quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019
O sucesso da estratégia de desenvolvimento dos Tigres Asiáticos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A estratégia de desenvolvimento dos Tigres Asiáticos pode ser considerada um caso de sucesso na conquista de melhores condições econômicas e sociais para o conjunto da população e para a soberania nacional. Ao contrário da América Latina e Caribe (ALC) que adotou uma estratégia de “substituição de importações”, o modelo implementado por Hong Kong, Singapura, Taiwan e Coreia do Sul (os 4 Tigres Asiáticos ou NIC: Newly Industrialized Country) se mostrou mais efetivo e mais vitorioso na conquista de alto padrão de vida para seus habitantes.
O gráfico acima, com base em dados do FMI (em poder de paridade de compra – ppp), mostra que em 1980 a renda per capita dos EUA era de US$ 12,7 mil, da União Europeia (UE) era de US$ 9,1 mil, Singapura de US$ 8,9 mil, Hong Kong de US$ 12,7 mil, ALC de US$ 4,6 mil, Taiwan de US$ 3,5 mil e da Coreia do Sul de somente US$ 2,2 mil. A média da renda per capita dos 4 Tigres era de US$ 3,5 mil. Portanto, os Tigres Asiáticos tinham, na média, renda per capita abaixo da renda da ALC e bem abaixo da renda per capita dos EUA e da União Europeia.
Contudo, a situação mudou muito em quatro décadas. Os dados do FMI para 2020 indicam que Singapura com renda per capita de US$ 105,8 mil e Hong Kong com renda de US$ 70,4 mil já ultrapassaram a renda per capita dos EUA (US$ 66,6 mil) e da União Europeia (US$ 46,5 mil). Taiwan (US$ 56,5 mil) atingiu renda pouco abaixo dos EUA e acima da UE. A Coreia do Sul (US$ 45,3 mil) ainda tem renda abaixo daquela dos EUA, mas aproximadamente igual da UE. Já a ALC que estava à frente de Taiwan e Coreia do Sul, atualmente mantém uma distância bastante significativa, mostrando que as opções adotadas pela região não deram resultados positivos. Em 2020, a renda per capita média dos 4 Tigres Asiáticos deve ficar em US$ 54,3 mil contra apenas US$ 17,6 mil da ALC (e um valor ainda menor para a renda per capita do Brasil)
Entre 1980 e 2020, a renda per capita, a preços correntes, se multiplicou por 20,7 vezes na Coreia do Sul, 16,3 vezes em Taiwan, 12 vezes em Singapura e 10,4 vezes em Hong Kong. Os 4 Tigres em conjunto tiveram um aumento de 17,2 vezes na renda per capita. Já os EUA tiveram um aumento de 5,3 vezes e a União Europeia de 5,1 vezes. O pior desempenho foi da ALC com aumento de somente 3,8 vezes no período. O desempenho do Brasil foi muito parecido com a média da ALC, mas o aumento da renda entre 1980 a 2020 foi de 3,6 vezes, um pouco pior do que a média da região.
O desempenho positivo dos Tigres Asiáticos não se limitou ao lado econômico. Em termos demográficos as conquistas foram ainda maiores. A mortalidade infantil, no quinquênio 1950-55, era de 142 por mil no mundo, 136 por mil no Brasil, 138 por mil na Coreia do Sul, 79 por mil em Taiwan, 72 por mil na Europa, 62 por mil em Hong Kong, 61 por mil em Singapura e 30 por mil nos EUA. Ainda em 1950-55, a esperança de vida ao nascer (Eo) era de 47 anos no mundo, 48 anos na Coreia do Sul, 50,8 anos no Brasil, 58,2 anos em Taiwan, 60,2 anos em Singapura, 63,2 anos em Hong Kong, 63,7 anos na Europa e 78,7 anos nos EUA. Portanto, a Europa e os EUA tinham indicadores demográficos melhores do que os Tigres Asiáticos e muito melhores do que o Brasil e o mundo.
Mas no quinquênio 1970-75, conforme mostra o gráfico abaixo, com base em dados da Divisão de População da ONU, os Tigres Asiáticos já tinha mortalidade infantil (entre 15 e 25 por mil) e esperança de vida ao nascer (em torno de 70 anos) próximos dos EUA e da Europa, enquanto o Brasil e a média mundial ainda tinha mortalidade infantil acima de 90 por mil e esperança de vida ao nascer na casa dos 60 anos.
Entre o quinquênio 1970-75 e 2015-20 o salto dos Tigres Asiáticos foi impressionante, especialmente da Coreia do Sul que passou Taiwan, Europa e os EUA tanto nos indicadores de mortalidade infantil quando de esperança de vida. A mortalidade infantil de Hong Kong é a menor do mundo com apenas 1 morte em mil nascimentos. Singapura e Coreia do Sul somente 2 mortes por mil. Taiwan e Europa 4 mortes por mil. EUA 5 por mil. Brasil 13 por mil e o mundo 31 por mil.
Em termos de esperança de vida ao nascer, no quinquênio 2015-20, Hong Kong (com 84,2 anos) é a campeã mundial em longevidade. Os outros Tigres possuem esperança de vida ao nascer entre 80,2 e 83,3 anos, enquanto a Europa e os EUA ficam entre 78 e 79 anos. O Brasil com 75,8 anos e o mundo com 72 anos.
Indubitavelmente, os Tigres Asiáticos realizaram conquistas econômicas e sociais de grande monta e superaram, não só o Brasil e a América Latina, mas superaram também a Europa e os Estados Unidos. Os Tigres Asiáticos e, especialmente, Singapura serviram de inspiração e modelo para as reformas de Deng Xiaoping na China, que replicou muitas das medidas adotadas pelos chamados NICs.
Todavia, o modelo adotado pelos Tigres Asiáticos foi motivo de muita crítica por parte da esquerda da América Latina e dos teóricos da dependência na década de 1970 e início da década de 1980. Os críticos diziam mais ou menos o seguinte: “O modelo adotado pelos Tigres Asiáticos não passa de uma plataforma de exportação a serviço das grandes multinacionais ocidentais. Os lucros obtidos pelas indústrias nesses países ocorrem, principalmente, em virtude do exército industrial de reserva, ou seja, grande quantidade de mão de obra barata disponível no mercado, sendo que esse processo ocasiona a desvalorização dos salários pagos pelos detentores do meio de produção. Esse fato é acompanhado por leis trabalhistas frágeis e pouco atuantes, outros fatores que contribuíram para o elevado crescimento foram os incentivos tributários e os baixos custos para a instalação de empresas oriundas de capitais externos aumentando a dependência. A superexploração da mão-de-obra condena estes países ao atraso e ao subdesenvolvimento”.
Porém, a realidade mostrou que os Tigres Asiáticos venceram e superaram não só os países subdesenvolvidos, mas até a maioria dos países desenvolvidos. Os críticos estavam errados e mostraram que não estavam entendendo o que acontecia no leste asiático. O Brasil e a ALC ficaram totalmente atrasados em relação aos Tigres Asiáticos em termos econômicos, demográficos, sociais, de segurança pública e de soberania nacional.
Evidentemente, o sucesso no desenvolvimento humano traz prejuízos no plano ambiental. Mas, por exemplo, Hong Kong e Singapura – que são cidades-estados – possuem indicadores ambientais melhores do que outras cidades do mesmo porte.
De maneira pioneira, há também autores que perceberam as potencialidades do modelo dos NICs e os equívocos do modelo de “substituição de importações”. Fajnzylber (1981) foi um dos economistas pioneiros na percepção das vantagens do modelo adotado pelos Tigres Asiáticos. Outros autores como John Page (1994) e André Nassif (2005) também foram além do simplismo das análises latino-americanas que defendiam o modelo de “substituição de importações”. De modo sintético, podemos resumir os principais pontos que possibilitaram o sucesso dos Tigres Asiáticos:
1) Modelo de crescimento liderado pelas exportações: isto possibilita que a estrutura produtiva consiga uma competitividade externa e interna e que o país possa evitar crises cambiais, pois tem capacidade de geração de divisas;
2) Manutenção de altas taxas de investimento que permitem a renovação e a atualização permanente da estrutura produtiva, de infraestrutura, ao mesmo tempo que eleva a complexidade e a produtividade geral da economia, o que favorece o aumento dos lucros e dos salários;
3) Manutenção de altas taxas de poupança, garantindo os recursos nacionais para manter as altas taxas de investimento e a formação de capital nacional e a capitalização das famílias;
4) Em termos demográficos avançaram rapidamente na transição demográfica (reduzindo as taxas de mortalidade e natalidade) e puderam colher o bônus demográfico em decorrência de uma estrutura etária favorável;
5) Investimento na universalização da educação e na qualidade do ensino, permitindo a formação de capital humano e um grande avanço da ciência e tecnologia;
6) Investimento no pleno emprego e no trabalho decente, aproveitando todo o potencial produtivo da força de trabalho e mantendo o desemprego e o subemprego em níveis baixos, além de baixos níveis de violência;
7) Criação de políticas visando combater as desigualdades sociais e garantindo um baixo índice de Gini de desigualdade de renda. Forte presença do Estado nas políticas públicas, mas sem sufocar a livre iniciativa e a eficiência alocativa do mercado;
8) Estabilidade econômica, com inflação sob controle, baixas taxas de juros, câmbio competitivo e facilidade na organização empresarial, além de sinergia entre as diversas forças do sistema produtivo.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referências:
Fernando Fajnzylber. “Reflexiones sobre la industrialización exportadora del Sudeste Asiático”, REVISTA DE LA CEPAL N.° 15 / Diciembre de 1981
https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/10243/015117138_es.pdf?sequence=1&isAllowed=y
John Page. The East Asian Miracle: Four Lessons for Development Policy. NBER, Jan 1994
http://www.nber.org/chapters/c11011
André Nassif. Estratégias de Desenvolvimento em Países de Industrialização Retardatária: Modelos Teóricos, a Experiência do Leste Asiático e Lições para o Brasil, Revista do BNDES, Rio de Janeiro, V. 12, N. 23, P. 135-176, Jun. 2005
https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/11457/2/RB%2023%20Estrat%C3%A9gias%20de%20Desenvolvimento%20em%20Pa%C3%ADses%20de%20Industrializa%C3%A7%C3%A3o%20Retardat%C3%A1ria_Modelos%20Te%C3%B3ricos_P_BD.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/02/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 27/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/27/o-sucesso-da-estrategia-de-desenvolvimento-dos-tigres-asiaticos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Controle biológico de pragas em hortas urbanas: Uma proteção sustentável
Produção de hortaliças contribui para a melhoria da qualidade nutricional de famílias carentes de Roraima- FOTO Rafael Porto
Hortas urbanas
Atualmente, a produção de hortaliças em grandes cidades está aumentando. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo busca fomentar esta prática por meio do Instituto Biológico, trazendo dicas de como tornar as hortas caseiras mais sustentáveis, utilizando inimigos naturais em vez de defensivos agrícolas.
Predadores, parasitoides, nematoides, bactérias e fungos entomopatogênicos são inimigos naturais que protegem as plantações das pragas e doenças. O controle biológico, uma técnica do Manejo Integrado de Pragas (MIP), utiliza esses inimigos para manter o equilíbrio natural, tornando a plantação mais saudável.
“O controle biológico é o componente de maior importância do MIP”, menciona o pesquisador Mário Sato, que trabalha no Centro Avançado de Pesquisa em Proteção de Plantas e Saúde Animal do Instituto.
O controle das pragas ocorre naturalmente, em muitos casos não há necessidade da aplicação de inseticidas e acaricidas, pois causam desequilíbrio ao plantio. “O produtor tem de trabalhar para manter o equilíbrio do ambiente, ou seja, não aplicar qualquer produto, fazer uma boa adubação e uma irrigação adequada, para não ter uma infestação elevada de pragas, que pode causar injúrias à cultura”, explica Sato.
Em cultivos de hortaliças, a presença de insetos (pragas) é comum e o número de inimigos naturais é baixo. Nesse caso, a introdução de predadores, parasitoides ou nematoides, é necessária para o controle biológico ser efetivo.
Diversos inimigos naturais, como ácaros predadores, já são comercializados e são fáceis de serem utilizados, pois quando liberados no campo se dispersam por conta própria. Já o defensivo agrícola necessidade de pulverização, por toda a horta. Entretanto, “existe a possibilidade de o controle biológico ser associado ao controle químico, mas tem que haver cuidado ao aplicar a técnica, pois o defensivo pode prejudicar o inimigo natural”, afirma o agrônomo.
Funciona assim: quando existe praga, o inimigo natural controla e à medida que as pragas vão diminuindo, ele simplesmente vai embora, – não existe risco do inimigo se tornar praga. “Na maioria dos casos, o produtor precisa reintroduzi-los em sua plantação, pois em cultivos de hortaliças há uma troca frequente de cultivares”, finaliza Mário Sato.
Dicas
* Utilizar um solo sem contaminantes.
* Se possível, esterilizar o solo antes de plantar (solarização).
* Comprar mudas sadias.
* Não exagerar na adubação.
* Irrigar corretamente.
Observação:
Uma adubação exagerada, com irrigação inadequada (excesso ou falta de água), causa estresse às plantas. Isso favorece a criação de pragas e doenças.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/02/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/27/controle-biologico-de-pragas-em-hortas-urbanas-uma-protecao-sustentavel/
Hortas urbanas
Atualmente, a produção de hortaliças em grandes cidades está aumentando. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo busca fomentar esta prática por meio do Instituto Biológico, trazendo dicas de como tornar as hortas caseiras mais sustentáveis, utilizando inimigos naturais em vez de defensivos agrícolas.
Predadores, parasitoides, nematoides, bactérias e fungos entomopatogênicos são inimigos naturais que protegem as plantações das pragas e doenças. O controle biológico, uma técnica do Manejo Integrado de Pragas (MIP), utiliza esses inimigos para manter o equilíbrio natural, tornando a plantação mais saudável.
“O controle biológico é o componente de maior importância do MIP”, menciona o pesquisador Mário Sato, que trabalha no Centro Avançado de Pesquisa em Proteção de Plantas e Saúde Animal do Instituto.
O controle das pragas ocorre naturalmente, em muitos casos não há necessidade da aplicação de inseticidas e acaricidas, pois causam desequilíbrio ao plantio. “O produtor tem de trabalhar para manter o equilíbrio do ambiente, ou seja, não aplicar qualquer produto, fazer uma boa adubação e uma irrigação adequada, para não ter uma infestação elevada de pragas, que pode causar injúrias à cultura”, explica Sato.
Em cultivos de hortaliças, a presença de insetos (pragas) é comum e o número de inimigos naturais é baixo. Nesse caso, a introdução de predadores, parasitoides ou nematoides, é necessária para o controle biológico ser efetivo.
Diversos inimigos naturais, como ácaros predadores, já são comercializados e são fáceis de serem utilizados, pois quando liberados no campo se dispersam por conta própria. Já o defensivo agrícola necessidade de pulverização, por toda a horta. Entretanto, “existe a possibilidade de o controle biológico ser associado ao controle químico, mas tem que haver cuidado ao aplicar a técnica, pois o defensivo pode prejudicar o inimigo natural”, afirma o agrônomo.
Funciona assim: quando existe praga, o inimigo natural controla e à medida que as pragas vão diminuindo, ele simplesmente vai embora, – não existe risco do inimigo se tornar praga. “Na maioria dos casos, o produtor precisa reintroduzi-los em sua plantação, pois em cultivos de hortaliças há uma troca frequente de cultivares”, finaliza Mário Sato.
Dicas
* Utilizar um solo sem contaminantes.
* Se possível, esterilizar o solo antes de plantar (solarização).
* Comprar mudas sadias.
* Não exagerar na adubação.
* Irrigar corretamente.
Observação:
Uma adubação exagerada, com irrigação inadequada (excesso ou falta de água), causa estresse às plantas. Isso favorece a criação de pragas e doenças.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/02/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/27/controle-biologico-de-pragas-em-hortas-urbanas-uma-protecao-sustentavel/
Crise na Venezuela atinge a saúde em países vizinhos
Mais do que uma crise política e econômica, a Venezuela tem enfrentado outros problemas que têm impacto não só no país, mas na saúde pública dos países vizinhos, especialmente no que diz respeito a doenças transmitidas por vetores.
No Brasil, já foi observado um aumento de casos importados de malária da Venezuela, subindo de 1.538 (em 2014), para 3.129 (em 2017). Além da malária, a doença de Chagas, dengue, chikungunya e zika, dentre outras transmitidas por vetores, representam uma crise de saúde pública não só na Venezuela, mas que já vem atingindo os países vizinhos e afetando seriamente seus esforços para eliminação dessas doenças.
Estudo publicado no jornal cientifico The Lancet Infectious Diseases, na semana passada, 21/2, intitulado Venezuela’s humanitarian crisis, resurgence of vector-borne diseases, and implications for spillover in the region, enfatiza a necessidade de medidas para o enfrentamento de epidemias e de ações estratégicas para impedir a expansão de doenças transmitidas por vetores e infecciosas, para além das fronteiras.
Outro ponto que tem sido afetado pela crise na Venezuela é o trabalho de coleta de dados da vigilância sanitária daquele país, que resultou, no ano passado, no fechamento da Divisão de Epidemiologia e Estatísticas Vitais, do Centro Venezuelano de Classificação de Doenças, órgão responsável por fornecer à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) os indicadores de morbidade e mortalidade atualizados.
Para Sérgio Luz, pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), um dos autores do estudo, o trabalho publicado exemplifica o que já vem sendo identificado por pesquisadores da Fiocruz Amazônia: a necessidade de se criar um sistema de vigilância epidemiológica, com uma rede de laboratórios de referência apoiados para o enfrentamento dessas situações.
“Foi pela fronteira de Roraima que o Aedes aegypti foi reintroduzido no Brasil, no final da década de 60, depois do país ter recebido em 1958, certificado da OMS de erradicação do mosquito. Da mesma forma, o aparecimento de alguns sorotipos de dengue ocorreram por essa região. Somado a isso, atualmente, tivemos o reaparecimento do sarampo, da difteria e o aumento exponencial da malária. Em outra região, no município de Tabatinga (AM), na tríplice fronteira com o Peru e Colômbia, vimos entrar o cólera, que teve um grande poder epidêmico no Brasil inteiro. Agora, com a constatação da crise na Venezuela, que afetou o serviço de saúde nesse país, temos certeza da necessidade de criação de um sistema de vigilância epidemiológica organizado, para dar respostas a todos esses problemas”, comentou o pesquisador.
Malária e outras doenças
A Venezuela foi líder em controle de vetores e políticas de saúde pública na América Latina, em 1961, tornando-se o primeiro país certificado pela Organização Mundial da Saúde a eliminar a malária na maior parte de seu território. No entanto, em 2016, o país representou 34,4% do total de casos notificados no mundo (240.613). Esse número sofreu um aumentou de 71%, em 2017.
