Detalhe da câmara de ultra-alto-vácuo do microscópio do IFGW da Unicamp
Com sede em Chicago, nos Estados Unidos, a empresa RHK Technology, especializada em microscópios de varredura de tunelamento, destinados à obtenção de imagens atômicas, aproveitou a conferência da American Physical Society, realizada em março deste ano no mesmo país, para fazer o lançamento mundial de um novo microscópio dotado de um sistema capaz de captar sinais de luminescência. Esse dispositivo realiza a coleta de luz dentro do microscópio com eficiência mais de três vezes superior a de modelos anteriores. O curioso é que a inovação não foi projetada nos laboratórios da companhia, mas a cerca de 8.300 quilômetros de distância, no Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp).
O desenvolvimento do sistema foi liderado pelo físico Luiz Fernando Zagonel, professor do IFGW, em parceria com os pesquisadores Ricardo Javier Peña Román e Yves Maia Auad, ambos fazendo doutorado na Unicamp e na Universidade Paris-Saclay, na França, respectivamente. Pela inovação, já licenciada e inserida no mercado, a equipe recebeu o Prêmio Inventores 2022, na categoria Tecnologia Absorvida no Mercado, promovido pela Unicamp.
“Essa nova tecnologia adicionou uma capacidade crucial para uma parte de nossos clientes, que é estudar a emissão de luz da amostra e suas características eletrônicas e topográficas”, afirmou a Pesquisa FAPESP Adam Kollin, fundador e presidente da RHK Technology. “O recurso pôde ser integrado a um produto nosso, já existente, com um nível modesto de modificação, o que tornou muito fácil oferecê-lo à comunidade científica.” O novo aparelho chegou ao mercado com a marca PanScan Lumin-SLT.
O projeto, apoiado pela FAPESP por meio do Programa Jovem Pesquisador, nasceu de uma necessidade identificada por Zagonel quando fazia estágio de pós-doutorado na Universidade Paris-Sud (atual Paris-Saclay), entre 2008 e 2010. Na ocasião, ele estudava nanofios semicondutores e tinha dificuldade para encontrar um microscópio que atendesse às demandas de sua pesquisa. Em contato com diversas empresas do setor, recebeu ofertas de equipamentos com capacidade de captação de luz limitada a uma pequena fração da luminosidade emitida pela amostra, de 2% a 5% – o que o deixou insatisfeito como cliente e instigado como pesquisador.
Microscópio de varredura de tunelamento do IFGW da UnicampLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
A partir daí, transformou sua necessidade em desafio tecnológico. “Durante os dois anos que fiquei na França, vários problemas foram identificados e resolvidos. Publicamos artigos e depositamos patentes”, recorda-se o pesquisador. Em 2015, já de volta ao Brasil, o projeto de pesquisa aprovado pela FAPESP acabou resultando na criação de um dispositivo com capacidade de captação luminosa de até 72%. O sistema é composto por três componentes: uma pequena mesa óptica a ser conectada a um microscópio de varredura de tunelamento; um manipulador com movimento em três direções; e um espelho parabólico.
Para se ter uma ideia mais clara do que significam essas porcentagens é preciso compreender como funciona um microscópio de varredura de tunelamento, conhecido pela sigla STM, de Scanning Tunneling Microscope. Para obter imagens com resolução atômica, esses aparelhos exploram o fenômeno quântico da corrente de tunelamento, que permite a passagem de uma corrente de elétrons entre duas superfícies extremamente próximas, a uma distância da ordem de 1 nanômetro, a bilionésima parte do metro. Nessas situações, ocorre uma passagem de elétrons entre a ponta metálica do equipamento e a amostra observada, gerando uma transferência de energia para a amostra, que emite luz a ser captada pelo microscópio.
“O problema, portanto, é como analisar e registrar a luz emitida de forma compatível com um STM que fica em ambiente de ultra-alto-vácuo e que pode operar em baixas temperaturas, equipamento para o qual se destina o dispositivo”, explica Zagonel. Para deixar mais claro esse desafio, o pesquisador recorre a uma comparação. “Imagine o farol de um carro. Há uma fonte luminosa e um refletor que busca coletar uma boa parte da luz gerada e dirigi-la para frente. Sem o refletor, a luz iria para todos os lados e se perderia sem iluminar a estrada adequadamente. Dentro do microscópio é a mesma coisa. Há uma fonte de luz bem pequena, que é a amostra. Precisamos ter uma forma de capturar a maior quantidade de luz possível e mandá-la para frente, de modo a poder registrá-la.”
