segunda-feira, 31 de outubro de 2022
Como se proteger de tristeza, raiva e medo após eleição
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
Estabelecer consensos e avaliar comportamentos são maneiras de evitar conflitos relacionados à política
Esta reportagem foi publicada originalmente em 3 de outubro de 2022 e atualizada em 31 de outubro de 2022.
Debates acalorados, ânimos acirrados, opiniões opostas… A eleição presidencial foi para muita gente fonte importante de estresse — que, por sua vez, é um dos fatores de risco por trás de transtornos mais sérios, como ansiedade e depressão.
De acordo com psiquiatras, a probabilidade de desenvolver um quadro desses é ainda maior quando a disputa fica polarizada demais e pessoas do outro lado do espectro político passam a ser vistas como inimigas, que precisam ser derrotadas a qualquer custo.
Além de fazer mal à democracia, esse tipo de pensamento representa uma ameaça à própria saúde mental das pessoas que nutrem sentimentos tão intensos, explicam os médicos.
A boa notícia é que existem estratégias que ajudam a evitar uma piora da situação e a prevenir danos ao bem-estar, como fazer autoavaliação do comportamento, desligar das redes sociais e buscar uma avaliação com profissionais da saúde.
Origem das preocupações
A Associação Americana de Psicologia (APA) fez em 2020 um levantamento para entender o impacto das eleições presidenciais no dia a dia das pessoas.
O estudo revelou que 68% dos participantes encaravam a disputa política entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump como uma fonte significativa de estresse.
"O ano de 2020 foi diferente de tudo que já vivemos. Não apenas lidamos com uma pandemia que matou centenas de milhares de americanos, como observamos um aumento da divisão e da hostilidade", analisou à época o psicólogo Arthur Evans Junior, presidente da APA.
Já uma investigação liderada pela Universidade da Califórnia em San Francisco, nos EUA, descobriu que estar do lado derrotado do pleito impacta a saúde mental.
Ao analisar as informações de meio milhão de americanos, os acadêmicos notaram que os moradores de Estados cuja maioria votou na democrata Hillary Clinton, que perdeu a disputa, relataram mais transtornos um mês após as eleições de 2016.
De acordo com os cálculos, isso se traduziu em 54,6 milhões de dias a mais de estresse e depressão para os 109,2 milhões de adultos que vivem nos Estados que preferiram Clinton.
"Os profissionais de saúde devem considerar que as eleições podem ter um efeito, ao menos transitório, na piora da saúde mental", constatou a médica Renee Hsia, uma das responsáveis pelo trabalho.
O assunto ganhou uma repercussão tão grande em terras americanas que alguns profissionais de saúde desenvolveram até um termo para descrevê-la: transtorno de estresse eleitoral.
Embora não seja uma enfermidade oficialmente aceita nos manuais de psiquiatria, alguns acadêmicos a descrevem como "uma ansiedade generalizada que foca na eleição, mas não é causada apenas por ela".
Um dos criadores do conceito é o terapeuta Steven Stosny. Ele aponta que os principais sintomas são dificuldades para dormir, dor de cabeça, problemas estomacais e aumento da irritabilidade ou da ansiedade.
O ingrediente por trás de tudo
No final das contas, o que esse rol de experimentos americanos revela é o papel de destaque do estresse no comportamento e nas emoções.
O médico Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que o estresse é um conjunto de reações do nosso organismo quando estamos diante de situações novas, que requerem algum tipo de adaptação e enfrentamento.
"Essas mudanças geram uma série de reações no nosso corpo para deixar a atenção afiada, o raciocínio veloz, os músculos tensos e o coração acelerado", diz.
A princípio, esse conjunto de alterações é bem-vindo. Foi esse mecanismo que permitiu à nossa espécie identificar os perigos e responder de forma rápida — geralmente fugindo ou lutando.
"A questão é quando esse estresse se transforma em algo crônico", diferencia o psiquiatra.
"Uma demanda constante por mudanças e adaptações leva a desgastes no organismo e aumenta o risco do desenvolvimento de quadros como a ansiedade e a depressão", acrescenta.
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O estresse é uma reação natural e esperada em situações de mudança. O problema é quando ele dura por muito tempo
A situação no Brasil
Não é segredo para ninguém que as eleições no país foram polarizadas - a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em segundo turno, contra Jair Bolsonaro, por 50,9% a 49,1%, foi a mais apertada desde a redemocratização do país - e geraram disputas muito intensas. Mas será que é possível medir o estresse da população neste momento?
Embora não existam muitas pesquisas publicadas sobre o tema no Brasil, Barros observa que a corrida presidencial de 2022 parece diferente do que aconteceu há quatro anos.
"Me parece que a maioria das pessoas aprendeu a lição em 2018 e criou mecanismos para não entrar em conflitos ou brigas. Entre amigos e familiares com visões opostas, parece existir uma espécie de pacto de silêncio sobre o tema", avalia.
"Mas é claro que não podemos ignorar os episódios de violência entre adversários políticos registrados nessas últimas semanas", complementa.
Já o psiquiatra Lucas Spanemberg, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, entende que a participação política pode ter dois lados.
"É algo paradoxal, mas engajar-se numa campanha é bom ao trazer uma sensação de pertencimento, de participação cívica, de protagonismo, de influência positiva no futuro do país", lista.
"O problema é quando isso passa do ponto e gera uma tentação autoritária, em que a discussão se centra apenas no ataque ao adversário por meio da raiva, do ódio e da rejeição", compara.
"Do ponto de vista da saúde mental, isso é negativo e pode trazer ansiedades."
O papel das redes sociais
Os médicos ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o acirramento dos ânimos se deve em parte às mídias sociais.
Barros aponta que temos uma tendência natural de favorecer as pessoas que reconhecemos como semelhantes — e somos mais críticos e duros com quem é de fora do nosso grupo social.
"Nós combatemos essa tendência com mecanismos civilizatórios, como a justiça social e a transparência".
"A ideia de defender um ponto de vista e criar divergências faz parte da natureza humana. Mas os algoritmos das redes sociais favorecem o que a gente chama de viés de confirmação", ensina Spanemberg, que também trabalha no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Em termos práticos, essas plataformas são configuradas de modo a mostrar apenas conteúdos que se encaixam naquilo que a gente acredita.
Em longo prazo, isso cria uma falsa sensação de que todo mundo pensa igual — opiniões divergentes são tão raras nessas redes que acabam ignoradas, ou atacadas com toda a força.
"Ficamos, ao mesmo tempo, com a sensação de que somos validados o tempo todo, e com uma dificuldade de transitar com o diferente e o contraditório", resume o psiquiatra.