A incidência de malária na Venezuela vem aumentando desde 2000, mas foi intensificada a partir de 2010. As causas para esse aumento passam também pela questão do desmatamento de florestas e atividades de mineração ilegal, que deixam expostas populações humanas que migram de diferentes regiões do país para áreas de mineração, em busca de oportunidades econômicas.
Vale ressaltar que, esse rápido aumento da carga de malária na Venezuela, e a saída em massa de seus cidadãos afetam diretamente os países vizinhos, particularmente o Brasil e a Colômbia. Além da malária, a doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, presente em muitos estados da Venezuela e nos Andes, não vem recebendo atenção das autoridades, desde 2012, quando a vigilância e o controle da transmissão da doença de Chagas foram abandonados no país.
Outras preocupações dos pesquisadores dizem respeito à leishmaniose (Leishmania spp, transmitidas pela picada de flebotomíneos infectados), aos vírus transmitidos por vetores de artrópodes (arbovírus) como dengue, chikungunya e zika, e ao retorno do sarampo e outras doenças infecciosas evitáveis pela vacinação.
Os pesquisadores sugerem colaboração em nível operacional, fortalecimento da vigilância, treinamento de pessoal e ações efetivas de educação para evitar que essas doenças se alastrem e causem danos além das fronteiras.
O estudo também repercutiu no The Telegraph News, em matéria intitulada Venezuela compared to war zone as number of malaria cases rocket , e no The Guardian, Venezuela crisis threatens disease epidemic across continent – experts: Collapse of Venezuela’s healthcare system could fuel spread of malaria and other diseases across region.
Autor: Marlúcia Seixas
Fonte: Fiocruz Amazônia
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://portal.fiocruz.br/noticia/crise-na-venezuela-atinge-saude-em-paises-vizinhos
Infecção hospitalar é tema do primeiro podcast do Fiocruz no Ar
Por meio da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (Vpeic/Fiocruz), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lança o podcast Fiocruz no Ar, que trará informações para a população sobre a resistência aos antibióticos. Segundo informações da União Europeia para Saúde e Segurança Alimentar, 700 mil pacientes morrem por ano de infecções provocadas por bactérias resistentes. Em 2050, os estudos apontam serão 10 milhões pessoas morrerão pelo problema em todo o mundo.
Conforme dados do Global Antimicrobial Surveillance System (Glass), as bactérias mais resistentes citadas são: Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, seguidas da Salmonella spp.
O projeto Fiocruz no Ar produzirá 18 (dezoito) podcasts para serem distribuídos por rádios interessadas em veicular – gratuitamente – informação de qualidade, tendo como referência a expertise de 118 anos da Fiocruz, do Ministério da Saúde. Os programas também serão distribuídos por WhatsApp, buscando atingir maior número de pessoas.
Infecção hospitalar
Neste primeiro programa, o destaque é a infecção hospitalar, que mata um milhão de pessoas e deixa sete milhões com complicações no período pós-operatório, em todo o mundo. No Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) estima que a taxa de infecções hospitalares atinja 14% das internações.
Uma matéria do site Proqualis/Fiocruz (Programa de Segurança do Paciente) explica que a resistência aos antibióticos, dentre outros problemas, “pode causar o prolongamento da doença, o aumento da taxa de mortalidade, a permanência prolongada no ambiente hospitalar e a ineficácia dos tratamentos preventivos que comprometem toda a população”.
O programa tem duração de 2m39s e alerta sobre os riscos da infecção hospitalar e dá dicas de como evitá-la. Para ouvi-lo, acesse o canal Fiocruz no Ar no SoundCloud.
Ficha técnica: Podcast 01 - Resistência Microbiana / Infecção hospitalar
Reportagem, Produção e Locução: Maya Sangawa
Edição: Daniel Beltrão
Trilha sonora: "Life of Riley" Kevin MacLeod (incompetech.com) | Licensed under Creative Commons: By Attribution 3.0 License |
Autor: Graça Portela
Fonte: Icict/Fiocruz
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data: 27/02/2019
Publicação Original: https://portal.fiocruz.br/noticia/infeccao-hospitalar-e-tema-do-primeiro-podcast-do-fiocruz-no-ar
Conforme dados do Global Antimicrobial Surveillance System (Glass), as bactérias mais resistentes citadas são: Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, seguidas da Salmonella spp.
O projeto Fiocruz no Ar produzirá 18 (dezoito) podcasts para serem distribuídos por rádios interessadas em veicular – gratuitamente – informação de qualidade, tendo como referência a expertise de 118 anos da Fiocruz, do Ministério da Saúde. Os programas também serão distribuídos por WhatsApp, buscando atingir maior número de pessoas.
Infecção hospitalar
Neste primeiro programa, o destaque é a infecção hospitalar, que mata um milhão de pessoas e deixa sete milhões com complicações no período pós-operatório, em todo o mundo. No Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) estima que a taxa de infecções hospitalares atinja 14% das internações.
Uma matéria do site Proqualis/Fiocruz (Programa de Segurança do Paciente) explica que a resistência aos antibióticos, dentre outros problemas, “pode causar o prolongamento da doença, o aumento da taxa de mortalidade, a permanência prolongada no ambiente hospitalar e a ineficácia dos tratamentos preventivos que comprometem toda a população”.
O programa tem duração de 2m39s e alerta sobre os riscos da infecção hospitalar e dá dicas de como evitá-la. Para ouvi-lo, acesse o canal Fiocruz no Ar no SoundCloud.
Ficha técnica: Podcast 01 - Resistência Microbiana / Infecção hospitalar
Reportagem, Produção e Locução: Maya Sangawa
Edição: Daniel Beltrão
Trilha sonora: "Life of Riley" Kevin MacLeod (incompetech.com) | Licensed under Creative Commons: By Attribution 3.0 License |
Autor: Graça Portela
Fonte: Icict/Fiocruz
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data: 27/02/2019
Publicação Original: https://portal.fiocruz.br/noticia/infeccao-hospitalar-e-tema-do-primeiro-podcast-do-fiocruz-no-ar
terça-feira, 26 de fevereiro de 2019
MPF recomenda imediata revogação de orientações do Incra que suspendem diálogo com movimentos do campo
Incra – Medida adotada pela Ouvidoria Agrária Nacional traz ilegalidades e inconstitucionalidades, alerta a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), encaminhou nesta segunda-feira (25) à Ouvidoria Agrária Nacional e às Superintendências Regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) uma recomendação para que sejam imediatamente tornadas sem efeito as orientações contidas no Memorando Circular nº 234/2019/OAN/P/SEDE/INCRA. O documento foi expedido pela Ouvidoria Agrária Nacional instruindo chefes de divisão e executores de unidades avançadas do Incra em todo o país a não atenderem entidades ou representantes “que não possuam personalidade jurídica”. O memorando também orienta as unidades a não prestarem atendimento ao que o órgão denomina como “invasores de terra”.
De acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a instrução traz uma série de ilegalidades e inconstitucionalidades. Isso porque é papel da Ouvidoria Agrária Nacional, conforme estabelece o Decreto 8.955/2017, atuar como espaço administrativo de interlocução, mediação e resolução de conflitos sociais no campo.
Além disso, é competência do Estado a prestação de serviços públicos relacionados aos direitos especificados na Constituição Federal – entre eles, a reforma agrária, assegurada no art.184.
No documento ao ouvidor-agrário Nacional e aos superintendentes-regionais do Incra, o órgão do Ministério Público Federal aponta que as orientações contidas no Memorando Circular nº 234 adotam posição de acirramento de tensões sociais e conflitos no campo – em contrariedade ao próprio papel mediador e de busca de pacificação, prevenção e resolução de tais antagonismos, conferido à Ouvidoria Nacional Agrária pelo ordenamento jurídico.
A Procuradoria ressalta, ainda, que a concretização do projeto político-jurídico previsto na Constituição Federal é dever de todos, e que a reforma agrária e o cumprimento da função social da posse e da propriedade são imperativos de igualdade material, de redução de discriminações de todos os tipos e de solidariedade, conforme preconiza o art. 3º da Constituição brasileira.
Direito constitucional à organização social
No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão esclarece que a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas, independe de autorização – sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento, segundo o que estabelece o artigo 5º da Constituição.
A PFDC destaca também que não há, tanto no direito interno, quanto no direito internacional dos direitos humanos, qualquer norma que exija a formalização de coletivos para habilitá-los à luta por direitos, inclusive porque toda concepção associativa regula-se pela ideia central de ausência de ingerência estatal.
“Os potenciais beneficiários da política nacional de reforma agrária não podem ser prejudicados ou discriminados por cumprirem dois desígnios constitucionais: buscar a reforma agrária e se associarem livremente para tal fim”, assinala o documento do Ministério Público Federal.
A Procuradoria relembra que a ocupação de imóveis que não cumprem a função social da propriedade situa-se dentro das liberdades de manifestação, protesto e expressão – asseguradas pela Constituição Federal e já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos como o da ADI 1969, assim como, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na condenação ao Estado brasileiro no caso “Escher e outros vs Brasil”.
Papel da Ouvidoria Agrária
Na recomendação, a PFDC ressalta que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária desempenha serviço público e, como tal, está submetido às diretrizes que regem o atendimento aos usuários desse serviço. A Lei 13.460/2017, que regula a matéria, é clara ao designar a igualdade no tratamento aos usuários, sendo vedado qualquer tipo de discriminação.
Ainda de acordo com a Lei 13.460/2017, também é vedada às ouvidorias de órgãos públicos a recusa ao recebimento de manifestações, sendo cabível a responsabilização do agente público que assim agir.
Nesse sentido, e em razão da urgência e gravidade dos fatos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão recomenda que as Superintendências Regionais do Incra realizem atendimento amplo e integral de todos os usuários do serviço público, sem discriminação de qualquer natureza – o que deve abranger movimentos sociais e quaisquer entidades.
O órgão do Ministério Público Federal adverte que a recomendação deve ser cumprida a partir de seu recebimento, sob pena das ações judiciais cabíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos.
O documento é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos procuradores que compõem o Grupo de Trabalho Direito à Reforma Agrária, da PFDC.
Fonte: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)
Ministério Público Federal
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/26/mpf-recomenda-imediata-revogacao-de-orientacoes-do-incra-que-suspendem-dialogo-com-movimentos-do-campo/
O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), encaminhou nesta segunda-feira (25) à Ouvidoria Agrária Nacional e às Superintendências Regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) uma recomendação para que sejam imediatamente tornadas sem efeito as orientações contidas no Memorando Circular nº 234/2019/OAN/P/SEDE/INCRA. O documento foi expedido pela Ouvidoria Agrária Nacional instruindo chefes de divisão e executores de unidades avançadas do Incra em todo o país a não atenderem entidades ou representantes “que não possuam personalidade jurídica”. O memorando também orienta as unidades a não prestarem atendimento ao que o órgão denomina como “invasores de terra”.
De acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a instrução traz uma série de ilegalidades e inconstitucionalidades. Isso porque é papel da Ouvidoria Agrária Nacional, conforme estabelece o Decreto 8.955/2017, atuar como espaço administrativo de interlocução, mediação e resolução de conflitos sociais no campo.
Além disso, é competência do Estado a prestação de serviços públicos relacionados aos direitos especificados na Constituição Federal – entre eles, a reforma agrária, assegurada no art.184.
No documento ao ouvidor-agrário Nacional e aos superintendentes-regionais do Incra, o órgão do Ministério Público Federal aponta que as orientações contidas no Memorando Circular nº 234 adotam posição de acirramento de tensões sociais e conflitos no campo – em contrariedade ao próprio papel mediador e de busca de pacificação, prevenção e resolução de tais antagonismos, conferido à Ouvidoria Nacional Agrária pelo ordenamento jurídico.
A Procuradoria ressalta, ainda, que a concretização do projeto político-jurídico previsto na Constituição Federal é dever de todos, e que a reforma agrária e o cumprimento da função social da posse e da propriedade são imperativos de igualdade material, de redução de discriminações de todos os tipos e de solidariedade, conforme preconiza o art. 3º da Constituição brasileira.
Direito constitucional à organização social
No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão esclarece que a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas, independe de autorização – sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento, segundo o que estabelece o artigo 5º da Constituição.
A PFDC destaca também que não há, tanto no direito interno, quanto no direito internacional dos direitos humanos, qualquer norma que exija a formalização de coletivos para habilitá-los à luta por direitos, inclusive porque toda concepção associativa regula-se pela ideia central de ausência de ingerência estatal.
“Os potenciais beneficiários da política nacional de reforma agrária não podem ser prejudicados ou discriminados por cumprirem dois desígnios constitucionais: buscar a reforma agrária e se associarem livremente para tal fim”, assinala o documento do Ministério Público Federal.
A Procuradoria relembra que a ocupação de imóveis que não cumprem a função social da propriedade situa-se dentro das liberdades de manifestação, protesto e expressão – asseguradas pela Constituição Federal e já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos como o da ADI 1969, assim como, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na condenação ao Estado brasileiro no caso “Escher e outros vs Brasil”.
Papel da Ouvidoria Agrária
Na recomendação, a PFDC ressalta que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária desempenha serviço público e, como tal, está submetido às diretrizes que regem o atendimento aos usuários desse serviço. A Lei 13.460/2017, que regula a matéria, é clara ao designar a igualdade no tratamento aos usuários, sendo vedado qualquer tipo de discriminação.
Ainda de acordo com a Lei 13.460/2017, também é vedada às ouvidorias de órgãos públicos a recusa ao recebimento de manifestações, sendo cabível a responsabilização do agente público que assim agir.
Nesse sentido, e em razão da urgência e gravidade dos fatos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão recomenda que as Superintendências Regionais do Incra realizem atendimento amplo e integral de todos os usuários do serviço público, sem discriminação de qualquer natureza – o que deve abranger movimentos sociais e quaisquer entidades.
O órgão do Ministério Público Federal adverte que a recomendação deve ser cumprida a partir de seu recebimento, sob pena das ações judiciais cabíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos.
O documento é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos procuradores que compõem o Grupo de Trabalho Direito à Reforma Agrária, da PFDC.
Fonte: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)
Ministério Público Federal
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/26/mpf-recomenda-imediata-revogacao-de-orientacoes-do-incra-que-suspendem-dialogo-com-movimentos-do-campo/
Dois problemas antagônicos coexistem no Brasil, o desperdício de alimentos e a insegurança alimentar
A fome não deixou de ser um problema no Brasil. A convivência mútua do desperdício de alimentos com a insegurança alimentar. Entrevista especial com Gustavo Porpino
Por Patricia Facchin, IHU
Apesar de o Brasil ter saído do Mapa da Fome, dois problemas ainda persistem quando se trata de analisar a situação alimentar do brasileiro: o desperdício e a insegurança alimentar. O alerta é feito por Gustavo Porpino, coordenador do projeto “Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil sobre desperdício de alimentos”, realizado a partir de uma parceria entre a Embrapa e a Fundação Getulio Vargas – FGV.
Segundo ele, cada brasileiro desperdiça em média 40 quilos de alimentos por ano, e o desperdício está associado a “fatores comportamentais, tais como planejar a compra e a refeição, não comprar alimentos em excesso, organizar bem a geladeira e a despensa, reaproveitar as sobras das refeições e, principalmente, substituir a cultura do ‘é melhor sobrar do que faltar’ por hábitos mais frugais”.
Nesse contexto, informa, outro problema chama atenção: a insegurança alimentar ainda atinge aproximadamente 22% da população brasileira. “Quando a análise passa a ser mais local, e não nacional, vemos que muitos municípios ou estados permanecem com mais de 5% da população em insegurança alimentar grave, o limite utilizado para o país constar ou não no Mapa da Fome. Em uma análise regional, se fossem considerados países, as regiões Norte e Nordeste ainda estariam no Mapa da Fome da última vez que a insegurança alimentar foi mensurada no Brasil”, adverte.
Ele diz ainda que os últimos dados sobre insegurança alimentar no país demonstraram que em “2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar moderada ou grave, um dado alarmante, ainda mais se levarmos em conta este aparente paradoxo de a insegurança alimentar ser maior para as famílias que estão mais próximas da produção de alimentos. Temos o caso do Maranhão, por exemplo, com índice de insegurança alimentar de 60%, percentual bem acima da média nacional, e estados do Sul, como Santa Catarina, com índices bem melhores”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Gustavo Porpino enfatiza que embora tenha havido uma melhora nos índices de segurança alimentar entre 2000 e 2013, não existe “um diagnóstico abrangente sobre segurança alimentar no Brasil há seis anos, o que é preocupante se considerarmos que somos um dos maiores players do setor agropecuário mundial”.
A seguir, o pesquisador comenta as metas e as propostas do Brasil para enfrentar o desperdício e a insegurança alimentar, e pontua que o maior desafio para combater esses problemas está atrelado à possibilidade de “conseguir posicionar o tema segurança alimentar na agenda político-institucional com a importância merecida. Também precisamos fortalecer a visão de longo prazo, com políticas de Estado que consigam perpassar as frequentes mudanças que ocorrem, por exemplo, nos ministérios”, diz. Esse tipo de medida, explica, ainda é mais urgente quando estudos demonstram que “o mundo caminha para o aumento do desperdício em vez da redução”.
Gustavo Porpino é graduado em Jornalismo e mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, e doutor em Administração pela Fundação Getulio Vargas – FGV-EAESP. Atualmente é analista da Secretaria de Inovação da Embrapa e liderou projeto dos Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil sobre desperdício de alimentos. Foi pesquisador visitante da Universidade Cornell, onde realizou pesquisas sobre comportamento de consumo de alimentos, e durante o doutorado pesquisou o desperdício de alimentos em famílias de classe média baixa. É idealizador da iniciativa Sem Desperdício, uma parceria da Embrapa e WWF Brasil com apoio da FAO, lançada em 2016 para ampliar a consciência dos consumidores urbanos sobre o desperdício de alimentos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi feita a pesquisa sobre o desperdício de alimentos no Brasil, a qual mostra que o brasileiro joga, em média, mais de 40 quilos de comida no lixo por ano?
Gustavo Porpino – A pesquisa faz parte dos Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, um instrumento de cooperação entre os Estados-membros da União Europeia e o Brasil em temas de interesse mútuo e alinhados com desafios globais. A Embrapa e a Fundação Getulio Vargas planejaram a pesquisa e conseguimos ter um retrato representativo da população brasileira sobre o quanto se desperdiça nos lares brasileiros, quais os alimentos mais desperdiçados e quais fatores comportamentais contribuem para que o desperdício ocorra. O estudo foi dividido em três fases. Após a primeira fase qualitativa, na qual foram entrevistados consumidores em feiras livres e supermercados sobre hábitos de consumo de alimentos, aplicamos um questionário com 1.764 famílias e, dessa amostra, 686 preencheram um diário alimentar, no qual foi reportado ao longo de até uma semana quais alimentos eram desperdiçados. O interessante é que usamos uma plataforma móvel e os respondentes puderam fazer upload das fotos dos alimentos desperdiçados.
O fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome deve ser louvado, mas não significa que a fome deixou de ser um problema – Gustavo Porpino
IHU On-Line – O que esse indicativo de 40 quilos de comida desperdiçada representa, especialmente considerando o quadro de desigualdades no país? Esse percentual é considerado elevado se comparado a outros países?
Gustavo Porpino – Se considerarmos que foi mensurado apenas o desperdício que ocorre nos domicílios, e não estamos computando os alimentos desperdiçados nas refeições feitas fora do lar, temos um indicativo de que a família brasileira típica desperdiça uma quantidade de comida semelhante às famílias dos países mais ricos da Europa, ou mesmo dos Estados Unidos, por exemplo. Para termos um índice de desperdício de alimentos global para comparar diferentes países, teríamos que utilizar a mesma metodologia de mensuração. Países europeus que utilizam análises do lixo domiciliar para quantificar o desperdício tendem a reportar desperdício acima de 40 Kg por habitante ao ano.
No Brasil, a aplicação desse método não é viável para uma pesquisa de abrangência nacional. Para o Brasil, mais do que sabermos com precisão o quanto é perdido ou desperdiçado nas diferentes etapas da cadeia agroalimentar, o mais relevante é pôr em prática ações para mudar positivamente os comportamentos que levam ao desperdício na etapa de consumo. A convivência mútua do elevado desperdício com a insegurança alimentar que persiste em algumas regiões brasileiras aponta para uma oportunidade perdida. Não necessariamente reduzir o desperdício de alimentos contribui com o combate à fome, mas ao ampliarmos a oferta de alimentos por meio da redução das perdas e do desperdício, surgem oportunidades de direcionarmos o excedente para a população mais necessitada. Aliar o combate ao desperdício de alimentos com as iniciativas de fortalecimento da segurança alimentar é o caminho a ser seguido e envolve ações ao longo de toda a cadeia produtiva, desde o campo até a mesa.
IHU On-Line – Quais são as razões que explicam esse desperdício de comida entre os brasileiros? Existe alguma correlação entre o desperdício, o poder aquisitivo e o nível de instrução das pessoas ou o desperdício independe desses fatores?
Gustavo Porpino – As famílias brasileiras tendem a valorizar a fartura na mesa. Podemos pensar na fartura como um ciclo que está presente em toda a jornada de consumo dos alimentos, desde a ida ao supermercado ou feira livre até o preparo da refeição, o modo de servir, e a administração das sobras das refeições. O mercado consumidor brasileiro é bastante segmentado, tanto em termos de renda e outras variáveis socioeconômicas quanto em termos comportamentais.
Desperdício e hábitos comportamentais
A diferença entre as famílias que desperdiçam mais e as que desperdiçam menos comida é mais bem explicada pelos fatores comportamentais, tais como planejar a compra e a refeição, não comprar alimentos em excesso, organizar bem a geladeira e a despensa, reaproveitar as sobras das refeições e, principalmente, substituir a cultura do “é melhor sobrar do que faltar” por hábitos mais frugais. Mesmo no contexto da classe média baixa existem famílias com características comportamentais que levam ao desperdício de comida. O consumidor da base da pirâmide, em particular, está sempre preocupado em economizar com a compra de alimentos, mas algumas estratégias como comprar no atacado e manter a despensa sempre cheia com os alimentos mais consumidos, tais como arroz e feijão, podem gerar mais desperdício se a família não tiver boa capacidade de planejamento das refeições e não estiver disposta a reaproveitar as sobras.
O desperdício de comida nas famílias de maior poder aquisitivo tende a ser mais diversificado e inclui, além dos alimentos mais consumidos, frutas e hortaliças, por exemplo. Famílias de menor renda tendem a ter uma dieta menos diversificada e, por consequência, o desperdício também está concentrado em menor variedade de alimentos. De modo geral, nos diferentes segmentos, o problema está mais relacionado com cozinhar demais e não aproveitar as sobras das refeições. É um problema complexo que requer mudança cultural por meio de ações de longo prazo.
IHU On-Line – Quais diria que são os hábitos alimentares dos brasileiros, de modo geral, e que tipo de alimento costuma ser mais desperdiçado?
Gustavo Porpino – Os hábitos alimentares variam muito conforme a renda, estilos de vida e outros fatores comportamentais. O segmento mais pobre está preocupado em não voltar a passar fome e tende a valorizar a fartura, porque o alimento sinaliza dignidade e riqueza. Por vezes, o consumidor de menor renda desperdiça por fatores alheios à sua vontade, como não ter recipientes adequados para acondicionar as sobras das refeições na geladeira. Mas também há o segmento que mostra preconceito com o consumo das sobras, considera as sobras das refeições como sendo “comida dormida” e tende a jogar fora o que sobrou em vez de reinventar em novos pratos.
O segmento mais pobre está preocupado em não voltar a passar fome e tende a valorizar a fartura, porque o alimento sinaliza dignidade e riqueza – Gustavo Porpino
As famílias mais ricas têm dietas mais saudáveis, valorizam modismos diversos na alimentação, mas também estão bastante segmentadas em termos de hábitos que levam ao desperdício. Captamos, na pesquisa, que os consumidores valorizam bastante o frescor dos alimentos, e, quando este hábito é combinado com a valorização da fartura, há maior propensão de descarte das sobras.
Alimentos mais desperdiçados
A pesquisa apontou que, de cada 1 kg desperdiçado pelas famílias, em média, 220 gramas são de arroz, 200 gramas de carne, 160 gramas de feijão e 150 gramas de frango. Estes são os mais desperdiçados na análise por quilogramas. Observamos que o desperdício de arroz e feijão tende a ser mais recorrente e o desperdício médio relativamente alto de proteína animal se dá por algumas eventualidades, tais como assar muita carne num churrasco de final de semana e não aproveitar as sobras. Hortaliças são uma categoria de alimentos na qual há relação entre renda e desperdício. As famílias de maior poder aquisitivo tendem a desperdiçar mais hortaliças, mas este resultado deriva do fato de o consumo de frutas e hortaliças no Brasil estar muito concentrado nos segmentos de maior renda. Temos aí um outro problema a ser combatido. Precisamos ampliar o consumo de frutas e hortaliças na população de baixa renda, que está mais sujeita a ser obesa e ter outras doenças derivadas da alimentação inadequada.
IHU On-Line – Desde o ano passado, algumas ONGs têm alertado para o risco de o Brasil retornar ao Mapa da Fome da ONU. Qual é o nível de insegurança alimentar no país hoje e quais são os riscos de o país voltar a fazer parte do Mapa da Fome?
Gustavo Porpino – O Brasil precisa passar a mensurar a insegurança alimentar com mais frequência e delinear planos de ação levando em conta as diferenças regionais. O último levantamento do IBGE, realizado em 2013, mostrou que 22,6% da população estavam em algum nível de insegurança alimentar: leve, moderada ou grave. As diferenças regionais são significativas. Em 2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar moderada ou grave, um dado alarmante, ainda mais se levarmos em conta este aparente paradoxo de a insegurança alimentar ser maior para as famílias que estão mais próximas da produção de alimentos. Temos o caso do Maranhão, por exemplo, com índice de insegurança alimentar de 60%, percentual bem acima da média nacional, e estados do Sul, como Santa Catarina, com índices bem melhores.
Em 2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar moderada ou grave – Gustavo Porpino
O problema da fome
O fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome deve ser louvado, mas não significa que a fome deixou de ser um problema. Quando a análise passa a ser mais local, e não nacional, vemos que muitos municípios ou estados permanecem com mais de 5% da população em insegurança alimentar grave, o limite utilizado para o país constar ou não no Mapa da Fome. Em uma análise regional, se fossem considerados países, as regiões Norte e Nordeste ainda estariam no Mapa da Fome da última vez que a insegurança alimentar foi mensurada no Brasil.
De modo geral, houve melhora significativa dos índices de segurança alimentar entre 2000 e 2013, mas até onde eu sei não temos um diagnóstico abrangente sobre segurança alimentar no Brasil há seis anos, o que é preocupante se considerarmos que somos um dos maiores players do setor agropecuário mundial. Quer dizer, produzimos alimentos para o mundo, exportamos mais de 100 bilhões de dólares em 2018, mas parece faltar um olhar mais cuidadoso para as injustiças sociais dentro do próprio país. Parece-me que a nova gestão do Ministério da Agricultura está mais atenta à necessidade de delinearmos soluções para o Semiárido e contribuirmos, dessa forma, com a redução da desigualdade que é uma das características mais salientes do setor agropecuário brasileiro.
A insegurança alimentar não deriva da falta de capacidade de produzir alimentos, isso o Brasil tem de sobra, mas resulta da distribuição ineficiente. Para delinearmos políticas públicas mais eficazes, precisamos investir mais em censos e pesquisas abrangentes sobre temáticas relevantes, tais como segurança alimentar.
IHU On-Line – Em que consiste a Estratégia Intersetorial para a Redução de Perdas e Desperdício de Alimentos no Brasil? Qual é a função do Comitê Técnico de Perdas e Desperdício de Alimentos – CT PDA e da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional – Caisan nesse processo?
Gustavo Porpino – A Estratégia é resultado do trabalho conjunto de instituições públicas e setor privado. Contamos, por exemplo, com a participação da Embrapa, Associação Brasileira de Supermercados, Ceagesp, Conab, WWF Brasil e vários técnicos de ministérios. O Comitê Técnico, liderado pelo antigo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, delineou uma estratégia que leva em conta a complexidade do sistema agroalimentar brasileiro. Enquanto nos países europeus as iniciativas estão mais voltadas para as etapas de varejo e consumo, no Brasil precisamos implementar soluções envolvendo também cooperativas de produtores e centrais de abastecimento, e ainda avançar com os projetos de Lei e políticas públicas alinhados com o tema. A Caisan é um núcleo muito importante para um país com nossa diversidade, complexidade e desigualdades, e nosso temor é que perca importância com as recentes mudanças ocorridas no antigo MDS. A Estratégia em si precisa entrar em implementação e, para tanto, precisamos de vontade política. Sem vontade política, não conseguiremos avançar também no ambiente legislativo. A Política nacional de combate às perdas e ao desperdício de alimentos, por exemplo, agrega diversos PLs que estavam em tramitação há vários anos, mas é uma pauta que concorre com várias outras no Congresso e não creio que será aprovada no curto prazo.
IHU On-Line – Quais são as linhas de ação para atingir os objetivos da estratégia para a redução de perdas e desperdícios de alimentos no país?
Gustavo Porpino – Temos quatro eixos de ação na Estratégia: Pesquisa e Inovação; Comunicação, educação e capacitação; Promoção de políticas públicas; e Legislação. As ações envolvem distintos públicos de interesse, mas ressalto a importância de mudarmos o comportamento do consumidor. O consumidor tem capacidade de influenciar os outros elos da cadeia, e, quando há maior consciência sobre o desperdício de alimentos, todos saem ganhando. Delinear estratégias ganha-ganha é um dos desafios. Por exemplo, não adianta implementar uma ação ou aprovar um Projeto de Lei que soluciona um problema em determinado elo, mas gera outro para a etapa seguinte da cadeia produtiva. Há casos no exterior que facilitam o processo de doação de alimentos por parte dos supermercados, mas se não for acompanhado do fortalecimento das redes de bancos de alimentos e se os bancos não estiverem nas áreas com maior incidência de insegurança alimentar, o desperdício que ocorreria no varejo tradicional será apenas postergado para a etapa seguinte. Do mesmo modo, em outro exemplo hipotético, penalizar financeiramente os supermercados que desperdiçam alimentos não ajuda a solucionar o problema.
O Brasil dispõe de mais de 200 bancos de alimentos, e essa rede é importante tanto para o enfrentamento do desperdício quanto para o combate à fome. O atual Ministério da Cidadania, em parceria com o Sesc e o WWF Brasil, está realizando uma pesquisa para avaliar a situação dos bancos de alimentos. Esse esforço é relevante porque possibilitará identificar quais bancos de alimentos precisam ser incrementados, onde há maior demanda, e direcionar intervenções para o fortalecimento da rede nacional de bancos de alimentos.
O Brasil dispõe de mais de 200 bancos de alimentos, e essa rede é importante tanto para o enfrentamento do desperdício quanto para o combate à fome – Gustavo Porpino
De modo geral, para enfrentarmos o desperdício de alimentos, é preciso levar em conta a complexidade das interações entre os elos da cadeia produtiva e implementar ações alinhadas com o enfrentamento da insegurança alimentar.
IHU On-Line – Quais são os maiores desafios para atingir os objetivos propostos pela estratégia intersetorial?
Gustavo Porpino – O caso do Brasil é complexo pela necessidade de ações em várias frentes, desde investimentos em agrologística a iniciativas para melhorar a gestão da cadeia agroalimentar. Temos, por exemplo, que incrementar a capacidade do país de escoar a safra, substituirmos as embalagens inadequadas para acondicionar frutas e hortaliças por novas tecnologias, fortalecer a transferência de tecnologias para pequenos e médios produtores rurais, aproximarmos o consumidor urbano da produção de alimentos, e ainda conseguirmos elevar a importância da pauta segurança alimentarno ambiente legislativo e entre os formuladores de políticas públicas.
Talvez o maior desafio seja conseguir posicionar o tema segurança alimentar na agenda político-institucional com a importância merecida. Também precisamos fortalecer a visão de longo prazo, com políticas de Estado que consigam perpassar as frequentes mudanças que ocorrem, por exemplo, nos ministérios.
O Brasil é muito complexo, as cadeias produtivas não estão bem organizadas, em algumas delas diferentes atores defendem seus interesses e falta atuação conjunta entre elos importantes, tais como varejistas e produtores rurais, mas ao mesmo tempo vivemos um momento propício para fortalecer as conexões entre instituições de C&T, como a Embrapa, e o setor produtivo, na busca por soluções para problemas complexos. Há vários exemplos positivos de como esta interação entre a pesquisa e empreendedores pode impactar positivamente na geração de inovações. A iniciativa Ideas for Milk, por exemplo, une startups, pesquisadores e o setor produtivo e por meio dessa aproximação tem gerado soluções inovadoras para a cadeia produtiva do leite.
IHU On-Line – Como fomentar inovações que contribuam com a redução das perdas e do desperdício de alimentos?
Gustavo Porpino – A metodologia deste exemplo positivo que citei, o Ideas for Milk, pode ser utilizada também para a construção coletiva de novos modelos de negócio e soluções tecnológicas para a redução das perdas e do desperdício de alimentos. Há um crescente movimento global de agritechs e startups sendo lançadas para contribuir com a produção sustentável de alimentos, entre outros desafios. O Brasil é um dos países mais empreendedores do mundo, temos um setor agro com DNA inovador e se conseguirmos fortalecer as interações entre academia, instituições de C&T e mercado certamente avançaremos na adoção de novas tecnologias. O Sebrae, por exemplo, é um importante parceiro da Embrapa e também tem expertise no desenvolvimento de desafios para startups. Recentemente, a Embrapa teve uma experiência muito positiva atuando juntamente com investidores e aceleradoras de startups na chamada Pontes para Inovação, uma iniciativa de fomento a empresas que adotam tecnologias desenvolvidas pela Embrapa e parceiros. São esses novos modelos de incentivo à inovação no setor agro, com união de esforços de diferentes elos da cadeia produtiva, que irão ajudar o Brasil a enfrentar grandes desafios como o desperdício de alimentos.
Se levarmos em conta as projeções de estudos do Boston Consulting Group, por exemplo, o mundo caminha para o aumento do desperdício em vez da redução – Gustavo Porpino
IHU On-Line – Quais são as metas do Acordo de Paris, da Agenda 2030 e do Plano da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos para a Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome 2025 acerca da redução dos desperdícios de alimentos?
Gustavo Porpino – A Agenda 2030 das Nações Unidas tem como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentávelassegurar padrões de produção e consumo sustentáveis, e a meta 12.3 estabelece reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita. No âmbito da América Latina e do Caribe, a redução do desperdício também está presente nos planos de fortalecimento da segurança alimentar. A FAO, por exemplo, coordena ação importante entre os países da América Latina para a implementação de ações conjuntas e compartilhamento de boas práticas, e vemos um movimento recente de união de esforços para a implementação do Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana na América Latina. A Embrapa também está engajada nestas discussões entre os países latinos. Recentemente, participamos da Semana da Alimentação e Agricultura, realizada pela FAO em Buenos Aires, e podemos conhecer melhor o programa nacional para redução do desperdício de alimentos em execução na Argentina. Por lá, o Senado aprovou uma Lei para desburocratizar a doação de alimentos e o dia 29 de setembro foi estabelecido como dia nacional das perdas e do desperdício de alimentos. A campanha “Valoremos los alimentos”, uma iniciativa da Secretaria de Agroindústria da Argentina, também está sendo fortalecida. Essas ações podem ser criadas pelos governos e impulsionadas com a participação do setor produtivo.
Atingir a meta do ODS 12.3 é um desafio imenso, e se levarmos em conta as projeções de estudos do Boston Consulting Group, por exemplo, o mundo caminha para o aumento do desperdício em vez da redução. E por que isso pode ocorrer? Temos tendências consolidadas de aumento da classe média global, novos padrões de consumo de alimentos derivados de um mercado mais exigente, e essas mudanças comportamentais e econômicas são acompanhadas de transformações do clima, e ainda crises humanitárias em regiões de conflito.
IHU On-Line – Considerando o atual índice de desperdício de alimentos no Brasil, quais são as possibilidades de o país alcançar os objetivos da Agenda 2030 e o Plano da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos para a Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome 2025?
Gustavo Porpino – É difícil fazer essa projeção porque depende de fatores múltiplos. Volto ao ponto da vontade política. Por vezes, ficamos com a impressão de que o Brasil caminha em círculos. É feito um enorme esforço de construção de política pública, mas a morosidade do Legislativo somada ao desinteresse de alguns altos gestores, tanto do poder público quanto da iniciativa privada, prejudica a capacidade do país de avançar.
A Embrapa tem buscado fazer a sua parte. Temos representantes na Caisan, participamos das discussões no Congresso, atuamos em parceria com o WWF Brasil, FAO e outras instituições, e várias Unidades de pesquisa já desenvolveram soluções tecnológicas que contribuem com a redução das perdas e do desperdício de alimentos. O Ministério do Meio Ambiente realizou, em 2018, um levantamento de boas práticas para o combate às perdas e ao desperdício de alimentos. A Embrapa foi uma das instituições reconhecidas e também atuamos em conjunto com o MMA no lançamento da Semana Nacional de Conscientização sobre o Desperdício de Alimentos, iniciativa que foi lançada no ano passado com a intenção de ser anual.
(EcoDebate, 26/02/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Autor: ONU Brasil
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/26/dois-problemas-antagonicos-coexistem-no-brasil-o-desperdicio-de-alimentos-e-a-inseguranca-alimentar/
Por Patricia Facchin, IHU
Apesar de o Brasil ter saído do Mapa da Fome, dois problemas ainda persistem quando se trata de analisar a situação alimentar do brasileiro: o desperdício e a insegurança alimentar. O alerta é feito por Gustavo Porpino, coordenador do projeto “Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil sobre desperdício de alimentos”, realizado a partir de uma parceria entre a Embrapa e a Fundação Getulio Vargas – FGV.
