quinta-feira, 25 de março de 2021
Consumo Consciente, artigo de José Austerliano Rodrigues
Embora os primeiros estudiosos acreditassem que a atenção plena (mindfulness, em inglês) e suas práticas de meditação associadas eram esotéricas, ligadas as crenças religiosas, e alcançáveis apenas por certas pessoas, várias décadas de pesquisa empírica e descoberta científica têm descarado esses mitos.
A pesquisa agora considera a atenção plena uma qualidade inerente à consciência humana, ou seja, a capacidade de atenção e conscientização orientada para o momento atual que varia de grau dentro e entre indivíduos e que pode ser avaliada empiricamente e independente de crenças religiosas, espirituais ou culturais (BLACK, 2011).
Em 1979, Jon Kabat-Zinn, fundou o programa de redução do estresse baseado em Mindfulness na Universidade de Massachusetts para tratar os doentes crônicos. Este programa despertou um crescente interesse e aplicação de ideias e práticas de atenção plena, especialmente nos campos da medicina e psicologia (KABAT-ZINN; LIPWORTH; BURNEY, 1985; KABAT-ZINN; LIPWORTH; BURNEY; SELLERS, 1987).
Desta forma, Kabat-Zinn (1994), definiu a atenção plena como o ato de direcionar a atenção de uma forma particular: de propósito, no momento presente e não-julgamento. Essas definições incluem manter viva a consciência à realidade atual (para HANH, 1976), o dom de perceber sem comentar o que está acontecendo na experiência atual (para CLAXTON, 1990), trazendo a atenção completa para a experiência atual em uma base momentânea (para MARLATT; KRISTELLER, 1999), a observação não crítica do fluxo contínuo de estímulos internos e externos à medida que surgem (para BAER, 2003), uma atenção aberta e receptiva e consciência do que está ocorrendo no momento presente (para BROWN; RYAN, 2004), uma consciência da experiência presente com aceitação (para GERMER; SIEGEL; FULTON, 2005), uma atenção que é receptiva a todo o campo da conscientização e permanece em estado aberto para que possa ser direcionada a sensações, pensamentos, emoções e memórias atualmente experimentados (para JHA; KROMPINGER; BAIME, 2007), um estado de espírito no qual se mantém uma atenção contínua aos detalhes (para MATOOK; KAUTZ, 2008), e uma consciência que surge do atendimento intencional de forma aberta, aceita e criteriosa ao que está surgindo no momento presente (SHAPIRO; CARLSON, 2009).
Bishop et al. (2004), sugerem ainda que o conceito de atenção plena pode ser dividido em dois componentes. O primeiro componente envolve a autorregulação da atenção com foco na experiência imediata que envolve: 1) atenção sustentada, ou a capacidade de voltar à experiência se a mente vaguear; 2) consciência não-elaborativo de pensamentos, sentimentos e sensações. O segundo componente envolve abordar a experiência com curiosidade e aceitação, independentemente da valência e desejabilidade da experiência. Como tal, a atenção plena pode ser amplamente conceituada como um tipo de consciência não-profissional, não-crítica e centrada no presente em que cada pensamento, sentimento ou sensação é reconhecida e aceita como ela é (BISHOP et al., 2004). Em contraste a atenção plena, a insensatez ocorre quando as capacidades de atenção e conscientização são dispersas por causa de uma preocupação com memórias passadas ou planos e preocupações futuras. Por sua vez, isso leva a uma limitada consciência e atenção às experiências no momento presente (BLACK, 2011).
Embora a prática da atenção plena no campo empresarial seja nascente em comparação com áreas como medicina e psicologia, a pesquisa relacionada aos negócios sobre mindfulness está presente tanto do ponto de vista geral do consumidor quanto da organização (BARBER; DEALE, 2014; HALES; KROES; CHEN; KANG, 2012; MANGIAMELI, 2012; NDUBISI, 2012; SHETH; SETHIA; SRINIVAS, 2011; USLAY; ERDOGAN, 2014; ZHU, 2014).
Sheth et al. (2011), oferecem a primeira extensa integração conceitual da noção de atenção plena com o consumo. Eles premissam o consumo consciente sobre a consciência no pensamento e no comportamento das consequências do consumo. Mais especificamente, Sheth e seus colegas, afirmam que a mentalidade do consumidor orienta e molda seu comportamento sobre consumir de forma sustentável ou insustentável. Isso está em consonância com pesquisas existentes que sugerem que existem duas facetas principais para o consumo: uma intangível, ou seja, a mentalidade do consumidor relativa a atitudes, valores e expectativas em torno do comportamento de consumo, e a outra tangível, ou seja, o comportamento do consumidor de se engajar no consumo (FOXALL, 2002; HOGG, 2006; SAAD, 2007; SHETH et al., 2011; SALOMÃO, 2010).