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Redes sociais reforçam a ideia de que nossas ideias estão sempre corretas
O que acontece com quem ganha e quem perde
O psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, destaca que a atitude após uma vitória ou uma derrota também influencia não apenas no futuro político do país, mas no acirramento de ânimos nas relações pessoais.
"Na história brasileira, o lado vitorioso costuma usar o sarcasmo e a humilhação como ferramentas diante do derrotado."
E isso, por sua vez, gera uma reação de vingança, raiva e rancor entre quem perdeu.
"Me parece que ainda precisamos aprender a ganhar ou perder durante a disputa política", conta.
"Outra falha que temos é a noção de que os líderes são infalíveis, não podem errar ou voltar atrás. Isso cria figuras de autoridade que são inflexíveis, o que se reflete no comportamento da sociedade", completa.
Como evitar esses males
Mas será que existe um caminho para lidar com um problema desse tamanho e fugir dos sentimentos de raiva, tristeza ou medo durante e após as eleições?
Há pelo menos sete recomendações básicas que ajudam a refletir sobre as emoções e o comportamento — e como eles impactam a saúde mental.
Tudo começa com um processo de autoavaliação. Como você reage quando uma pessoa diz algo que vai contra o que acredita? Isso te causa um estresse muito grande? Uma conversa sobre política gera um mal-estar ou uma sensação ruim em você ou nos demais participantes?
"Há algo de errado quando as suas posições políticas limitam as conversas dentro da própria família, ou os grupos de WhatsApp deixaram de ser um lugar de confraternização para virar um terreno de disputa política", exemplifica Spanemberg.
Vale também checar se esse comportamento impede você de fazer qualquer atividade profissional e de lazer ou prejudica os relacionamentos.
Em segundo lugar, os médicos orientam ficar atento se você acha que está sempre correto em tudo.
"Ninguém está certo em 100% das vezes", lembra Barros.
"Pense se você já discordou alguma vez do grupo com o qual interage mais. Se isso nunca aconteceu, você pode estar sendo manipulado", complementa.
O terceiro ponto é exercitar o consenso. Ao conversar com pessoas que têm visões antagônicas, tente encontrar pontos em comum que todos podem concordar.
Isso ajuda a criar laços e mostrar que, mesmo quem tem visões diferentes sobre vários assuntos, pode estar de acordo em alguns pontos, apontam os pesquisadores.
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Estabelecer o diálogo e respeitar posições antagônicas são estratégias para fugir de conflitos desnecessários
A dica número quatro é tentar não antecipar quais serão as políticas do governo a partir de 2023.
Uma pesquisa feita pela Universidade do Estado da Carolina do Norte, nos EUA, revelou que pessoas que antecipam cenários sociais e econômicos e acham que vão se estressar com a política do próximo governante geralmente estão certas.
De fato, elas costumam sofrer mais com o estresse, mesmo antes que as coisas realmente aconteçam.
Os psiquiatras também sugerem que as pessoas façam pausas nas redes sociais e nas notícias. Isso ajuda a tirar o foco da disputa eleitoral e abre espaço para outras atividades mais relaxantes, como fazer um exercício físico ou passear num parque.
A sexta orientação é que as pessoas procurem ajuda profissional se sentirem que não estão melhorando. Passar por uma análise com o psicólogo ou com o psiquiatra ajuda a encontrar as fontes do estresse, da ansiedade ou da depressão — e permite escolher os melhores caminhos para tratar e resolver o transtorno.
Por fim, Barros acredita que as pessoas se esqueceram de um aspecto importante das eleições. "O processo democrático envolve a continuidade ou a troca de governos, a depender da vontade da maioria dos cidadãos", diz.
A existência desses processos é algo saudável e fundamental não apenas para o funcionamento da democracia, mas também para o equilíbrio da nossa própria saúde mental, destaca.
Ele aponta que precisamos encarar a oposição ao governo da vez como parte do processo democrático — e não como um inimigo que deve ser eliminado.
Segundo o psiquiatra, lidar com pessoas que a gente não gosta faz parte do convívio em sociedade. E entender isso pode até ajudar a aliviar o estresse e a carga emocional que vêm junto com os debates e as propostas para melhorar o futuro do país.
Autor: André Biernath - @andre_biernath
Fonte: BBC
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 31/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63080203
'Minha doença é tão rara que não tem nome'
Legenda da foto,
Debbie é uma das primeiras pacientes a serem atendidas na primeira clínica do Reino Unido destinada a síndromes não identificadas
Quando era adolescente, a britânica Debbie Schwartz se sentia humilhada quando os médicos diziam que suas doenças estavam todas na sua cabeça.
"Era devastador", conta a ex-professora de 47 anos.
"Me sentia sem esperança, isolada e humilhada."
Debbie tem uma doença tão rara que os especialistas ainda não foram capazes de identificar.
Agora, ela está entre os primeiros pacientes a serem tratados na primeira clínica do Reino Unido especializada em síndromes que não têm nome.
Debbie é uma das primeiras pacientes a serem atendidas na primeira clínica do Reino Unido destinada a síndromes não identificadas
Quando era adolescente, a britânica Debbie Schwartz se sentia humilhada quando os médicos diziam que suas doenças estavam todas na sua cabeça.
"Era devastador", conta a ex-professora de 47 anos.
"Me sentia sem esperança, isolada e humilhada."
Debbie tem uma doença tão rara que os especialistas ainda não foram capazes de identificar.
Agora, ela está entre os primeiros pacientes a serem tratados na primeira clínica do Reino Unido especializada em síndromes que não têm nome.
Debbie passou grande parte da adolescência sendo levada pelos pais de um lado a outro do país, na tentativa de descobrir o que havia de errado com sua única filha.
"Eu sentia como se estivesse decepcionando meus pais", relembra.
"Eles me levavam de um lado para o outro, para hospitais em Newcastle e em Londres."
"Como uma criança de 11 anos, ser informada de que os exames não mostram nada, e seus pais estão ouvindo isso, não passa pela cabeça que os médicos estejam errados, porque eles fizeram todos aqueles exames, e eles são médicos, eles sabem. Então o diagnóstico deve ser que eu inventei."
CRÉDITO,DEBBIE SCHWARTZ
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Os pais de Debbie, Suzanne e Anthony Schwartz, levaram a filha a vários especialistas pelo país, na esperança de um diagnóstico
"O ônus era muito meu, e me sentia pressionada por isso. Eu estava na escola e era apenas uma criança. Foi difícil."
Debbie sentia que os médicos haviam sido "muito displicentes" — até que, no final da adolescência, sua visão, fala, audição e mobilidade se deterioraram.
Isso não a impediu, no entanto, de se formar em bioquímica em Londres e se qualificar para se tornar professora de ciências.