Segundo ele, cada brasileiro desperdiça em média 40 quilos de alimentos por ano, e o desperdício está associado a “fatores comportamentais, tais como planejar a compra e a refeição, não comprar alimentos em excesso, organizar bem a geladeira e a despensa, reaproveitar as sobras das refeições e, principalmente, substituir a cultura do ‘é melhor sobrar do que faltar’ por hábitos mais frugais”.
Nesse contexto, informa, outro problema chama atenção: a insegurança alimentar ainda atinge aproximadamente 22% da população brasileira. “Quando a análise passa a ser mais local, e não nacional, vemos que muitos municípios ou estados permanecem com mais de 5% da população em insegurança alimentar grave, o limite utilizado para o país constar ou não no Mapa da Fome. Em uma análise regional, se fossem considerados países, as regiões Norte e Nordeste ainda estariam no Mapa da Fome da última vez que a insegurança alimentar foi mensurada no Brasil”, adverte.
Ele diz ainda que os últimos dados sobre insegurança alimentar no país demonstraram que em “2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar moderada ou grave, um dado alarmante, ainda mais se levarmos em conta este aparente paradoxo de a insegurança alimentar ser maior para as famílias que estão mais próximas da produção de alimentos. Temos o caso do Maranhão, por exemplo, com índice de insegurança alimentar de 60%, percentual bem acima da média nacional, e estados do Sul, como Santa Catarina, com índices bem melhores”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Gustavo Porpino enfatiza que embora tenha havido uma melhora nos índices de segurança alimentar entre 2000 e 2013, não existe “um diagnóstico abrangente sobre segurança alimentar no Brasil há seis anos, o que é preocupante se considerarmos que somos um dos maiores players do setor agropecuário mundial”.
A seguir, o pesquisador comenta as metas e as propostas do Brasil para enfrentar o desperdício e a insegurança alimentar, e pontua que o maior desafio para combater esses problemas está atrelado à possibilidade de “conseguir posicionar o tema segurança alimentar na agenda político-institucional com a importância merecida. Também precisamos fortalecer a visão de longo prazo, com políticas de Estado que consigam perpassar as frequentes mudanças que ocorrem, por exemplo, nos ministérios”, diz. Esse tipo de medida, explica, ainda é mais urgente quando estudos demonstram que “o mundo caminha para o aumento do desperdício em vez da redução”.
Gustavo Porpino é graduado em Jornalismo e mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, e doutor em Administração pela Fundação Getulio Vargas – FGV-EAESP. Atualmente é analista da Secretaria de Inovação da Embrapa e liderou projeto dos Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil sobre desperdício de alimentos. Foi pesquisador visitante da Universidade Cornell, onde realizou pesquisas sobre comportamento de consumo de alimentos, e durante o doutorado pesquisou o desperdício de alimentos em famílias de classe média baixa. É idealizador da iniciativa Sem Desperdício, uma parceria da Embrapa e WWF Brasil com apoio da FAO, lançada em 2016 para ampliar a consciência dos consumidores urbanos sobre o desperdício de alimentos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi feita a pesquisa sobre o desperdício de alimentos no Brasil, a qual mostra que o brasileiro joga, em média, mais de 40 quilos de comida no lixo por ano?
Gustavo Porpino – A pesquisa faz parte dos Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, um instrumento de cooperação entre os Estados-membros da União Europeia e o Brasil em temas de interesse mútuo e alinhados com desafios globais. A Embrapa e a Fundação Getulio Vargas planejaram a pesquisa e conseguimos ter um retrato representativo da população brasileira sobre o quanto se desperdiça nos lares brasileiros, quais os alimentos mais desperdiçados e quais fatores comportamentais contribuem para que o desperdício ocorra. O estudo foi dividido em três fases. Após a primeira fase qualitativa, na qual foram entrevistados consumidores em feiras livres e supermercados sobre hábitos de consumo de alimentos, aplicamos um questionário com 1.764 famílias e, dessa amostra, 686 preencheram um diário alimentar, no qual foi reportado ao longo de até uma semana quais alimentos eram desperdiçados. O interessante é que usamos uma plataforma móvel e os respondentes puderam fazer upload das fotos dos alimentos desperdiçados.
O fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome deve ser louvado, mas não significa que a fome deixou de ser um problema – Gustavo Porpino
IHU On-Line – O que esse indicativo de 40 quilos de comida desperdiçada representa, especialmente considerando o quadro de desigualdades no país? Esse percentual é considerado elevado se comparado a outros países?
Gustavo Porpino – Se considerarmos que foi mensurado apenas o desperdício que ocorre nos domicílios, e não estamos computando os alimentos desperdiçados nas refeições feitas fora do lar, temos um indicativo de que a família brasileira típica desperdiça uma quantidade de comida semelhante às famílias dos países mais ricos da Europa, ou mesmo dos Estados Unidos, por exemplo. Para termos um índice de desperdício de alimentos global para comparar diferentes países, teríamos que utilizar a mesma metodologia de mensuração. Países europeus que utilizam análises do lixo domiciliar para quantificar o desperdício tendem a reportar desperdício acima de 40 Kg por habitante ao ano.
No Brasil, a aplicação desse método não é viável para uma pesquisa de abrangência nacional. Para o Brasil, mais do que sabermos com precisão o quanto é perdido ou desperdiçado nas diferentes etapas da cadeia agroalimentar, o mais relevante é pôr em prática ações para mudar positivamente os comportamentos que levam ao desperdício na etapa de consumo. A convivência mútua do elevado desperdício com a insegurança alimentar que persiste em algumas regiões brasileiras aponta para uma oportunidade perdida. Não necessariamente reduzir o desperdício de alimentos contribui com o combate à fome, mas ao ampliarmos a oferta de alimentos por meio da redução das perdas e do desperdício, surgem oportunidades de direcionarmos o excedente para a população mais necessitada. Aliar o combate ao desperdício de alimentos com as iniciativas de fortalecimento da segurança alimentar é o caminho a ser seguido e envolve ações ao longo de toda a cadeia produtiva, desde o campo até a mesa.
IHU On-Line – Quais são as razões que explicam esse desperdício de comida entre os brasileiros? Existe alguma correlação entre o desperdício, o poder aquisitivo e o nível de instrução das pessoas ou o desperdício independe desses fatores?
Gustavo Porpino – As famílias brasileiras tendem a valorizar a fartura na mesa. Podemos pensar na fartura como um ciclo que está presente em toda a jornada de consumo dos alimentos, desde a ida ao supermercado ou feira livre até o preparo da refeição, o modo de servir, e a administração das sobras das refeições. O mercado consumidor brasileiro é bastante segmentado, tanto em termos de renda e outras variáveis socioeconômicas quanto em termos comportamentais.
Desperdício e hábitos comportamentais
A diferença entre as famílias que desperdiçam mais e as que desperdiçam menos comida é mais bem explicada pelos fatores comportamentais, tais como planejar a compra e a refeição, não comprar alimentos em excesso, organizar bem a geladeira e a despensa, reaproveitar as sobras das refeições e, principalmente, substituir a cultura do “é melhor sobrar do que faltar” por hábitos mais frugais. Mesmo no contexto da classe média baixa existem famílias com características comportamentais que levam ao desperdício de comida. O consumidor da base da pirâmide, em particular, está sempre preocupado em economizar com a compra de alimentos, mas algumas estratégias como comprar no atacado e manter a despensa sempre cheia com os alimentos mais consumidos, tais como arroz e feijão, podem gerar mais desperdício se a família não tiver boa capacidade de planejamento das refeições e não estiver disposta a reaproveitar as sobras.
O desperdício de comida nas famílias de maior poder aquisitivo tende a ser mais diversificado e inclui, além dos alimentos mais consumidos, frutas e hortaliças, por exemplo. Famílias de menor renda tendem a ter uma dieta menos diversificada e, por consequência, o desperdício também está concentrado em menor variedade de alimentos. De modo geral, nos diferentes segmentos, o problema está mais relacionado com cozinhar demais e não aproveitar as sobras das refeições. É um problema complexo que requer mudança cultural por meio de ações de longo prazo.
IHU On-Line – Quais diria que são os hábitos alimentares dos brasileiros, de modo geral, e que tipo de alimento costuma ser mais desperdiçado?
Gustavo Porpino – Os hábitos alimentares variam muito conforme a renda, estilos de vida e outros fatores comportamentais. O segmento mais pobre está preocupado em não voltar a passar fome e tende a valorizar a fartura, porque o alimento sinaliza dignidade e riqueza. Por vezes, o consumidor de menor renda desperdiça por fatores alheios à sua vontade, como não ter recipientes adequados para acondicionar as sobras das refeições na geladeira. Mas também há o segmento que mostra preconceito com o consumo das sobras, considera as sobras das refeições como sendo “comida dormida” e tende a jogar fora o que sobrou em vez de reinventar em novos pratos.
O segmento mais pobre está preocupado em não voltar a passar fome e tende a valorizar a fartura, porque o alimento sinaliza dignidade e riqueza – Gustavo Porpino
As famílias mais ricas têm dietas mais saudáveis, valorizam modismos diversos na alimentação, mas também estão bastante segmentadas em termos de hábitos que levam ao desperdício. Captamos, na pesquisa, que os consumidores valorizam bastante o frescor dos alimentos, e, quando este hábito é combinado com a valorização da fartura, há maior propensão de descarte das sobras.
Alimentos mais desperdiçados
A pesquisa apontou que, de cada 1 kg desperdiçado pelas famílias, em média, 220 gramas são de arroz, 200 gramas de carne, 160 gramas de feijão e 150 gramas de frango. Estes são os mais desperdiçados na análise por quilogramas. Observamos que o desperdício de arroz e feijão tende a ser mais recorrente e o desperdício médio relativamente alto de proteína animal se dá por algumas eventualidades, tais como assar muita carne num churrasco de final de semana e não aproveitar as sobras. Hortaliças são uma categoria de alimentos na qual há relação entre renda e desperdício. As famílias de maior poder aquisitivo tendem a desperdiçar mais hortaliças, mas este resultado deriva do fato de o consumo de frutas e hortaliças no Brasil estar muito concentrado nos segmentos de maior renda. Temos aí um outro problema a ser combatido. Precisamos ampliar o consumo de frutas e hortaliças na população de baixa renda, que está mais sujeita a ser obesa e ter outras doenças derivadas da alimentação inadequada.
IHU On-Line – Desde o ano passado, algumas ONGs têm alertado para o risco de o Brasil retornar ao Mapa da Fome da ONU. Qual é o nível de insegurança alimentar no país hoje e quais são os riscos de o país voltar a fazer parte do Mapa da Fome?
Gustavo Porpino – O Brasil precisa passar a mensurar a insegurança alimentar com mais frequência e delinear planos de ação levando em conta as diferenças regionais. O último levantamento do IBGE, realizado em 2013, mostrou que 22,6% da população estavam em algum nível de insegurança alimentar: leve, moderada ou grave. As diferenças regionais são significativas. Em 2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar moderada ou grave, um dado alarmante, ainda mais se levarmos em conta este aparente paradoxo de a insegurança alimentar ser maior para as famílias que estão mais próximas da produção de alimentos. Temos o caso do Maranhão, por exemplo, com índice de insegurança alimentar de 60%, percentual bem acima da média nacional, e estados do Sul, como Santa Catarina, com índices bem melhores.
Em 2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar moderada ou grave – Gustavo Porpino
O problema da fome
O fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome deve ser louvado, mas não significa que a fome deixou de ser um problema. Quando a análise passa a ser mais local, e não nacional, vemos que muitos municípios ou estados permanecem com mais de 5% da população em insegurança alimentar grave, o limite utilizado para o país constar ou não no Mapa da Fome. Em uma análise regional, se fossem considerados países, as regiões Norte e Nordeste ainda estariam no Mapa da Fome da última vez que a insegurança alimentar foi mensurada no Brasil.
De modo geral, houve melhora significativa dos índices de segurança alimentar entre 2000 e 2013, mas até onde eu sei não temos um diagnóstico abrangente sobre segurança alimentar no Brasil há seis anos, o que é preocupante se considerarmos que somos um dos maiores players do setor agropecuário mundial. Quer dizer, produzimos alimentos para o mundo, exportamos mais de 100 bilhões de dólares em 2018, mas parece faltar um olhar mais cuidadoso para as injustiças sociais dentro do próprio país. Parece-me que a nova gestão do Ministério da Agricultura está mais atenta à necessidade de delinearmos soluções para o Semiárido e contribuirmos, dessa forma, com a redução da desigualdade que é uma das características mais salientes do setor agropecuário brasileiro.
A insegurança alimentar não deriva da falta de capacidade de produzir alimentos, isso o Brasil tem de sobra, mas resulta da distribuição ineficiente. Para delinearmos políticas públicas mais eficazes, precisamos investir mais em censos e pesquisas abrangentes sobre temáticas relevantes, tais como segurança alimentar.
IHU On-Line – Em que consiste a Estratégia Intersetorial para a Redução de Perdas e Desperdício de Alimentos no Brasil? Qual é a função do Comitê Técnico de Perdas e Desperdício de Alimentos – CT PDA e da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional – Caisan nesse processo?
Gustavo Porpino – A Estratégia é resultado do trabalho conjunto de instituições públicas e setor privado. Contamos, por exemplo, com a participação da Embrapa, Associação Brasileira de Supermercados, Ceagesp, Conab, WWF Brasil e vários técnicos de ministérios. O Comitê Técnico, liderado pelo antigo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, delineou uma estratégia que leva em conta a complexidade do sistema agroalimentar brasileiro. Enquanto nos países europeus as iniciativas estão mais voltadas para as etapas de varejo e consumo, no Brasil precisamos implementar soluções envolvendo também cooperativas de produtores e centrais de abastecimento, e ainda avançar com os projetos de Lei e políticas públicas alinhados com o tema. A Caisan é um núcleo muito importante para um país com nossa diversidade, complexidade e desigualdades, e nosso temor é que perca importância com as recentes mudanças ocorridas no antigo MDS. A Estratégia em si precisa entrar em implementação e, para tanto, precisamos de vontade política. Sem vontade política, não conseguiremos avançar também no ambiente legislativo. A Política nacional de combate às perdas e ao desperdício de alimentos, por exemplo, agrega diversos PLs que estavam em tramitação há vários anos, mas é uma pauta que concorre com várias outras no Congresso e não creio que será aprovada no curto prazo.
IHU On-Line – Quais são as linhas de ação para atingir os objetivos da estratégia para a redução de perdas e desperdícios de alimentos no país?
Gustavo Porpino – Temos quatro eixos de ação na Estratégia: Pesquisa e Inovação; Comunicação, educação e capacitação; Promoção de políticas públicas; e Legislação. As ações envolvem distintos públicos de interesse, mas ressalto a importância de mudarmos o comportamento do consumidor. O consumidor tem capacidade de influenciar os outros elos da cadeia, e, quando há maior consciência sobre o desperdício de alimentos, todos saem ganhando. Delinear estratégias ganha-ganha é um dos desafios. Por exemplo, não adianta implementar uma ação ou aprovar um Projeto de Lei que soluciona um problema em determinado elo, mas gera outro para a etapa seguinte da cadeia produtiva. Há casos no exterior que facilitam o processo de doação de alimentos por parte dos supermercados, mas se não for acompanhado do fortalecimento das redes de bancos de alimentos e se os bancos não estiverem nas áreas com maior incidência de insegurança alimentar, o desperdício que ocorreria no varejo tradicional será apenas postergado para a etapa seguinte. Do mesmo modo, em outro exemplo hipotético, penalizar financeiramente os supermercados que desperdiçam alimentos não ajuda a solucionar o problema.
O Brasil dispõe de mais de 200 bancos de alimentos, e essa rede é importante tanto para o enfrentamento do desperdício quanto para o combate à fome. O atual Ministério da Cidadania, em parceria com o Sesc e o WWF Brasil, está realizando uma pesquisa para avaliar a situação dos bancos de alimentos. Esse esforço é relevante porque possibilitará identificar quais bancos de alimentos precisam ser incrementados, onde há maior demanda, e direcionar intervenções para o fortalecimento da rede nacional de bancos de alimentos.
O Brasil dispõe de mais de 200 bancos de alimentos, e essa rede é importante tanto para o enfrentamento do desperdício quanto para o combate à fome – Gustavo Porpino
De modo geral, para enfrentarmos o desperdício de alimentos, é preciso levar em conta a complexidade das interações entre os elos da cadeia produtiva e implementar ações alinhadas com o enfrentamento da insegurança alimentar.
IHU On-Line – Quais são os maiores desafios para atingir os objetivos propostos pela estratégia intersetorial?
Gustavo Porpino – O caso do Brasil é complexo pela necessidade de ações em várias frentes, desde investimentos em agrologística a iniciativas para melhorar a gestão da cadeia agroalimentar. Temos, por exemplo, que incrementar a capacidade do país de escoar a safra, substituirmos as embalagens inadequadas para acondicionar frutas e hortaliças por novas tecnologias, fortalecer a transferência de tecnologias para pequenos e médios produtores rurais, aproximarmos o consumidor urbano da produção de alimentos, e ainda conseguirmos elevar a importância da pauta segurança alimentarno ambiente legislativo e entre os formuladores de políticas públicas.
Talvez o maior desafio seja conseguir posicionar o tema segurança alimentar na agenda político-institucional com a importância merecida. Também precisamos fortalecer a visão de longo prazo, com políticas de Estado que consigam perpassar as frequentes mudanças que ocorrem, por exemplo, nos ministérios.
O Brasil é muito complexo, as cadeias produtivas não estão bem organizadas, em algumas delas diferentes atores defendem seus interesses e falta atuação conjunta entre elos importantes, tais como varejistas e produtores rurais, mas ao mesmo tempo vivemos um momento propício para fortalecer as conexões entre instituições de C&T, como a Embrapa, e o setor produtivo, na busca por soluções para problemas complexos. Há vários exemplos positivos de como esta interação entre a pesquisa e empreendedores pode impactar positivamente na geração de inovações. A iniciativa Ideas for Milk, por exemplo, une startups, pesquisadores e o setor produtivo e por meio dessa aproximação tem gerado soluções inovadoras para a cadeia produtiva do leite.
IHU On-Line – Como fomentar inovações que contribuam com a redução das perdas e do desperdício de alimentos?
