O peptídeo natriurético tipo B (BNP) é um biomarcador utilizado para diagnóstico de insuficiência cardíaca (IC) e predição de eventos cardiovasculares. Seus níveis aumentados estão associados a aumento de mortalidade cardiovascular em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e doença cardiovascular (DCV), porém a relação com mortalidade não foi avaliada no contexto de prevenção primária nesses pacientes. Além disso, os eventos cardiovasculares dos estudos já realizados incluem a ocorrência de IC, sem a avaliação de outros eventos de forma independente.
Estudos prévios sugerem que níveis aumentados de BNP em pacientes sem IC podem ser decorrentes de isquemia miocárdica silenciosa, o que pode explicar a ocorrência de eventos coronarianos maior nesta população.
Baseado nisso, foi realizado um estudo com objetivo de avaliar se os níveis de BNP têm relação com ocorrência de eventos cardiovasculares, não incluindo IC, e se a variação em medidas seriadas tem relação com a ocorrência desses eventos em pacientes com DM2 e complicações microvasculares (considerados de alto risco) sem DCV estabelecida.
Métodos do estudo e população envolvida
Esse estudo utilizou pacientes de um estudo maior, o EMPATHY, que incluiu quem tinha DM2 com retinopatia diabética e LDL aumentado (≥ 120 mg/dL sem medicação ou ≥ 100 mg/dL com medicação). Esses pacientes foram randomizados para dois grupos de tratamento com estatina, um com tratamento padrão e meta de LDL entre 100 e 120 mg/dL e outro com estatina de alta potência e meta de LDL < 70 mg/dL. Foram excluídos pacientes com história de doença arterial coronária (DAC) ou acidente vascular cerebral (AVC), IC sintomática, hipercolesterolemia familiar ou insuficiência renal.
O BNP foi dosado no momento da inclusão no estudo e após 12 meses e os pacientes foram divididos em grupos (quartis 1 a 4), a depender do valor do BNP. Para a análise seriada os pacientes foram divididos em BNP alto ou baixo, a partir do corte de 35 pg/mL e foi feito um agrupamento com base nos valores de início e em 12 meses: BNP baixo no início e em 12 meses (baixo-baixo), BNP alto no início e baixo em 12 meses (alto-baixo), BNP baixo no início e alto em 12 meses (baixo-alto) e BNP alto nos dois momentos (alto-alto).
O desfecho primário foi composto de eventos coronarianos (infarto agudo do miocárdio, angina instável, revascularização miocárdica), cerebrais (AVC ou revascularização), renais (início de diálise ou aumento da creatinina) e vasculares (dissecção de aorta, trombose mesentérica, isquemia grave de membro inferior, revascularização ou amputação) ou morte relacionada a evento cardiovascular.
Resultados do estudo sobre peptídeo natriurético tipo B (BNP)
Foram incluídos 4.966 pacientes com BNP médio de 25,8 pg/mL. Pacientes com valores mais altos eram mais velhos, com maior probabilidade de serem mulheres, com mais tempo de diabetes, maior frequência de nefropatia diabética e hipertensão, com menores níveis de hemoglobina glicada e taxa de filtração glomerular, além de fazer uso mais frequente de IECA, BRA, diuréticos, bloqueadores de canal de cálcio e beta bloqueadores.
Em todo o período do estudo, ocorreram 278 eventos, sendo 117 coronarianos, 63 cerebrais, 100 renais e 16 vasculares no seguimento médio de 36,8 meses. A ocorrência de eventos aumentou de acordo com o aumento do BNP inicial, com significância estatística: grupos com valores entre 7,5 e 15 pg/mL e entre 15 e 29,2 pg/mL tiveram maior número de eventos que o grupo com BNP menor que 7,5 pg/mL. O grupo com valor maior que 29,2 pg/mL apresentou aumento mais expressivo ainda comparado ao grupo com 7,5 pg/mL e também teve diferença comparado aos dois grupos intermediários. Na análise de sensibilidade o HR para o desfecho primário foi 2,52 (IC95% 1,86-3,43, com p < 0,001) e houve também associação com eventos cardiovasculares não renais e eventos coronarianos.
