Perdas com parasitas somam mais do que o dobro das exportações brasileiras de carne bovina. Estudo feito por pesquisadores da USP foi publicado na Scientific Reports (Larva de Rhipicephalus microplus com aumento de 100 vezes) – Foto: Guilherme Marcondes Klafke
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Em 2017, o rebanho bovino brasileiro era composto de 217,7 milhões de animais, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, com vendas de US$ 6,28 bilhões em 2017.
Tais cifras poderiam ser ainda maiores, não fosse a imensa perda econômica anual causada por parasitas, estimada em, ao menos US$ 13,9 bilhões em 2014. Em outras palavras, as perdas com mortalidade, queda de peso, redução na fertilidade e perda de produtividade provocadas por parasitas equivalem a mais do que o dobro de tudo o que é exportado.
Os maiores causadores de prejuízos são os parasitas internos, como vermes gastrintestinais, responsáveis por perdas de US$ 7,1 bilhões (51%). Em seguida vêm os parasitas externos, que se instalam fora do corpo do hospedeiro. Nenhum causa mais prejuízos do que o carrapato bovino (Rhipicephalus microplus/ Boophilus microplus), responsável por perdas de US$ 3,2 bilhões ao ano (23,2%). A mosca-dos-chifres custa perdas de US$ 2,5 bilhões (18,3%), enquanto o berne, a mosca-da-bicheira e a mosca-dos-estábulos somam perdas de US$ 1 bilhão (7,5%).
O controle do carrapato bovino é feito por meio da aplicação de pesticidas, o que conduz, invariavelmente, à seleção de linhagens resistentes. Hoje, no Brasil, o carrapato bovino apresenta resistência, em maior ou menor grau, a todos os pesticidas comerciais empregados no controle da praga.
Em um trabalho publicado na Scientific Reports, pesquisadores do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB) da USP e do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), em Eldorado do Sul (RS), identificaram mecanismos de resistência do carrapato bovino contra a ação da ivermectina, uma das drogas mais utilizadas no combate às infestações por R. microplus. A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A infestação ocorre no momento em que o carrapato se alimenta com sangue do animal. É quando o inseto inocula substâncias anti-hemostáticas, anti-inflamatórias e imunomodulatórias contidas em sua saliva”, contou a pesquisadora Tatiana Teixeira Torres, que conduziu a pesquisa com os geneticistas Valéria Lis Le Gall e Guilherme Marcondes Klafke.
Segundo Tatiana, essas substâncias modificam a fisiologia no local da picada, causando perda de sangue, redução na imunidade do hospedeiro e irritação. “O estresse do animal causado pelas infestações conduz à interrupção na alimentação e, consequentemente, à perda de peso e à redução da fertilidade”, disse à Agência Fapesp.
A droga de referência no combate ao carrapato bovino é a ivermectina, com propriedades anti-helmínticas, acaricidas e inseticidas. A ivermectina é antiparasita de amplo espectro, usada tanto no tratamento de humanos como dos animais de criação.
“A ivermectina atua como um análogo de um neurotransmissor chamado GABA, existente em vertebrados e invertebrados. No caso do carrapato, esse neurotransmissor atua nos canais de cloro ligantes de glutamato, que são neuroreceptores exclusivos dos invertebrados. Atuando em nível molecular, a droga se liga aos canais de cloro dos neurônios da junção neuromuscular do inseto, bloqueando a neurotransmissão, o que paralisa a musculatura do inseto, levando-o à morte”, disse a pesquisadora.
A ivermectina foi descoberta em 1975 e vem sendo usada comercialmente desde 1981. Isso significa que, no caso do carrapato bovino, ao longo das últimas três décadas inúmeras gerações de R. microplus foram expostas à ação da droga. Daí que a espécie acabou por desenvolver resistência à ivermectina.
De acordo com Tatiana, em R. microplus vários mecanismos podem estar envolvidos na resistência à ivermectina, incluindo a capacidade fisiológica de desintoxicar ou tolerar substâncias tóxicas. “Os mecanismos metabólicos da desintoxicação são mediados por famílias de enzimas e também por proteínas específicas, que foram sendo selecionadas pelo mecanismo da seleção natural”, disse.