Gustavo Porpino – A metodologia deste exemplo positivo que citei, o Ideas for Milk, pode ser utilizada também para a construção coletiva de novos modelos de negócio e soluções tecnológicas para a redução das perdas e do desperdício de alimentos. Há um crescente movimento global de agritechs e startups sendo lançadas para contribuir com a produção sustentável de alimentos, entre outros desafios. O Brasil é um dos países mais empreendedores do mundo, temos um setor agro com DNA inovador e se conseguirmos fortalecer as interações entre academia, instituições de C&T e mercado certamente avançaremos na adoção de novas tecnologias. O Sebrae, por exemplo, é um importante parceiro da Embrapa e também tem expertise no desenvolvimento de desafios para startups. Recentemente, a Embrapa teve uma experiência muito positiva atuando juntamente com investidores e aceleradoras de startups na chamada Pontes para Inovação, uma iniciativa de fomento a empresas que adotam tecnologias desenvolvidas pela Embrapa e parceiros. São esses novos modelos de incentivo à inovação no setor agro, com união de esforços de diferentes elos da cadeia produtiva, que irão ajudar o Brasil a enfrentar grandes desafios como o desperdício de alimentos.
Se levarmos em conta as projeções de estudos do Boston Consulting Group, por exemplo, o mundo caminha para o aumento do desperdício em vez da redução – Gustavo Porpino
IHU On-Line – Quais são as metas do Acordo de Paris, da Agenda 2030 e do Plano da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos para a Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome 2025 acerca da redução dos desperdícios de alimentos?
Gustavo Porpino – A Agenda 2030 das Nações Unidas tem como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentávelassegurar padrões de produção e consumo sustentáveis, e a meta 12.3 estabelece reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita. No âmbito da América Latina e do Caribe, a redução do desperdício também está presente nos planos de fortalecimento da segurança alimentar. A FAO, por exemplo, coordena ação importante entre os países da América Latina para a implementação de ações conjuntas e compartilhamento de boas práticas, e vemos um movimento recente de união de esforços para a implementação do Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana na América Latina. A Embrapa também está engajada nestas discussões entre os países latinos. Recentemente, participamos da Semana da Alimentação e Agricultura, realizada pela FAO em Buenos Aires, e podemos conhecer melhor o programa nacional para redução do desperdício de alimentos em execução na Argentina. Por lá, o Senado aprovou uma Lei para desburocratizar a doação de alimentos e o dia 29 de setembro foi estabelecido como dia nacional das perdas e do desperdício de alimentos. A campanha “Valoremos los alimentos”, uma iniciativa da Secretaria de Agroindústria da Argentina, também está sendo fortalecida. Essas ações podem ser criadas pelos governos e impulsionadas com a participação do setor produtivo.
Atingir a meta do ODS 12.3 é um desafio imenso, e se levarmos em conta as projeções de estudos do Boston Consulting Group, por exemplo, o mundo caminha para o aumento do desperdício em vez da redução. E por que isso pode ocorrer? Temos tendências consolidadas de aumento da classe média global, novos padrões de consumo de alimentos derivados de um mercado mais exigente, e essas mudanças comportamentais e econômicas são acompanhadas de transformações do clima, e ainda crises humanitárias em regiões de conflito.
IHU On-Line – Considerando o atual índice de desperdício de alimentos no Brasil, quais são as possibilidades de o país alcançar os objetivos da Agenda 2030 e o Plano da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos para a Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome 2025?
Gustavo Porpino – É difícil fazer essa projeção porque depende de fatores múltiplos. Volto ao ponto da vontade política. Por vezes, ficamos com a impressão de que o Brasil caminha em círculos. É feito um enorme esforço de construção de política pública, mas a morosidade do Legislativo somada ao desinteresse de alguns altos gestores, tanto do poder público quanto da iniciativa privada, prejudica a capacidade do país de avançar.
A Embrapa tem buscado fazer a sua parte. Temos representantes na Caisan, participamos das discussões no Congresso, atuamos em parceria com o WWF Brasil, FAO e outras instituições, e várias Unidades de pesquisa já desenvolveram soluções tecnológicas que contribuem com a redução das perdas e do desperdício de alimentos. O Ministério do Meio Ambiente realizou, em 2018, um levantamento de boas práticas para o combate às perdas e ao desperdício de alimentos. A Embrapa foi uma das instituições reconhecidas e também atuamos em conjunto com o MMA no lançamento da Semana Nacional de Conscientização sobre o Desperdício de Alimentos, iniciativa que foi lançada no ano passado com a intenção de ser anual.
(EcoDebate, 26/02/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Autor: ONU Brasil
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/26/dois-problemas-antagonicos-coexistem-no-brasil-o-desperdicio-de-alimentos-e-a-inseguranca-alimentar/
INCA publica cartilha desmentindo boatos sobre alimentos e a cura do câncer
Cartilhas
2018
Dietas restritivas e alimentos milagrosos durante o tratamento do câncer: fique fora dessa!
Nessa cartilha, o INCA orienta seus pacientes sobre mitos relacionados a restrições alimentares e alimentos milagrosos durante o tratamento oncológico.
Orientação para os pacientes sobre dietas restritivas e alimentos milagrosos durante o tratamento do câncer
Fonte: INCA
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2019
Autor: INCA
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/26/inca-publica-cartilha-desmentindo-boatos-sobre-alimentos-e-a-cura-do-cancer/
Tietê permanece adoecido na região metropolitana devido ao mau planejamento urbano, artigo de Sucena Shkrada Resk
Poluição do Rio Tietê em Pirapora do Bom Jesus. Foto: EBC
A sensação de déjà-vu é contínua. Entra ano, sai ano, esta é a realidade perversa que vivemos diariamente nas regiões metropolitanas. De um lado, algumas nascentes que resistem, sabe-se lá até quando à pressão humana e, por outro, rios que são engolidos, em diversos trechos de seus percursos, por plásticos e por todos os tipos de resíduos que são recicláveis, além da imensa descarga clandestina de esgotos domésticos e industriais. No estado de São Paulo, o exemplo clássico é do Tietê. Um dos efeitos colaterais do mau planejamento urbano por décadas.
Mas muitos rios em diferentes localidades do país poderiam ser objeto desta reflexão. Só em relação à poluição orgânica, o Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, da Agência Nacional de Águas (ANA), publicado em 2017, expôs que a maioria dos municípios brasileiros despeja pelo menos 50% do esgoto que produz diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza.
Nascente conservada
No caso do Tietê, o exercício de observação se torna interessante ao ver sua nascente ainda preservada em Salesópolis, a 96 quilômetros da capital. Praticamente escondida sob as rochas e mata, se encontra em uma unidade de conservação – Parque Estadual das Nascentes do Rio Tietê, criado por decreto estadual, em 1988, e inaugurado oficialmente em 1996. Antes havia sido um terreno particular, com atividades pecuárias e carvoeiras. Mas a descoberta da nascente foi feita bem antes, em 1954, pela Sociedade Geográfica Brasileira.
Depois de 20 anos, estive lá novamente, no dia 02 de fevereiro. Foi um momento de significativa contemplação e reflexão sobre estes contrates que se arrastam indefinidamente, principalmente desde as primeiras décadas do século XX. O contraponto no curso das águas do Tietê, em situação de “poluição”, foi destaque recentemente na mídia e flagrada na região do município de Salto, depois das chuvas que aumentaram o nível do rio e carrearam os resíduos despejados irregularmente nas vias .
Responsabilidade compartilhada
Todas essas situações certamente não derivam de geração espontânea. Estamos em 2018 e ainda parece um bicho-de-sete-cabeças falar de responsabilidades compartilhadas, neste contexto, não é? Sim, gestão pública (municipal, estadual e federal), empresas e sociedade civil. O Projeto Tietê foi proposto para sua despoluição na Região Metropolitana do Estado de São Paulo, desde 1992, com financiamento vultoso do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e está sendo coordenado pela Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp). A sua concepção foi decorrente de mobilização social, que contou também com um abaixo-assinado com mais de 1 milhão e 200 mil assinaturas, ocorrida na capital, com a iniciativa da rádio Eldorado, do Jornal da Tarde e da SOS Mata Atlântica.
Ao longo do processo, é possível observar que avançou em alguns pontos, com coleta e estações de tratamento de esgotos, mas ainda precisa avançar muito no saneamento, pois depende também das ações municipais. Hoje se encontra na terceira etapa, que deve seguir até 2020 e depois iniciar a quarta etapa.
Durante todos estes anos, o cenário que se vê é de que muitos municípios ainda continuam a despejar esgoto clandestinamente no rio. Ao mesmo tempo, há a falta de educação quanto ao consumo consciente e o despejo em grande volume de resíduos que deveriam ser reciclados. Um ciclo vicioso das lacunas do saneamento ambiental, que envolve diretamente a sociedade.
Existe um antagônico retrato do desenvolvimento principalmente na região metropolitana de São Paulo, com mais de 20 milhões de pessoas, que segue na contramão do que seria esperado de um comportamento civilizado nas cidades. Seja sob temporais ou em períodos de estiagem, esse contexto resulta em um Tietê “sufocado”, que está bem longe de seus áureos tempos em que ainda era totalmente sinuoso (não retificado em seu curso), onde antepassados nadavam, pescavam, andavam de barco, participavam de provas aquáticas e no qual, o ecossistema fluía livre.
Até quando será possível vislumbrar nascentes com água insípida, inodora e incolor, como vi em Salesópolis? A sensação é quase de êxtase e com licença poética para recobrar a inspirada letra da música “Planeta Água”, de Guilherme Arantes, não é? Sem pecar pelo excesso de romantismo. Mas vale repetir o questionamento – até quando? Uma série de pressões vem de todos os lados, acrescentando às fontes poluidoras, os agrotóxicos utilizados em cultivos próximos das águas, em alguns municípios.
O rio carece, em muitos trechos, da falta de matas ciliares, e de florestas nativas. O próprio parque é resultado de regeneração após exploração carvoeira que havia na área anteriormente e se transformou em UC por pressão da sociedade e decisão de uma política pública. Mas não é suficiente. O município também apresenta simultaneamente áreas de reflorestamento com espécies exóticas, devido ao mercado de papel e celulose regional, e carece de mais áreas nativas.
Facetas da poluição
As diferentes facetas da poluição hídrica resultam na “morte” de partes do Tietê. Exagero? Não. Em julho passado, o que se via, era a carga de espuma, retrato da poluição, por exemplo, na mesma Salto e na região de Cabreúva. Em outubro, uma “lama negra”, provavelmente decorrente da abertura de comportas de usinas, como foi destacado em noticiário à época. Mais recentemente o “mar de plásticos”. Os resultados dos comprometimentos físico, químico e biológico são comprovados por análises técnicas.
Onde o rio está morto
Parece redundância, mas falar a respeito dessas situações se repete em relação aos anos e décadas anteriores. Em 2018, o relatório Observando o Tietê, da Fundação SOS Mata Atlântica, expôs que a mancha de poluição era de 122 quilômetros, em sua extensão, entre Itaquaquecetuba e Cabreúva. Isso quer dizer 10,6% dos seus 1.150 quilômetros.
O monitoramento foi feito nas bacias hidrográficas do Alto e Médio Tietê e sub-bacias dos rios Sorocaba, Piracicaba, Capivari e Jundiaí, no período de setembro de 2017 a agosto de 2018. O Tietê deságua no rio Paraná, no município de Itapura (divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul). Em 2010, esta mancha era de 243 quilômetros. Houve um decréscimo, mas ainda falta muito para melhorar, não é?
Mais um dado a refletir: toda poluição gerada nos 39 municípios da bacia hidrográfica do Alto Tietê, chega a 612 toneladas de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO)/ dia (dos 62 que compreendem toda extensão do rio). Daí é possível entender por que não é possível ver peixes ou outros tipos de vida nestes trechos. Como resistir a tanto esgoto? Em 63,4% dos 112 pontos de coleta, a condição de água estava regular, segundo o estudo.
Segundo o relatório, a qualidade de água boa foi mantida em 4 pontos de coleta: dois localizados no rio Tietê, nos municípios de Salesópolis e Biritiba-Mirim, em área de manancial e os outros 2 em afluente do rio Caulim e em nascente afluente da represa Billings, no parque Shangrilá, ambas na Capital paulista.
Esse conjunto de dados demonstra que o rio não sairá desta condição, se continuarmos a perpetuar este mesmo modelo de desenvolvimento às avessas nas regiões metropolitanas. Quem ganha com um Tietê morto?
* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/26/tiete-permanece-adoecido-na-regiao-metropolitana-devido-ao-mau-planejamento-urbano-artigo-de-sucena-shkrada-resk/
A sensação de déjà-vu é contínua. Entra ano, sai ano, esta é a realidade perversa que vivemos diariamente nas regiões metropolitanas. De um lado, algumas nascentes que resistem, sabe-se lá até quando à pressão humana e, por outro, rios que são engolidos, em diversos trechos de seus percursos, por plásticos e por todos os tipos de resíduos que são recicláveis, além da imensa descarga clandestina de esgotos domésticos e industriais. No estado de São Paulo, o exemplo clássico é do Tietê. Um dos efeitos colaterais do mau planejamento urbano por décadas.
Mas muitos rios em diferentes localidades do país poderiam ser objeto desta reflexão. Só em relação à poluição orgânica, o Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, da Agência Nacional de Águas (ANA), publicado em 2017, expôs que a maioria dos municípios brasileiros despeja pelo menos 50% do esgoto que produz diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza.
Nascente conservada
No caso do Tietê, o exercício de observação se torna interessante ao ver sua nascente ainda preservada em Salesópolis, a 96 quilômetros da capital. Praticamente escondida sob as rochas e mata, se encontra em uma unidade de conservação – Parque Estadual das Nascentes do Rio Tietê, criado por decreto estadual, em 1988, e inaugurado oficialmente em 1996. Antes havia sido um terreno particular, com atividades pecuárias e carvoeiras. Mas a descoberta da nascente foi feita bem antes, em 1954, pela Sociedade Geográfica Brasileira.
Depois de 20 anos, estive lá novamente, no dia 02 de fevereiro. Foi um momento de significativa contemplação e reflexão sobre estes contrates que se arrastam indefinidamente, principalmente desde as primeiras décadas do século XX. O contraponto no curso das águas do Tietê, em situação de “poluição”, foi destaque recentemente na mídia e flagrada na região do município de Salto, depois das chuvas que aumentaram o nível do rio e carrearam os resíduos despejados irregularmente nas vias .
Responsabilidade compartilhada
Todas essas situações certamente não derivam de geração espontânea. Estamos em 2018 e ainda parece um bicho-de-sete-cabeças falar de responsabilidades compartilhadas, neste contexto, não é? Sim, gestão pública (municipal, estadual e federal), empresas e sociedade civil. O Projeto Tietê foi proposto para sua despoluição na Região Metropolitana do Estado de São Paulo, desde 1992, com financiamento vultoso do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e está sendo coordenado pela Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp). A sua concepção foi decorrente de mobilização social, que contou também com um abaixo-assinado com mais de 1 milhão e 200 mil assinaturas, ocorrida na capital, com a iniciativa da rádio Eldorado, do Jornal da Tarde e da SOS Mata Atlântica.
Ao longo do processo, é possível observar que avançou em alguns pontos, com coleta e estações de tratamento de esgotos, mas ainda precisa avançar muito no saneamento, pois depende também das ações municipais. Hoje se encontra na terceira etapa, que deve seguir até 2020 e depois iniciar a quarta etapa.
Durante todos estes anos, o cenário que se vê é de que muitos municípios ainda continuam a despejar esgoto clandestinamente no rio. Ao mesmo tempo, há a falta de educação quanto ao consumo consciente e o despejo em grande volume de resíduos que deveriam ser reciclados. Um ciclo vicioso das lacunas do saneamento ambiental, que envolve diretamente a sociedade.
Existe um antagônico retrato do desenvolvimento principalmente na região metropolitana de São Paulo, com mais de 20 milhões de pessoas, que segue na contramão do que seria esperado de um comportamento civilizado nas cidades. Seja sob temporais ou em períodos de estiagem, esse contexto resulta em um Tietê “sufocado”, que está bem longe de seus áureos tempos em que ainda era totalmente sinuoso (não retificado em seu curso), onde antepassados nadavam, pescavam, andavam de barco, participavam de provas aquáticas e no qual, o ecossistema fluía livre.
Até quando será possível vislumbrar nascentes com água insípida, inodora e incolor, como vi em Salesópolis? A sensação é quase de êxtase e com licença poética para recobrar a inspirada letra da música “Planeta Água”, de Guilherme Arantes, não é? Sem pecar pelo excesso de romantismo. Mas vale repetir o questionamento – até quando? Uma série de pressões vem de todos os lados, acrescentando às fontes poluidoras, os agrotóxicos utilizados em cultivos próximos das águas, em alguns municípios.
O rio carece, em muitos trechos, da falta de matas ciliares, e de florestas nativas. O próprio parque é resultado de regeneração após exploração carvoeira que havia na área anteriormente e se transformou em UC por pressão da sociedade e decisão de uma política pública. Mas não é suficiente. O município também apresenta simultaneamente áreas de reflorestamento com espécies exóticas, devido ao mercado de papel e celulose regional, e carece de mais áreas nativas.
Facetas da poluição
As diferentes facetas da poluição hídrica resultam na “morte” de partes do Tietê. Exagero? Não. Em julho passado, o que se via, era a carga de espuma, retrato da poluição, por exemplo, na mesma Salto e na região de Cabreúva. Em outubro, uma “lama negra”, provavelmente decorrente da abertura de comportas de usinas, como foi destacado em noticiário à época. Mais recentemente o “mar de plásticos”. Os resultados dos comprometimentos físico, químico e biológico são comprovados por análises técnicas.
Onde o rio está morto
Parece redundância, mas falar a respeito dessas situações se repete em relação aos anos e décadas anteriores. Em 2018, o relatório Observando o Tietê, da Fundação SOS Mata Atlântica, expôs que a mancha de poluição era de 122 quilômetros, em sua extensão, entre Itaquaquecetuba e Cabreúva. Isso quer dizer 10,6% dos seus 1.150 quilômetros.
O monitoramento foi feito nas bacias hidrográficas do Alto e Médio Tietê e sub-bacias dos rios Sorocaba, Piracicaba, Capivari e Jundiaí, no período de setembro de 2017 a agosto de 2018. O Tietê deságua no rio Paraná, no município de Itapura (divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul). Em 2010, esta mancha era de 243 quilômetros. Houve um decréscimo, mas ainda falta muito para melhorar, não é?
Mais um dado a refletir: toda poluição gerada nos 39 municípios da bacia hidrográfica do Alto Tietê, chega a 612 toneladas de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO)/ dia (dos 62 que compreendem toda extensão do rio). Daí é possível entender por que não é possível ver peixes ou outros tipos de vida nestes trechos. Como resistir a tanto esgoto? Em 63,4% dos 112 pontos de coleta, a condição de água estava regular, segundo o estudo.
Segundo o relatório, a qualidade de água boa foi mantida em 4 pontos de coleta: dois localizados no rio Tietê, nos municípios de Salesópolis e Biritiba-Mirim, em área de manancial e os outros 2 em afluente do rio Caulim e em nascente afluente da represa Billings, no parque Shangrilá, ambas na Capital paulista.
Esse conjunto de dados demonstra que o rio não sairá desta condição, se continuarmos a perpetuar este mesmo modelo de desenvolvimento às avessas nas regiões metropolitanas. Quem ganha com um Tietê morto?
* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 26/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/26/tiete-permanece-adoecido-na-regiao-metropolitana-devido-ao-mau-planejamento-urbano-artigo-de-sucena-shkrada-resk/
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019
Relatório da FAO alerta que desaparecimento da biodiversidade ameaça produção de alimentos
A expansão de atividades produtivas insustentáveis, como a agropecuária intensiva, é uma das causas do desaparecimento da biodiversidade no mundo, o que por sua vez poderá comprometer a produção de alimentos e o próprio desempenho do setor agrícola no futuro.
A conclusão é de relatório divulgado nesta sexta-feira (22) pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
ONU
Abelhas podem visitar cerca de 7 mil flores por dia. Foto: PEXELS
A expansão de atividades produtivas insustentáveis, como a agropecuária intensiva, é uma das causas do desaparecimento da biodiversidade no mundo, o que por sua vez poderá comprometer a produção de alimentos e o próprio desempenho do setor agrícola no futuro. A conclusão é de relatório divulgado na sexta-feira (22) pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A pesquisa é a primeira da agência da ONU que avalia de forma ampla a relação entre a variedade de organismos vivos no mundo e a produção de comida.
Com a análise, a FAO espera lançar luz sobre os perigos da má conservação da chamada biodiversidade para a alimentação e a agricultura — todas as espécies que apoiam os sistemas alimentares, incluindo plantas e animais, silvestres e domesticados, que fornecem alimento, ração, combustível, fibra e também serviços ecossistêmicos para o ser humano.
Com informações de 91 países, o relatório aponta para o uso de um número restrito de espécies no cultivo e produção diretos de alimentos — por exemplo, das cerca de 6 mil espécies de plantas cultivadas para alimentação, menos de 200 contribuem substancialmente para a produção global de alimentos e apenas nove respondem por 66% da produção agrícola total.
Já a produção mundial de gado é baseada em cerca de 40 espécies, com apenas algumas delas fornecendo a maior parte da carne, leite e ovos consumidos pelas pessoas. Das 7.745 raças de gado locais registradas globalmente, 26% estão em risco de extinção.
A expansão insustentável de práticas produtivas associadas a essas espécies agrava a dependência do ser humano de um conjunto restrito de plantas e animais para se alimentar, ao mesmo tempo em que gera passivos ambientais capazes tanto de esgotar os recursos naturais utilizados nessas cadeias de produção, como também de extinguir outras espécies.
Países relataram à FAO que 24% das cerca de 4 mil espécies de alimentos silvestres — principalmente plantas, peixes e mamíferos — estão tendo queda vertiginosa. Mas a proporção de alimentos silvestres em declínio deve ser provavelmente ainda maior, já que o estado de mais da metade das espécies de alimentos silvestres relatados é desconhecido.
A perda da biodiversidade para alimentos e agricultura, segundo informado pela maioria dos países, está associada a mudanças no uso e manejo da terra e da água, seguidas pela poluição, super-exploração e exploração excessiva, mudanças climáticas, crescimento populacional e urbanização.
Na Gâmbia, as perdas maciças de alimentos silvestres forçaram as comunidades a recorrer a alternativas, muitas vezes produzidas industrialmente, para complementar suas dietas. Já no Peru, as florestas amazônicas devem sofrer com a “savanização” associada às mudanças climáticas, com impactos negativos na oferta de alimentos silvestres.
A FAO lembra ainda que quase um terço das unidades populacionais de peixes do mundo são consideradas super-exploradas atualmente. Mais de metade delas já atingiram o seu limite sustentável.
O maior número de espécies de alimentos silvestres com população em declínio aparece nos países da América Latina e Caribe, acompanhados por nações da Ásia-Pacífico e da África. A FAO previne, porém, que poderia ser, no entanto, um resultado de espécies de alimentos silvestres sendo mais estudados e/ou relatados nesses países, do que em outros.
O que são serviços ecossistêmicos e biodiversidade associada?
A FAO também analisa o estado da biodiversidade associada, isto é, de espécies de seres vivos que não chegam à mesa do consumidor, mas que fornecem serviços essenciais para a alimentação e a agricultura — os chamados serviços ecossistêmicos. É o caso, por exemplo, dos polinizadores, que fazem parte do equilíbrio ecológico por trás da reprodução de espécies vegetais. Abelhas, borboletas, morcegos e pássaros selvagens são alguns exemplos de polinizadores.
O relatório lembra que, no Brasil, das 1.173 espécies da fauna classificadas como ameaçadas de extinção, 188 podem ser consideradas polinizadoras. Entre elas, estão 85 variedades de aves, 63 espécies de borboletas e maripostas, 29 de besouros, sete de morcegos e quatro de abelhas.
A pesquisa FAO cita estudo que mostrou que a espécie de abelha Melipona fasciculata, por exemplo, é uma eficiente polinizadora da berinjela. Já a M. quadrifasciata
anthidioides está associada a aumentos na produção de sementes e frutas nos cultivos de maçã, quando os pomares contam com a presença de colmeias.
A biodiversidade associada inclui ainda insetos, manguezais, corais, ervas marinhas, minhocas, fungos, bactérias e até vírus que mantêm os solos férteis, purificam a água e o ar, mantêm peixes e árvores saudáveis e combatem pragas e doenças das colheitas e do gado. Outra pesquisa lembrada pela FAO sobre o Brasil aponta que o nucleopoliedrovírus é usado para controlar populações de lagartas em plantações de soja.
Entre as causas por trás da perda desse tipo de biodiversidade, estão principalmente as alterações e destruições dos habitats, mas também fatores como a caça e a super-exploração na África e mudanças no uso da terra e uma agricultura mais intensificada na Europa e Ásia Central. Na América Latina e Caribe, os perigos incluem pragas, doenças e espécies invasoras, além, também, da super-exploração dos recursos naturais.
“A biodiversidade é fundamental para proteger a segurança alimentar global, sustentar dietas saudáveis e nutritivas, melhorar os meios de vida rurais e a resiliência das pessoas e das comunidades. Precisamos usar a biodiversidade de maneira sustentável, para melhor responder aos crescentes desafios das mudanças climáticas e produzir alimentos de uma maneira que não agrida nosso meio ambiente ”, defende o chefe da FAO, José Graziano da Silva.
“Menos biodiversidade significa que plantas e animais são mais vulneráveis a pragas e a doenças. Com a dependência de cada vez menos espécies para se alimentar, a crescente perda de biodiversidade para alimentos e agricultura coloca a segurança alimentar e a nutrição em risco.”
Pauta da biodiversidade ganha espaço, mas lacunas persistem
O relatório aponta para um interesse crescente em práticas e abordagens favoráveis à biodiversidade — 80% dos 91 países indicaram à FAO que usam uma ou mais abordagens que favorecem a manutenção da riqueza natural de espécies.
Entre essas estratégias, estão práticas de agricultura orgânica, manejo integrado de pragas, agricultura de conservação, gestão sustentável do solo e da floresta, combinação da agricultura com a silvicultura, práticas de diversificação na aquicultura, restauração de pescas e ecossistemas.
A FAO também vê um aumento global de esforços de conservação locais, como a instituição de áreas protegidas e políticas para a gestão de fazendas. Outras iniciativas elogiadas pela agência incluem a criação de bancos de genes, jardins zoológicos e botânicos.
Fazendeiros californianos, por exemplo, permitem que seus campos de arroz inundem no inverno em vez de queimá-los após o crescimento da estação. Isso proporciona 111 mil hectares de terras úmidas e espaço aberto para 230 espécies de aves, muitas delas em risco de extinção. Como resultado, muitas espécies começaram a aumentar em número. A quantidade de patos duplicou.
Mas a FAO afirma que os níveis de cobertura desses programas e de proteção da biodiversidade são muitas vezes inadequados.
Zonas florestais designadas primariamente com o objetivo de conservar a biodiversidade representam 13% da área de florestas do mundo — o equivalente a 524 milhões de hectares. As maiores zonas do tipo são encontradas nos Estados Unidos e Brasil. Desde 1990, essas regiões tiveram expansão de 150 milhões de hectares, mas o crescimento diminuiu no período 2010-2015. Nesse quinquênio, a África, Ásia e América do Sul relataram, cada uma, um aumento de cerca de 1 milhão de hectares em áreas designadas para a conservação da biodiversidade. Europa, Américas do Norte e Central e Oceania notificaram, juntas, um crescimento de 600 mil hectares.
A FAO ressalta ainda que 17% da cobertura florestal do mundo está localizada em áreas legalmente protegidas — o que equivale a 651 milhões de hectares. A América do Sul tem a maior proporção de florestas protegidas (34%) do planeta, principalmente por causa das contribuições do Brasil, onde 42% das florestas está localizada dentro de áreas protegidas.
De acordo com a agência da ONU, a maioria dos países implementou estruturas legais, políticas e instituições para o uso sustentável e a conservação da biodiversidade, mas estas são, muitas vezes, inadequadas ou insuficientes. Na avaliação do organismo, é necessário melhorar a colaboração entre os políticos, as organizações de produtores, os consumidores, o setor privado e as organizações da sociedade civil nos setores da alimentação, da agricultura e do meio ambiente.
A FAO também pede mais esforços para ampliar o conhecimento sobre o papel que a biodiversidade desempenha na produção de alimentos e na agricultura. Muitas lacunas de informação permanecem – particularmente para espécies associadas à biodiversidade. Muitas dessas espécies nunca foram identificadas e descritas, especialmente no caso dos invertebrados e microrganismos. Mais de 99% das bactérias e espécies protistas permanecem desconhecidas.
O relatório também destaca o papel que o público em geral pode desempenhar na redução das pressões sobre a biodiversidade. Os consumidores podem optar por produtos cultivados de forma sustentável, comprar em mercados agrícolas ou boicotar alimentos considerados insustentáveis. Em vários países, “cientistas cidadãos” já têm um papel importante no monitoramento da biodiversidade para os alimentos e a agricultura.
Da ONU Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/02/2019
Autor: ONU Brasil
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/25/relatorio-da-fao-alerta-que-desaparecimento-da-biodiversidade-ameaca-producao-de-alimentos/
A conclusão é de relatório divulgado nesta sexta-feira (22) pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
ONU
Abelhas podem visitar cerca de 7 mil flores por dia. Foto: PEXELS
A expansão de atividades produtivas insustentáveis, como a agropecuária intensiva, é uma das causas do desaparecimento da biodiversidade no mundo, o que por sua vez poderá comprometer a produção de alimentos e o próprio desempenho do setor agrícola no futuro. A conclusão é de relatório divulgado na sexta-feira (22) pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A pesquisa é a primeira da agência da ONU que avalia de forma ampla a relação entre a variedade de organismos vivos no mundo e a produção de comida.
Com a análise, a FAO espera lançar luz sobre os perigos da má conservação da chamada biodiversidade para a alimentação e a agricultura — todas as espécies que apoiam os sistemas alimentares, incluindo plantas e animais, silvestres e domesticados, que fornecem alimento, ração, combustível, fibra e também serviços ecossistêmicos para o ser humano.
Com informações de 91 países, o relatório aponta para o uso de um número restrito de espécies no cultivo e produção diretos de alimentos — por exemplo, das cerca de 6 mil espécies de plantas cultivadas para alimentação, menos de 200 contribuem substancialmente para a produção global de alimentos e apenas nove respondem por 66% da produção agrícola total.
Já a produção mundial de gado é baseada em cerca de 40 espécies, com apenas algumas delas fornecendo a maior parte da carne, leite e ovos consumidos pelas pessoas. Das 7.745 raças de gado locais registradas globalmente, 26% estão em risco de extinção.
A expansão insustentável de práticas produtivas associadas a essas espécies agrava a dependência do ser humano de um conjunto restrito de plantas e animais para se alimentar, ao mesmo tempo em que gera passivos ambientais capazes tanto de esgotar os recursos naturais utilizados nessas cadeias de produção, como também de extinguir outras espécies.
Países relataram à FAO que 24% das cerca de 4 mil espécies de alimentos silvestres — principalmente plantas, peixes e mamíferos — estão tendo queda vertiginosa. Mas a proporção de alimentos silvestres em declínio deve ser provavelmente ainda maior, já que o estado de mais da metade das espécies de alimentos silvestres relatados é desconhecido.
A perda da biodiversidade para alimentos e agricultura, segundo informado pela maioria dos países, está associada a mudanças no uso e manejo da terra e da água, seguidas pela poluição, super-exploração e exploração excessiva, mudanças climáticas, crescimento populacional e urbanização.
Na Gâmbia, as perdas maciças de alimentos silvestres forçaram as comunidades a recorrer a alternativas, muitas vezes produzidas industrialmente, para complementar suas dietas. Já no Peru, as florestas amazônicas devem sofrer com a “savanização” associada às mudanças climáticas, com impactos negativos na oferta de alimentos silvestres.
A FAO lembra ainda que quase um terço das unidades populacionais de peixes do mundo são consideradas super-exploradas atualmente. Mais de metade delas já atingiram o seu limite sustentável.
O maior número de espécies de alimentos silvestres com população em declínio aparece nos países da América Latina e Caribe, acompanhados por nações da Ásia-Pacífico e da África. A FAO previne, porém, que poderia ser, no entanto, um resultado de espécies de alimentos silvestres sendo mais estudados e/ou relatados nesses países, do que em outros.
O que são serviços ecossistêmicos e biodiversidade associada?
A FAO também analisa o estado da biodiversidade associada, isto é, de espécies de seres vivos que não chegam à mesa do consumidor, mas que fornecem serviços essenciais para a alimentação e a agricultura — os chamados serviços ecossistêmicos. É o caso, por exemplo, dos polinizadores, que fazem parte do equilíbrio ecológico por trás da reprodução de espécies vegetais. Abelhas, borboletas, morcegos e pássaros selvagens são alguns exemplos de polinizadores.
O relatório lembra que, no Brasil, das 1.173 espécies da fauna classificadas como ameaçadas de extinção, 188 podem ser consideradas polinizadoras. Entre elas, estão 85 variedades de aves, 63 espécies de borboletas e maripostas, 29 de besouros, sete de morcegos e quatro de abelhas.
A pesquisa FAO cita estudo que mostrou que a espécie de abelha Melipona fasciculata, por exemplo, é uma eficiente polinizadora da berinjela. Já a M. quadrifasciata
anthidioides está associada a aumentos na produção de sementes e frutas nos cultivos de maçã, quando os pomares contam com a presença de colmeias.
A biodiversidade associada inclui ainda insetos, manguezais, corais, ervas marinhas, minhocas, fungos, bactérias e até vírus que mantêm os solos férteis, purificam a água e o ar, mantêm peixes e árvores saudáveis e combatem pragas e doenças das colheitas e do gado. Outra pesquisa lembrada pela FAO sobre o Brasil aponta que o nucleopoliedrovírus é usado para controlar populações de lagartas em plantações de soja.
Entre as causas por trás da perda desse tipo de biodiversidade, estão principalmente as alterações e destruições dos habitats, mas também fatores como a caça e a super-exploração na África e mudanças no uso da terra e uma agricultura mais intensificada na Europa e Ásia Central. Na América Latina e Caribe, os perigos incluem pragas, doenças e espécies invasoras, além, também, da super-exploração dos recursos naturais.
“A biodiversidade é fundamental para proteger a segurança alimentar global, sustentar dietas saudáveis e nutritivas, melhorar os meios de vida rurais e a resiliência das pessoas e das comunidades. Precisamos usar a biodiversidade de maneira sustentável, para melhor responder aos crescentes desafios das mudanças climáticas e produzir alimentos de uma maneira que não agrida nosso meio ambiente ”, defende o chefe da FAO, José Graziano da Silva.
“Menos biodiversidade significa que plantas e animais são mais vulneráveis a pragas e a doenças. Com a dependência de cada vez menos espécies para se alimentar, a crescente perda de biodiversidade para alimentos e agricultura coloca a segurança alimentar e a nutrição em risco.”
Pauta da biodiversidade ganha espaço, mas lacunas persistem
O relatório aponta para um interesse crescente em práticas e abordagens favoráveis à biodiversidade — 80% dos 91 países indicaram à FAO que usam uma ou mais abordagens que favorecem a manutenção da riqueza natural de espécies.
Entre essas estratégias, estão práticas de agricultura orgânica, manejo integrado de pragas, agricultura de conservação, gestão sustentável do solo e da floresta, combinação da agricultura com a silvicultura, práticas de diversificação na aquicultura, restauração de pescas e ecossistemas.
A FAO também vê um aumento global de esforços de conservação locais, como a instituição de áreas protegidas e políticas para a gestão de fazendas. Outras iniciativas elogiadas pela agência incluem a criação de bancos de genes, jardins zoológicos e botânicos.
Fazendeiros californianos, por exemplo, permitem que seus campos de arroz inundem no inverno em vez de queimá-los após o crescimento da estação. Isso proporciona 111 mil hectares de terras úmidas e espaço aberto para 230 espécies de aves, muitas delas em risco de extinção. Como resultado, muitas espécies começaram a aumentar em número. A quantidade de patos duplicou.
Mas a FAO afirma que os níveis de cobertura desses programas e de proteção da biodiversidade são muitas vezes inadequados.
Zonas florestais designadas primariamente com o objetivo de conservar a biodiversidade representam 13% da área de florestas do mundo — o equivalente a 524 milhões de hectares. As maiores zonas do tipo são encontradas nos Estados Unidos e Brasil. Desde 1990, essas regiões tiveram expansão de 150 milhões de hectares, mas o crescimento diminuiu no período 2010-2015. Nesse quinquênio, a África, Ásia e América do Sul relataram, cada uma, um aumento de cerca de 1 milhão de hectares em áreas designadas para a conservação da biodiversidade. Europa, Américas do Norte e Central e Oceania notificaram, juntas, um crescimento de 600 mil hectares.
A FAO ressalta ainda que 17% da cobertura florestal do mundo está localizada em áreas legalmente protegidas — o que equivale a 651 milhões de hectares. A América do Sul tem a maior proporção de florestas protegidas (34%) do planeta, principalmente por causa das contribuições do Brasil, onde 42% das florestas está localizada dentro de áreas protegidas.
De acordo com a agência da ONU, a maioria dos países implementou estruturas legais, políticas e instituições para o uso sustentável e a conservação da biodiversidade, mas estas são, muitas vezes, inadequadas ou insuficientes. Na avaliação do organismo, é necessário melhorar a colaboração entre os políticos, as organizações de produtores, os consumidores, o setor privado e as organizações da sociedade civil nos setores da alimentação, da agricultura e do meio ambiente.
A FAO também pede mais esforços para ampliar o conhecimento sobre o papel que a biodiversidade desempenha na produção de alimentos e na agricultura. Muitas lacunas de informação permanecem – particularmente para espécies associadas à biodiversidade. Muitas dessas espécies nunca foram identificadas e descritas, especialmente no caso dos invertebrados e microrganismos. Mais de 99% das bactérias e espécies protistas permanecem desconhecidas.
