sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Epidemia das apostas online

Enganei toda minha família. Desviei dinheiro da empresa do meu pai, da qual eu era sócio há mais de 15 anos. Cheguei ao ponto de vender minha casa para jogar. Contraí dívidas com bancos e agiotas. Tive momentos em que pensei em tirar minha própria vida”.

O depoimento do empresário André Holanda Rodrigues Rolim, feito durante audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas, revela a dimensão devastadora do problema vivido por milhões de brasileiros que caíram no vício das apostas online.

Criada em outubro de 2024 pelo Senado Federal, a chamada “CPI das Bets” investigou irregularidades no setor. Em junho de 2025, após oito meses de apuração, recomendou o indiciamento de 16 pessoas, entre empresários, donos de plataformas e influenciadores digitais. Apesar das evidências, o relatório acabou arquivado (12/6) numa sessão bem esvaziada (veja abaixo).


De aparência inofensiva, as apostas online, popularmente conhecidas como bets do termo em inglês “bet”, que significa aposta tornaram-se um fenômeno de massa no Brasil. Com a promessa de ganhos rápidos e acessíveis por meio de qualquer celular, as plataformas se espalharam com velocidade. Nas ruas, transportes públicos, locais de trabalho e até nas salas de aula, é cada vez mais comum ver apostadores conectados. A exigência de maioridade é facilmente burlada.

“As plataformas de aposta são desenhadas para gerar dependência. A facilidade de acesso, a ampla divulgação e a lógica de recompensa imediata contribuem para criar um ambiente propício ao vício. Isso está levando milhões de brasileiros a uma espiral de perdas financeiras, isolamento social e sofrimento psíquico”, afirma à Radis o pesquisador e psicólogo Altay de Souza, doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo (USP).


“Estamos diante de uma nova emergência em saúde pública. O vício em apostas online já pode ser visto como uma epidemia no Brasil”
Altay de Souza, doutor em Psicologia Experimental pela USP


Ele alerta que o jogo compulsivo afeta diretamente a saúde mental dos apostadores. “Temos observado um aumento expressivo na demanda por atendimento de pessoas com sintomas de ansiedade, depressão, crises de pânico e até ideação suicida associada ao uso compulsivo dessas plataformas”, declara. Segundo ele, os serviços de saúde já estão sobrecarregados e a demanda por acompanhamento na área de saúde mental está cada vez maior. “Estamos diante de uma nova emergência em saúde pública. O vício em apostas online já pode ser visto como uma epidemia no Brasil”, ressalta.

Referência nacional no tratamento de pessoas com transtornos relacionados ao jogo, o psiquiatra Hermano Tavares, que coordena o Ambulatório do Jogo Patológico do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), também faz duras críticas à legalização das bets. “É como se tivéssemos instalado um cassino em cada bolso’, frisa, em entrevista à Radis.

Segundo ele, o número de adolescentes expostos aumentou muito desde a legalização dos jogos online. “Embora ainda seja proibido apostar antes dos 18 anos, isso é amplamente desrespeitado. E o impacto nessa faixa etária é particularmente cruel: compromete a formação escolar, a saúde mental e a inserção social”, aponta.



Autor: fiocruz
Fonte: fiocruz
Sítio Online da Publicação: fiocruz
Data: 20/08/2025
Publicação Original: https://fiocruz.br/

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