Clarissa Damaso: única pesquisadora brasileira que integra o Comitê Assessor da OMS para Pesquisa com Vírus da Varíola destaca a importância de investimentos contínuos em Ciência para ações emergenciais de combate a doenças, como monkeypox (Foto: Divulgação/UFRJ)
Doença causada pelo vírus monkeypox, ela é transmitida por meio do contato pessoal e direto com secreções respiratórias, lesões de pele de pessoas infectadas ou objetos contaminados. Por isso, trabalhadores da saúde, membros da família, parceiros e parceiras têm maior risco de contágio. Seus sintomas, que duram entre duas e quatro semanas, são lesões na pele, febre súbita, forte e intensa dor de cabeça, náusea, exaustão, cansaço e o aparecimento de gânglios na região do pescoço (adenomegalia). Entre as ações do Ministério da Saúde para conter o surto, está o fortalecimento da rede de diagnósticos do Brasil, para processamento e análise das amostras. Atualmente, oito laboratórios estão estruturados para fazer a testagem, sendo: quatro Laboratórios de Referência Nacional – Fiocruz RJ, Fiocruz AM, UFRJ e Instituto Evandro Chagas (IEC) – e quatro Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen) em Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul.
No Rio de Janeiro, a diretoria da FAPERJ discute a elaboração de um edital emergencial, para fomentar redes de pesquisas que possam somar esforços no combate à propagação da doença. O objetivo é apoiar pesquisas em rede que possam contribuir com soluções para os casos de varíola dos macacos, como por exemplo diagnósticos mais baratos e mais rápidos e estudos sobre os mecanismos de transmissão da doença. Para isso, a estrutura de redes de pesquisa já apoiadas pela FAPERJ também está sendo aproveitada, por meio de diversos editais, que já se debruçam sobre o estudo de doenças negligenciadas, emergentes e infecciosas, para que se concentrem também em estudos para o combate à varíola dos macacos.
Clarissa Damaso: É uma doença viral, causada pelo vírus monkeypox, que foi detectada pela primeira vez em 1958, em macacos usados para pesquisa em um laboratório na Dinamarca. Em seguida ocorreram casos em outras colônias de roedores nos Estados Unidos na década de 1960. O nome da doença vem daí. Mas o primeiro caso de monkeypox encontrado em humanos veio a ser detectado em 1970, em crianças na República Democrática do Congo, na África. Nas décadas de 1980 e 1990, o número de casos veio subindo lentamente, mas como eles só ocorriam na África não havia estatísticas certeiras e infelizmente a doença foi negligenciada pela indústria farmacêutica. Certamente havia casos na África subnotificados, pois clinicamente ela é uma doença semelhante à varíola normal, causada por outro vírus, o vírus da varíola. Até o diagnóstico clínico era confuso. Em 2003 houve o primeiro surto em humanos fora do continente africano. Foi um surto em 11 estados americanos causados pelo vírus monkeypox encontrado em roedores importados da África, vendidos em petshop no Texas, que deixou cerca de 50 pessoas infectadas e durou cerca de um ano. A partir daí tivemos casos esporádicos no mundo associados à viagem para a África, mas nunca houve um surto maior de transmissão secundária, ou seja, de uma pessoa para outra, de forma tão contínua quanto presenciamos agora.
Qual o reflexo do fim da vacinação contra a varíola comum para a prevenção do atual surto de varíola dos macacos?
Havia campanhas internacionais de vacinação contra a varíola comum até meados dos anos 1970, quando essa doença foi erradicada em todo o mundo. Cabe destacar que a varíola foi a única doença até hoje erradicada internacionalmente graças à vacinação. No Brasil, até 1979 ainda existia disponibilidade de vacina antivariólica. O que sabemos é que a vacinação contra a varíola comum também funcionava e funciona, consequentemente, para a prevenção do monkeypox, por serem os vírus causadores de ambas as doenças pertencentes ao mesmo gênero. A vacina contra a varíola oferece proteção cruzada contra outros vírus do gênero Orthopoxvirus. O grande desafio é que, como a varíola comum foi erradicada internacionalmente, não temos mais em nenhum país vacinas disponíveis em escala industrial para aplicarmos no atual surto de monkeypox. Só os países que possuem programas estratégicos em biodefesa contra varíola, como Estados Unidos e Rússia, entre outros, têm essas vacinas armazenadas, mas com poucas doses, apenas para uso como estoques estratégicos em programas de biodefesa. Eles só podem desenvolver pesquisas com o vírus da varíola controladas pelo Comitê Assessor da Organização Mundial da Saúde para Pesquisa com o Vírus da Varíola (ACVVR/OMS), do qual eu faço parte. O Comitê tem que aprovar as pesquisas, se fazem sentido, se é preciso mesmo utilizar o vírus e controla o número de estoques de vírus da varíola, para não correr o risco dessa doença já erradicada voltar e se espalhar. Cerca de 30 pesquisadores no mundo integram o Comitê, e eu participo deste trabalho desde 2009. No caso da varíola dos macacos, o laboratório dinamarquês Bavarian Nordic tem recebido muitas encomendas internacionais, pois é o único que fabrica uma vacina já aprovada contra a varíola dos macacos. De qualquer forma, a capacidade dos laboratórios para suprir o abastecimento de vacinas em escala global vai demorar.
