Atualmente, não há opção amplamente estudada e que possua efeito rápido e clinicamente relevante no tratamento da ideação suicida. Nesse contexto, a ketamina vem sendo investigada como alternativa nos últimos anos. Recentemente publicado no British Medical Journal (BMJ), o estudo KETIS tenta ampliar o conhecimento científico acerca do efeito da ketamina na ideação suicida em pacientes com transtornos mentais, e contemplar limitações de estudos anteriores.
Metodologia e População
Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo com duração de 6 semanas. Um total de 156 pacientes foram randomizados em dois grupos (83 pacientes no grupo placebo e 73 pacientes no grupo da ketamina). Foi realizada uma estratificação em 3 grupos para comparação dos resultados e verificação de interação de acordo com o diagnóstico: transtorno bipolar, transtorno depressivo e outros diagnósticos. A intervenção envolveu duas aplicações intravenosas de Ketamina (0,5 mg/kg) com duração de 40 min e espaçadas em 24 horas. O grupo placebo, por sua vez, recebeu solução salina a 0,9%.
Os pacientes incluídos possuíam pontuação maior que três na Scale for Suicide Ideation (SSI) e encontravam-se internados voluntariamente. Dentre os critérios de exclusão do estudo destacam-se: transtornos ou sintomas psicóticos no momento da entrevista, dependência de substância no mês anterior (exceto cafeína e nicotina), teste toxicológico positivo para substâncias ilícitas (exceto maconha), além de doenças clínicas importantes como insuficiência cardíaca classe IV.
O desfecho primário envolveu avaliação de remissão da ideação suicida no terceiro dia (pontuação menor que 3 na SSI marcada pelo clínico) entre o grupo placebo, grupo da ketamina e entre os três grupos diagnósticos estabelecidos. Em termos de mais longo prazo um dos desfechos secundários envolveu avaliar remissão em 6 semanas entre o grupo ativo e o controle.
Resultados e Limitações
A ketamina apresentou maior taxa de remissão no terceiro dia na comparação com o placebo (Odds Ratio=3,7, IC 95%= 1,9 a 7,3, p < 0,001). Entretanto, foi identificado importante interação com os grupos diagnósticos após ajustes por sexo e gravidade da ideação suicida:
Transtorno bipolar – 84,6% (n=22) de remissão no grupo da ketamina e 28% (n=7) no grupo placebo (Odds Ratio = 14,1, IC 95%= 3 a 92,2, p < 0,001)
Transtorno depressivo – 42,3%(n=11) de remissão no grupo da ketamina e 35,7% (n=10) no grupo placebo (Odds Ratio= 1,3, IC 95%= 0,3 a 5,2, p=0,6)
Outros diagnósticos – 61,9% (n=13) de remissão no grupo da ketamina e 30,8% (n=8) de remissão no grupo placebo (Odds Ratio= 3,7, IC 95%=0,9 a 17,3, p=0,07).
Outros desfechos secundários apresentaram-se também favorecendo o grupo da ketamina em comparação ao placebo no terceiro dia, como a diferença média na SSI tanto na pontuação pelos pacientes quanto na efetuada pelos clínicos.
Após 6 semanas completas não existiu diferença estatisticamente significativa na remissão da ideação suicida entre os grupos:
56,3 % de remissão no grupo placebo e 69,5% de remissão no grupo da ketamina
Dentre os efeitos colaterais comuns e mais frequentes no grupo ativo destacam-se: sedação, despersonalização e náusea. Durante o estudo oito pacientes no grupo placebo e seis no grupo da ketamina apresentaram tentativa de suicídio. Uma morte por suicídio ocorreu durante o estudo no grupo da ketamina.
Dentre as limitações é importante destacar a ausência de utilização de placebo ativo (ex: midazolam). Tal fato pode ter superestimado o efeito da droga na amostra em questão. Destaca-se ainda, que a redução inicial rápida na ideação suicida não se traduziu em diminuição no número de tentativas de suicídio ou maior proporção de pacientes em remissão ao fim do estudo. Além disso, ausência de poder estatístico pode ter prejudicado a análise entre os 3 grupos diagnósticos pré-definidos.
Mensagem prática:
A Ketamina apresentou potencial de rápida remissão da ideação suicida (3º dia) com resultado estatisticamente significativo para o grupo de pacientes bipolares.
Em 6 semanas não houve diferença estatisticamente significativa na proporção de pacientes em remissão.
Dado o potencial de abuso e de efeitos adversos da ketamina, estudos maiores, de longo prazo e com utilização de placebo ativo são necessários para melhor compressão dos benefícios e riscos associados a seu uso no tratamento da ideação suicida.
Autor: Victor Grandi Bianco
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 15/06/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/ketamina-no-tratamento-da-ideacao-suicida-ketis-trial/
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