Parque Nacional da Tijuca e a cidade do Rio de Janeiro. Foto: EBC
A saúde humana é um tema amplo e complexo, que envolve diversos fatores como variáveis a se considerar acerca de sua qualidade ou deficiência. Quando se fala em casos de saúde pública global, uma série de questões se relacionam a ocorrência de determinada doença, desde condições ambientais propícias à transmissão, aspectos socioeconômicos e de saneamento, até hábitos culturais. Contudo, mesmo que saúde implique considerações em diversos campos do conhecimento, a predominância de foco sobre a espécie humana e as perspectivas de compreensão sobre o que é saúde a partir desse foco, são características comuns associadas a mais disseminada noção de saúde.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde é o estado completo de bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. É importante que caiba a essa definição levar em conta não só a ausência de doenças, mas também a qualidade da condição em que um ser se encontra. Porém, considerar qualidade dos indivíduos inclui a necessidade de um olhar mais além, que observe e analise a saúde do ambiente a que esses indivíduos estão expostos. Ou seja, a ideia de saúde não deve ser associada exclusivamente sob a ótica de organismos, e sim expandir-se para as teias nas quais esses organismos estão inseridos. Tampouco, os organismos são necessariamente humanos, sendo todas as espécies existentes em um local componentes de um quadro saudável ou não.
Condições ambientais como o clima, podem influenciar ciclos de vida de patógenos e sua relação com seus hospedeiros, por exemplo. No meio silvestre, é aceitável esperar que em ambientes mais úmidos e quentes a transmissão de determinadas doenças seja acelerada, por favorecer a reprodução de muitos vírus, bactérias e protozoários. A distribuição e ocorrência de surtos de malária na África é um exemplo de menor incidência de transmissão da doença em regiões mais desérticas. No ambiente urbano, além da poluição, dinâmicas de temperatura e precipitação também podem corroborar para surtos de infecção como, para citar duas, a dengue e a febre amarela.
Em 2017, regiões de São Paulo passaram por surtos de febre amarela, a partir dos quais houveram campanhas de vacinação e um movimento de conscientização a respeito da proteção aos bugios. Também do grupo dos primatas como os humanos, os bugios são espécies reservatório para o arbovírus (família Flaviridae) da febre amarela. Isso implica pensar a conservação dos bugios e de seu habitat, evitando o desmatamento e não afetando a manutenção natural dos recursos cujos bugios usam para sobreviver, de modo a não gerar estresse para a espécie e impactos que possam afetar negativamente sua imunidade ao patógeno, tornando-os potencialmente mais vulneráveis.
Essa interação que pode propiciar maior incidência de infecção em primatas não humanos é um exemplo de como as alterações antrópicas no ambiente silvestre, como a fragmentação de habitats através da construção de rodovias, uso agrícola ou áreas residenciais e de centros urbanos favorece o contato entre humanos e doenças recorrentes no meio silvestre. O impacto sobre áreas florestais aumenta riscos de veiculação de zoonoses, além do comprometimento de recursos naturais e bens e serviços ecossistêmicos importantes à vida.
Esse e tantos outros casos de doenças infecciosas exemplificam como os processos naturais e a alteração antrópica desses processos se relacionam a cenários mais ou menos favoráveis a ocorrência de doenças e, por conseguinte, a saúde da vida local mais suscetível à infecção. Tendo em vista que mais de 50% dos patógenos que acometem humanos são zoonóticos, isto é, transmitidos por meio de outros animais, quando o número de casos de pessoas buscando atendimento e assistência a saúde aumenta, para quadros de doenças emergentes como a dengue, em certa medida é um reflexo de fatores que elevam a reprodução de patógenos ou a redução da imunidade de hospedeiros, entre outras relações, que acabam por atingir também a população humana.
A Vigilância Epizoótica, que investiga a ocorrência e distribuição de doenças em animais não humanos, identificou os bugios como espécies indicadoras da existência e transmissão do patógeno da febre amarela em uma determinada área, quando ocorrem mortes de indivíduos infectados e é possível reconhecer a causa associada à infecção, servindo-se desse mapeamento como uma ferramenta para identificar áreas de maior risco de transmissão para humanos. Nesse sentido, tem-se um passo inicial na direção de compreender a saúde ambiental, para além da saúde humana somente, apesar de ainda com o viés do fim último de prevenção da febre amarela em humanos.
Os avanços de investigações com essa natureza são extremamente importantes e tornam possíveis várias aplicações do conceito de saúde ambiental e de saúde única (“Onde Health”) para pensar o bem estar da população humana, e também do ambiente silvestre como um todo. A partir da concepção de um meio antrópico interagindo com ecossistemas naturais uma perspectiva abrangente pode desenhar o ambiente e a circulação das doenças de modo integrado, permitindo pensar estratégias para qualidade de vida e para conservação das espécies.
Por essa razão, as áreas protegidas e as unidades de conservação, assim como os parques urbanos, são elementos contribuintes positivos para, além de questões climáticas e de preservação da biodiversidade, a saúde de todos. Cuidar da saúde também envolve cuidado com o ambiente.