Dentre os equipamentos até então oferecidos pelo mercado, explica o físico, os mais empregados são dotados apenas de fibras ópticas ou de lentes, e por isso captam pequena porcentagem da luz emitida pela amostra. O dispositivo criado pelos pesquisadores da Unicamp faz uso de outro recurso para esse fim: um espelho refletor parabólico miniaturizado. Com maior desempenho na coleta de luz, é possível obter mais detalhes da luz emitida pelo objeto em análise, o que permite investigações mais aprofundadas e com maior riqueza de detalhes sobre materiais de interesse científico e relevância econômica, como semicondutores, nanoestruturas metálicas e outros materiais nanoestruturados.
“Partimos para uma nova solução tecnológica. Os sistemas convencionais, com fibras ópticas, têm baixa eficiência, de até 5%. Com o uso de lentes, é possível elevar a eficiência para entre 10% e 20%, o que ainda é pouco. Para superar a barreira de 50%, é preciso utilizar refletores parabólicos ou elipsoidais. A eficiência de coleta de luz é alta, mas o alinhamento do espelho é um problema difícil de resolver”, explica Zagonel. “Nossa estratégia foi associar o espelho refletor parabólico com o manipulador de três eixos de alta precisão. Esse conjunto permite o alinhamento do espelho para que ele realmente funcione.”
Rodrigo Cunha
Atualmente, contando com novo apoio da FAPESP, o professor da Unicamp utiliza sua invenção no estudo de materiais com potencial para a criação de diodos emissores de luz (LED) e células solares de perovskitas inorgânicas (ver Pesquisa FAPESP no 260). “É urgente resolvermos problemas relativos à geração de energia renovável”, diz Zagonel. “E nosso equipamento tem capacidade de contribuir para uma melhor compreensão da estrutura de materiais que podem ser a chave para novas tecnologias na área.”
Da patente à prateleira
Esse foi o primeiro contrato de licenciamento de tecnologia que confere à Unicamp 100% da titularidade como licenciante, ou seja, detentora dos direitos da patente. “Nos demais contratos sempre tivemos a cotitularidade com alguma empresa parceira”, explica Iara Silva Ferreira, diretora de Parcerias da Agência de Inovação Inova, da Unicamp. O caminho até a comercialização foi surpreendentemente rápido. Em julho de 2020 foi feito o depósito da patente do invento e, em dezembro de 2021, a Unicamp já assinava o contrato de transferência da tecnologia para a RHK.
Para Ferreira, dois fatores foram fundamentais para a agilidade desse processo: a proatividade do pesquisador na busca de parceiros comerciais e o nível de desenvolvimento da tecnologia. “O professor Zagonel identificou uma demanda técnica não atendida e não se limitou a depositar a patente. Além disso, o nível de maturidade da tecnologia, conhecido no setor de inovação pela sigla TRL [de Technology Readiness Level], agilizou sua comercialização.”
Segundo a diretora da Inova, enquanto a maioria dos projetos desenvolvidos na universidade chega ao TRL 3, numa métrica que vai de 1 a 9, o dispositivo projetado no IFGW estava em 5, o que permitiu que fosse rapidamente absorvido pela RHK. Quanto mais alto o valor na escala TRL, mais próxima do mercado está a tecnologia.
“A elevada TRL de nosso invento deveu-se, entre outros fatores, ao fato de, desde o primeiro momento, já termos pensado na transferência da tecnologia para uma empresa interessada”, conta o pesquisador da Unicamp. “Além disso, nosso sistema incorpora detalhes importantes, como protocolos de alinhamento, e havia sido testado e comprovado por publicações.”
Atualmente, contando com novo apoio da FAPESP, o professor da Unicamp utiliza sua invenção no estudo de materiais com potencial para a criação de diodos emissores de luz (LED) e células solares de perovskitas inorgânicas (ver Pesquisa FAPESP no 260). “É urgente resolvermos problemas relativos à geração de energia renovável”, diz Zagonel. “E nosso equipamento tem capacidade de contribuir para uma melhor compreensão da estrutura de materiais que podem ser a chave para novas tecnologias na área.”
Da patente à prateleira
Esse foi o primeiro contrato de licenciamento de tecnologia que confere à Unicamp 100% da titularidade como licenciante, ou seja, detentora dos direitos da patente. “Nos demais contratos sempre tivemos a cotitularidade com alguma empresa parceira”, explica Iara Silva Ferreira, diretora de Parcerias da Agência de Inovação Inova, da Unicamp. O caminho até a comercialização foi surpreendentemente rápido. Em julho de 2020 foi feito o depósito da patente do invento e, em dezembro de 2021, a Unicamp já assinava o contrato de transferência da tecnologia para a RHK.
