terça-feira, 25 de abril de 2023

Estudo aponta mudanças em alimentação tradicional do povo indígena Paiter Suruí

tecnologias às quais tiveram acesso em anos recentes. Como os invertebrados podem influenciar a reprodução de certas plantas, a remoção dos animais para alimentação pode contribuir para a abundância dessas espécies de vegetais na floresta, segundo os pesquisadores: “Conseqüentemente os Paiter Suruí aumentaram a eficácia de seu manejo da paisagem para estimular a produção de seus invertebrados favoritos e, nesse processo, possibilitaram que as espécies de plantas das quais eles dependem florescessem, chamando a atenção para as interações entre plantas, insetos e humanos”. 

Segundo o antropólogo e pesquisador da ENSP, Ricardo Ventura Santos, estudos como esse são muito importantes, pois resgatam memórias, práticas e conhecimentos. “Essa publicação na Human Ecology, em associação aos estudos de Coimbra, evidenciam a centralidade das pesquisas acadêmico-científicas em debates acerca de questões contemporâneas dos povos indígenas e dos  Paiter Suruí em particular, os quais valorizam muito os conhecimentos e práticas alimentares tradicionais. Pesquisas como as de Coimbra são muito raras na literatura, pela profundidade temporal e detalhado conteúdo científico, e se mostram fundamentais para investigações contemporâneas sobre mudanças em padrões de alimentação e utilização de recursos em territórios indígenas. Essa conjunção de investigações é um exemplo de que, efetivamente, se pode dar contribuições científicas com impacto social, cultural e político para os povos indígenas, sempre pensando na importância de relações mais simétricas”, afirma. 

Centralidade da segurança alimentar e nutricional 

A segurança alimentar e nutricional é pauta central do movimento indígena. Em manifesto lançado em novembro de 2020, durante a pandemia de Covid-19, organizações indígenas anunciaram a organização de diversas mobilizações on-line “para articular, através do plano Emergência Indígena, a entrega de mais de 100 toneladas de cestas básicas para garantir a segurança alimentar dos povos indígenas”. 

A alimentação e nutrição são temas que têm recebido acentuada atenção no campo dos estudos sobre saúde dos povos indígenas. No capítulo Sociodiversidade, alimentação e nutrição indígena, do livro Vigilância alimentar e nutricional para a saúde indígena, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, doutor em Saúde Pública pela ENSP, Mauricio Soares Leite, alerta que em muitas áreas indígenas não é mais possível caçar, pescar ou, até mesmo, fazer uso da agricultura, devido à escassez de território disponível. Além do esgotamento dos recursos naturais, existem outros fatores que ameaçam a segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas, conforme narra o autor em trecho do capítulo: “Há desde a disputa pela posse propriamente dita da terra, como é o caso dos conflitos com posseiros e fazendeiros, até a luta pelos recursos localizados nos limites das terras indígenas, como é o caso da ação de garimpeiros, madeireiros, caçadores e pescadores. No caso dos garimpos e da extração de madeira, há o agravante do impacto ambiental dessas atividades, que comprometem a utilização posterior das áreas para a produção de alimentos por longos períodos”. 

A contaminação por mercúrio, especialmente na região amazônica, é mais um fator agravante destacado por Leite na publicação: “O metal pode provocar sérios distúrbios neurológicos, sendo capaz de afetar populações localizadas a quilômetros de distância dos garimpos. O mercúrio chega à alimentação das populações indígenas através do pescado, encontrado principalmente sob a forma de metil-mercúrio, extremamente tóxico para os seres humanos. O problema assume dimensões preocupantes diante da importância da pesca na dieta de diversas populações indígenas da região, como os Warí, os Mundurukú e os Kayabí, entre tantas outras”. A agricultura no entorno das terras indígenas, segundo o autor, também provoca impactos negativos, pois é causa de contaminação das fontes d’água por resíduos de pesticidas e fertilizantes. 

No entanto, apesar de sua importância, nem sempre o acesso e disponibilidade de terras e recursos naturais garante a segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas. Conforme relatado no texto de Leite, existem comunidades indígenas que, embora tenham suas terras há um longo tempo demarcadas e não vivenciem conflitos com madeireiros, garimpeiros ou posseiros, ainda assim, sofrem de condições nutricionais insatisfatórias, com elevadas prevalências de desnutrição infantil. É o caso dos Warí, cuja economia tem como base a produção de farinha de mandioca, o que faz a população estar em nível desigual de competição no mercado regional: “Isso aponta para a relevância de fatores muitas vezes desconsiderados nas análises da situação alimentar e nutricional das comunidades indígenas e para os possíveis efeitos do sinergismo entre esses fatores”. 


Autor: 
Danielle Monteiro 
Fonte: (Ensp/Fiocruz)
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data: 25/04/2023
Publicação Original: https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-aponta-mudancas-em-alimentacao-tradicional-do-povo-indigena-paiter-surui

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