O relatório também destaca o papel que o público em geral pode desempenhar na redução das pressões sobre a biodiversidade. Os consumidores podem optar por produtos cultivados de forma sustentável, comprar em mercados agrícolas ou boicotar alimentos considerados insustentáveis. Em vários países, “cientistas cidadãos” já têm um papel importante no monitoramento da biodiversidade para os alimentos e a agricultura.
Da ONU Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/02/2019
Autor: ONU Brasil
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/25/relatorio-da-fao-alerta-que-desaparecimento-da-biodiversidade-ameaca-producao-de-alimentos/
Cinzas de queimadas alteram composição química do solo e afetam qualidade da água
Apesar do avanço da tecnologia, ainda é bastante comum o uso de técnicas primitivas na atividade agrícola, como o fogo. Em entrevista ao programa Conexão Ciência, o pesquisador da Embrapa Cerrados Eduardo Cyrino de Oliveira Filho falou como as cinzas de queimadas podem ser prejudiciais para o solo e para água.
De acordo com estudo realizado no âmbito do projeto “Queimadas e recursos hídricos”, a presença das cinzas das queimadas altera a composição química do solo e pode alterar o PH e o oxigênio quando elas atingem a água dos rios. “Esses dois parâmetros são fundamentais para a sobrevivência de algumas espécies. Testamos peixes, microcrustáceos e moluscos e os dois primeiros foram as espécies mais prejudicadas”, relatou o pesquisador, que explicou ainda que as cinzas podem causar o entupimento das vias respiratórias desses animais.
Outro ponto constatado pelo estudo é que as cinzas podem, dependendo do solo, chegar até a água subterrânea, geralmente usada para consumo por pessoas que vivem na área rural. Mas apesar de verificar a presença dos elementos químicos das cinzas na água, como o nitrato e o potássio, a quantidade encontrada foi baixa, o que segundo o especialista, não foi um problema para o consumo humano. “Existe a legislação do Ministério da Saúde para a potabilidade de água e verificou-se que os elementos químicos que poderiam ser problema estavam nos níveis permissíveis para o consumo”, explicou.
Numa segunda etapa do projeto, os cientistas analisaram a questão comportamental. A ideia era entender a motivação dos agricultores para o uso do fogo. Segundo a pesquisa realizada, os principais fatores são a queima de lixo e a limpeza do terreno. “Muitos disseram que sabiam dos danos que o fogo pode causar ao meio ambiente, mas que era algo mais prático e mais barato”, ressaltou. De acordo com Eduardo Cyrino, apesar disso, eles demandam por mais orientações sobre as técnicas mais adequadas a serem aplicadas no campo.
Fonte: Embrapa
Colaborração de Breno Lobato, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/02/2019
Autor: Breno Lobato
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/25/cinzas-de-queimadas-alteram-composicao-quimica-do-solo-e-afetam-qualidade-da-agua/
Terceirização da Infância: uma reflexão, um alerta, artigo de Rodrigo Berté
Terceirização da Infância – A criança deve ser estimulada e a presença dos pais na sua infância ajudará a determinar a sua personalidade.
Foto: EBC
Depois de 30 anos como professor, em várias áreas, ou seja, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, especializações, mestrado e doutorado e, ainda estar estudando – agora em uma área apaixonante que é o cérebro – arrisco escrever este artigo para promover uma reflexão e um alerta sobre a terceirização da infância.
Em O Inferno, de Dante Alighieri (primeira parte da obra Divina Comédia) há uma tragédia silenciosa, onde pais, tendo em vista a sua rotina de trabalho e o deslocamento de hora e horas, terceirizam a educação dos seus filhos, e como consequência terceirizam a infância. Não posso chamar de culpados, porém é preciso fazer um alerta, tendo em vista dados da Organização Mundial de Saúde, em que:
– Uma em cada cinco crianças tem transtornos de saúde mental;
– Registrou-se um aumento de 43% no Transtorno do Déficit da Atenção e da Hiperatividade (TDAH);
– 37% de casos de depressão em adolescentes;
– Aumento da taxa de suicídio em crianças de 10 a 14 anos.
O que vem acontecendo para termos esse cenário que faz com acendamos uma luz de alerta: crianças e adolescentes estão sendo estimulados e superdimensionados com objetos materiais e privados de uma infância saudável. E qual a causa desse fenômeno mundial? Pais digitalmente distraídos com redes sociais, WhatsApp, aplicativos; e emocionalmente perturbados com uma estimulação sem fim. Ou seja, vemos verdadeiras armas tecnológicas, gratificações instantâneas e ausência de afetividade e amor.
A criança deve ser estimulada e a presença dos pais na sua infância ajudará a determinar a sua personalidade. Para isso, os pais devem impor limites nos usos de tecnologia, horas e tempo diários, oferecer um estilo de vida equilibrado, sempre levando em consideração o que elas precisam e não o que elas querem.
Fornecer alimentos adequados e nutritivos e não a “comida lixo”, ou seja, embalada, modificada geneticamente, refrigerantes entre outros. Passar alguns momentos ao ar livre com a criança, fazendo caminhadas, observando aves, insetos, o ambiente natural, como um modelo de educação e ecologia a tornará mais segura de si e do meio por onde ela vive.
Por fim, estar emocionalmente disponível para se conectar com as crianças e ensinar-lhes autorregulação e habilidades sociais. Isso com certeza vai melhorar a sua infância e ajudá-las a tornarem-se adultos muito melhores do que somos hoje.
Rodrigo Berté é diretor da Escola Superior de Saúde, Biociência, Meio Ambiente e Humanidades do Centro Universitário Internacional Uninter, aluno de Pós-Doutorado em Neurociências e Doenças Degenerativas com o projeto Aprendizagem Significativa na Infância.
Colaboração de Giulia El Halabi, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/02/2019
Autor: Giulia El Halabi
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/25/terceirizacao-da-infancia-uma-reflexao-um-alerta-artigo-de-rodrigo-berte/
Depois de 30 anos como professor, em várias áreas, ou seja, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, especializações, mestrado e doutorado e, ainda estar estudando – agora em uma área apaixonante que é o cérebro – arrisco escrever este artigo para promover uma reflexão e um alerta sobre a terceirização da infância.
Em O Inferno, de Dante Alighieri (primeira parte da obra Divina Comédia) há uma tragédia silenciosa, onde pais, tendo em vista a sua rotina de trabalho e o deslocamento de hora e horas, terceirizam a educação dos seus filhos, e como consequência terceirizam a infância. Não posso chamar de culpados, porém é preciso fazer um alerta, tendo em vista dados da Organização Mundial de Saúde, em que:
– Uma em cada cinco crianças tem transtornos de saúde mental;
– Registrou-se um aumento de 43% no Transtorno do Déficit da Atenção e da Hiperatividade (TDAH);
– 37% de casos de depressão em adolescentes;
– Aumento da taxa de suicídio em crianças de 10 a 14 anos.
O que vem acontecendo para termos esse cenário que faz com acendamos uma luz de alerta: crianças e adolescentes estão sendo estimulados e superdimensionados com objetos materiais e privados de uma infância saudável. E qual a causa desse fenômeno mundial? Pais digitalmente distraídos com redes sociais, WhatsApp, aplicativos; e emocionalmente perturbados com uma estimulação sem fim. Ou seja, vemos verdadeiras armas tecnológicas, gratificações instantâneas e ausência de afetividade e amor.
A criança deve ser estimulada e a presença dos pais na sua infância ajudará a determinar a sua personalidade. Para isso, os pais devem impor limites nos usos de tecnologia, horas e tempo diários, oferecer um estilo de vida equilibrado, sempre levando em consideração o que elas precisam e não o que elas querem.
Fornecer alimentos adequados e nutritivos e não a “comida lixo”, ou seja, embalada, modificada geneticamente, refrigerantes entre outros. Passar alguns momentos ao ar livre com a criança, fazendo caminhadas, observando aves, insetos, o ambiente natural, como um modelo de educação e ecologia a tornará mais segura de si e do meio por onde ela vive.
Por fim, estar emocionalmente disponível para se conectar com as crianças e ensinar-lhes autorregulação e habilidades sociais. Isso com certeza vai melhorar a sua infância e ajudá-las a tornarem-se adultos muito melhores do que somos hoje.
Rodrigo Berté é diretor da Escola Superior de Saúde, Biociência, Meio Ambiente e Humanidades do Centro Universitário Internacional Uninter, aluno de Pós-Doutorado em Neurociências e Doenças Degenerativas com o projeto Aprendizagem Significativa na Infância.
Colaboração de Giulia El Halabi, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/02/2019
Autor: Giulia El Halabi
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 25/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/25/terceirizacao-da-infancia-uma-reflexao-um-alerta-artigo-de-rodrigo-berte/
O ‘Green New Deal’: a luta contra a degradação ambiental e o aquecimento global, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O tempo é curto e o Planeta requer muito mais do que boas intenções e propostas políticas de crescimento econômico verde
O ‘New Deal’, originalmente, foi o nome dado ao programa de salvação econômica que o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, implementou entre 1933 e 1937 para combater o desemprego e a pobreza gerados pela grande depressão ocorrida após a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. O estadista Roosevelt desafiou o pensamento convencional e os dogmas da ortodoxia econômica para implementar políticas keynesianas, antes mesmo da divulgação da obra magna de John Maynard Keynes, que defendia o crescimento econômico com pleno emprego e justiça social.
Agora, em 2019, surge o “Green New Deal” (New Deal Verde), que é um plano – arquitetado de forma inédita pela ala democrata e progressista do novo Congresso americano – para tentar salvar a vida do Planeta de uma catástrofe sem precedentes que já se vislumbra no horizonte, em função dos efeitos deletérios da degradação ecológica e do aquecimento global.
No dia 07 de fevereiro de 2019, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e o senador Ed Markey, junto com outras lideranças do Partido Democrata, dos Estados Unidos, apresentaram um projeto sobre o “Green New Deal”, delineando um plano ambiental para criar uma economia mais amiga do meio ambiente e de baixo carbono nos EUA, até 2030.
A resolução apresentada propõe ações multissetoriais para o combate à mudança do clima, incluindo uma meta para converter a demanda energética dos EUA em algo próximo de 100% de fontes de energia limpa, renovável e com emissões zero de dióxido de carbono.
A proposta vislumbra um novo modelo econômico que possibilite tirar os Estados Unidos do ranking de países mais poluentes do mundo. A resolução, que pode ser entendida como um projeto de lei, permite que os legisladores que apoiam uma nova visão de mundo, ambientalmente sustentável, divulguem projetos no sentido de promover a transição energética e ambiental.
A proposta foi construída de forma a unir as questões sociais e ecológicas, de acordo com aquilo que os ambientalistas e os movimentos sociais vêm defendendo no sentido de implementar reformas profundas nas políticas sociais e ambientais dos EUA.
O ‘Green New Deal’ propõe realizar 5 objetivos em 10 anos:
Zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa através de uma transição justa e correta para todas as comunidades e trabalhadores;
Criar milhões de empregos com altos salários, garantindo prosperidade e segurança para toda a população;
Investir na infraestrutura e na indústria para enfrentar de forma sustentável os desafios do século 21;
Limpar o ar e a água, possibilitar a resiliência climática e comunitária, garantir alimentos saudáveis, acesso à natureza e à um ambiente sustentável para todas as pessoas;
Promover a justiça e a equidade, parando as atuais injustiças, evitando as injustiças futuras e reparando a opressão histórica das comunidades fronteiriças e vulneráveis.
O ‘Green New Deal’ também propõe uma mobilização nacional para remodelar a economia dos EUA por meio de 14 projetos industriais e de infraestrutura. Todos os projetos buscarão remover as emissões de gases de efeito estufa e a poluição de todos os setores da economia:
Construir os mecanismos necessários para o país criar resiliência contra as mudanças climáticas e os desastres;
Reparar e atualizar a infraestrutura dos EUA investindo US$ 4,6 trilhões no mínimo;
Atender 100% da demanda de energia por meio de fontes limpas e renováveis;
Construir redes inteligentes de distribuição de energia, com eficiência energética e com garantia de acesso universal;
Atualizar ou substituir todos os edifícios dos EUA por energia eficiente de última geração;
Expandir maciçamente a fabricação de energia limpa (como fábricas de painéis solares, fábricas de turbinas, fabricação de bateria e armazenamento, eficiência energética na fabricação de componentes) e remover a poluição e as emissões de gases de efeito estufa emissões do processo de fabricação;
Trabalhar com agricultores e pecuaristas para criar uma agropecuária livre de poluição e de gases de efeito de estufa, garantindo um sistema alimentar que forneça acesso universal a alimentos saudáveis, expandindo a agricultura familiar independente;
Reformar totalmente o setor de transporte, expandindo maciçamente a fabricação de veículos elétricos, construir estações de carregamento em todos os lugares, construir trilhos de alta velocidade em uma escala em que as viagens aéreas parem de se tornar necessárias, criar transporte público acessível a todos, com o objetivo de substituir e aposentar todos os veículo com motor de combustão;
Mitigar os efeitos de longo prazo na saúde das alterações climáticas e da poluição;
Remover os gases de efeito estufa da nossa atmosfera e a poluição pro meio do reflorestamento, preservação e outros métodos de restauração de nossas ecossistemas;
Restaurar todos os nossos ecossistemas danificados e ameaçados;
Limpar os locais existentes com resíduos perigosos e locais abandonados;
Identifique novas fontes de emissão e criar soluções para eliminar essas emissões;
Fazer dos EUA o líder do combate às mudanças climáticas e compartilhar as tecnologias os produtos com o resto do mundo para possibilitar um “Green New Deal global”
O ‘Green New Deal’ busca a justiça social e econômica e a segurança através de 15 requisitos:
Investimentos federais maciços e assistência às organizações e empresas que participam no novo acordo verde, assegurando um retorno sobre esse investimento;
Assegurar que os custos ambientais e sociais das emissões sejam levados em conta;
Proporcionar treinamento profissional e educação para todos;
Investir em P & D para criar novas tecnologias energéticas limpas e renováveis;
Fazer investimentos diretos em comunidades afetadas pela desindustrializadas e que de outra forma seriam prejudicadas pela transição;
Utilizar processos democráticos e participativos liderados pelas lideranças das comunidades vulneráveis para implementar projetos de desenvolvimento local;
Assegurar que todos os empregos criados sejam trabalhos com direitos sindicais, com contratação local e que paguem salários dignos;
Garantir empregos e salários sustentáveis para a família;
Proteger o direito de todos os trabalhadores de se sindicalizar e se organizar;
Fortalecer e fazer cumprir os direitos à saúde e à segurança no local de trabalho, garantido mecanismos antidiscriminação e os padrões de salário e por hora;
Promulgar e aplicar regras comerciais para impedir a transferência de empregos e poluição no exterior e aumentar a fabricação nacional;
Assegurar que as terras, águas e oceanos públicos sejam protegidos;
Obter consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas;
Assegurar um ambiente econômico livre de monopólios e de concorrência injustos;
Oferecer assistência médica de alta qualidade, moradia, segurança econômica e limpeza do ar, da água, além de comida saudável e natureza para todos
Evidentemente, não será fácil implementar o ‘Green New Deal’, em primeiro lugar, porque os EUA são um país com baixo nível de poupança e investimento e que estão perdendo espaço para economias mais dinâmicas, como as da Ásia, especialmente a China. Em segundo lugar, é impossível viabilizar um novo projeto verde para os EUA se for baseado no crescimento demoeconômico do país.
Indubitavelmente, a viabilidade do ‘Green New Deal’ requer a adoção da perspectiva do decrescimento das atividades antrópicas, o combate ao consumismo e a defesa dos ecossistemas e da biodiversidade, pois sem ECOlogia não há ECOnomia. Buscar conciliar o lado social com o lado ambiental é uma atitude correta, mas nos últimos dois séculos o enriquecimento humano aconteceu às custas do empobrecimento da natureza.
Como mostraram Martine e Alves (2015), desde que a humanidade ultrapassou os limites da resiliência do Planeta, o tripé da sustentabilidade (crescimento econômico inclusivo, justiça social e sustentabilidade ambiental) virou um trilema e o desenvolvimento sustentável virou um oximoro. Prosseguindo no ritmo dos últimos 200 anos da economia, a Terra pode se tornar um lugar inabitável, como mostra o livro “The Uninhabitable Earth: Life After Warming”(2019), do jornalista David Wallace-Wells. Há diversos indicadores de que o mundo caminha para um colapso ambiental, como mostrou, por exemplo, Luke Kemp na BBC (19/02/2019).
Um “novo acordo ecológico” nos EUA pode ser um passo correto no caminho para se criar um “acordo ecológico global”, que poderia ser um primeiro passo para se evitar um cenário apocalíptico. Neste sentido, as iniciativas da deputada Alexandria Ocasio-Cortez e do senador Ed Markey são bem-vindas. Mas o tempo é curto e o Planeta requer muito mais do que boas intenções e propostas políticas de crescimento econômico verde.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referência:
Alexandria Ocasio-Cortez; Ed Markey. The Green New Deal, 07/02/2019
https://www.heartland.org/_template-assets/documents/Green-New-Deal-FAQ-Fact-Sheet-Feb-7-2019.pdf
Luke Kemp. Are we on the road to civilisation collapse?, BBC, 19/02/2019
http://www.bbc.com/future/story/20190218-are-we-on-the-road-to-civilisation-collapse
David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth: Life After Warming, 2019
https://www.amazon.com/Uninhabitable-Earth-Life-After-Warming/dp/0525576703
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e em inglês)http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/02/2019
Autor: José Eustáquio Diniz Alves
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 21/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/25/o-green-new-deal-a-luta-contra-a-degradacao-ambiental-e-o-aquecimento-global-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
O ‘New Deal’, originalmente, foi o nome dado ao programa de salvação econômica que o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, implementou entre 1933 e 1937 para combater o desemprego e a pobreza gerados pela grande depressão ocorrida após a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. O estadista Roosevelt desafiou o pensamento convencional e os dogmas da ortodoxia econômica para implementar políticas keynesianas, antes mesmo da divulgação da obra magna de John Maynard Keynes, que defendia o crescimento econômico com pleno emprego e justiça social.
Agora, em 2019, surge o “Green New Deal” (New Deal Verde), que é um plano – arquitetado de forma inédita pela ala democrata e progressista do novo Congresso americano – para tentar salvar a vida do Planeta de uma catástrofe sem precedentes que já se vislumbra no horizonte, em função dos efeitos deletérios da degradação ecológica e do aquecimento global.
No dia 07 de fevereiro de 2019, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e o senador Ed Markey, junto com outras lideranças do Partido Democrata, dos Estados Unidos, apresentaram um projeto sobre o “Green New Deal”, delineando um plano ambiental para criar uma economia mais amiga do meio ambiente e de baixo carbono nos EUA, até 2030.
A resolução apresentada propõe ações multissetoriais para o combate à mudança do clima, incluindo uma meta para converter a demanda energética dos EUA em algo próximo de 100% de fontes de energia limpa, renovável e com emissões zero de dióxido de carbono.