Mas, em 2000, Debbie sofreu um colapso e passou 10 meses no hospital. Desde então, não andou — nem trabalhou — mais.
"Foi decidido então que não era asma, e comecei a fazer vários exames diferentes com médicos diferentes", afirma.
"Eles começavam animados porque eu era um caso único e achavam interessante, mas perdiam o interesse quando faziam os exames e ainda assim não conseguiam chegar a um diagnóstico."
"Eles não achavam nada de errado, então atribuíam tudo a ser psicossomático, depressão ou ansiedade."
"A parte que me corroía a alma era porque quando eles diziam que não havia nada de errado, eu não ia para casa e ficava tudo bem... eu continuava deteriorando."
"Eu me sentia um fracasso."
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Devido à sua condição, Schwartz precisa da ajuda de três cuidadores ao longo do dia
Após anos de luta, Debbie finalmente conseguiu um diagnóstico parcial em 2005 de doença mitocondrial — um grupo de condições causadas por defeitos em partes-chave das células do corpo.
Posteriormente, ela também foi diagnosticada com mais três "distúrbios muito raros" — uma condição neurológica, outra afetando seu sistema imunológico e um distúrbio do movimento chamado distonia.
Ela tem perda auditiva, visão parcial, dificuldade de equilíbrio e não tem sensibilidade nas mãos, nem abaixo dos joelhos — precisa da ajuda de cuidadores três vezes ao dia e sua qualidade de vida está "piorando".
Uma das coisas que mais frustra Debbie é que, embora ela esteja convencida de que suas condições estejam ligadas, até agora elas foram vistas isoladamente.
Mas ela está confiante de poder chegar mais perto de descobrir qual pode ser sua condição subjacente, com a ajuda de especialistas da primeira clínica nacional do Reino Unido para síndromes não identificadas, localizada na capital do País de Gales, Cardiff, sua cidade natal.
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O primeiro centro dedicado exclusivamente à pesquisa e tratamento de doenças não identificadas está localizado no Hospital Universitário do País de Gales
Embora individualmente essas condições sejam muito raras, juntas podem afetar milhares de pessoas.
Até agora, Debbie tinha que recorrer a vários especialistas para tratar suas diversas condições.
"Mas são equipes diferentes que seguem sua especialidade", explica.
"Não me veem como uma pessoa por inteiro e meus sintomas como um todo, que é o que esta nova clínica vai fazer".
Agora, após uma batalha de 35 anos, ela espera obter um diagnóstico único geral, que ela acredita ter tido um "efeito profundo" em sua vida por tanto tempo.
"Espero que, com uma equipe de médicos multidisciplinares olhando para mim como um todo, possam chegar a uma conclusão de que é um distúrbio, em vez de todos esses separados".
Estima-se que 6 mil bebês nasçam todos os anos com uma doença tão rara que sequer tem nome — e há cerca de 350 mil pessoas no Reino Unido nesta situação.
Especialistas estimam que pode haver mais de 8 mil doenças raras, e as crianças são as mais atingidas — 50% das doenças raras afetam crianças, e quase um terço delas morre antes de completar cinco anos.
A nova clínica SWAN (sigla em inglês para "síndromes sem um nome") do Hospital Universitário do País de Gales, em Cardiff, pode ser acessada por adultos e crianças de todo o País de Gales por meio do encaminhamento de um médico do hospital — estima-se que haja cerca de 150 mil potenciais pacientes no País de Gales.
"As doenças raras são um problema de saúde significativo que infelizmente está associado a desfechos ruins", afirma o médico Graham Shortland, diretor clínico do novo centro.
"O impacto sobre os pacientes e suas famílias é considerável, com a maioria dos pacientes que recebem um diagnóstico esperando em média quatro anos."
"Um diagnóstico traz esperança e tranquilidade às famílias, e o objetivo da clínica é encurtar a jornada de diagnóstico, melhorar o acesso a cuidados especializados e apoiar aqueles que continuam à espera de um diagnóstico".
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Iolo Doull acredita que o País de Gales está sendo pioneiro na pesquisa de doenças raras
Como muitas dessas doenças geralmente têm uma causa genética, espera-se que a clínica também possa aconselhar as famílias sobre os riscos de uma criança herdar doenças raras.
Especialistas na área de saúde afirmam que a clínica é outro exemplo de que o País de Gales está na vanguarda no campo de doenças raras, após se tornar o primeiro país do Reino Unido a oferecer testes genéticos de genoma completo para crianças muito doentes.
"A clínica SWAN é a primeira do tipo no Reino Unido e, até onde sabemos, não há outras na Europa", afirma Iolo Doull, presidente do conselho do Grupo de Implementação de Doenças Raras.
"Você pode considerar o País de Gales como um lugar muito pequeno ou grande o suficiente para fazer coisas importantes. Neste caso, o País de Gales foi grande o suficiente para fazer isso que talvez em outros lugares ficasse fora do radar."
Autor: Owain Clarke
Fonte: BBC News
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 31/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63424523
sexta-feira, 28 de outubro de 2022
Torre Verde na Rocinha reproduz conceito de economia circular
Um projeto de economia circular e inovação tecnológica, a Torre Verde – Rocinha, primeira do Brasil, começou a receber a visita de alunos de duas escolas da comunidade. Contemplado no edital Apoio às Bases para o Parque de Inovação Social e Sustentável na Rocinha, da FAPERJ, o projeto adota um conjunto de práticas de tecnologia socioambiental e pretende servir de modelo para replicação. O sistema inclui geração de energia através de placas solares, captação de água da chuva para irrigação automática de hortas e jardins suspensos e transformação de resíduo orgânico em adubo através de uma aceleradora de compostagem.
Em cada andar da torre os visitantes têm contato com uma tecnologia socioambiental, como energia solar, compostagem e aproveitamento da água da chuva (Imagem maquete: AAA)
A torre é uma estrutura de andaime com quatro pavimentos, dimensão total de 5m x 5m x 12,5m, incluindo uma rampa de acessibilidade. No nível mais alto foram instaladas oito placas solares para a geração de energia limpa. No terceiro andar ficam acomodadas quatro caixas d’água de 500 litros cada e é também o local da horta comunitária para a produção de alimentos orgânicos. No segundo nível, com rampa de acesso à torre, há um local para manuseio de mudas e adubo e o andar térreo, reservado para armazenamento de material. A aceleradora de compostagem, a mesa trituradora e a balança ficam em uma sala de uma das escolas, próxima à torre.
