segunda-feira, 25 de julho de 2022

Violência na área da saúde e o papel da humanização

A violência, em suas muitas faces, é recorrente nas instituições de saúde. Definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir do trabalho de Krug e colaboradores, publicado em 2002, a violência pode ser entendida como “o uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.

A OMS ainda aplica três tipologias para os atos de violência: coletiva, autoinflingida e interpessoal, podendo ser comunitária ou familiar. Minayo, em 2006, ainda acrescentou mais um grupo determinando à violência estrutural: quando os processos sociais, políticos e econômicos geram e mantêm a violência. O trabalho taxonômico de Krug e colaboradores atribui na área da saúde quatro modalidades de expressão da violência sendo elas a violência física, psicológica, sexual e a negligência ou privação de cuidados.


 
O ponto de destaque é que podemos praticar atos de violência durante nossa prática. A relação de cuidado na saúde é atravessada por uma lógica de relação de poder. A violência na área da saúde ocorre, então, quando essa potencialidade, que carrega em si também a potência terapêutica, é utilizada intencionalmente de forma que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

Caminhos de mudança

Uma das ferramentas mais contundentes contra essa violência é a humanização na saúde, que consiste em dar voz aos sujeitos do cenário do cuidado em saúde, sejam eles receptores ou provedores desse cuidado. Empiricamente uma maneira de se entender essa dialética é perceber violência como o uso intencional de alguma forma de poder para constranger enquanto humanizar é o uso intencional desse poder para se centrar ou perceber o outro.

Humanização pode ser entendida como o processo de promoção do protagonismo dos sujeitos de cuidado em saúde, sendo alvo de uma política pública instituída pela lei n. 8080 de 1990.

No cenário do cuidado é necessário que cada ator conheça suas potências e fragilidades, seus direitos e deveres. O tema da violência na área da saúde é tão somente uma reprodução de um problema estrutural contemporâneo num setor social específico em que os mesmos grupos vulnerabilizados são objetos de atos violentos pelos mesmos grupos com validação social para dominar dentro e fora desse setor. A grande diferença é que neste recorte social, o setor saúde, identificar problemas e propor soluções, ou minimamente buscá-las, é parte essencial do fazer profissional.

Desde a graduação entender a Política Nacional de Humanização como constitutiva do SUS e desenvolver competências humanísticas nos profissionais de saúde é o caminho macropolítico para mitigar essa questão. Por outro lado, no campo micropolítico, profissionais e clientes serem apresentados a esses conceitos e conhecerem como isso remodela suas fronteiras relacionais é outra direção modificadora do nosso cenário atual.

Mensagem Prática

A violência de gênero na área da saúde reproduz os mesmos recortes e padrões de violência da sociedade em geral

Atos de violência que não são percebidos como experiências desagradáveis normalizam e autorizam atos de violência que culminarão em experiências desagradáveis

Informação acessível e de qualidade é uma ferramenta lida como potente e transformadora por todos os atores participantes do cenário de cuidado em saúde

Debater o tema e introduzir conceitos associados a ele tem potencial de despertar autoconsciência e mudar padrões de comportamento lesivo nos serviços de saúde

Praticar a política nacional de humanização é uma via de mudança estrutural para o paradigma da violência na área da saúde

Autor(a):

Marcelo Gobbo Jr

Médico de Família e Comunidade ⦁ Editor de Medicina de Família e Comunidade do Portal PEBMED ⦁ Docente de Comunicação, Profissionalismo e Humanização em Saúde no IMEPAC Araguari ⦁ Supervisor de Medicina Preventiva e Médico Assistente na Unimed Uberlândia ⦁ Idealizador do programa “Hora da Saúde” ⦁ Instagram: @mgobbojr

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Referências bibliográficas:

MACIEL, Carolina. O papel do enfermeiro frente à violência obstétrica: Uma revisão integrativa. 2022.

AMORIM, Amanda Christina Oliveira; OLIVEIRA, Stéfani Silva de. Violência obstétrica na perspectiva dos profissionais da saúde: revisão integrativa. 2020.

DA COSTA CARDOSO, Ferdinand José et al. INSTITUTIONAL OBSTETRIC VIOLENCE IN BIRTH: PERCEPTION OF HEALTH PROFESSIONALS. Journal of Nursing UFPE/Revista de Enfermagem UFPE, v. 11, n. 9, 2017.

ALMEIDA, Mayron Morais et al. Vivência e saberes das parturientes acerca da violência obstétrica institucional no parto. Revista Eletrônica Acervo Saúde/Electronic Journal Collection Health ISSN, v. 2178, p. 2091, 2018.

MARTINELLI, Katrini Guidolini et al. Adequação do processo da assistência pré-natal segundo os critérios do Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento e Rede Cegonha. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 36, p. 56-64, 2014.

NEGRÃO, Ana Carolina Bittencourt Morais. Iniciativas para diminuir o número de cesáreas excessivas no Brasil: Projeto Parto Adequado. 2017.

COELHO, Elza Berger Salema; SILVA, Anne Caroline Luz Grüdtner da; LINDNER, Sheila Rubia. Violência: definições e tipologias. 2014.

KRUG, E. G, et al. (eds.) World report on violence and health. Geneva: World Health Organization, 2002.

MINAYO, M. C. S.; SOUZA, E. R. Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 4, n.3, p. 513-531, nov. 1997.

FARIAS, Aline Zacchi et al. Expressões da violência de gênero vivenciadas por terapeutas ocupacionais: narrativas e ações de enfrentamento no cotidiano. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 30, 2022.







Autor: Marcelo Gobbo Jr
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 21/07/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/violencia-na-area-da-saude-e-o-papel-da-humanizacao/

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