A proposta vislumbra um novo modelo econômico que possibilite tirar os Estados Unidos do ranking de países mais poluentes do mundo. A resolução, que pode ser entendida como um projeto de lei, permite que os legisladores que apoiam uma nova visão de mundo, ambientalmente sustentável, divulguem projetos no sentido de promover a transição energética e ambiental.
A proposta foi construída de forma a unir as questões sociais e ecológicas, de acordo com aquilo que os ambientalistas e os movimentos sociais vêm defendendo no sentido de implementar reformas profundas nas políticas sociais e ambientais dos EUA.
O ‘Green New Deal’ propõe realizar 5 objetivos em 10 anos:
Zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa através de uma transição justa e correta para todas as comunidades e trabalhadores;
Criar milhões de empregos com altos salários, garantindo prosperidade e segurança para toda a população;
Investir na infraestrutura e na indústria para enfrentar de forma sustentável os desafios do século 21;
Limpar o ar e a água, possibilitar a resiliência climática e comunitária, garantir alimentos saudáveis, acesso à natureza e à um ambiente sustentável para todas as pessoas;
Promover a justiça e a equidade, parando as atuais injustiças, evitando as injustiças futuras e reparando a opressão histórica das comunidades fronteiriças e vulneráveis.
O ‘Green New Deal’ também propõe uma mobilização nacional para remodelar a economia dos EUA por meio de 14 projetos industriais e de infraestrutura. Todos os projetos buscarão remover as emissões de gases de efeito estufa e a poluição de todos os setores da economia:
Construir os mecanismos necessários para o país criar resiliência contra as mudanças climáticas e os desastres;
Reparar e atualizar a infraestrutura dos EUA investindo US$ 4,6 trilhões no mínimo;
Atender 100% da demanda de energia por meio de fontes limpas e renováveis;
Construir redes inteligentes de distribuição de energia, com eficiência energética e com garantia de acesso universal;
Atualizar ou substituir todos os edifícios dos EUA por energia eficiente de última geração;
Expandir maciçamente a fabricação de energia limpa (como fábricas de painéis solares, fábricas de turbinas, fabricação de bateria e armazenamento, eficiência energética na fabricação de componentes) e remover a poluição e as emissões de gases de efeito estufa emissões do processo de fabricação;
Trabalhar com agricultores e pecuaristas para criar uma agropecuária livre de poluição e de gases de efeito de estufa, garantindo um sistema alimentar que forneça acesso universal a alimentos saudáveis, expandindo a agricultura familiar independente;
Reformar totalmente o setor de transporte, expandindo maciçamente a fabricação de veículos elétricos, construir estações de carregamento em todos os lugares, construir trilhos de alta velocidade em uma escala em que as viagens aéreas parem de se tornar necessárias, criar transporte público acessível a todos, com o objetivo de substituir e aposentar todos os veículo com motor de combustão;
Mitigar os efeitos de longo prazo na saúde das alterações climáticas e da poluição;
Remover os gases de efeito estufa da nossa atmosfera e a poluição pro meio do reflorestamento, preservação e outros métodos de restauração de nossas ecossistemas;
Restaurar todos os nossos ecossistemas danificados e ameaçados;
Limpar os locais existentes com resíduos perigosos e locais abandonados;
Identifique novas fontes de emissão e criar soluções para eliminar essas emissões;
Fazer dos EUA o líder do combate às mudanças climáticas e compartilhar as tecnologias os produtos com o resto do mundo para possibilitar um “Green New Deal global”
O ‘Green New Deal’ busca a justiça social e econômica e a segurança através de 15 requisitos:
Investimentos federais maciços e assistência às organizações e empresas que participam no novo acordo verde, assegurando um retorno sobre esse investimento;
Assegurar que os custos ambientais e sociais das emissões sejam levados em conta;
Proporcionar treinamento profissional e educação para todos;
Investir em P & D para criar novas tecnologias energéticas limpas e renováveis;
Fazer investimentos diretos em comunidades afetadas pela desindustrializadas e que de outra forma seriam prejudicadas pela transição;
Utilizar processos democráticos e participativos liderados pelas lideranças das comunidades vulneráveis para implementar projetos de desenvolvimento local;
Assegurar que todos os empregos criados sejam trabalhos com direitos sindicais, com contratação local e que paguem salários dignos;
Garantir empregos e salários sustentáveis para a família;
Proteger o direito de todos os trabalhadores de se sindicalizar e se organizar;
Fortalecer e fazer cumprir os direitos à saúde e à segurança no local de trabalho, garantido mecanismos antidiscriminação e os padrões de salário e por hora;
Promulgar e aplicar regras comerciais para impedir a transferência de empregos e poluição no exterior e aumentar a fabricação nacional;
Assegurar que as terras, águas e oceanos públicos sejam protegidos;
Obter consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas;
Assegurar um ambiente econômico livre de monopólios e de concorrência injustos;
Oferecer assistência médica de alta qualidade, moradia, segurança econômica e limpeza do ar, da água, além de comida saudável e natureza para todos
Evidentemente, não será fácil implementar o ‘Green New Deal’, em primeiro lugar, porque os EUA são um país com baixo nível de poupança e investimento e que estão perdendo espaço para economias mais dinâmicas, como as da Ásia, especialmente a China. Em segundo lugar, é impossível viabilizar um novo projeto verde para os EUA se for baseado no crescimento demoeconômico do país.
Indubitavelmente, a viabilidade do ‘Green New Deal’ requer a adoção da perspectiva do decrescimento das atividades antrópicas, o combate ao consumismo e a defesa dos ecossistemas e da biodiversidade, pois sem ECOlogia não há ECOnomia. Buscar conciliar o lado social com o lado ambiental é uma atitude correta, mas nos últimos dois séculos o enriquecimento humano aconteceu às custas do empobrecimento da natureza.
Como mostraram Martine e Alves (2015), desde que a humanidade ultrapassou os limites da resiliência do Planeta, o tripé da sustentabilidade (crescimento econômico inclusivo, justiça social e sustentabilidade ambiental) virou um trilema e o desenvolvimento sustentável virou um oximoro. Prosseguindo no ritmo dos últimos 200 anos da economia, a Terra pode se tornar um lugar inabitável, como mostra o livro “The Uninhabitable Earth: Life After Warming”(2019), do jornalista David Wallace-Wells. Há diversos indicadores de que o mundo caminha para um colapso ambiental, como mostrou, por exemplo, Luke Kemp na BBC (19/02/2019).
Um “novo acordo ecológico” nos EUA pode ser um passo correto no caminho para se criar um “acordo ecológico global”, que poderia ser um primeiro passo para se evitar um cenário apocalíptico. Neste sentido, as iniciativas da deputada Alexandria Ocasio-Cortez e do senador Ed Markey são bem-vindas. Mas o tempo é curto e o Planeta requer muito mais do que boas intenções e propostas políticas de crescimento econômico verde.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referência:
Alexandria Ocasio-Cortez; Ed Markey. The Green New Deal, 07/02/2019
https://www.heartland.org/_template-assets/documents/Green-New-Deal-FAQ-Fact-Sheet-Feb-7-2019.pdf
Luke Kemp. Are we on the road to civilisation collapse?, BBC, 19/02/2019
http://www.bbc.com/future/story/20190218-are-we-on-the-road-to-civilisation-collapse
David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth: Life After Warming, 2019
https://www.amazon.com/Uninhabitable-Earth-Life-After-Warming/dp/0525576703
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e em inglês)http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/02/2019
Autor: José Eustáquio Diniz Alves
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 21/02/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/02/25/o-green-new-deal-a-luta-contra-a-degradacao-ambiental-e-o-aquecimento-global-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019
Estudo analisa revistas que ajudaram a construir a identidade nacional no século XIX
A primeira metade do século XIX foi um período marcado por intensas transformações políticas no Brasil, decorrentes de fatos históricos como a transferência da Família Real de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808, e a Proclamação da Independência, em 1822, por Pedro I. O recém-criado Estado Imperial, que representou o fim do domínio da Coroa portuguesa sobre o território colonial brasileiro, trazia consigo o desafio incontornável da definição de uma identidade nacional própria. Nesse contexto, qual foi o papel da intelectualidade brasileira para a manutenção do projeto político do Império? Para investigar essa questão, a historiadora Ana Beatriz Demarchi Barel estudou, em sua pesquisa de pós-doutorado, desenvolvida na Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), a contribuição da Revista do IHGB – o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – e da Revista Nitheroy.
“A Revista do IHGB e a Revista Nitheroy foram importantes veículos de difusão do pensamento da elite imperial. Elas estruturaram um projeto cultural para a fundação de um Brasil autônomo em relação a Portugal”, explicou Ana Beatriz, que foi contemplada com uma bolsa de pós-doutorado sênior da FAPERJ para a realização desse estudo, de 2013 a 2014, sob orientação do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Manolo Garcia Florentino, então presidente da FCRB. “Enquanto a Revista Nitheroy ajudou a lançar os alicerces da identidade nacional do Estado Imperial na política externa, a Revista do IHGB foi porta-voz da política interna de Pedro II, tendo sido um braço das elites que conduziam estratégias para a consolidação do Estado no cenário nacional”, completou.
Iniciativa de um grupo de jovens intelectuais e diplomatas brasileiros – Domingos José Gonçalves de Magalhães, Francisco de Sales Torres Homem e Manuel de Araújo Porto-Alegre –, a Nitheroy, Revista Brasiliense é considerada pelos historiadores da Literatura brasileira como um dos marcos da instauração do Romantismo no País. Com o lema “tudo pelo Brasil e para o Brasil”, ela teve apenas dois números, publicados em 1836, em Paris, na ocasião em que os jovens foram adidos da representação diplomática brasileira na França. Os três fundadores da revista assinaram artigos, além de estudiosos de diferentes áreas do conhecimento, revelando que a publicação tinha a intenção de se afirmar como porta-voz de um país promissor, independente e em dia com as teorias em curso na Europa. "O artigo de maior destaque da Nitheroy é um texto-manifesto que inaugurou o Romantismo como escola literária no Brasil. Esse movimento tinha como características o nacionalismo e a exaltação da identidade brasileira e a Nitheroy se define como um documento diplomático, uma declaração de intenções na qual o Brasil se expunha como uma grande nação em devir, e seguidora dos ideais da liberdade e da grande mestra que é, nesse momento histórico, a França. Assinado por Gonçalves de Magalhães, o Ensaio sobre a história da literatura no Brasil foi publicado no primeiro número da revista, que tinha mais de 400 páginas”, contextualizou a historiadora, que atualmente é professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Mas o leque de temas abordados na publicação ultrapassou o domínio da literatura, incluindo também assuntos ecléticos, como Astronomia (ensaio sobre cometas), crédito público, relações comerciais entre o Brasil e a França, reflexões pelo fim da escravatura, sobre o cultivo do açúcar e a literatura hebraica. “A Nitheroy é uma coletânea de artigos escritos sobre temas diversos, como filosofia da religião, música e artes, além da literatura. Era um esforço de homens letrados para inserir a nação recém-independente em um projeto civilizatório”, completou Ana. A pesquisadora organizou uma edição fac-similar da Revista Nitheroy, acompanhada de textos críticos e CD-ROM, lançada em 2006 pela editora portuguesa MinervaCoimbra.
Ana Barel: para pesquisadora, revistas ajudaram a forjar a identidade nacional no século XIX (Foto: Divulgação)
Já a Revista do IHGB, fundada em 1839, ainda está em circulação, sendo uma das mais longevas publicações especializadas do mundo ocidental. “A Revista do IHGB foi uma vitrine do Império. Reunia artigos publicados por magistrados, políticos do primeiro escalão e grandes nomes da literatura produzida pelo Romantismo brasileiro, como os escritores Gonçalves Dias, José de Alencar e Gonçalves de Magalhães. Era um braço ideológico do Estado imperial, tanto na cultura, como na política e na religião”, elencou a pesquisadora. “O grupo ligado ao IHGB tinha a ideia de começar a preservar a história do Império, para documentar a fundação da nação. Daí os textos da revista, voltados para a condução da administração pública e da cultura brasileiras”, completou Ana, que cursou seu doutorado em Letras (Literatura Brasileira) pela Université Sorbonne Nouvelle – Paris III, na França.
O projeto de pós-doutorado de Ana teve como desdobramento a realização do seminário “Estado, Cultura, Elites (1822-1930)”, na FCRB, em 2014, que reuniu diversos pesquisadores palestrantes, entre eles, o historiador francês Roger Chartier, professor emérito no Collège de France, com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC). A partir dos temas abordados nas palestras, foram elaborados artigos, reunidos no livro Cultura e Poder entre o Império e a República: Estudos sobre os imaginários brasileiros (1822 – 1930). Lançada em 18 de dezembro de 2018 pela editora Alameda, a obra foi organizada por Ana Beatriz e por Wilma Peres Costa, sua colega, professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na publicação, Ana assina o artigo “A revista do IHGB e a construção do cânone literário do Império do Brasil”.
O lançamento do livro, no Rio, será realizado no dia 10 de abril de 2019, na sede do IHGB (Av. Augusto Severo, nº 8,12º andar, na Glória, Zona Sul do Rio), às 15h. Na capital paulista, a coletânea teve lançamentos recentes, no final de 2018, na Casa das Rosas e na Editora Alameda. Também houve lançamento no Museu do Café, em Campinas (SP), cidade que foi um importante centro republicano no século XIX e grande região produtora de café, que era conhecido como o Ouro Verde do País.
Vitrines da sociedade letrada no Império: reproduções de um exemplar da Revista do IHGB, de 1856, e da Revista Nitheroy, que teve apenas dois números, em 1836
Autor: Débora Motta
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 21/02/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3710.2.1
“A Revista do IHGB e a Revista Nitheroy foram importantes veículos de difusão do pensamento da elite imperial. Elas estruturaram um projeto cultural para a fundação de um Brasil autônomo em relação a Portugal”, explicou Ana Beatriz, que foi contemplada com uma bolsa de pós-doutorado sênior da FAPERJ para a realização desse estudo, de 2013 a 2014, sob orientação do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Manolo Garcia Florentino, então presidente da FCRB. “Enquanto a Revista Nitheroy ajudou a lançar os alicerces da identidade nacional do Estado Imperial na política externa, a Revista do IHGB foi porta-voz da política interna de Pedro II, tendo sido um braço das elites que conduziam estratégias para a consolidação do Estado no cenário nacional”, completou.
Iniciativa de um grupo de jovens intelectuais e diplomatas brasileiros – Domingos José Gonçalves de Magalhães, Francisco de Sales Torres Homem e Manuel de Araújo Porto-Alegre –, a Nitheroy, Revista Brasiliense é considerada pelos historiadores da Literatura brasileira como um dos marcos da instauração do Romantismo no País. Com o lema “tudo pelo Brasil e para o Brasil”, ela teve apenas dois números, publicados em 1836, em Paris, na ocasião em que os jovens foram adidos da representação diplomática brasileira na França. Os três fundadores da revista assinaram artigos, além de estudiosos de diferentes áreas do conhecimento, revelando que a publicação tinha a intenção de se afirmar como porta-voz de um país promissor, independente e em dia com as teorias em curso na Europa. "O artigo de maior destaque da Nitheroy é um texto-manifesto que inaugurou o Romantismo como escola literária no Brasil. Esse movimento tinha como características o nacionalismo e a exaltação da identidade brasileira e a Nitheroy se define como um documento diplomático, uma declaração de intenções na qual o Brasil se expunha como uma grande nação em devir, e seguidora dos ideais da liberdade e da grande mestra que é, nesse momento histórico, a França. Assinado por Gonçalves de Magalhães, o Ensaio sobre a história da literatura no Brasil foi publicado no primeiro número da revista, que tinha mais de 400 páginas”, contextualizou a historiadora, que atualmente é professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Mas o leque de temas abordados na publicação ultrapassou o domínio da literatura, incluindo também assuntos ecléticos, como Astronomia (ensaio sobre cometas), crédito público, relações comerciais entre o Brasil e a França, reflexões pelo fim da escravatura, sobre o cultivo do açúcar e a literatura hebraica. “A Nitheroy é uma coletânea de artigos escritos sobre temas diversos, como filosofia da religião, música e artes, além da literatura. Era um esforço de homens letrados para inserir a nação recém-independente em um projeto civilizatório”, completou Ana. A pesquisadora organizou uma edição fac-similar da Revista Nitheroy, acompanhada de textos críticos e CD-ROM, lançada em 2006 pela editora portuguesa MinervaCoimbra.
Ana Barel: para pesquisadora, revistas ajudaram a forjar a identidade nacional no século XIX (Foto: Divulgação)
Já a Revista do IHGB, fundada em 1839, ainda está em circulação, sendo uma das mais longevas publicações especializadas do mundo ocidental. “A Revista do IHGB foi uma vitrine do Império. Reunia artigos publicados por magistrados, políticos do primeiro escalão e grandes nomes da literatura produzida pelo Romantismo brasileiro, como os escritores Gonçalves Dias, José de Alencar e Gonçalves de Magalhães. Era um braço ideológico do Estado imperial, tanto na cultura, como na política e na religião”, elencou a pesquisadora. “O grupo ligado ao IHGB tinha a ideia de começar a preservar a história do Império, para documentar a fundação da nação. Daí os textos da revista, voltados para a condução da administração pública e da cultura brasileiras”, completou Ana, que cursou seu doutorado em Letras (Literatura Brasileira) pela Université Sorbonne Nouvelle – Paris III, na França.
O projeto de pós-doutorado de Ana teve como desdobramento a realização do seminário “Estado, Cultura, Elites (1822-1930)”, na FCRB, em 2014, que reuniu diversos pesquisadores palestrantes, entre eles, o historiador francês Roger Chartier, professor emérito no Collège de France, com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC). A partir dos temas abordados nas palestras, foram elaborados artigos, reunidos no livro Cultura e Poder entre o Império e a República: Estudos sobre os imaginários brasileiros (1822 – 1930). Lançada em 18 de dezembro de 2018 pela editora Alameda, a obra foi organizada por Ana Beatriz e por Wilma Peres Costa, sua colega, professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na publicação, Ana assina o artigo “A revista do IHGB e a construção do cânone literário do Império do Brasil”.
O lançamento do livro, no Rio, será realizado no dia 10 de abril de 2019, na sede do IHGB (Av. Augusto Severo, nº 8,12º andar, na Glória, Zona Sul do Rio), às 15h. Na capital paulista, a coletânea teve lançamentos recentes, no final de 2018, na Casa das Rosas e na Editora Alameda. Também houve lançamento no Museu do Café, em Campinas (SP), cidade que foi um importante centro republicano no século XIX e grande região produtora de café, que era conhecido como o Ouro Verde do País.
Vitrines da sociedade letrada no Império: reproduções de um exemplar da Revista do IHGB, de 1856, e da Revista Nitheroy, que teve apenas dois números, em 1836
Autor: Débora Motta
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 21/02/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3710.2.1
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