Segundo Monica Garcia, uma das idealizadoras do projeto e diretora da Entrelaces (Associação Brasileira de Pesquisa e Projetos em Educação), a Torre verde foi um processo de aprendizado e construção, com a ajuda do ex-presidente e atual conselheiro da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), José Alberto Sampaio Aranha. “Temos aprendido muito ao longo do processo, que começou com uma ideia e foi se adaptando a partir da realidade em campo”, explica. No início, chegou a ser recusado pela FAPERJ, que exigia um local determinado, com matrícula no Registro Geral de Imóveis (RGI) para sua implantação. O que parecia um obstáculo acabou sendo o caminho para o local ideal do protótipo da torre, que passou a ocupar o pátio das escolas municipais CIEP Doutor Bento Rubião e Luiz Paulo Horta (na Estrada da Gávea, 522), nas quais estudam 780 alunos do ensino fundamental.
Monica conta que o momento fundamental na concepção da torre foi quando o arquiteto Rodrigo Azevedo, da Azevedo Agência de Arquitetura (AAA), parceiro do projeto, sugeriu uma estrutura vertical em vez de horizontal, devido à falta de espaço na comunidade. “Foi o que validou nossa proposta”, afirma Monica. Nos seis meses desde a assinatura do contrato, Monica, que é especialista em gestão financeira, foi ajustando o projeto em função do orçamento e das interações com os diversos parceiros. Para se ter uma ideia, só o aluguel dos andaimes custa R$ 12.500 por mês.
Crianças das escolas municipais CIEP Doutor Bento Rubião e Luiz Paulo Horta já estão conhecendo a Torre Verde (Fotos: Monica Garcia/Entrelaces)
A Torre Verde – Rocinha (@projeto_torre_verde) é um esforço de colaboração, uma parceria público-privada (PPP), viabilizada através do apoio técnico da ONG Entrelaces (www.entrelaces.org), da Azevedo Agência de Arquitetura (www.aaa.com.br), da Impacto Insolar Painéis Solares, da Atuação Ambiental AMB&TECH (www.ambtech.eco.br), da Aceleradora de compostagem DarVida, da Cooperativa Popular Amigos do Meio Ambiente (Coopama), da Minha Coleta logística de resíduos, do Instituto TJM (Tamo Junto) Rocinha. “Além dos recursos investidos, o edital da FAPERJ teve o mérito de trazer várias universidades para interagir com os projetos de campo”, ressalta a economista formada na Bentley University, nos Estados Unidos, com MBA em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC).
O principal objetivo da Torre Verde é a disseminação da economia circular, baseada nos pilares dos 3R’s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) para alunos, familiares, professores, diretores, funcionários etc. A meta é reduzir os impactos ambientais gerados pelo lixo (orgânico e inorgânico), transformar os resíduos orgânicos em adubo; gerar energia verde; desenvolver um modelo de subsistência através de hortas comunitárias que produzam alimentos orgânicos em um sistema de policultivo; promover a valorização social e geração de renda através da contratação de mão de obra local e promover o entrelaçamento cultural e a troca de saberes entre a comunidade da Rocinha e governos, empresas, sociedade civil e universidades.
Com inauguração marcada para 18 de novembro, quando passará a receber visitantes, a Torre Verde já está acolhendo as turmas de alunos das duas escolas, que, de capacete, uma recomendação do engenheiro de segurança, têm a experiência literal de colocar a mão na massa – no caso a terra – e demais insumos, como o adubo obtido pela reciclagem do lixo orgânico das duas cozinhas das escolas, usados na horta comunitária e nas jardineiras, distribuídas ao longo da estrutura como forma de guarda-corpo. A torre, que à noite recebe uma iluminação arroxeada, específica para estimular o crescimento das plantas, acaba funcionando como um living lab (laboratório aberto) para os alunos. Giliard Barreto, morador e agente comunitário da comunidade, com a ajuda da engenheira agrícola e ambiental Beatriz Giglio, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) é quem está responsável por receber as visitas à torre, que até 15 de novembro estão restritas aos alunos. “A Torre tem sido um exemplo de organização social na forma de negócio”, diz Monica.
Monica Garcia: para a diretora da Entrelaces, a Torre tem sido um exemplo de organização social na forma de negócio
O projeto piloto visa o teste do produto viável mínimo (MVP) para replicação em maior escala, visando o mercado de produção e comercialização de créditos de carbono. O potencial de redução de resíduo orgânico da Torre Verde é de 90 kg diários (seis ciclos de 15kg), equivalente à 450kg por semana ou 1,8 tonelada ao mês. Considerando que uma tonelada de carbono removido do meio ambiente é o equivalente a um crédito de carbono, cada unidade será capaz de gerar 21.6 toneladas de resíduo orgânico transformado em adubo por ano, equivalentes a 21,6 créditos de carbono. A Torre Verde - Rocinha também incluirá um sistema de QR code em todos os equipamentos da torre, redirecionando os alunos para o material pedagógico que está sendo produzido pelo projeto. Além disso, funciona como um showroom dos produtos e serviços oferecidos a possíveis interessados.
Na atual fase, a Entrelaces pretende buscar apoiadores para que o projeto possa se manter no local proposto após o término do prazo contratual, e também multiplicá-lo em outras escolas e instituições pelo Rio de Janeiro e no restante do País. O projeto integra o Parque de Inovação Social e Sustentável na Rocinha, que faz parte de uma rede integrada que inclui a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Emprego e Relações Internacionais (Sedeeri), Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) e Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro. A Associação Brasileira de Pesquisa e Projetos em Educação (Entrelaces) foi fundada em 2000 por um grupo de profissionais das áreas de Educação, Saúde, Economia, Psicanálise e Direito, com o objetivo de transformar o cenário social local através do entrelaçamento das diversas áreas do saber.
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=215.7.4
Em cada andar da torre os visitantes têm contato com uma tecnologia socioambiental, como energia solar, compostagem e aproveitamento da água da chuva (Imagem maquete: AAA)
A torre é uma estrutura de andaime com quatro pavimentos, dimensão total de 5m x 5m x 12,5m, incluindo uma rampa de acessibilidade. No nível mais alto foram instaladas oito placas solares para a geração de energia limpa. No terceiro andar ficam acomodadas quatro caixas d’água de 500 litros cada e é também o local da horta comunitária para a produção de alimentos orgânicos. No segundo nível, com rampa de acesso à torre, há um local para manuseio de mudas e adubo e o andar térreo, reservado para armazenamento de material. A aceleradora de compostagem, a mesa trituradora e a balança ficam em uma sala de uma das escolas, próxima à torre.
