segunda-feira, 15 de abril de 2024

Pesquisador da UFRJ garimpa novos nomes da poesia contemporânea


É na rica interseção entre filosofia, poesia e política que o poeta e ensaísta brasileiro Alberto Pucheu garimpa a base para seus projetos. Como um “olheiro” do futebol, ele vem descobrindo o que há de pujante na poesia contemporânea e revelando talentos até então pouco conhecidos pela maioria das pessoas. Assim foi com Carlos de Assumpção, cuja visibilidade maior veio após seus 90 anos. “Fiquei encantado por um vídeo dele recitando seu poema 'Protesto' na internet. Repostei o vídeo, comprei seus livros, entrei em contato com ele e 15 dias depois eu estava lá para filmar”, conta Pucheu. Paulista de Tietê radicado em Franca, o professor, advogado e escritor publicou seu livro de estreia – Protesto - em 1982. Mas foi aos 93 anos, depois da visibilidade alcançada em 2019, que Assumpção teve seus poemas reunidos na antologia intitulada “Não pararei de gritar”, publicada pela Companhia das Letras, organizada pelo próprio Pucheu e apresentada pela editora como “poemas [que] tematizam, com coragem e urgência, a desigualdade racial brasileira”. Após essa movimentação, Assumpção obteve um lugar garantido nas páginas dos jornais e, na TV, teve seus poemas apresentados pelo jornalista Eraldo Pereira, na GloboNews.

Alinhado aos meios contemporâneos de registro, Pucheu escolheu o audiovisual como veículo para o que chama de autobiografias poético-políticas e não só filma, partindo da escolha de poemas, mas também dirige e monta seus filmes no sossego do seu refúgio no Vale do Socavão, em Teresópolis. “Vejo o conjunto desse projeto dos filmes como uma forma de homenagear poetas singulares que me marcaram ou outros em quem aposto”, diz o pesquisador.  

Se o filme sobre a obra de Carlos de Assumpção inaugurou o formato longa-metragem (tem 84 minutos), o projeto fílmico de Alberto Pucheu fincou raízes em 2016, quando ele, ao lado de Sergio Cohn e Gabriela Capper, realizou seu primeiro filme, com o poeta fluminense Leonardo Fróes, autor de “Argumentos Invisíveis” (1995), obra de 80 páginas que reúne dez anos da sua produção literária. Já seu segundo filme apresenta a obra de Vicente Franz Cecim, poeta paraense falecido em 2021, cuja obra recria de forma única e metafórica a imensidão da Amazônia.

Em 2019 e por todo o período de pandemia e do Governo Bolsonaro, Alberto Pucheu produziu mais cinco filmes, compondo a série "Autobiografias poético-políticas" com o filósofo carioca “André Luiz Pinto: Prazer, esse sou eu”; “Tatiana Pequeno: muambas e bombas para o nosso tempo”, professora de Literatura na Universidade Federal Fluminense (UFF) autora de quatro livros de poesias; “Bruna Mitrano: a 70km do mar”, com a poeta nascida na periferia do Rio de Janeiro, moradora de Senador Camará, autora de “Ninguém quis ver”; “Danielle Magalhães: Carta aos Sobreviventes”, com a bolsista do programa de Pós-Doutorado Nota 10 da FAPERJ, oriunda da Zona Norte e autora do livro de poemas “Vingar” (7Letras, 2021) e do livro de ensaios "Ir ao que queima: no verso, o amor, no verso, o horror" (Apeku, 2021); e, por fim, o filme com o projeto da série, “Autobiografias poético-políticas”.

“Comecei a observar que na poesia contemporânea brasileira havia uma movimentação singular, uma entrada radical no movimento autobiográfico, que incluía temas antes não abordados, como por exemplo o estupro, fazendo com que esse elemento autobiográfico já seja lido como político”, esclarece o pesquisador. Em suas pesquisas, a constatação de que até pouco tempo a poesia era feita por funcionários públicos, diplomatas e profissionais liberais, todos de classe média alta, ou, como mesmo no caso da poesia “marginal” da década de 1970, tendo por referência central a Zona Sul carioca.

“Em algum momento, entre os anos de 2013 e 2015, a poesia atravessa o Túnel Rebouças e vai para o subúrbio, para a Zona Norte, sobe as favelas e passa a alcançar pessoas que não atingia antes”, diz Pucheu. Para ele, poetas que podem ser considerados da “geração Lula”, pois vivenciaram as profundas mudanças decorrentes dos programas sociais instituídos pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Pessoas que vieram da pobreza e conseguiram entrar numa universidade”, explica Pucheu, que, entre seus alunos e orientandos, muitos foram os primeiros da família a chegar ao ensino superior. Ele também atribui à internet um papel importante no aumento da visibilidade dessa nova poesia, que não depende exclusivamente da impressão em papel para "viralizar".

O último documentário lançado por Alberto Pucheu partiu do poema “O Dinossauro”, publicado primeiramente na internet pelo poeta baiano Moisés Alves. Em “Moises Alves: o fogo que antecede as cinzas”, com pouco mais de uma hora, Pucheu faz o poeta trazer à tona motivações e emoções que integram seu último livro, “Mangue”, lançado pela Martelo Casa Editorial em 2021, obra que o autor considera uma homenagem à figura da mãe, mais que isso, à sua mãe e ao seu pai. No filme, Alves confessa que quando a sua mãe “começou a desaparecer”, expressão que usa referindo-se aos lapsos de memória que antecederam a morte de sua mãe, quando às vezes ela sequer lembrava sua data de nascimento, foi o momento de virada na sua forma de escrever, momento em que “cada verso mostra quando uma coisa vai se transformando em outra”. Filho e neto de mulheres fortes, Moisés conta que sua avó mantinha um salão de beleza num puteiro, para “alisar cabelo de negro”, e que quando ele saía de casa para a rua ela avisava: “Nem ouse voltar (para casa) morto, senão eu te mato”.



Autor: Faperj 
Fonte: Faperj 
Sítio Online da Publicação: Faperj 
Data: 11/04/2024
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=524.7.0

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