Os carrapatos que não contavam com a ação de tais enzimas e proteínas morriam em presença da ivermectina. Já aqueles que produziram essas substâncias sobreviveram e produziram mais descendentes, que acabaram por formar as linhagens resistentes.
Segundo Tatiana, os mecanismos metabólicos nos carrapatos responsáveis pela desintoxicação são mediados por famílias de enzimas, incluindo o citocromo P450, esterase e glutationa-S-transferases (GST).
“Outras proteínas, como os transportadores ABC, também contribuem para os processos de desintoxicação, transportando substâncias tóxicas para fora das células, com consumo de ATP”, disse.
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Bioensaios letais
A desintoxicação de pesticidas pelo aumento de atividade das enzimas citocromo P450, esterases, GST e transportadores ABC é bem conhecida em vários grupos de artrópodes, incluindo o carrapato bovino R. microplus.
“Em nosso estudo, investigamos os mecanismos de desintoxicação operantes em uma cepa do carrapato R. microplus resistente à ivermectina, comparada com uma cepa suscetível ao pesticida”, disse Tatiana Torres.
“Analisamos a desintoxicação da ivermectina em ambas as cepas utilizando bioensaios de tempo letal na presença de inibidores que bloqueiam a atividade enzimática ou transportadora das proteínas, permitindo que os efeitos tóxicos da ivermectina prevaleçam e, consequentemente, aumentem a taxa de mortalidade”, disse.
A meta do trabalho foi identificar quais proteínas teriam papel predominante na desintoxicação da ivermectina em uma linhagem multirresistente do carrapato bovino. Para testar a influência dessas proteínas na resistência, os pesquisadores utilizaram inibidores específicos para cada uma das famílias proteicas e compararam as taxas de mortalidade em tratamentos com ivermectina na presença e na ausência dos inibidores.
Foram empregadas como inibidores substâncias com capacidade de induzir mudanças que impedem sua atividade de desintoxicação. Para inibir a ação do citocromo P450 foi utilizado butóxido de piperonila (PBO). Contra a esterase, empregou-se s,s,s-tributil fosforotritioato (DEF). Para inibir a GST, escolheu-se o maleato de dietila (DEM). Por fim, contra os transportadores ABC, usou-se ciclosporina A (CsA).
Com essa finalidade, foram usadas duas cepas de carrapatos bovinos. A Mozo, originária do Uruguai, é a cepa suscetível usada nos estudos e diagnóstico de resistência na América Latina. Essa cepa é mantida sem contato com acaricidas no IPVDF.
A pesquisadora contou que a cepa Juarez foi isolada no ano 2010 no município de Jacareí (SP), coletada em uma fazenda de gado com relato de falha da eficácia da ivermectina no controle do carrapato. Juarez é uma cepa multirresistente que, além da ivermectina, apresenta mortalidade reduzida para outros pesticidas: cipermetrina, amitraz, clorpirifós e fipronil. O estudo feito no Instituto de Biociências da USP é restrito à ivermectina.
Foram realizadas separadamente duas baterias de bioensaios letais. Na primeira bateria, buscou-se determinar a ação letal da ivermectina, sozinha, na cepa suscetível Mozo e na cepa resistente Juarez. Foram colocados em um envelope cerca de 100 a 150 larvas de carrapato. A seguir, o envelope foi mergulhado por 10 minutos em uma solução contendo ivermectina.
Segundo a pesquisadora do IB, ao retirar o envelope da solução, passou-se a contar a porcentagem de larvas de cada amostra que morria após um determinado tempo de exposição ao veneno. Foi checada a mortalidade decorridos 10 minutos, 2 horas, 3 horas, 4 horas e 24 horas.
“Os resultados da primeira bateria de bioensaios letais revelaram uma clara diferença na resposta ao tratamento das larvas apenas com ivermectina ao longo do tempo”, disse Tatiana.
“Após quatro horas de exposição, todas as larvas da cepa suscetível (Mozo) haviam morrido, enquanto a mortalidade de larvas da cepa resistente (Juarez) havia atingido apenas 40%, resultado que se manteve constante decorridas 24 horas da exposição. A mesma dose que mata a linhagem suscetível não mata a linhagem resistente”, disse.