Nesse cenário, qual a melhor forma de evitar o contágio da doença?
A principal forma de proteção ainda é evitar contato direto com pessoas infectadas. Lembrando que a principal forma de transmissão ocorre através do contato pele a pele com as lesões, pessoal, ou através do contato com objetos pessoais de um paciente que está infectado com monkeypox.
Quais as formas de tratamento contra a varíola dos macacos?
O tratamento é realizado com antivirais, baseado no controle dos sintomas, ou seja, de acordo com os desconfortos que o paciente pode apresentar, como febre, dor e coceira nas lesões. Os sintomas costumam desaparecer após três ou quatro semanas. O alerta é para gestantes, crianças e pacientes imunossuprimidos, como pessoas com HIV, em tratamento de câncer ou quem passou por um transplante. De qualquer forma, é necessário isolamento obrigatório para conter a disseminação do vírus. Segundo a OMS, o tempo médio de incubação da doença é de seis a 13 dias, mas pode variar de cinco a 21 dias. Apenas após as lesões cicatrizarem e a avaliação clínica de profissionais de saúde é que a pessoa está liberada para retomar as atividades e interações.
Qual o principal enfoque do seu grupo de pesquisa, no Laboratório de Biologia Molecular de Vírus, no IBCCF/UFRJ?
Nós estudamos a diversidade genotípica dos vírus da família Poxviridae brasileiros, isolados de animais, e a diversidade dos genomas das vacinas antivariólicas antigas, históricas. Interessante destacar que a primeira vacina desenvolvida na História da Ciência foi a vacina contra a varíola, em 1796, na Inglaterra, por Edward Jenner (1749-1823). Nessa época, a doença matava cerca de 400 mil pessoas por ano. Depois os pesquisadores passaram a desenvolver a vacina viva, que era administrada intradermicamente, e continha o vírus Vaccinia. Daí a origem da palavra vacina. No Laboratório de Biologia Molecular de Vírus, sequenciamos vacinas encontradas em acervos de museus de ciência, de vários locais, e em coleções particulares, as sequenciamos e analisamos. Boa parte das vacinas antigas que sequenciamos foram feitas com horsepox, outro vírus, da mesma família, já extinto hoje. Essa expertise que adquirimos com todos esses estudos sobre essa família de vírus atualmente vem sendo empregado para ajudar no diagnóstico da monkeypox, conforme requisitado pelo Ministério da Saúde. A UFRJ está participando intensamente da testagem e diagnóstico da doença. Minha experiência no Comitê de diagnóstico para monkeypox da OMS também foi muito útil para a elaboração de um protocolo para a coleta do material em pacientes com casos suspeitos.
A FAPERJ autorizou o uso de recursos já destinados para grupos de pesquisa para estudos sobre a varíola dos macacos e planeja o lançamento de um edital de fomento específico para a doença. Como o estado do Rio de Janeiro está se preparando para contornar a propagação da doença?
Vejo esse lançamento de edital com muitos bons olhos, pois não sabemos o quanto precisamos investir em pesquisa, o que virá. Se há investimento, é possível formar pessoas com conhecimento específico dentro de um tema. Nunca imaginamos que monkeypox seria um tema preocupante no Brasil. Se hoje temos um grupo de pesquisa apto a ajudar, isso é fruto do conhecimento de pessoas que receberam ao longo dos anos fomento às suas pesquisas. Tenho recebido auxílio da FAPERJ, sou Cientista do Nosso Estado desde 2013 e pesquisadora Nível 1-C do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A boa ciência se faz com investimentos em recursos humanos.