Para Ferreira, dois fatores foram fundamentais para a agilidade desse processo: a proatividade do pesquisador na busca de parceiros comerciais e o nível de desenvolvimento da tecnologia. “O professor Zagonel identificou uma demanda técnica não atendida e não se limitou a depositar a patente. Além disso, o nível de maturidade da tecnologia, conhecido no setor de inovação pela sigla TRL [de Technology Readiness Level], agilizou sua comercialização.”
Segundo a diretora da Inova, enquanto a maioria dos projetos desenvolvidos na universidade chega ao TRL 3, numa métrica que vai de 1 a 9, o dispositivo projetado no IFGW estava em 5, o que permitiu que fosse rapidamente absorvido pela RHK. Quanto mais alto o valor na escala TRL, mais próxima do mercado está a tecnologia.
“A elevada TRL de nosso invento deveu-se, entre outros fatores, ao fato de, desde o primeiro momento, já termos pensado na transferência da tecnologia para uma empresa interessada”, conta o pesquisador da Unicamp. “Além disso, nosso sistema incorpora detalhes importantes, como protocolos de alinhamento, e havia sido testado e comprovado por publicações.”
Janela traseira da câmara usada para deixar passar a luz que se deseja coletarLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
Zagonel conta que, ao longo do desenvolvimento do dispositivo, fez contatos com diversas empresas do setor. A RHK foi receptiva às ideias de inovação e vendeu ao Grupo de Pesquisas Fotovoltaicas do Departamento de Física Aplicada do IFGW um microscópio já adaptado a receber o invento. O equipamento, incorporado ao Programa Equipamentos Multiusuários (EMU), da FAPESP, está agora à disposição de outros grupos de pesquisa.
“Quando nosso projeto começou a dar certo e os primeiros artigos foram publicados, passamos a conversar sobre a transferência de tecnologia. A Inova acompanhou e intermediou a relação em todas as etapas do processo, desde antes dos primeiros resultados até agora”, salienta Zagonel.
“O apoio de uma agência de inovação é essencial para levar tecnologias desenvolvidas no meio acadêmico ao mercado”, afirma Luciana Hashiba, do Centro de Inovação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVin). “A presença de um núcleo de inovação tecnológica na instituição de pesquisa permite que, ao longo do projeto, o pesquisador já tenha um olhar voltado para o mercado ”, destaca Hashiba, que é membro da Coordenação Adjunta da Diretoria Científica da FAPESP. “E isso pode fazer toda a diferença na hora de transferir a tecnologia para uma empresa interessada.”
A RHK planeja agora ações para impulsionar a venda do novo equipamento. “Assim que terminarmos a literatura de marketing, começaremos a promover o microscópio mais fortemente”, anuncia Kollin, presidente da empresa. “Também agendaremos um webinar técnico com o professor Zagonel para fornecermos uma sólida explicação científica do sistema.”
Projetos
1. Heteroestruturas em nanofios semicondutores: Emissores de luz nanométricos estudados por microscopia de varredura de tunelamento (nº 14/23399-9); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Luiz Fernando Zagonel (Unicamp); Investimento R$ 617.335,61.
2. Materiais opticamente ativos estudados por microscopia de varredura de tunelamento (nº 21/06893-3); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Luiz Fernando Zagonel (Unicamp); Investimento R$ 1.010.676,95.
Artigos científicos
ROMAN, R. J. P. et. al. Design and implementation of a device based on an off-axis parabolic mirror to perform luminescence experiments in a scanning tunneling microscope. Review of Scientific Instruments. abr. 2022.
ROMAN, R. J. P. et. al. Band gap measurements of monolayer h-BN and insights into carbon-related point defects. 2D Materials. jul. 2021.
GADELHA, A. C. et. al. Localization of lattice dynamics in low-angle twisted bilayer graphene. Nature. fev. 2021.
ROMAN, R. J. P. et. al. Tunneling-current-induced local excitonic luminescence in p-doped WSe2 monolayers. Nanoscale. jul. 2020.
Autor: Suzel Tunes
Fonte: FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 31/08/2022
Publicação Original: https://revistapesquisa.fapesp.br/sistema-inedito-melhora-desempenho-de-microscopio-com-resolucao-atomica/
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 31/08/2022
Publicação Original: https://revistapesquisa.fapesp.br/sistema-inedito-melhora-desempenho-de-microscopio-com-resolucao-atomica/
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