Na análise da medida do BNP em 12 meses foram incluídos 4.469 pacientes, já que alguns foram excluídos por não terem a dosagem com 12 meses ou por terem tido evento nesse primeiro ano. Nesse grupo houve 175 eventos, sendo 63 coronarianos, 32 cerebrais, 79 renais e 10 vasculares, no seguimento médio de 26,1 meses a partir da dosagem de 12 meses.
As características dos pacientes quando divididos em quartis foram semelhantes aos grupos divididos em quartis pelo BNP de base. A ocorrência de eventos foi maior nos pacientes do quartil 3 (BNP entre 15,8 e 32,1 pg/mL) e muito maior nos do quartil 4 (BNP maior ou igual a 32,1 pg/mL) quando comparado ao quartil 1 (BNP < 8,2 pg/mL). Na análise de sensibilidade houve associação dos níveis de BNP com eventos cardiovasculares, com HR de 2,72 (IC95% 1,85 – 4,00, p < 0,001).
Na análise seriada do BNP, considerando as duas medidas, foram incluídos 4.445 pacientes, com seguimento médio de 25,9 meses que tiveram 175 eventos, sendo 63 coronarianos, 32 cerebrais, 79 renais e 10 vasculares. A ocorrência desses eventos foi maior nos grupos alto-baixo, baixo-alto e alto-alto quando comparados ao grupo baixo-baixo.
O grupo alto-alto teve associação com o desfecho primário (HR 2,07, IC95% 1,35-3,17, p < 0,001), eventos cardiovasculares não renais e eventos coronarianos. O grupo baixo alto também teve relação com o desfecho primário (HR 2,05, IC95% 1,26-3,35, p = 0,004) e com eventos cardiovasculares não renais, além de tendência de associação com eventos coronarianos (sem diferença estatística). Este grupo teve também associação com maior risco de mortalidade por todas as causas, comparado ao grupo baixo-baixo. Já o grupo alto-baixo não apresentou diferença estatística em relação aos desfechos.
Comentários
Este estudo mostrou que níveis elevados de peptídeo natriurético tipo B (BNP) são associados a maior ocorrência de eventos cardiovasculares (eventos não IC) em pacientes diabéticos tipo 2 com retinopatia e dislipidemia, sem doença cardiovascular estabelecida, ou seja, pacientes de alto risco cardiovascular em prevenção primária.
A análise seriada mostrou que pacientes com BNP temporariamente ou permanentemente aumentado têm maior risco de eventos que aqueles com BNP permanentemente baixo e a análise multivariada mostrou que este risco se manteve independente dos fatores de risco tradicionais para DCV.
Algumas limitações foram a não avaliação de pacientes com outras lesões de órgão alvo, como neuropatia e nefropatia, porém esses resultados podem ser extrapolados para as outras complicações microvasculares, já que fazem parte de um mesmo espectro de doença. Além disso, não foram feitos exames de imagem cardíaca dos pacientes, que poderia detectar isquemia subclínica e disfunção ventricular.
Conclusão e mensagem prática
Este estudo sugere que a dosagem de peptídeo natriurético tipo B (BNP) pode predizer a chance de eventos em pacientes diabéticos com complicação microvascular, principalmente quando realizado de forma seriada. Como é exame de fácil realização, pode ser muito útil na prática clínica, com objetivo de identificar pacientes com maior risco, dentro de um grupo já considerado de alto risco, nos quais um tratamento mais intensivo pode ajudar a diminuir a chance de eventos futuros.
Autor: Isabela Abud Manta
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 11/04/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/medidas-seriadas-de-bnp-podem-predizer-risco-de-doenca-cardiovascular-em-pacientes-diabeticos/
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