Segundo Monica Garcia, uma das idealizadoras do projeto e diretora da Entrelaces (Associação Brasileira de Pesquisa e Projetos em Educação), a Torre verde foi um processo de aprendizado e construção, com a ajuda do ex-presidente e atual conselheiro da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), José Alberto Sampaio Aranha. “Temos aprendido muito ao longo do processo, que começou com uma ideia e foi se adaptando a partir da realidade em campo”, explica. No início, chegou a ser recusado pela FAPERJ, que exigia um local determinado, com matrícula no Registro Geral de Imóveis (RGI) para sua implantação. O que parecia um obstáculo acabou sendo o caminho para o local ideal do protótipo da torre, que passou a ocupar o pátio das escolas municipais CIEP Doutor Bento Rubião e Luiz Paulo Horta (na Estrada da Gávea, 522), nas quais estudam 780 alunos do ensino fundamental.
Monica conta que o momento fundamental na concepção da torre foi quando o arquiteto Rodrigo Azevedo, da Azevedo Agência de Arquitetura (AAA), parceiro do projeto, sugeriu uma estrutura vertical em vez de horizontal, devido à falta de espaço na comunidade. “Foi o que validou nossa proposta”, afirma Monica. Nos seis meses desde a assinatura do contrato, Monica, que é especialista em gestão financeira, foi ajustando o projeto em função do orçamento e das interações com os diversos parceiros. Para se ter uma ideia, só o aluguel dos andaimes custa R$ 12.500 por mês.
Crianças das escolas municipais CIEP Doutor Bento Rubião e Luiz Paulo Horta já estão conhecendo a Torre Verde (Fotos: Monica Garcia/Entrelaces)
A Torre Verde – Rocinha (@projeto_torre_verde) é um esforço de colaboração, uma parceria público-privada (PPP), viabilizada através do apoio técnico da ONG Entrelaces (www.entrelaces.org), da Azevedo Agência de Arquitetura (www.aaa.com.br), da Impacto Insolar Painéis Solares, da Atuação Ambiental AMB&TECH (www.ambtech.eco.br), da Aceleradora de compostagem DarVida, da Cooperativa Popular Amigos do Meio Ambiente (Coopama), da Minha Coleta logística de resíduos, do Instituto TJM (Tamo Junto) Rocinha. “Além dos recursos investidos, o edital da FAPERJ teve o mérito de trazer várias universidades para interagir com os projetos de campo”, ressalta a economista formada na Bentley University, nos Estados Unidos, com MBA em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC).
O principal objetivo da Torre Verde é a disseminação da economia circular, baseada nos pilares dos 3R’s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) para alunos, familiares, professores, diretores, funcionários etc. A meta é reduzir os impactos ambientais gerados pelo lixo (orgânico e inorgânico), transformar os resíduos orgânicos em adubo; gerar energia verde; desenvolver um modelo de subsistência através de hortas comunitárias que produzam alimentos orgânicos em um sistema de policultivo; promover a valorização social e geração de renda através da contratação de mão de obra local e promover o entrelaçamento cultural e a troca de saberes entre a comunidade da Rocinha e governos, empresas, sociedade civil e universidades.
Com inauguração marcada para 18 de novembro, quando passará a receber visitantes, a Torre Verde já está acolhendo as turmas de alunos das duas escolas, que, de capacete, uma recomendação do engenheiro de segurança, têm a experiência literal de colocar a mão na massa – no caso a terra – e demais insumos, como o adubo obtido pela reciclagem do lixo orgânico das duas cozinhas das escolas, usados na horta comunitária e nas jardineiras, distribuídas ao longo da estrutura como forma de guarda-corpo. A torre, que à noite recebe uma iluminação arroxeada, específica para estimular o crescimento das plantas, acaba funcionando como um living lab (laboratório aberto) para os alunos. Giliard Barreto, morador e agente comunitário da comunidade, com a ajuda da engenheira agrícola e ambiental Beatriz Giglio, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) é quem está responsável por receber as visitas à torre, que até 15 de novembro estão restritas aos alunos. “A Torre tem sido um exemplo de organização social na forma de negócio”, diz Monica.
Monica Garcia: para a diretora da Entrelaces, a Torre tem sido um exemplo de organização social na forma de negócio
O projeto piloto visa o teste do produto viável mínimo (MVP) para replicação em maior escala, visando o mercado de produção e comercialização de créditos de carbono. O potencial de redução de resíduo orgânico da Torre Verde é de 90 kg diários (seis ciclos de 15kg), equivalente à 450kg por semana ou 1,8 tonelada ao mês. Considerando que uma tonelada de carbono removido do meio ambiente é o equivalente a um crédito de carbono, cada unidade será capaz de gerar 21.6 toneladas de resíduo orgânico transformado em adubo por ano, equivalentes a 21,6 créditos de carbono. A Torre Verde - Rocinha também incluirá um sistema de QR code em todos os equipamentos da torre, redirecionando os alunos para o material pedagógico que está sendo produzido pelo projeto. Além disso, funciona como um showroom dos produtos e serviços oferecidos a possíveis interessados.
Na atual fase, a Entrelaces pretende buscar apoiadores para que o projeto possa se manter no local proposto após o término do prazo contratual, e também multiplicá-lo em outras escolas e instituições pelo Rio de Janeiro e no restante do País. O projeto integra o Parque de Inovação Social e Sustentável na Rocinha, que faz parte de uma rede integrada que inclui a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Emprego e Relações Internacionais (Sedeeri), Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) e Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro. A Associação Brasileira de Pesquisa e Projetos em Educação (Entrelaces) foi fundada em 2000 por um grupo de profissionais das áreas de Educação, Saúde, Economia, Psicanálise e Direito, com o objetivo de transformar o cenário social local através do entrelaçamento das diversas áreas do saber.
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=215.7.4
Pesquisadores do IBqM/UFRJ investigam novos caminhos para combater o câncer de mama
Neste mês, celebra-se o Outubro Rosa, campanha internacional que teve início nos Estados Unidos, em 1997, para chamar a atenção para a importância do autoexame e do diagnóstico precoce do câncer de mama. A doença é a neoplasia que mais atinge mulheres em todo o mundo e um dos seus tipos mais agressivos, o câncer de mama triplo negativo, que provoca metástase, representa cerca de 15% dos cânceres de mama. Um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBqM/UFRJ), investiga os mecanismos moleculares envolvidos no aumento da concentração de fosfato extracelular no microambiente do câncer de mama e o seu transporte para o interior das células tumorais, que podem fazer a diferença no combate à doença, e o melhor, testando a aplicabilidade de fármacos já conhecidos pela indústria farmacêutica, mas até então utilizados para outras doenças.
