtividade no Brasil submergente, artigo de José Eustáquio Diniz Alves





O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou, em 10 de abril de 2019, os dados econômicos e as projeções até 2024 para todos os países e regiões. Os dados para o Brasil não são nada estimulantes e confirmam que o maior país da América Latina está encolhendo e ficando mais pobre em termos relativos. O FMI reduziu as projeções de crescimento da economia brasileira para o período 2019-2022, em relação ao que foi publicado em abril de 2018. O cenário é desalentador, pois a economia “verde e amarela” continua rastejando quando comparada com a média mundial e, especialmente, em relação aos países emergentes.

O gráfico acima mostra que a nação brasileira deve ficar, pela primeira vez na história, pelo menos, 14 anos com desempenho abaixo do ritmo médio da economia mundial (entre 2011 e 2024) e muito abaixo da média dos países emergentes. Isto nunca tinha acontecido antes e pode estar se tornando o novo normal, num processo de estagnação secular e de envelhecimento precoce da economia nacional.

Considerando alguns períodos mais longos, também com dados do FMI (abril de 2019), nota-se que o ritmo de crescimento econômico dos países emergentes aumentou de 4,5% ao ano no período 1980-2010, para 4,7% aa no período mais amplo de 1980-2024 e chegou a 4,9% aa quando se considera somente os 14 anos entre 2011-24, conforme a tabela abaixo. A média mundial manteve o ritmo de 3,6% ao ano no três períodos. Já o Brasil apresentou queda regressiva, pois teve média de crescimento de 2,8% aa entre 1980-2010, de 2,3% aa entre 1980-2024 e somente 1,0% aa nos 14 anos, entre 2011-24.







Com o baixo crescimento econômico, houve uma quase estagnação da renda per capita nacional. A renda per capita da população brasileira era de US$ 11,4 mil em 1980 e caiu para US$ 10,4 mil em 1992. Houve uma recuperação nos anos seguintes e a renda chegou a US$ 11,7 mil em 2002, pouco acima daquela de 1980. Na primeira década do século XXI a renda per capita deu o maior salto do período e foi para US$ 15,1 mil em 2011, atingindo o pico histórico em 2013, com US$ 15,6 mil. Mas a renda per capita começou a cair após a recessão de 2014 e atingiu o nível mais baixo em 2016, com US$ 14,3 mil. Nos anos seguintes a renda teve uma lenta recuperação, mas só deve atingiu o nível de 2011 em 2022 (com US$ 15,3 mil) e só deve atingir o nível de 2013, se tudo ocorrer “bem” como nas projeções do FMI, somente em 2024 (com US$ 15,8 mil).







Nos 40 anos entre 1940 e 1980 a renda per capita brasileira cresceu mais de 4 vezes, mas nos 44 anos entre 1980 e 2024 deve crescer apenas 1,4 vezes. Ou seja, o Brasil teve uma década perdida nos anos de 1980 e uma segunda década perdida nos anos 2010. A renda per capita brasileira está praticamente estagnada. O país está ficando para trás em relação à média mundial e, principalmente, à média das economias emergentes. E o pior é que as projeções anuais do FMI para 2019 a 2024 – pouco acima de 2% ao ano – podem não se realizar e o resultado final pode ser ainda mais desalentador.

Estes 14 anos (2011-2024) em que o Brasil cresce menos que a média mundial vieram no pior momento possível pois o país está desperdiçando os últimos momentos da janela de oportunidade demográfica. A perda desta oportunidade pode representar o fim do sonho da construção de um país próspero, de renda per capita alta e de alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O drama é que o bônus demográfico só acontece uma vez na história de cada país e não aproveitá-lo pode significar a condenação à condição de país eternamente acorrentado ao subdesenvolvimento e à “armadilha da renda média”.

O Brasil está perdendo competitividade internacional e apresenta redução da produtividade. Segundo o economista Delfim Neto – ex-ministro todo-poderoso do período ditatorial e consultor privilegiado dos governos petistas – o Brasil deixou para trás os chamados “trinta anos dourados” (1950-1980), para cair na armadilha dos 40 anos de baixo crescimento (1981-2020).

Nas palavras de Delfim: “em 1947, o PIB brasileiro per capita (nossa produtividade) era 18% do americano; em 1980, 36% (tinha dobrado) e em 2017, regredido para 26%. Em outras palavras: entre 1947-1980, crescemos 2,2% ao ano acima dos EUA, e entre 1980-2017, decrescemos 0,9% ao ano em relação a eles!”, como mostra o gráfico abaixo.