Flávia Damaceno
Graduanda em Ciências Ambientais
Unifesp Diadema
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/10/2018
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 24/10/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/10/24/por-que-minha-saude-tem-a-ver-com-meio-ambiente-artigo-de-flavia-damaceno/
A saúde humana é um tema amplo e complexo, que envolve diversos fatores como variáveis a se considerar acerca de sua qualidade ou deficiência. Quando se fala em casos de saúde pública global, uma série de questões se relacionam a ocorrência de determinada doença, desde condições ambientais propícias à transmissão, aspectos socioeconômicos e de saneamento, até hábitos culturais. Contudo, mesmo que saúde implique considerações em diversos campos do conhecimento, a predominância de foco sobre a espécie humana e as perspectivas de compreensão sobre o que é saúde a partir desse foco, são características comuns associadas a mais disseminada noção de saúde.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde é o estado completo de bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. É importante que caiba a essa definição levar em conta não só a ausência de doenças, mas também a qualidade da condição em que um ser se encontra. Porém, considerar qualidade dos indivíduos inclui a necessidade de um olhar mais além, que observe e analise a saúde do ambiente a que esses indivíduos estão expostos. Ou seja, a ideia de saúde não deve ser associada exclusivamente sob a ótica de organismos, e sim expandir-se para as teias nas quais esses organismos estão inseridos. Tampouco, os organismos são necessariamente humanos, sendo todas as espécies existentes em um local componentes de um quadro saudável ou não.
Condições ambientais como o clima, podem influenciar ciclos de vida de patógenos e sua relação com seus hospedeiros, por exemplo. No meio silvestre, é aceitável esperar que em ambientes mais úmidos e quentes a transmissão de determinadas doenças seja acelerada, por favorecer a reprodução de muitos vírus, bactérias e protozoários. A distribuição e ocorrência de surtos de malária na África é um exemplo de menor incidência de transmissão da doença em regiões mais desérticas. No ambiente urbano, além da poluição, dinâmicas de temperatura e precipitação também podem corroborar para surtos de infecção como, para citar duas, a dengue e a febre amarela.
Em 2017, regiões de São Paulo passaram por surtos de febre amarela, a partir dos quais houveram campanhas de vacinação e um movimento de conscientização a respeito da proteção aos bugios. Também do grupo dos primatas como os humanos, os bugios são espécies reservatório para o arbovírus (família Flaviridae) da febre amarela. Isso implica pensar a conservação dos bugios e de seu habitat, evitando o desmatamento e não afetando a manutenção natural dos recursos cujos bugios usam para sobreviver, de modo a não gerar estresse para a espécie e impactos que possam afetar negativamente sua imunidade ao patógeno, tornando-os potencialmente mais vulneráveis.
Essa interação que pode propiciar maior incidência de infecção em primatas não humanos é um exemplo de como as alterações antrópicas no ambiente silvestre, como a fragmentação de habitats através da construção de rodovias, uso agrícola ou áreas residenciais e de centros urbanos favorece o contato entre humanos e doenças recorrentes no meio silvestre. O impacto sobre áreas florestais aumenta riscos de veiculação de zoonoses, além do comprometimento de recursos naturais e bens e serviços ecossistêmicos importantes à vida.
Esse e tantos outros casos de doenças infecciosas exemplificam como os processos naturais e a alteração antrópica desses processos se relacionam a cenários mais ou menos favoráveis a ocorrência de doenças e, por conseguinte, a saúde da vida local mais suscetível à infecção. Tendo em vista que mais de 50% dos patógenos que acometem humanos são zoonóticos, isto é, transmitidos por meio de outros animais, quando o número de casos de pessoas buscando atendimento e assistência a saúde aumenta, para quadros de doenças emergentes como a dengue, em certa medida é um reflexo de fatores que elevam a reprodução de patógenos ou a redução da imunidade de hospedeiros, entre outras relações, que acabam por atingir também a população humana.
A Vigilância Epizoótica, que investiga a ocorrência e distribuição de doenças em animais não humanos, identificou os bugios como espécies indicadoras da existência e transmissão do patógeno da febre amarela em uma determinada área, quando ocorrem mortes de indivíduos infectados e é possível reconhecer a causa associada à infecção, servindo-se desse mapeamento como uma ferramenta para identificar áreas de maior risco de transmissão para humanos. Nesse sentido, tem-se um passo inicial na direção de compreender a saúde ambiental, para além da saúde humana somente, apesar de ainda com o viés do fim último de prevenção da febre amarela em humanos.
Os avanços de investigações com essa natureza são extremamente importantes e tornam possíveis várias aplicações do conceito de saúde ambiental e de saúde única (“Onde Health”) para pensar o bem estar da população humana, e também do ambiente silvestre como um todo. A partir da concepção de um meio antrópico interagindo com ecossistemas naturais uma perspectiva abrangente pode desenhar o ambiente e a circulação das doenças de modo integrado, permitindo pensar estratégias para qualidade de vida e para conservação das espécies.
Por essa razão, as áreas protegidas e as unidades de conservação, assim como os parques urbanos, são elementos contribuintes positivos para, além de questões climáticas e de preservação da biodiversidade, a saúde de todos. Cuidar da saúde também envolve cuidado com o ambiente.
Flávia Damaceno
Graduanda em Ciências Ambientais
Unifesp Diadema
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/10/2018
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 24/10/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/10/24/por-que-minha-saude-tem-a-ver-com-meio-ambiente-artigo-de-flavia-damaceno/
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