Os mecanismos moleculares do câncer de mama triplo negativo, um dos tipos mais agressivos da doença, são objeto de estudo de pesquisadores no Laboratório de Bioquímica Celular do IBqM/UFRJ (Foto: Reprodução)
A pesquisa vem sendo desenvolvida em células tumorais de câncer de mama triplo negativo, no Laboratório de Bioquímica Celular do IBqM/UFRJ, pelo biólogo e doutor em Química Biológica Marco Antonio Lacerda Abreu, sob supervisão do professor José Roberto Meyer-Fernandes, que é o chefe do laboratório. Pesquisador de pós-doutorado com bolsa concedida pela FAPERJ, por meio do programa Pós-Doutorado Nota 10, Marco Antonio demonstrou, pela primeira vez, os mecanismos de acumulação de fosfato inorgânico no meio extracelular que circunda as células do câncer de mama. “Esse acúmulo de fosfato está relacionado à grande necessidade que as células cancerosas têm de ATP (adenosina trifosfato), a molécula que serve de combustível para a enorme demanda de energia que as células tumorais possuem para a sua intensa divisão celular, quando em metástase. O fosfato é constituinte da molécula de ATP e a sua relação com o desenvolvimento tumoral pode revelar pistas para o combate ao câncer”, contou Abreu.
Outra descoberta dos pesquisadores foi o papel desse fosfato inorgânico como sinalizador celular nesses tumores cancerígenos. Eles observaram que a elevada concentração de fosfato inorgânico no meio extracelular resulta na liberação de peróxido de hidrogênio, substância popularmente conhecida como água oxigenada, que ajuda na sinalização de processos de metástase e está relacionada com o estresse oxidativo celular. Esse papel sinalizador do fosfato pode ser outra pista importante para o diagnóstico de tumores. “Estamos investigando as vias de sinalização envolvidas na progressão do câncer de mama, em metástase, em resposta ao peróxido de hidrogênio estimulado pelo elevado fosfato extracelular. Fomos o primeiro grupo a observar que a elevada concentração de fosfato extracelular estimula a produção de peróxido de hidrogênio em células triplo-negativas de câncer de mama. Antes, isso só havia sido demonstrado em modelos celulares relacionados à calcificação óssea”, explicou o coordenador do projeto, José Roberto Meyer-Fernandes.
Marco Antonio Abreu (à esq.) e seu orientador, José Roberto Meyer-Fernandes, no IBqM/UFRJ, destacam a necessidade da produção de fosfato inorgânico radioativo pelo Ipen para poderem dar continuidade à pesquisa (Foto: Divulgação)
Um ponto importante do estudo foi a caracterização de transportadores de fosfato inorgânico que agem como mediadoras dessa captação de fosfato inorgânico, assim como as enzimas responsáveis pela hidrólise de moléculas fosforiladas, as ectofosfatases e ecto-nucleotidases. Elas estão localizadas na membrana celular dos tumores, que estão envolvidas no processo bioquímico de entrada do fosfato inorgânico na célula cancerosa. Os pesquisadores demonstraram que elas possuem elevada atividade em células tumorais de mama, cerca de duas vezes maior do que em indivíduos saudáveis. Dois tipos de transportadores de fosfato foram caracterizados na pesquisa: o transportador de fosfato próton dependente e o transportador de fosfato sódio dependente. “Caracterizamos esses transportadores e essas enzimas ao longo dos últimos cinco anos”, citou Abreu.
Além de caracterizar essas enzimas, a pesquisa tem o mérito de testar a aplicação de fármacos já conhecidos pela indústria farmacêutica para restringir a ação enzimática e, consequentemente, mitigar a nutrição dos tumores e o processo de metástase. “Em 2018, descobrimos que um antiretroviral já receitado pelos médicos internacionalmente, o PFA (ácido fosfanofórmico), é capaz de inibir a ação do transportador sódio dependente, e consequentemente reduzir o processo de metástase das células tumorais. Por outro lado, observamos também que o PAA (acidofosfanocético), outro medicamento já aprovado em uso clinico, é um inibidor do transportador próton-dependente. Nossa ideia é investigar como inibir esses dois transportadores para estancarmos a metástase”, completou.
Esses caminhos bioquímicos, que podem ser a chave para a descoberta de tratamentos mais eficazes para o câncer de mama, estão sendo desvendados aos poucos pelos pesquisadores. Porém, um gargalo para a continuidade do estudo é a interrupção da produção de uma matéria-prima fundamental para a pesquisa, o fosfato inorgânico radioativo. “No Brasil, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, o Ipen, que era o único produtor no País, suspendeu recentemente a sua produção de fosfato inorgânico radioativo. E como a meia-vida desse composto é de 14 dias, temos grande dificuldade de importar, pois quando ele chega, depois desse prazo, já perdeu metade das suas propriedades. Deixamos aqui esse apelo à comunidade científica pela volta da produção nacional dessa matéria-prima fundamental para darmos continuidade a estas pesquisas”, concluiu Meyer-Fernandes.
A pesquisa, intitulada "Efeito do fosfato inorgânico (Pi)extracelular no microambiente do câncer de mama: Produção, transporte, transdução do sinal e uma possível correlação com metástase", foi tema da tese de Doutorado defendida por Abreu no IBqM. Ela foi laureada recentemente com o Prêmio Mário Alberto-Silva Neto como a melhor tese de Doutorado defendida em 2021 no Programa de Pós-graduação em Química Biológica do IBqM.
Autor: Débora Motta
Os mecanismos moleculares do câncer de mama triplo negativo, um dos tipos mais agressivos da doença, são objeto de estudo de pesquisadores no Laboratório de Bioquímica Celular do IBqM/UFRJ (Foto: Reprodução)
A pesquisa vem sendo desenvolvida em células tumorais de câncer de mama triplo negativo, no Laboratório de Bioquímica Celular do IBqM/UFRJ, pelo biólogo e doutor em Química Biológica Marco Antonio Lacerda Abreu, sob supervisão do professor José Roberto Meyer-Fernandes, que é o chefe do laboratório. Pesquisador de pós-doutorado com bolsa concedida pela FAPERJ, por meio do programa Pós-Doutorado Nota 10, Marco Antonio demonstrou, pela primeira vez, os mecanismos de acumulação de fosfato inorgânico no meio extracelular que circunda as células do câncer de mama. “Esse acúmulo de fosfato está relacionado à grande necessidade que as células cancerosas têm de ATP (adenosina trifosfato), a molécula que serve de combustível para a enorme demanda de energia que as células tumorais possuem para a sua intensa divisão celular, quando em metástase. O fosfato é constituinte da molécula de ATP e a sua relação com o desenvolvimento tumoral pode revelar pistas para o combate ao câncer”, contou Abreu.
