sexta-feira, 20 de setembro de 2019
O que é a úlcera de Lipschutz e como identificá-la
Durante as consultas do consultório de ginecologia, ou até mesmo em ambulatórios da saúde primária, é comum encontrarmos uma paciente queixando aparecimento de uma “ferida” na vulva ou na vagina. Em se tratando de úlceras genitais, vários diagnósticos diferenciais devem ser feitos, desde causas infecciosas a causas não infecciosas.
Agora, imagine se deparar com uma paciente infanto-puberal com essa mesma queixa. Imagine os efeitos psicossociais que isso deve causar nessa família. Descartando-se as causas infecciosas mais comuns (herpes genital, sífilis primária, cancro mole, linfogranuloma venéreo e donovanose), acredito ser de suma importância ter em mente o diagnóstico diferencial com úlcera de Lipschutz, algo pouco falado nas faculdades de medicina.
Afinal, o que é úlcera de Lipschutz?
A úlcera de Lipschutz é uma condição autolimitada e não transmitida sexualmente, caracterizada pelo rápido início de ulcerações dolorosas na vulva ou na vagina. Geralmente ocorre em meninas ou mulheres jovens sexualmente inativas e tem sido associada à infecção aguda pelo vírus Epstein-Barr (EBV) ou outras inúmeras infecções virais (como citomegalovírus e influenza) e bacterianas (como Salmonella e Mycoplasma). No entanto, em muitos casos, uma causa específica não pode ser determinada.
A fisiopatologia exata desta ulcera ainda não é clara. Uma hipótese sugere que ela seja a manifestação clínica de uma reação de hipersensibilidade a uma infecção viral ou bacteriana, com deposição de complexo imune nos vasos dérmicos, ativação do complemento, microtrombose e subsequente necrose tecidual.
Como identificar esse tipo de úlcera?
Como dito, as pacientes são tipicamente adolescentes ou mulheres jovens que ainda não iniciaram sua vida sexual. Elas relatam o início súbito de uma ou várias úlceras vulvares, geralmente grandes (> 1 cm) e profundas, com uma borda vermelho-violácea e uma base necrótica coberta com um exsudado. Na maioria das vezes, as úlceras se encontram nos pequenos lábios, mas podem se estender aos grandes lábios, períneo, vestíbulo e parte inferior da vagina. Geralmente possuem uma distribuição parcialmente simétrica (“lesões em espelho”).
Outros sintomas associados são dor intensa na região e disúria. A maioria das pacientes relata sintomas prodrômicos semelhantes a influenza ou mononucleose, incluindo febre, mal-estar, amigdalite e linfadenopatia. Além disso, algumas referem aparecimento de aftas e/ou lesões orais concomitantes. A doença é autolimitada, ocorrendo cura espontânea entre duas a seis semanas.
O diagnóstico é clínico e de exclusão. Deve-se realizar uma anamnese completa, incluindo informações sobre possíveis doenças sistêmicas, com especial atenção a sintomas oculares, neurológicos, gastrointestinais e geniturinários. Também deve ser feita uma cuidadosa investigação da história sexual da paciente, com perguntas sobre início da atividade sexual e possíveis abusos sexuais. Em adolescentes, a garantia da confidencialidade é um aspecto importante para obtenção de informações precisas. Um exame físico minucioso deve ser realizado, observando-se a pele, as mucosas genital, oral e ocular, e a presença de linfonodos para excluir ulcerações genitais secundárias a outras doenças.
Critérios diagnósticos da úlcera de Lipschutz
Alguns critérios propostos para o diagnóstico são:
Mulheres jovens (principalmente menores de 20 anos);
Suspeita de infecção recente por influenza ou mononucleose;
Presença de úlceras profundas, bem delimitadas, dolorosas, com base necrótica, nos pequenos ou grandes lábios;
Padrão em espelho;
Não ter iniciado atividade sexual ou estar sem contato sexual nos últimos três meses;
Ausência de imunodeficiência;
Início agudo e cicatrização em até 6 semanas.
Preciso tratar?
Por ter um curso autolimitado, o tratamento é de suporte, incluindo orientações sobre higiene local e analgésicos para controle da dor. Abordar a possibilidade de abuso sexual é de suma importância para exclusão deste diagnóstico, e um ambiente de confiança deve ser oferecido às pacientes. Também torna-se sempre necessário excluir as causas infecciosas, entretanto, a abordagem exige o conhecimento de que esses não são os únicos diagnósticos possíveis.
Take-home message
Assim, podemos concluir que as úlceras genitais na infância e adolescência são um desafio no atendimento médico, seja pelo médico de família ou por pediatras e ginecologistas, principalmente no caso de pacientes virgens. Conhecer o diagnóstico diferencial é de suma importância para uma abordagem efetiva e não traumática para a família.
Autor: Fernando Barros
Fonte: PebMed
Sítio Online da Publicação: PebMed
Data: 19/09/2019
Publicação Original: https://pebmed.com.br/o-que-e-a-ulcera-de-lipschutz-e-como-identifica-la/
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