Autor: Débora Motta
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 18/08/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=166.7.9#topo
Doença causada pelo vírus monkeypox, ela é transmitida por meio do contato pessoal e direto com secreções respiratórias, lesões de pele de pessoas infectadas ou objetos contaminados. Por isso, trabalhadores da saúde, membros da família, parceiros e parceiras têm maior risco de contágio. Seus sintomas, que duram entre duas e quatro semanas, são lesões na pele, febre súbita, forte e intensa dor de cabeça, náusea, exaustão, cansaço e o aparecimento de gânglios na região do pescoço (adenomegalia). Entre as ações do Ministério da Saúde para conter o surto, está o fortalecimento da rede de diagnósticos do Brasil, para processamento e análise das amostras. Atualmente, oito laboratórios estão estruturados para fazer a testagem, sendo: quatro Laboratórios de Referência Nacional – Fiocruz RJ, Fiocruz AM, UFRJ e Instituto Evandro Chagas (IEC) – e quatro Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen) em Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul.
No Rio de Janeiro, a diretoria da FAPERJ discute a elaboração de um edital emergencial, para fomentar redes de pesquisas que possam somar esforços no combate à propagação da doença. O objetivo é apoiar pesquisas em rede que possam contribuir com soluções para os casos de varíola dos macacos, como por exemplo diagnósticos mais baratos e mais rápidos e estudos sobre os mecanismos de transmissão da doença. Para isso, a estrutura de redes de pesquisa já apoiadas pela FAPERJ também está sendo aproveitada, por meio de diversos editais, que já se debruçam sobre o estudo de doenças negligenciadas, emergentes e infecciosas, para que se concentrem também em estudos para o combate à varíola dos macacos.
Clarissa Damaso: É uma doença viral, causada pelo vírus monkeypox, que foi detectada pela primeira vez em 1958, em macacos usados para pesquisa em um laboratório na Dinamarca. Em seguida ocorreram casos em outras colônias de roedores nos Estados Unidos na década de 1960. O nome da doença vem daí. Mas o primeiro caso de monkeypox encontrado em humanos veio a ser detectado em 1970, em crianças na República Democrática do Congo, na África. Nas décadas de 1980 e 1990, o número de casos veio subindo lentamente, mas como eles só ocorriam na África não havia estatísticas certeiras e infelizmente a doença foi negligenciada pela indústria farmacêutica. Certamente havia casos na África subnotificados, pois clinicamente ela é uma doença semelhante à varíola normal, causada por outro vírus, o vírus da varíola. Até o diagnóstico clínico era confuso. Em 2003 houve o primeiro surto em humanos fora do continente africano. Foi um surto em 11 estados americanos causados pelo vírus monkeypox encontrado em roedores importados da África, vendidos em petshop no Texas, que deixou cerca de 50 pessoas infectadas e durou cerca de um ano. A partir daí tivemos casos esporádicos no mundo associados à viagem para a África, mas nunca houve um surto maior de transmissão secundária, ou seja, de uma pessoa para outra, de forma tão contínua quanto presenciamos agora.
Qual o reflexo do fim da vacinação contra a varíola comum para a prevenção do atual surto de varíola dos macacos?
Havia campanhas internacionais de vacinação contra a varíola comum até meados dos anos 1970, quando essa doença foi erradicada em todo o mundo. Cabe destacar que a varíola foi a única doença até hoje erradicada internacionalmente graças à vacinação. No Brasil, até 1979 ainda existia disponibilidade de vacina antivariólica. O que sabemos é que a vacinação contra a varíola comum também funcionava e funciona, consequentemente, para a prevenção do monkeypox, por serem os vírus causadores de ambas as doenças pertencentes ao mesmo gênero. A vacina contra a varíola oferece proteção cruzada contra outros vírus do gênero Orthopoxvirus. O grande desafio é que, como a varíola comum foi erradicada internacionalmente, não temos mais em nenhum país vacinas disponíveis em escala industrial para aplicarmos no atual surto de monkeypox. Só os países que possuem programas estratégicos em biodefesa contra varíola, como Estados Unidos e Rússia, entre outros, têm essas vacinas armazenadas, mas com poucas doses, apenas para uso como estoques estratégicos em programas de biodefesa. Eles só podem desenvolver pesquisas com o vírus da varíola controladas pelo Comitê Assessor da Organização Mundial da Saúde para Pesquisa com o Vírus da Varíola (ACVVR/OMS), do qual eu faço parte. O Comitê tem que aprovar as pesquisas, se fazem sentido, se é preciso mesmo utilizar o vírus e controla o número de estoques de vírus da varíola, para não correr o risco dessa doença já erradicada voltar e se espalhar. Cerca de 30 pesquisadores no mundo integram o Comitê, e eu participo deste trabalho desde 2009. No caso da varíola dos macacos, o laboratório dinamarquês Bavarian Nordic tem recebido muitas encomendas internacionais, pois é o único que fabrica uma vacina já aprovada contra a varíola dos macacos. De qualquer forma, a capacidade dos laboratórios para suprir o abastecimento de vacinas em escala global vai demorar.