Outra descoberta dos pesquisadores foi o papel desse fosfato inorgânico como sinalizador celular nesses tumores cancerígenos. Eles observaram que a elevada concentração de fosfato inorgânico no meio extracelular resulta na liberação de peróxido de hidrogênio, substância popularmente conhecida como água oxigenada, que ajuda na sinalização de processos de metástase e está relacionada com o estresse oxidativo celular. Esse papel sinalizador do fosfato pode ser outra pista importante para o diagnóstico de tumores. “Estamos investigando as vias de sinalização envolvidas na progressão do câncer de mama, em metástase, em resposta ao peróxido de hidrogênio estimulado pelo elevado fosfato extracelular. Fomos o primeiro grupo a observar que a elevada concentração de fosfato extracelular estimula a produção de peróxido de hidrogênio em células triplo-negativas de câncer de mama. Antes, isso só havia sido demonstrado em modelos celulares relacionados à calcificação óssea”, explicou o coordenador do projeto, José Roberto Meyer-Fernandes.
Marco Antonio Abreu (à esq.) e seu orientador, José Roberto Meyer-Fernandes, no IBqM/UFRJ, destacam a necessidade da produção de fosfato inorgânico radioativo pelo Ipen para poderem dar continuidade à pesquisa (Foto: Divulgação)
Um ponto importante do estudo foi a caracterização de transportadores de fosfato inorgânico que agem como mediadoras dessa captação de fosfato inorgânico, assim como as enzimas responsáveis pela hidrólise de moléculas fosforiladas, as ectofosfatases e ecto-nucleotidases. Elas estão localizadas na membrana celular dos tumores, que estão envolvidas no processo bioquímico de entrada do fosfato inorgânico na célula cancerosa. Os pesquisadores demonstraram que elas possuem elevada atividade em células tumorais de mama, cerca de duas vezes maior do que em indivíduos saudáveis. Dois tipos de transportadores de fosfato foram caracterizados na pesquisa: o transportador de fosfato próton dependente e o transportador de fosfato sódio dependente. “Caracterizamos esses transportadores e essas enzimas ao longo dos últimos cinco anos”, citou Abreu.
Além de caracterizar essas enzimas, a pesquisa tem o mérito de testar a aplicação de fármacos já conhecidos pela indústria farmacêutica para restringir a ação enzimática e, consequentemente, mitigar a nutrição dos tumores e o processo de metástase. “Em 2018, descobrimos que um antiretroviral já receitado pelos médicos internacionalmente, o PFA (ácido fosfanofórmico), é capaz de inibir a ação do transportador sódio dependente, e consequentemente reduzir o processo de metástase das células tumorais. Por outro lado, observamos também que o PAA (acidofosfanocético), outro medicamento já aprovado em uso clinico, é um inibidor do transportador próton-dependente. Nossa ideia é investigar como inibir esses dois transportadores para estancarmos a metástase”, completou.
Esses caminhos bioquímicos, que podem ser a chave para a descoberta de tratamentos mais eficazes para o câncer de mama, estão sendo desvendados aos poucos pelos pesquisadores. Porém, um gargalo para a continuidade do estudo é a interrupção da produção de uma matéria-prima fundamental para a pesquisa, o fosfato inorgânico radioativo. “No Brasil, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, o Ipen, que era o único produtor no País, suspendeu recentemente a sua produção de fosfato inorgânico radioativo. E como a meia-vida desse composto é de 14 dias, temos grande dificuldade de importar, pois quando ele chega, depois desse prazo, já perdeu metade das suas propriedades. Deixamos aqui esse apelo à comunidade científica pela volta da produção nacional dessa matéria-prima fundamental para darmos continuidade a estas pesquisas”, concluiu Meyer-Fernandes.
A pesquisa, intitulada "Efeito do fosfato inorgânico (Pi)extracelular no microambiente do câncer de mama: Produção, transporte, transdução do sinal e uma possível correlação com metástase", foi tema da tese de Doutorado defendida por Abreu no IBqM. Ela foi laureada recentemente com o Prêmio Mário Alberto-Silva Neto como a melhor tese de Doutorado defendida em 2021 no Programa de Pós-graduação em Química Biológica do IBqM.
Autor: Débora Motta
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=217.7.7
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=217.7.7
'O Pico Certo" para surfistas via aplicativo
Você que é surfista, já pensou em ter um serviço com previsão de ondas personalizado, incluindo sugestões de picos perfeitos para fotos inesquecíveis? Esta é a proposta da startup "O Pico Certo", de Macaé, no Norte Fluminense.
Startup criou aplicativo que estuda as variáveis da natureza para prever onde estarão as melhores ondas e oferecem as informações através de App e grupos exclusivos de whatsapp
Segundo um dos seus criadores, Caio Soares Delfino, O Pico Certo mapeia o perfil de cada cliente e suas preferências de surf que, combinados com a previsão de ondas de alta assertividade, permite a personalização da previsão de ondas e entrega os resultados pra cada cliente via aplicativo Web.
Assim os surfistas não gastam tempo e dinheiro indo de praia em praia em busca de ondas perfeitas, e também podem planejar seus dias com base nos melhores picos e melhores momentos do surf.
A startup desenvolveu o aplicativo de previsão de ondas e está, no momento, analisando os insights e dados gerados para evoluir a plataforma e adicionar novas funcionalidades como surf trips, venda de fotos, organização de eventos para o surf, base de fotógrafos e professores de surf.
A ideia surgiu quando o engenheiro de produção pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Fernando Sauerbronn, sócio fundador da startup, estava realizando uma viagem de surf internacional para Indonésia. Todos os dias, acordava cedo, às 5h, para surfar, mas o serviço de fotografia contratado chegava somente duas a três horas depois, perdendo assim várias ondas, nas quais havia feito manobras fotogênicas. De volta ao Brasil, Sauerbronn tinha o desejo de criar algo que atendesse a essa lacuna, e acabou encontrando o Caio Delfino, engenheiro mecânico pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e com MBA Arquitetura de Soluções. Segundo Caio conta, em um primeiro momento, a ideia era apenas ter um serviço de fotografia de alta qualidade para surfistas.
Depois de quatro meses de trabalho e a identificação de várias oportunidades e dificuldades dos surfistas, a dupla começou a testar novas soluções como guias de surf, surf trips, previsão de ondas, aulas de surf, entre outras, até surgir o O Pico Certo.
E o projeto acabou deslanchando com o apoio do programa de fomento a startups da FAPERJ e da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, intitulado Startup Rio: Apoio à Difusão de Ambiente de Inovação em Tecnologia Digital no Estado do Rio de Janeiro.
Caio Delfino (à esquerda) e Fernando Sauerbronn: parceria na criação de Startup que oferece serviços a surfistas via App
"Sem o Startup Rio, tudo seria mais difícil. Foi uma ajuda tanto financeira quanto de conteúdos muito ricos. Palestras, workshops, mentorias que ajudaram a formação empreendedora da equipe de O Pico Certo", comenta Caio.
