Doutor em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente, Pederneiras explica que sua motivação para o desenvolvimento do trabalho, que ganhou o título “História da Diversificação da Flora Neotropical através de Gêneros Pantropicais: Evidências dos Padrões Biogeográficos e Filogenéticos em Ficus (Moraceae)”, foi o fato de que estudos anteriores, mesmo os mais recentes, de 2011 e 2015, superestimavam a idade da origem das figueiras e de seu grupo irmão (Castilleae), com intervalo entre 85 a 195 milhões de anos. De acordo com o pesquisador, esta data de origem possui limites que ultrapassam o surgimento das angiospermas (135 Ma) e das moráceas (75 Ma), que é um ramo do grupo das angiospermas. “Ficus não poderia ser tão antigo quanto às angiospermas, que é o grupo onde elas se encaixam”.
A investigação teve início há três anos, sendo os dois últimos com apoio do Programa Pós-Doutorado Nota 10, da FAPERJ. Especialista em filogenia e taxonomia vegetal, o pesquisador e sua equipe coletaram no Brasil e nas Américas diversas espécies de figueiras para a extração de DNA do tecido das folhas. Por meio dos avanços da metodologia de inferência bayesiana e de datação molecular, foi realizado o estudo filogenético, estimando a história evolutiva e da idade das linhagens. Por fim, com apoio de modernas técnicas biogeográficas, o gráfico filogenético final revelou as áreas geográficas das linhagens ancestrais e os prováveis eventos evolutivos geradores da biodiversidade de Ficus.
Na Praia de Botafogo, próximo à Praça da Marinha, é possível observar um conjunto de figueiras centenárias (Foto: Divulgação)
A filogenia, história evolutiva de uma espécie, relevou o ponto mais importante da pesquisa: uma origem do Ficus mais recente do que os estudos anteriores, entre 50 e 34 milhões de anos, possivelmente na Ásia e Europa (Eurásia), no período do Eoceno. Quanto às migrações, a pesquisa mostra que Ficus chegou às Américas através de duas rotas: da Europa para a América do Norte, no início do Eoceno, e da África para a América do Sul, no final do Eoceno, via rota transatlântica. Da América do Norte, Ficus migraram para a América do Sul, incluindo o Brasil; e outra linhagem surgiu no leste asiático.
“Entre os mistérios que intrigam muitas pessoas está o fato de parecer que as figueiras dão frutos sem antes produzir flores. Na verdade, suas flores – estaminadas (masculinas) e pistiladas (femininas) – estão protegidas dentro do que chamamos de figo (sicônio). Mas o comum entre elas é que todas dependem de uma vespa para que ocorra a polinização. É dentro do figo que a vespa polinizadora coloca seus ovos, morrendo, em seguida, para que sua prole se desenvolva e se liberte, levando pólen. Ou seja, é uma relação de fidelidade total, pois onde não há vespa-de-figo, as figueiras não se reproduzem e vice-versa; um não existe sem o outro”, esclarece o pesquisador.
Leandro Pederneiras: pesquisador no Instituto de Pesquisa Jardim Botânico, ele convive com figueiras em seu local de trabalho (Foto: Divulgação)
O estudo também revelou um fato ainda inédito sobre o mutualismo da figueira com as vespas. O conjunto dos Androstiole possui uma conformação diferente dentro dos figos, uma novidade evolutiva. Enquanto na maioria das figueiras as flores estaminadas e pistiladas estão misturadas dentro do figo, no grupo dos Androstiole as flores estaminadas se concentram ao redor do ostíolo, pequeno orifício por onde as vespas entram e saem. Outra novidade, diz o biólogo, é que em algum momento da história evolutiva uma espécie de Androstiole desenvolveu duas árvores com tipos de flores diferentes, uma só com as estaminadas e outra apenas com as pistiladas produtoras de sementes. “Este fato revela uma grande especialização na natureza, pois a vespa precisa entrar em dois sicônios para completar o ciclo e fazer a polinização. É um processo que traz possíveis vantagens ecológicas”.
Da família das moráceas, o Ficus é um dos maiores gêneros arbóreos do reino vegetal. Suas mais de 750 espécies, subdivididas em seis subgêneros e 19 seções, estão distribuídas por todos os continentes, menos na Antártica. Tanto no Brasil quanto em toda a América só existem dois grupos de linhagens, as vermífugas (Pharmacosycea) e os mata-paus (Spherosuke). As demais espécies são exóticas, posteriormente introduzidas. O Rio de Janeiro é uma das cidades com maior número de figueiras que se tem notícia. Na Praça da República, no Centro; na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão; na Praça da Marinha, em Botafogo; assim como às margens do canal da Rua Visconde de Albuquerque, no Leblon, é possível apreciar conjuntos de figueiras centenárias.
“Os mata-paus se diferenciam das demais porque desenvolveram uma novidade biológica incrível, que faz com que sejam uma das mais bem sucedidas. Em geral, sua semente cai entre os galhos de outra árvore, onde há alguma unidade e o mínimo de nutrientes, recebe calor e luz, brota, prospera e começa a lançar suas raízes rumo ao chão, até atingirem o solo. Ao longo do tempo, se desenvolvem, viram árvores e vão abraçando a sua ‘mãe’, até tomarem o lugar dela”, explica o taxonomista. “São hemi-epífitas, ou seja, metade da vida sobrevivem sobre outra planta e outra metade são independentes”. De acordo com Pederneiras, o outro grupo, a Pharmacosycea, também é conhecido como árvores vermífugas, pois seu látex é usado por tribos indígenas para controlar verminoses. Suas minúsculas sementes têm um enorme poder de germinação, produzindo árvores com quase 50 metros de altura, raízes enormes e muito resistentes, que vão tomando conta de tudo. Porém, diferentemente dos mata-paus, a semente desse grupo necessita cair no solo para germinar, competindo com os outros vegetais.
Um aspecto interessante, segundo o pesquisador, é a relação estreita entre esta árvore e as religiões. Consta que foi à sombra de uma bodhi – nome dado à Ficus religiosa na Índia - que Buda atingiu a iluminação. Acredita-se que a árvore mais antiga, plantada no ano 288 a.C. esteja no Sri Lanka. Acreditando que a madeira do Ficus sycomorus possuía poder sobre a vida e a morte, os egípcios a utilizavam para construção dos sarcófagos dos faraós. Maias e astecas produziam o papel utilizado em seus livros sagrados a partir da casca das figueiras e, no cristianismo, a figueira é citada na Bíblia, pois com suas folhas Adão e Eva cobriram sua nudez quando expulsos do paraíso. “Dentro de cada célula das figueiras de hoje há um DNA modelado há 60 milhões de anos, que sobreviveu a todos os percalços da história da terra. História esta que é sobre a biodiversidade, mas também climática, geológica, paleontológica, genética, ecológica, química, todos de suma importância para o desenvolvimento humano”, conclui o pesquisador.
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 11/10/2018
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3639.2.6
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