O uso do plasma de pacientes infectados, mas recuperados, foi utilizado contra à gripe espanhola e seu funcionamento é similar ao soro antiofídico (Foto Diver Dave)
Paulo Niemeyer Filho é um dos mais respeitados neurocirurgiões brasileiros. Há seis anos, fundou e dirige o Instituto Estadual do Cérebro (IECPN), que homenageia seu pai, devido as grandes contribuições para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas em neurocirurgia. Hospital público, com tecnologia de ponta, o IEC conquistou reconhecimento internacional com o certificado de centro de referência internacional para pós-graduação em neurocirurgia da Federação Mundial de Sociedades de Neurocirurgia.
Durante a pandemia, o hospital cedeu seus 44 leitos da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) para os pacientes com coronavírus. Com 68 anos e atuando como médico em unidade da Rede D’or não destinada à Covid-19, Niemeyer, que integra a Comissão Ciência RJ no Combate à COVID-19 (ComCiênciaRJCOVID), acompanha de perto o desenvolvimento da pandemia e seus tratamentos, criada pelo governo estadual e presidida pela FAPERJ.
“Desde a solicitação da Secretaria Estadual de Saúde (SES), todas nossas equipes se dedicaram a Covid-19, tendo sido necessário o reforço com incorporação de virologista, hematologista e adaptação do laboratório de biologia molecular para diagnóstico do coronavírus”, explica Niemeyer. A expectativa é que com a inauguração dos hospitais de campanha e adaptação de outros hospitais do Estado, o Instituto do Cérebro volte a sua atividade-fim, que é o tratamento de doenças cerebrais, neurocirúrgicas.
Hospital de referência também no tratamento da Covid-19, o Instituto Estadual do Cérebro foi um dos primeiros hospitais brasileiros na pandemia a adotar a transfusão de plasma como medida para recuperação de pacientes. Vista com grande entusiasmo e como alternativa promissora diante de uma vacina que ainda pode demorar, Niemeyer explica que essa técnica foi bastante utilizada contra a gripe espanhola e é adotada com frequência em períodos de crise, mas que nunca foi estudada com grande precisão, apesar de apresentar bons resultados.
“Como sua utilização é sempre feita em momentos de crise, não se tem um estudo randomizado, dentro de padrões científicos rígidos. A transfusão, entretanto, faz sentido como tratamento, e estamos tentando, com o Hemorio e o laboratório de Virologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identificar quais os grupos de pacientes que podem se beneficiar. Ao que tudo indica, quanto mais precoce a transfusão de anticorpos, maiores as chances do paciente evoluir bem, sem necessidade de entubação”, detalha o médico membro da Academia Nacional de Medicina (ANM).
O que já está mais claro, de acordo com o neurologista, é a ligação da doença com o sistema circulatório, em que um dos indícios é a maior frequência de pacientes com acidentes vasculares cerebrais. “Está claro que o novo coronavírus provoca distúrbio da coagulação, desencadeado muitas vezes por lesões provocadas nas paredes arteriais. Esses transtornos são sistêmicos e podem provocar todo tipo de sintomas, de uma isquemia de extremidades ao AVC”, diz. Por isso, Niemeyer entende como fundamental a mudança de protocolo feita pelo governo do Rio de Janeiro no atendimento aos pacientes com a inclusão do uso de anticoagulante como forma de amenizar ou prevenir doença trombótica.
Assim como outros pesquisadores e profissionais da área da saúde, ele está surpreso com a capacidade de o vírus provocar diversos sintomas em diferentes partes do corpo. No entanto, em relação à capacidade de atingir o sistema nervoso, as observações realizadas ainda não trazem evidências concretas. “Alguns estudos laboratoriais mostraram que, in vitro, o vírus tem a capacidade de penetrar nos neurônios. Mas ainda não temos manifestações clínicas evidentes desse fenômeno, com exceção dos casos em que há perda do olfato, mas que em geral são transitórias”, diz.
'A flexibilização [da quarentena] é necessária, mas deverá ser feita de acordo com as pesquisas e testagen', diz Paulo Niemeyer Filho (Foto: Divulgação)
Para os que estão ansiosos para a flexibilização da quarentena, Niemeyer se colocar a favor da flexibilização, mas pede que respeitem a ciência. “A flexibilização é necessária, mas não pode ser feita intempestivamente. Deverá ser feita de acordo com as pesquisas e testagens”, diz. O médico também está otimista em relação à saída da crise e acredita que os brasileiros estão bem informados. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, chegou a brincar que teríamos mais de 200 milhões de infectologistas quando a pandemia passar. “Acho que todos os brasileiros minimamente informados já sabem bastante sobre a pandemia. Mesmo os que refutam o isolamento sabem dos riscos que estão correndo. Não acredito que a pandemia vá mudar o ser humano, que persistirá sendo um predador do meio ambiente. Mas por um tempo dará mais valor as coisas mais simples da vida, como um bom abraço”, finaliza.
E para quem estiver interessado em conhecer mais sobre o funcionamento do cérebro em meio a histórias pessoais, Niemeyer adianta que lançará, no pós-pandemia, o livro “No labirinto do cérebro”, pela editora Objetiva.
A FAPERJ, desde a inauguração do Instituto Estadual do Cérebro, vem apoiando, por meio de seus programas de fomento à pesquisa, os estudos realizados no IEC, incluindo uma Rede de Pesquisa em Saúde – uma das 18 apoiadas pela FAPERJ no estado – que tem a coordenação-sede funcionando nas dependências do IEC.
Autor: Juliana Passos
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 05/06/2020
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3990.2.7
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