Na segunda bateria de testes, foi repetido o experimento com a cepa suscetível e a resistente, porém, além do pesticida ivermectina, foi introduzido na solução letal um dos quatro inibidores que bloqueiam a ação das enzimas e do transportador desintoxicante.
Todos os quatro inibidores foram testados individualmente, e em cinco concentrações diferentes, entre 1,88 e 30 micromolar (μM). Buscou-se assim identificar as concentrações ideais (não tóxicas) dos inibidores na ausência da ivermectina. Uma vez determinada a maior concentração não letal dos inibidores, cada um deles foi utilizado em ensaios independentes em combinação com a ivermectina.
A ideia do teste foi revelar o papel das proteínas na resistência por meio de sua inibição. Por exemplo, se uma enzima é responsável pela desintoxicação do pesticida e leva à redução da mortalidade em uma cepa de carrapatos, sua inibição implicará um aumento da mortalidade, que pode chegar a níveis de mortalidade similares aos da linhagem suscetível.
Os pesquisadores constataram que a inibição das quatro famílias proteicas resultava no aumento da mortalidade das larvas de carrapato em diferentes graus.
“Observamos que os transportadores ABC tinham um papel mais importante na resistência apresentada pela linhagem Juarez. Quando era inibido com a ciclosporina A, os níveis de mortalidade ficavam muito parecidos com aqueles observados na linhagem suscetível. O uso dos outros inibidores [PBO, DEF e DEM] também levou a aumentos na mortalidade da linhagem, mas as enzimas inibidas desempenham papéis menos importantes na desintoxicação”, disse Tatiana.
Durante os bioensaios letais com a cepa resistente Juarez, os melhores resultados foram obtidos quando as larvas foram mergulhadas numa solução contendo ivermectina associada à ciclosporina A em concentração de 12 μM.
Após a exposição das larvas resistentes apenas à ivermectina, foi preciso aguardar quatro horas para verificar a morte de 40% dos indivíduos, porcentagem que não se modificou decorridas 24 horas. Já a exposição das larvas ao pesticida mais ciclosporina A resultou na mortalidade de 50% da amostra em 3 horas e 20 minutos. Decorridas 24 horas, a mortalidade se aproximou de 100% da amostra.
“Curiosamente, o tempo letal para matar 50% da amostra da cepa resistente, quando exposta à combinação ivermectina e ciclosporina A, se aproximou do tempo letal para eliminar 50% da amostra da cepa suscetível Mozo, fornecendo evidências de uma reversão quase completa do fenótipo resistente da cepa Juarez”, disse a pesquisadora à Agência Fapesp.
“O efeito sinérgico da ciclosporina A foi demonstrado por um aumento de 60% na mortalidade da cepa exposta à combinação ivermectina e CsA quando comparada com a mesma cepa exposta somente à ivermectina após 24 horas”, disse.
Os resultados fornecem evidências da ação dos mecanismos de desintoxicação em R. microplus resistentes à ivermectina, contribuindo para o entendimento da base molecular do fenótipo resistente à ivermectina.
“Tal conhecimento pode auxiliar na busca de novas estratégias para lidar com a resistência à ivermectina no campo. Por exemplo, os inibidores testados, ou outras moléculas de efeito análogo, poderiam ser introduzidos em formulações comerciais de ivermectina”, disse.
As diferenças nas atividades das proteínas estudadas podem ser causadas por variações na estrutura, sequência ou expressão dos genes que codificam essas proteínas entre as cepas suscetível e resistente. Ainda como parte do projeto, os pesquisadores agora investigam as substituições nas sequências codificantes de genes pertencentes a essas quatro famílias, bem como seus níveis de expressão. “A análise nos ajudará a estabelecer as relações causais entre a função do gene e a resistência metabólica à ivermectina”, disse a pesquisadora.
O artigo Detoxification mechanisms involved in ivermectin resistance in the cattle tick, Rhipicephalus (Boophilus) microplus (doi: 10.1038/s41598-018-30907-7), de Valeria Lis Le Gall, Guilherme Marcondes Klafke e Tatiana Teixeira Torres, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-018-30907-7.
