A hepatite autoimune (HAI) é uma doença hepática inflamatória crônica rara, caracterizada por elevação de aminotransaminases, hipergamaglobulinemia, autoanticorpos e achados histológicos típicos, como hepatite de interface, formação de rosetas e emperipolese. O tratamento, classicamente, é realizado com azatioprina e prednisona. A budesonida é um corticoesteroide sintético com efeitos anti-inflamatórios e melhor perfil de segurança que a prednisona, uma vez que 90% da droga é eliminada em primeira passagem pelo fígado. Nesse sentido, seria, potencialmente, um excelente medicamento para tratamento da HAI. Díaz-González e colaboradores publicaram, recentemente, um estudo retrospectivo no qual analisaram três importantes aspectos da budesonida no tratamento de pacientes com HAI:
1) o uso de budesonida como droga de primeira linha em pacientes com HAI não-tratados;
2) a segurança e eficácia comparada a prednisona;
3) o perfil de pacientes mais que se beneficiariam da budesonida.
Metodologia
Estudo multicêntrico de coorte retrospectiva de pacientes diagnosticados com HAI em 21 centros de referência na Espanha participantes do ColHai (Registro Espanhol para Doenças Colestáticas e Autoimunes do Fígado). Os critérios de inclusão foram: 1) diagnóstico de HAI através do Escore Simplificado do Grupo Internacional de Hepatite Autoimune (pontuação ≥6), sempre incluindo biópsia hepática, 2) 18 anos de idade ou mais ao diagnóstico e 3) terapia de indução com prednisona ou budesonida associado a azatioprina. Foram excluídos pacientes com HAI aguda grave. Os pacientes foram divididos em dois grupos, budesonida e prednisona. Resposta bioquímica foi definida por: completa normalização das transaminases séricas e da imunoglobulina G (IgG). Os respondedores rápidos foram definidos como pacientes que apresentaram diminuição de mais de 80% nas transaminases, 8 semanas após o início do tratamento. As doses iniciais e acumuladas de budesonida, prednisona e azatioprina foram registradas.
O desfecho primário foi resposta bioquímica a qualquer tempo, seis meses e 12 meses depois do início da terapia imunossupressora. O desfecho secundário foram os efeitos adversos relacionados a corticoterapia.
Resultados
Foram incluídos 151 pacientes no grupo budesonida e 446 no grupo prednisona entre 2009-2020, pareados por ano de diagnóstico. Foram excluídos pacientes com HAI aguda grave e pacientes que não utilizaram azatioprina, restando 105 pacientes no grupo budesonida e 276 no grupo prednisona, os quais foram analisados. A maioria dos pacientes eram mulheres (n=268, 70%) com idade média de 61 anos. As doses iniciais medianas de budesonida, prednisona e azatioprina foram de 9 mg (IQR 9 – 9), 50 mg (IQR 30 – 60) e 50 mg (IQR 50 – 50), respectivamente, sem diferenças significativas nas doses cumulativas de corticosteroides e azatioprina em 6 e 12 meses.
Pacientes tratados com budesonida tinham níveis mais baixos de AST (128 vs 642 U/L), ALT (119 vs 160 U/L), bilirrubinas (1,0 vs 2,2 mg/dL), fosfatase alcalina (119 vs 160 U/L) e GGT (98 vs 176 U/L). A budesonida foi completamente retirada em 34 (32%) e 62 (59%) pacientes aos seis e 12 meses, respectivamente. Aos seis meses, 22 (65%) pacientes pararam de budesonida após ter atingido remissão bioquímica, 8 (24%) devido à falta de resposta, 1 (2%) devido a efeitos adversos e em 3 (9%) casos por decisão do paciente. Aos 12 meses, 43 (69%) pacientes interromperam a budesonida após remissão bioquímica, 12 (19%) por falta de resposta, 2 (3%) por eventos adversos e o restante casos (5%) por decisão do paciente. A prednisona foi retirada em 58 (21%) e 95 (34%) pacientes aos 6 e 12 meses de início do tratamento, respectivamente. Aos 6 meses, a prednisona foi descontinuada em 50 (86%) pacientes após alcançar remissão bioquímica, 5 (9%) como consequência de eventos adversos e 3 (5%) por decisão do paciente. Aos 12 meses, 84 (88%) interromperam a prednisona após alcançar remissão bioquímica, 6 (7%) devido a eventos adversos e 5 (5%) por decisão do paciente.
Durante o seguimento, 465 pacientes (77,9% da coorte) atingiram remissão bioquímica. O tempo médio para resposta bioquímica foi de 3,1 meses em pacientes tratados com budesonida e 4,9 meses naqueles com prednisona. A taxa de resposta durante o seguimento foi significativamente maior em pacientes tratados com prednisona (87% vs. 53% dos pacientes com budesonida, p < 0,001). A probabilidade de alcançar remissão bioquímica foi significativamente menor no grupo budesonida (OR = 0,20; IC 95%: 0,11-0,38) em qualquer momento durante o acompanhamento e em 6 (OR = 0,51; IC 95%: 0,29-0,89) e 12 meses após o início do tratamento (0,41; IC 95%: 0,23-0,73). Em pacientes com transaminases <2 × limite superior do normal, a remissão bioquímica foi semelhante em ambos os grupos de tratamento (70,6% vs. 71,4% dos pacientes com budesonida, p = 0,94). Respondedores rápidos apresentaram maior probabilidade de alcançar remissão bioquímica em seis e 12 meses. O tratamento com prednisona foi associado a um maior risco significativamente maior de eventos adversos (24,2% vs. 15,9%, p = 0,047).
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Mensagens para casa
Pacientes com HAI tratados com budesonida tiveram uma menor probabilidade de alcançar remissão bioquímica que aqueles tratados com prednisona como droga de primeira linha. Por outro lado, pacientes HAI e transaminases menor que duas vezes o limite superior da normalidade tiveram respostas semelhantes com prednisona e budesonida e poderiam se beneficiar do uso da última pela redução de efeitos adversos. O fato dos pacientes do grupo budesonida apresentarem níveis basais significativamente maiores de transaminases sugere que a budesonida seja reservada, na prática clínica, para casos mais brandos.
Autor: Guilherme Grossi Cançado
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 24/01/2023
Publicação Original: https://pebmed.com.br/budesonida-para-tratamento-da-hepatite-autoimune/
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