quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Estudo avalia impacto do vazamento de petróleo em manguezais

Berçários para muitas espécies da fauna, que ali realizam a desova, os manguezais são responsáveis pelo sustento da maioria da força de trabalho dedicada à pesca ao redor do mundo. Sua presença em áreas costeiras tem papel importante na proteção contra a ação de ondas e marés. Apesar de sua importância econômica e ecológica, os manguezais são ambientes altamente ameaçados. Um dos principais riscos que essas áreas correm é o da contaminação por petróleo. No Laboratório de Genética e Biotecnologia Vegetal do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IB/UFRJ), o biólogo geneticista Marcio Alves-Ferreira vem se dedicando a estudos que podem, no futuro, gerar um kit diagnóstico para o monitoramento das áreas costeiras ameaçadas por derramamento de óleo.

Em alguns dos experimentos realizados no laboratório, o pesquisador constatou que quando a Laguncularia racemosa (mangue branco), uma das principais espécies de árvore que compõem os manguezais, é exposta ao petróleo, sofre um processo de impermeabilização, resultando na hipóxia, ou seja, incapacidade da planta de realizar as trocas gasosas, em receber oxigênio, o que decorre em grandes problemas metabólicos. Outro impacto decorrente da impermeabilização é causado pelo estresse ao calor, pois, como as trocas gasosas são reduzidas, a planta não consegue baixar sua temperatura, o que prejudica a produção de enzimas e proteínas, levando a espécie a expressar genes que respondem ao calor. “Ao observarmos essas respostas, concluímos que essas plantas não têm a capacidade evolutiva para lidar com o petróleo, já que esse evento não faz parte do histórico de estresse a que geralmente estão submetidas, como inundações, salinidade e alta luminosidade”, explica Alves-Ferreira. Outro resultado, secundário, da pesquisa foi a caracterização dos genes expressos em L. racemosa que podem ser utilizados no melhoramento genético de cultivos, como o arroz, para a resistência ao estresse salino. O estudo foi publicado no periódico Aquatic Toxicology, do grupo Elsevier, no mês de setembro.


Muda de mangue branco submetida ao contato com petróleo em experimento em laboratório


Fruto de oito anos de investigação, o trabalho contou com incentivo e a parceria de pesquisadores do Instituto de Microbiologia da UFRJ, que já estudavam os impactos do óleo sobre os micro-organismos e também a biorremediação (recuperação com utilização de micro-organismos) das áreas de manguezais afetadas. Outra motivação para a sua realização foi o ineditismo do trabalho. “Achava que havia muito estudo sobre o tema, mas quando comecei a pesquisar constatei que não havia quase nada, apenas um único estudo, mesmo assim, que avaliava o impacto de apenas um dos componentes do petróleo”, conta Alves-Ferreira.

A escolha da espécie a ser estudada – Laguncularia racemosa – partiu da constatação de quão o mangue branco está presente nos manguezais do País. Na literatura pesquisada sobre a frequência dessa espécie constam apenas dois estudos no Brasil (no Espírito Santo e na Bahia), demonstrando que ela representa de 30% a 40% da área total de manguezal avaliada. Em outros países, como a Costa Rica, o mangue branco pode chegar a 80% do total de espécies que compõem o manguezal. Uma das motivações para a realização do trabalho, explica o pesquisador, é a extrema importância dos manguezais para a produção da vida marinha. “Eles servem de berçários para muitas espécies da fauna, que ali realizam a desova, especialmente peixes da região costeira e até de alto mar, como por exemplo, a anchova.” Outra função importante, segundo o biólogo, é a proteção que esta vegetação exerce sobre áreas costeiras, que sofrem impacto de ondas e marés, pois em locais onde o manguezal foi destruído, o mar altera sua capacidade, começa a invadir áreas adicionais, modifica o transporte de sedimentos.

Apesar de sua importância econômica e ecológica, os manguezais são ambientes altamente ameaçados. Geralmente estão localizados na região de interseção entre o rio e o mar, onde a salinidade não é tão alta, e permite o crescimento de plantas, nutridas pelos sedimentos trazidos pelo rio e que também são carreados para a área costeira, alimentando peixes e outras espécies da fauna marinha. “Estima-se que os manguezais são responsáveis por sustentar, direta ou indiretamente, 80% de todo o pescado mundial. Sua proteção é, então, uma questão de segurança alimentar para o ser humano”, sentencia o geneticista.

O biólogo conta que a metodologia de pesquisa foi difícil de ser estabelecida. “Talvez, por isso não existam estudos prévios”, arrisca Alves-Ferreira. Numa primeira etapa, o experimento utilizou a espécie Arabidopsis thaliana. Segundo o pesquisador, outra dificuldade foi trabalhar com o petróleo, que é muito viscoso. Por fim, os pesquisadores estabeleceram uma metodologia que utilizou a fração solúvel do petróleo submetida à agitação, simulando a movimentação das águas. Apenas na segunda fase do estudo, contemplado pelo edital Prioridade Rio, da FAPERJ, e apoiado pelo Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), que forneceu o petróleo, foi utilizada a Laguncularia racemosa. Foi avaliado como as plantas respondem à presença do óleo, até quando elas resistem e quais são os genes envolvidos na resposta ao estresse provocado por derramamento de óleo, com foco nos aspectos da genética molecular. As sementes foram coletadas no preservado manguezal da Restinga da Marambaia, com 42 quilômetros de praias que se estendem pelos municípios de Mangaratiba, Itaguaí e Rio de Janeiro. Os experimentos foram realizados em ambiente controlado de casa de vegetação. Após a germinação, as plantas foram cultivadas entre três e seis meses e depois submetidas à aplicação do óleo, numa proporção similar a de um derramamento de petróleo. Após um tempo de exposição, folhas e raízes coletadas foram comparadas com as “plantas controle” (sem contato com o óleo).


O experimento foi conduzido em casa de vegetação, com ambiente controlado que reproduz as condições naturais


Os pesquisadores concluíram que o mangue branco não possui capacidade evolutiva para lidar com o petróleo, pois este evento não faz parte do histórico de estresse a que geralmente essas plantas estão submetidas, como salinidade, falta d’água e excesso de radiação solar, cujo processo evolutivo já as preparou.

O estudo também buscou estabelecer marcadores genéticos para o impacto ambiental causado pelo derrame de petróleo. Segundo Alves-Ferreira, no médio prazo será possível identificar plantas que estejam sofrendo estresse pelo óleo, por meio de um kit de diagnóstico. Esse trabalho preventivo possibilitará avaliação de quanto o manguezal está saudável e qual a proteção a ser dada àquela área. Pioneira, a pesquisa também resultou na descoberta de um produto secundário. A etapa de sequenciamento massivo e análise de dados permitiram desvendar a caracterização dos genes presentes nessa planta, que ainda não eram conhecidos. Como o mangue branco é muito tolerante a vários tipos de estresse, como salinidade, calor e incidência lumínica, o pesquisador espera que o trabalho possa contribuir para o melhoramento de plantas que tenham importância agronômica, como o arroz, por exemplo, bastante sensível ao sal. Segundo ele, áreas de plantio de arroz no Sul do País, que dependem de irrigação, estão ficando salinizadas e não podem mais ser cultivadas, pois o arroz é muito sensível à salinização. “Quem sabe podemos isolar algum gene encontrado no mangue branco para aumentar a resistência do arroz ao sal?”, questiona o geneticista.




Autor: FAPERJ
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 09/11/2018
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3656.2.2

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