Texto de Peter Moon / Agência Fapesp, com edição do Jornal da USP (leia aqui matéria original na íntegra)
Autor: Jornal da USP
Fonte: Jornal da USP
Sítio Online da Publicação: Jornal da USP
Data: 10/10/2018
Publicação Original: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-agrarias/identificados-os-mecanismos-de-resistencia-de-carrapato-a-pesticidas/
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Em 2017, o rebanho bovino brasileiro era composto de 217,7 milhões de animais, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, com vendas de US$ 6,28 bilhões em 2017.
Tais cifras poderiam ser ainda maiores, não fosse a imensa perda econômica anual causada por parasitas, estimada em, ao menos US$ 13,9 bilhões em 2014. Em outras palavras, as perdas com mortalidade, queda de peso, redução na fertilidade e perda de produtividade provocadas por parasitas equivalem a mais do que o dobro de tudo o que é exportado.
Os maiores causadores de prejuízos são os parasitas internos, como vermes gastrintestinais, responsáveis por perdas de US$ 7,1 bilhões (51%). Em seguida vêm os parasitas externos, que se instalam fora do corpo do hospedeiro. Nenhum causa mais prejuízos do que o carrapato bovino (Rhipicephalus microplus/ Boophilus microplus), responsável por perdas de US$ 3,2 bilhões ao ano (23,2%). A mosca-dos-chifres custa perdas de US$ 2,5 bilhões (18,3%), enquanto o berne, a mosca-da-bicheira e a mosca-dos-estábulos somam perdas de US$ 1 bilhão (7,5%).
O controle do carrapato bovino é feito por meio da aplicação de pesticidas, o que conduz, invariavelmente, à seleção de linhagens resistentes. Hoje, no Brasil, o carrapato bovino apresenta resistência, em maior ou menor grau, a todos os pesticidas comerciais empregados no controle da praga.
Em um trabalho publicado na Scientific Reports, pesquisadores do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB) da USP e do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), em Eldorado do Sul (RS), identificaram mecanismos de resistência do carrapato bovino contra a ação da ivermectina, uma das drogas mais utilizadas no combate às infestações por R. microplus. A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A infestação ocorre no momento em que o carrapato se alimenta com sangue do animal. É quando o inseto inocula substâncias anti-hemostáticas, anti-inflamatórias e imunomodulatórias contidas em sua saliva”, contou a pesquisadora Tatiana Teixeira Torres, que conduziu a pesquisa com os geneticistas Valéria Lis Le Gall e Guilherme Marcondes Klafke.
Segundo Tatiana, essas substâncias modificam a fisiologia no local da picada, causando perda de sangue, redução na imunidade do hospedeiro e irritação. “O estresse do animal causado pelas infestações conduz à interrupção na alimentação e, consequentemente, à perda de peso e à redução da fertilidade”, disse à Agência Fapesp.
A droga de referência no combate ao carrapato bovino é a ivermectina, com propriedades anti-helmínticas, acaricidas e inseticidas. A ivermectina é antiparasita de amplo espectro, usada tanto no tratamento de humanos como dos animais de criação.
“A ivermectina atua como um análogo de um neurotransmissor chamado GABA, existente em vertebrados e invertebrados. No caso do carrapato, esse neurotransmissor atua nos canais de cloro ligantes de glutamato, que são neuroreceptores exclusivos dos invertebrados. Atuando em nível molecular, a droga se liga aos canais de cloro dos neurônios da junção neuromuscular do inseto, bloqueando a neurotransmissão, o que paralisa a musculatura do inseto, levando-o à morte”, disse a pesquisadora.
A ivermectina foi descoberta em 1975 e vem sendo usada comercialmente desde 1981. Isso significa que, no caso do carrapato bovino, ao longo das últimas três décadas inúmeras gerações de R. microplus foram expostas à ação da droga. Daí que a espécie acabou por desenvolver resistência à ivermectina.
De acordo com Tatiana, em R. microplus vários mecanismos podem estar envolvidos na resistência à ivermectina, incluindo a capacidade fisiológica de desintoxicar ou tolerar substâncias tóxicas. “Os mecanismos metabólicos da desintoxicação são mediados por famílias de enzimas e também por proteínas específicas, que foram sendo selecionadas pelo mecanismo da seleção natural”, disse.
Os carrapatos que não contavam com a ação de tais enzimas e proteínas morriam em presença da ivermectina. Já aqueles que produziram essas substâncias sobreviveram e produziram mais descendentes, que acabaram por formar as linhagens resistentes.