Nesse cenário, qual a melhor forma de evitar o contágio da doença?
A principal forma de proteção ainda é evitar contato direto com pessoas infectadas. Lembrando que a principal forma de transmissão ocorre através do contato pele a pele com as lesões, pessoal, ou através do contato com objetos pessoais de um paciente que está infectado com monkeypox.
Quais as formas de tratamento contra a varíola dos macacos?
O tratamento é realizado com antivirais, baseado no controle dos sintomas, ou seja, de acordo com os desconfortos que o paciente pode apresentar, como febre, dor e coceira nas lesões. Os sintomas costumam desaparecer após três ou quatro semanas. O alerta é para gestantes, crianças e pacientes imunossuprimidos, como pessoas com HIV, em tratamento de câncer ou quem passou por um transplante. De qualquer forma, é necessário isolamento obrigatório para conter a disseminação do vírus. Segundo a OMS, o tempo médio de incubação da doença é de seis a 13 dias, mas pode variar de cinco a 21 dias. Apenas após as lesões cicatrizarem e a avaliação clínica de profissionais de saúde é que a pessoa está liberada para retomar as atividades e interações.
Qual o principal enfoque do seu grupo de pesquisa, no Laboratório de Biologia Molecular de Vírus, no IBCCF/UFRJ?
Nós estudamos a diversidade genotípica dos vírus da família Poxviridae brasileiros, isolados de animais, e a diversidade dos genomas das vacinas antivariólicas antigas, históricas. Interessante destacar que a primeira vacina desenvolvida na História da Ciência foi a vacina contra a varíola, em 1796, na Inglaterra, por Edward Jenner (1749-1823). Nessa época, a doença matava cerca de 400 mil pessoas por ano. Depois os pesquisadores passaram a desenvolver a vacina viva, que era administrada intradermicamente, e continha o vírus Vaccinia. Daí a origem da palavra vacina. No Laboratório de Biologia Molecular de Vírus, sequenciamos vacinas encontradas em acervos de museus de ciência, de vários locais, e em coleções particulares, as sequenciamos e analisamos. Boa parte das vacinas antigas que sequenciamos foram feitas com horsepox, outro vírus, da mesma família, já extinto hoje. Essa expertise que adquirimos com todos esses estudos sobre essa família de vírus atualmente vem sendo empregado para ajudar no diagnóstico da monkeypox, conforme requisitado pelo Ministério da Saúde. A UFRJ está participando intensamente da testagem e diagnóstico da doença. Minha experiência no Comitê de diagnóstico para monkeypox da OMS também foi muito útil para a elaboração de um protocolo para a coleta do material em pacientes com casos suspeitos.
A FAPERJ autorizou o uso de recursos já destinados para grupos de pesquisa para estudos sobre a varíola dos macacos e planeja o lançamento de um edital de fomento específico para a doença. Como o estado do Rio de Janeiro está se preparando para contornar a propagação da doença?
Vejo esse lançamento de edital com muitos bons olhos, pois não sabemos o quanto precisamos investir em pesquisa, o que virá. Se há investimento, é possível formar pessoas com conhecimento específico dentro de um tema. Nunca imaginamos que monkeypox seria um tema preocupante no Brasil. Se hoje temos um grupo de pesquisa apto a ajudar, isso é fruto do conhecimento de pessoas que receberam ao longo dos anos fomento às suas pesquisas. Tenho recebido auxílio da FAPERJ, sou Cientista do Nosso Estado desde 2013 e pesquisadora Nível 1-C do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A boa ciência se faz com investimentos em recursos humanos.
Autor: Débora Motta
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 18/08/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=166.7.9#topo
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