Os resultados da pesquisa são detalhados em artigo publicado na revista científica Ameghiniana, publicado em 15 de setembro. Os primeiros vestígios da nova espécie começaram a ser localizados a partir de 1999 numa localidade conhecida como Sítio dos Irmãos Garcia, distrito de Vila Ventura, município de Ibirá, em escavações realizadas pelo Museu de Paleontologia Professor Antônio Celso de Arruda Campos, sediado na cidade de Monte Alto, no interior de São Paulo. “As rochas presentes nessa localidade são do período Cretáceo Superior, da Formação São José do Rio Preto, com idade de 80 milhões de anos”, relata ao Jornal da USP o pesquisador Bruno Albert Navarro, do Museu de Zoologia (MZ) da USP, que liderou o trabalho. “Muitos fósseis de dinossauros herbívoros já eram conhecidos desde os anos 1960 na região, mas até o momento nenhuma espécie havia sido identificada e nomeada.”
Os fragmentos do animal usado para dar o nome à espécie (holótipo) foram descobertos em 2005 pelo professor Marcelo Adorna Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Dentre os materiais recuperados, estão diversos elementos vertebrais e dos membros de, pelo menos, quatro indivíduos diferentes”, diz Navarro, que estuda os fósseis da espécie desde a graduação, em parceria com a pesquisadora Aline Ghilardi, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Desde então já sabíamos que se tratava de uma nova espécie, por conta de apresentar uma série de características anatômicas únicas, restando apenas formalizar sua descrição e batizá-la. Mas ainda restavam dúvidas se esta nova espécie estava representada por um animal juvenil, dado o tamanho modesto dos restos recuperados.”
Durante o mestrado, o pesquisador localizou e identificou em museus do interior paulista outros vestígios de animais dessa mesma espécie, que compartilhavam as mesmas características anatômicas e foram encontrados muito próximos de onde saíra o holótipo. “Com isso pudemos constatar que não se tratava de um animal jovem, mas sim que todos aqueles indivíduos representavam uma nova espécie de titanossauro com proporções corporais bastante reduzidas”, descreve. “A partir daí realizamos uma série de análises de tomografia computadorizada e histologia óssea e constatamos que, de fato, os animais desta espécie já haviam atingido sua maturidade esquelética antes do momento em que morreram.”
Bruno Albert Navarro - Foto: Reprodução/ Twitter
“Adicionalmente, percebemos que estes animais apresentavam resquícios de sacos aéreos em suas vértebras e um estudo conduzido pelo pesquisador Tito Aureliano, da UFRN, identificou que um dos animais sofria de infecção parasitária”, destaca Navarro. Sacos aéreos são estruturas que auxiliavam na respiração dos animais. Durante o ano de 2020 foi concluída a descrição da nova espécie, que foi batizada como Ibirania parva. “Ibirania é a junção das palavras Ibirá, em homenagem à cidade onde a espécie foi encontrada, e ania, que em grego significa ‘caminhante, peregrino’, já parva é o termo em latim para ‘pequeno’, devido ao tamanho reduzido da espécie. Como a palavra Ibirá vem do tupi, significando ‘árvore’, podemos traduzir o nome desse novo dinossauro como ‘o pequeno peregrino das árvores’”.
Pequeno peregrino das árvores
“Já sabíamos que o Ibirania parva era bastante pequeno quando comparado a outros titanossauros, mas ao estimar seu tamanho aproximado nos surpreendemos ainda mais: os espécimes identificados teriam entre 5 e 6 metros de comprimento, configurando-o como um dos menores dinossauros saurópodes até então conhecidos”, relata Navarro. Os saurópodes são dinossauros com cabeça pequena, pescoço longo, quadrúpedes e herbívoros, geralmente de grandes dimensões, podendo alcançar até 30 metros de comprimento. “Analisando e comparando estes fósseis com outros animais do mesmo grupo, encontrados no Brasil e em outros lugares do mundo, foi possível concluir que o pequeno titanossauro de Ibirá pertencia a uma família até então não registrada no Brasil, e que também são conhecidos por terem tamanhos corporais menores em relação aos seus contemporâneos: os saltassaurídeos.”
De acordo com o pesquisador do MZ, alguns saltassaurídeos sul-americanos e formas associadas, como os lirainossauríneos, possuíam uma tendência contrária ao gigantismo exibido por outros titanossauros e, em alguns casos, até algumas espécies foram identificadas como “anãs”. “O que todas essas formas têm em comum é que viveram em ambientes com forte influência marinha, como as antigas ilhas onde hoje é a Europa, ou a Argentina e o Equador. A nossa grande surpresa foi encontrar fósseis de uma espécie de titanossauro anão no interior do Brasil”, aponta. “Sabemos agora que a redução de tamanho em alguns dinossauros não ocorria apenas por fatores oriundos do isolamento em ilhas. Ibirania é a primeira espécie de titanossauro comprovadamente anã das Américas. Ela viveu em um contexto muito diferente dos outros dinossauros anões já encontrados e acrescenta novas informações sobre a evolução e ocorrência de nanismo em dinossauros.”
Durante o final do período Cretáceo, há 80 milhões de anos, o interior paulista era bem diferente dos dias atuais, nele habitavam muitos crocodilos terrestres e titanossauros, incluindo alguns gigantes como o Austroposeidon magnificus, em um ambiente que lembraria mais as savanas africanas de hoje. “Mas havia algo de especial na região de Ibirá que favoreceu a existência destes titanossauros menores. Diferente de outros anões que viviam em ilhas tropicais do passado, o Ibirania vivia no interior do Brasil, em um ambiente semiárido a árido e com pouco alimento”, observa Navarro. “Uma configuração específica do habitat, como refúgios de vegetação temporários, e a limitação de alimento imposta em estações secas prolongadas podem ter favorecido positivamente animais menores, dado que estes requerem menos recursos que animais de grande porte”.
Os pesquisadores fizeram uma reconstrução de como seria o esqueleto do Ibirania com base nos materiais recuperados e em seus parentes mais próximos. A ilustração foi feita por Sérgio Lages, e a reconstituição do animal em vida e em seu habitat foi feita pelos paleoartistas Hugo Cafasso e Matheus Fernandes Gadelha. Paleoartistas são especialistas que usam diversas técnicas, como escultura e pintura, para reconstituir a possível aparência de animais pré-históricos.
Imagem: Hugo Cafasso e Matheus Fernandes Gadelha
Imagem: Sérgio Lages
Além de Navarro, participaram do trabalho Alberto Carvalho, André Cattaruzzi e Hussam Zaher, do MZ, Luiz Eduardo Anelli, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, Aline Ghilardi e Tito Aureliano, do Dinosaur Ichnology and Osteohistology Laboratory (DINO lab), da UFRN, Kamila Bandeira, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ariel Martine, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Marcelo Adorna Fernandes, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Verónica Díez Díaz, do Museum für Naturkunde, na Alemanha, e Fabiano Iori, do Museu de Paleontologia Pedro Candolo, em Uchoa.
Autor: jornal.usp
Fonte: jornal.usp
Sítio Online da Publicação: jornal.usp
Data: 26/09/2022
Publicação Original: https://jornal.usp.br/ciencias/pequeno-peregrino-das-arvores-e-o-mais-novo-dinossauro-brasileiro-identificado/
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