Segundo Tatiana, os mecanismos metabólicos nos carrapatos responsáveis pela desintoxicação são mediados por famílias de enzimas, incluindo o citocromo P450, esterase e glutationa-S-transferases (GST).
“Outras proteínas, como os transportadores ABC, também contribuem para os processos de desintoxicação, transportando substâncias tóxicas para fora das células, com consumo de ATP”, disse.
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Bioensaios letais
A desintoxicação de pesticidas pelo aumento de atividade das enzimas citocromo P450, esterases, GST e transportadores ABC é bem conhecida em vários grupos de artrópodes, incluindo o carrapato bovino R. microplus.
“Em nosso estudo, investigamos os mecanismos de desintoxicação operantes em uma cepa do carrapato R. microplus resistente à ivermectina, comparada com uma cepa suscetível ao pesticida”, disse Tatiana Torres.
“Analisamos a desintoxicação da ivermectina em ambas as cepas utilizando bioensaios de tempo letal na presença de inibidores que bloqueiam a atividade enzimática ou transportadora das proteínas, permitindo que os efeitos tóxicos da ivermectina prevaleçam e, consequentemente, aumentem a taxa de mortalidade”, disse.
A meta do trabalho foi identificar quais proteínas teriam papel predominante na desintoxicação da ivermectina em uma linhagem multirresistente do carrapato bovino. Para testar a influência dessas proteínas na resistência, os pesquisadores utilizaram inibidores específicos para cada uma das famílias proteicas e compararam as taxas de mortalidade em tratamentos com ivermectina na presença e na ausência dos inibidores.
Foram empregadas como inibidores substâncias com capacidade de induzir mudanças que impedem sua atividade de desintoxicação. Para inibir a ação do citocromo P450 foi utilizado butóxido de piperonila (PBO). Contra a esterase, empregou-se s,s,s-tributil fosforotritioato (DEF). Para inibir a GST, escolheu-se o maleato de dietila (DEM). Por fim, contra os transportadores ABC, usou-se ciclosporina A (CsA).
Com essa finalidade, foram usadas duas cepas de carrapatos bovinos. A Mozo, originária do Uruguai, é a cepa suscetível usada nos estudos e diagnóstico de resistência na América Latina. Essa cepa é mantida sem contato com acaricidas no IPVDF.
A pesquisadora contou que a cepa Juarez foi isolada no ano 2010 no município de Jacareí (SP), coletada em uma fazenda de gado com relato de falha da eficácia da ivermectina no controle do carrapato. Juarez é uma cepa multirresistente que, além da ivermectina, apresenta mortalidade reduzida para outros pesticidas: cipermetrina, amitraz, clorpirifós e fipronil. O estudo feito no Instituto de Biociências da USP é restrito à ivermectina.
Foram realizadas separadamente duas baterias de bioensaios letais. Na primeira bateria, buscou-se determinar a ação letal da ivermectina, sozinha, na cepa suscetível Mozo e na cepa resistente Juarez. Foram colocados em um envelope cerca de 100 a 150 larvas de carrapato. A seguir, o envelope foi mergulhado por 10 minutos em uma solução contendo ivermectina.
Segundo a pesquisadora do IB, ao retirar o envelope da solução, passou-se a contar a porcentagem de larvas de cada amostra que morria após um determinado tempo de exposição ao veneno. Foi checada a mortalidade decorridos 10 minutos, 2 horas, 3 horas, 4 horas e 24 horas.
“Os resultados da primeira bateria de bioensaios letais revelaram uma clara diferença na resposta ao tratamento das larvas apenas com ivermectina ao longo do tempo”, disse Tatiana.
“Após quatro horas de exposição, todas as larvas da cepa suscetível (Mozo) haviam morrido, enquanto a mortalidade de larvas da cepa resistente (Juarez) havia atingido apenas 40%, resultado que se manteve constante decorridas 24 horas da exposição. A mesma dose que mata a linhagem suscetível não mata a linhagem resistente”, disse.
Na segunda bateria de testes, foi repetido o experimento com a cepa suscetível e a resistente, porém, além do pesticida ivermectina, foi introduzido na solução letal um dos quatro inibidores que bloqueiam a ação das enzimas e do transportador desintoxicante.