Para o ex-ministro, a “produtividade do trabalho” depende da quantidade e qualidade do capital posto à disposição de cada trabalhador, e ela cresce com o nível de investimento. Ele pergunta: “O que explica sua dramática redução?”. E responde: “Seguramente não foi a redução da carga tributária/PIB. Entre 1964-94 ela permaneceu em 25%. Com o Plano Real (1995), saltou para 33%, onde está hoje” … “Os governos dissiparam sua receita no consumo da casta que o controla e estimularam o “rentismo” com uma das maiores taxas de juro real do mundo para sustentar a valorização da moeda”. No artigo “Estado Autofágico” (FSP, 20/03/2019), Delfim diz que as baixas taxas de formação bruta de capital decorrem da redução do investimento do setor público do Brasil, que tinha subido de 3% em 1947 para 10,6% em 1976, mas caiu para o seu menor nível, de 1,8% em 2017.

Isto quer dizer que a crise fiscal do Estado brasileiro está prejudicando toda a sociedade, mantendo altas taxas de desemprego e fazendo a renda per capita ficar estagnada ou decrescente. Os últimos dados do FMI mostram que, no quinquênio 2015-20, a taxa de poupança da economia brasileira está em torno de 14% do PIB e a taxa de investimento em torno de 16%. Nesse nível, que apenas repõe a depreciação econômica, jamais haverá recuperação e progresso.

A trajetória submergente da economia brasileira começou no tempo do governo Figueiredo, a partir da crise econômica de 1981, teve uma aceleração nos governos Collor e Sarney (1985-1992), apresentou uma desaceleração nos governos Itamar (1993-1994), Fernando Henrique (1995-2002) e Lula (2003-2010) e voltou a acelerar o ritmo de declínio nos governos Dilma-Temer (2011-2018). Mesmo que a economia cresça cerca de 2% ao ano durante o governo Bolsonaro (como prevê o FMI), a trajetória submergente vai continuar pois o mundo e as economias emergentes crescerão muito mais rápido.

Evidentemente, o péssimo desempenho econômico se reflete em uma miríade de tragédias: barragens de rejeitos de mineração tragaram centenas de vidas em Mariana e Brumadinho; prédios desabam e soterram adultos e crianças; pontes, viadutos e passarelas caem ou são interditados por falta de manutenção; o trânsito continua matando milhares de pessoas por ano; homicídios de homens e mulheres continuam em quantidade escandalosa e até bebês são assinados por balas perdidas na barriga das mães; doenças como Dengue, Chikungunya, Zika, Febre amarela e Sarampo, que poderiam estar erradicadas, voltam a testar as fragilidades da saúde pública nacional, revertendo as conquistas da transição epidemiológica; incêndio do Museu Nacional destruiu parte da nossa história; garotos sonhadores do time do Flamengo morreram em um incêndio no centro de treinamento; o fogo continua destruindo benfeitorias, florestas e a vida selvagem; as chuvas e os efeitos climáticos extremos causam tragédias sem que o poder público esteja preparado para evitar o pior; as milícias e os traficantes de drogas e armas controlam amplos territórios constituindo um verdadeiro “Estado paralelo”, inclusive dominando “currais eleitorais”; tiroteios e roubos de cargas se generalizam; faltam verbas para manter os serviços básicos de saúde, educação, Justiça e segurança pública, além de recursos para o investimento público em rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, metrôs nas grandes cidades, saneamento básico, etc.

Existe uma corrupção ampla, geral e irrestrita. As instituição funcionam de maneira precária e com alto custo para a sociedade. Falta dinheiro para garantir as atividades de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e de incremento da graduação e da pós-graduação das universidades. Até o censo demográfico 2020 está ameaçado e o Brasil pode ficar sem a sua maior pesquisa decenal ou ter um censo sem representatividade.

O pior é que não se vê uma luz no fim do túnel. O processo de apequenamento e encolhimento relativo da economia brasileira já tem cerca de quatro décadas. O que difere um governo do outro é o grau e a rapidez da trajetória submergente. O Brasil saiu de uma trajetória emergente (entre 1822 e 1980) para uma trajetória submergente (a partir de 1981). A democracia brasileira está em perigo e a sociedade civil está enfraquecida e bestificada. Só uma tomada de consciência e uma grande mobilização de baixo para cima pode sacudir a poeira e dar a volta por cima.



José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br



Referências:

ALVES, JED. A trajetória submergente da nação brasileira em 10 figuras, Ecodebate, 07/11/18

Delfim Neto, Estado autofágico. FSP, 20/03/2019



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/04/2019




Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 15/04/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/04/15/cai-o-investimento-publico-e-a-produtividade-no-brasil-submergente-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

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