Assim sendo, ambas facetas assumem um papel imperativo no enfrentamento do problema do consumo insustentável, porque as atitudes e valores dos consumidores influenciam as escolhas de consumo (para KIM; FORSYTHE; GU; MOON, 2002; SHETH; NEWMAN; GROSS, 1991; VINSON; SCOTT; LAMONT, 1977; WANG, DOU; ZHOU, 2008), determina como o consumo é deduzido, como se aumentar ou diminuir uma determinada prática de consumo (para SHETH et al., 2011).
Para o consumo consciente, segundo Sheth e seus colegas, afirmam que a mentalidade e o comportamento do consumidor são caracterizados por um atributo central. Em particular, o atributo central para a mentalidade consciente centra-se no senso de cuidado do consumidor em relação às consequências do consumo. Três reinos residem dentro deste atributo central. O primeiro é cuidar do ego, que não se trata de ser egoísta ou egocêntrico, mas sim de prestar atenção ao bem-estar, que inclui aspectos eudemônicos (por exemplo, a felicidade) e aspectos econômicos (por exemplo, sacrifícios monetários). O segundo reino é cuidar da comunidade, o que é essencial para o bem-estar coletivo e individual, pois a maioria das pessoas encontra a felicidade em um contexto social (CHAN; LI, 2010; DENNIS; ALAMANOS; PAPAGIANNIDIS; BOURLAKIS, 2016). Já o terceiro reino é o cuidado com a natureza, que tem valores intrínsecos, instrumentais e estéticos (KILBOURNE, 2006; WINTER, 2007).
Em contraste, o atributo central do comportamento consciente centra-se na temperança do consumidor no consumo na busca de melhorar o bem-estar pessoal de maneiras consistentes com valores pessoais. Neste sentido, três tipos de comportamento requerem temperança. O primeiro, é o consumo acervo, que envolve a aquisição de coisas em uma escala que excede as necessidades ou capacidade de consumo (por exemplo, buffet). O segundo, é o consumo repetitivo, que envolve o ciclo de compra, descarte e recompra (por exemplo, produtos tecnológicos e de moda). O terceiro, é o consumo aspiracional, que muitas vezes está associado à ideia de consumo conspícuo (LERTWANNAWIT; MANDHACHITARA, 2012; VEBLEN, 1899; ZHAN; HE, 2012). Ao contrário do passado, as formas aspiracionais de consumo, especialmente o consumo conspícuo, não estão mais restritas aos ricos, para quem a concorrência é um dos principais impulsionadores, mas também aos segmentos consumidores de menor posição socioeconômica (KASTANAKIS; BALABANIS, 2012, 2014). Assim, o consumo consciente deriva de uma mentalidade de consciência e atenção que reflete a receptividade e o engajamento com o momento presente, incluindo um senso de cuidado com si mesmo, comunidade e natureza, o que reforça a temperança nas práticas de consumo que são de natureza privada e pública.
Lim (2017), concorda com os estudiosos existentes de que o foco no consumo consciente pode ser valioso no alinhamento dos autointeresses dos consumidores para estar livre de padrões de consumo não recompensados e insustentáveis com os próprios interesses empresariais para cumprir as obrigações de sustentabilidade para atender às expectativas dos stakeholders.
De fato, a atenção plena tem o potencial de levar ao consumo sustentável, incentivando práticas que aumentam o senso de conscientização das pessoas, pela qual uma maior conscientização tanto do eu quanto do ecossistema pode servir para amortecer os efeitos de práticas insustentáveis, como consumo excessivo e desviante, promovendo assim resultados mais sustentáveis.
O consumo consciente continua sendo uma área pouco estudada e, portanto, exige uma investigação mais aprofundada. A atenção plena reflete uma receptividade geral e total engajamento com experiências no momento presente.
Os consumidores que se engajam no consumo consciente fazem escolhas conscientes de acordo com seus valores e preferências. Eles não são forçados ou limitados por circunstâncias ou condições de mercado para consumir de uma certa forma.
José Austerliano Rodrigues. Especialista Analista Sênior e Doutor em Sustentabilidade de Marketing pela UFRJ, com ênfase em Marketing e Sustentabilidade, com interesse em pesquisa em Sustentabilidade de Marketing e Comportamento do Consumidor. E-mail: austerlianorodrigues@bol.com.br.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/03/2021
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/03/2021
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2021/03/25/consumo-consciente/
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