Todos os quatro inibidores foram testados individualmente, e em cinco concentrações diferentes, entre 1,88 e 30 micromolar (μM). Buscou-se assim identificar as concentrações ideais (não tóxicas) dos inibidores na ausência da ivermectina. Uma vez determinada a maior concentração não letal dos inibidores, cada um deles foi utilizado em ensaios independentes em combinação com a ivermectina.
A ideia do teste foi revelar o papel das proteínas na resistência por meio de sua inibição. Por exemplo, se uma enzima é responsável pela desintoxicação do pesticida e leva à redução da mortalidade em uma cepa de carrapatos, sua inibição implicará um aumento da mortalidade, que pode chegar a níveis de mortalidade similares aos da linhagem suscetível.
Os pesquisadores constataram que a inibição das quatro famílias proteicas resultava no aumento da mortalidade das larvas de carrapato em diferentes graus.
“Observamos que os transportadores ABC tinham um papel mais importante na resistência apresentada pela linhagem Juarez. Quando era inibido com a ciclosporina A, os níveis de mortalidade ficavam muito parecidos com aqueles observados na linhagem suscetível. O uso dos outros inibidores [PBO, DEF e DEM] também levou a aumentos na mortalidade da linhagem, mas as enzimas inibidas desempenham papéis menos importantes na desintoxicação”, disse Tatiana.
Durante os bioensaios letais com a cepa resistente Juarez, os melhores resultados foram obtidos quando as larvas foram mergulhadas numa solução contendo ivermectina associada à ciclosporina A em concentração de 12 μM.
Após a exposição das larvas resistentes apenas à ivermectina, foi preciso aguardar quatro horas para verificar a morte de 40% dos indivíduos, porcentagem que não se modificou decorridas 24 horas. Já a exposição das larvas ao pesticida mais ciclosporina A resultou na mortalidade de 50% da amostra em 3 horas e 20 minutos. Decorridas 24 horas, a mortalidade se aproximou de 100% da amostra.
“Curiosamente, o tempo letal para matar 50% da amostra da cepa resistente, quando exposta à combinação ivermectina e ciclosporina A, se aproximou do tempo letal para eliminar 50% da amostra da cepa suscetível Mozo, fornecendo evidências de uma reversão quase completa do fenótipo resistente da cepa Juarez”, disse a pesquisadora à Agência Fapesp.
“O efeito sinérgico da ciclosporina A foi demonstrado por um aumento de 60% na mortalidade da cepa exposta à combinação ivermectina e CsA quando comparada com a mesma cepa exposta somente à ivermectina após 24 horas”, disse.
Os resultados fornecem evidências da ação dos mecanismos de desintoxicação em R. microplus resistentes à ivermectina, contribuindo para o entendimento da base molecular do fenótipo resistente à ivermectina.
“Tal conhecimento pode auxiliar na busca de novas estratégias para lidar com a resistência à ivermectina no campo. Por exemplo, os inibidores testados, ou outras moléculas de efeito análogo, poderiam ser introduzidos em formulações comerciais de ivermectina”, disse.
As diferenças nas atividades das proteínas estudadas podem ser causadas por variações na estrutura, sequência ou expressão dos genes que codificam essas proteínas entre as cepas suscetível e resistente. Ainda como parte do projeto, os pesquisadores agora investigam as substituições nas sequências codificantes de genes pertencentes a essas quatro famílias, bem como seus níveis de expressão. “A análise nos ajudará a estabelecer as relações causais entre a função do gene e a resistência metabólica à ivermectina”, disse a pesquisadora.
O artigo Detoxification mechanisms involved in ivermectin resistance in the cattle tick, Rhipicephalus (Boophilus) microplus (doi: 10.1038/s41598-018-30907-7), de Valeria Lis Le Gall, Guilherme Marcondes Klafke e Tatiana Teixeira Torres, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-018-30907-7.
Texto de Peter Moon / Agência Fapesp, com edição do Jornal da USP (leia aqui matéria original na íntegra)
Autor: Jornal da USP
Fonte: Jornal da USP
Sítio Online da Publicação: Jornal da USP
Data: 10/10/2018
Publicação Original: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-agrarias/identificados-os-mecanismos-de-resistencia-de-carrapato-a-pesticidas/
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