Segundo ele, o projeto conta ainda com o apoio do CRIOS, da UFRJ de Macaé, que é um centro de referência em inovação e operações sustentáveis. Além de outros três colaboradores, Leonardo Medina, Miguel Medina, Victor Aragão e Laura Radaik.
Programa – O Startup Rio foi criado em 2013 em uma parceria entre a FAPERJ e a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, visando o desenvolvimento e a qualidade do ecossistema de empreendedorismo digital no Estado do Rio de Janeiro.
O coordenador do Programa, Marcos Neme, explica que a proposta é incentivar novas ideias que possam ser validadas e apropriadas pelo mercado. O programa procura estimular, apoiar e alavancar iniciativas de inovação em tecnologia digital, buscando transformar o estado em um ambiente propício e atrativo para o desenvolvimento do empreendedorismo digital.
De lá para cá, foram lançadas cinco edições do Programa. Em sua última, em 2020, o programa chegou a nove cidades. Além do polo de Macaé, hoje o StartupRio tem projetos na cidade do Rio de Janeiro, Petrópolis, Barra Mansa, Campos dos Goytacazes, Engenheiro Paulo de Frontin, Itaperuna, Macaé, Mangaratiba e Vassouras.
Neme ressalta os excelentes resultados do Programa. Nesses nove anos, foram investidos mais de R$ 15 milhões em 260 startups. Em breve, será lançado novo edital e proposta é ampliar o StartupRio para 20 polos em diferentes municípios do Rio.
Autor: Claudia Jurberg
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=218.7.3
Startup criou aplicativo que estuda as variáveis da natureza para prever onde estarão as melhores ondas e oferecem as informações através de App e grupos exclusivos de whatsapp
Segundo um dos seus criadores, Caio Soares Delfino, O Pico Certo mapeia o perfil de cada cliente e suas preferências de surf que, combinados com a previsão de ondas de alta assertividade, permite a personalização da previsão de ondas e entrega os resultados pra cada cliente via aplicativo Web.
Assim os surfistas não gastam tempo e dinheiro indo de praia em praia em busca de ondas perfeitas, e também podem planejar seus dias com base nos melhores picos e melhores momentos do surf.
A startup desenvolveu o aplicativo de previsão de ondas e está, no momento, analisando os insights e dados gerados para evoluir a plataforma e adicionar novas funcionalidades como surf trips, venda de fotos, organização de eventos para o surf, base de fotógrafos e professores de surf.
A ideia surgiu quando o engenheiro de produção pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Fernando Sauerbronn, sócio fundador da startup, estava realizando uma viagem de surf internacional para Indonésia. Todos os dias, acordava cedo, às 5h, para surfar, mas o serviço de fotografia contratado chegava somente duas a três horas depois, perdendo assim várias ondas, nas quais havia feito manobras fotogênicas. De volta ao Brasil, Sauerbronn tinha o desejo de criar algo que atendesse a essa lacuna, e acabou encontrando o Caio Delfino, engenheiro mecânico pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e com MBA Arquitetura de Soluções. Segundo Caio conta, em um primeiro momento, a ideia era apenas ter um serviço de fotografia de alta qualidade para surfistas.
Depois de quatro meses de trabalho e a identificação de várias oportunidades e dificuldades dos surfistas, a dupla começou a testar novas soluções como guias de surf, surf trips, previsão de ondas, aulas de surf, entre outras, até surgir o O Pico Certo.
E o projeto acabou deslanchando com o apoio do programa de fomento a startups da FAPERJ e da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, intitulado Startup Rio: Apoio à Difusão de Ambiente de Inovação em Tecnologia Digital no Estado do Rio de Janeiro.
Caio Delfino (à esquerda) e Fernando Sauerbronn: parceria na criação de Startup que oferece serviços a surfistas via App
"Sem o Startup Rio, tudo seria mais difícil. Foi uma ajuda tanto financeira quanto de conteúdos muito ricos. Palestras, workshops, mentorias que ajudaram a formação empreendedora da equipe de O Pico Certo", comenta Caio.
Segundo ele, o projeto conta ainda com o apoio do CRIOS, da UFRJ de Macaé, que é um centro de referência em inovação e operações sustentáveis. Além de outros três colaboradores, Leonardo Medina, Miguel Medina, Victor Aragão e Laura Radaik.
Programa – O Startup Rio foi criado em 2013 em uma parceria entre a FAPERJ e a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, visando o desenvolvimento e a qualidade do ecossistema de empreendedorismo digital no Estado do Rio de Janeiro.
O coordenador do Programa, Marcos Neme, explica que a proposta é incentivar novas ideias que possam ser validadas e apropriadas pelo mercado. O programa procura estimular, apoiar e alavancar iniciativas de inovação em tecnologia digital, buscando transformar o estado em um ambiente propício e atrativo para o desenvolvimento do empreendedorismo digital.
De lá para cá, foram lançadas cinco edições do Programa. Em sua última, em 2020, o programa chegou a nove cidades. Além do polo de Macaé, hoje o StartupRio tem projetos na cidade do Rio de Janeiro, Petrópolis, Barra Mansa, Campos dos Goytacazes, Engenheiro Paulo de Frontin, Itaperuna, Macaé, Mangaratiba e Vassouras.
Neme ressalta os excelentes resultados do Programa. Nesses nove anos, foram investidos mais de R$ 15 milhões em 260 startups. Em breve, será lançado novo edital e proposta é ampliar o StartupRio para 20 polos em diferentes municípios do Rio.
Autor: Claudia Jurberg
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=218.7.3
Crise álgica na doença falciforme: recomendações para manejo na emergência
Hoje é o Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doença Falciforme, realizado todo 27/10 como forma de chamar a atenção para essa importante enfermidade que afeta aproximadamente 60 mil pessoas no nosso país. A doença falciforme tem base genética e é hereditária, ou seja, passa de pais para filhos.
No presente artigo, vamos focar no manejo da principal complicação vaso-oclusiva apresentada por esses pacientes e que se transforma, muitas vezes, em um pesadelo para o médico plantonista dos serviços de Urgência e Emergência: a crise álgica.
Entendendo o problema
Os pacientes com doença falciforme tendem a apresentar diferentes níveis de complicações ao longo de suas vidas a depender da severidade da doença, ou seja, dos níveis de Hemoglobina S presentes na circulação. Portanto, grande parte dessas intercorrências caracterizam-se por “falcização” das hemácias na microcirculação e, por conseguinte, sintomas de hiperviscosidade e crises vaso-oclusivas periféricas e viscerais. Dessa forma, podemos entender a crise álgica como um sintoma isquêmico e de congestão venosa no local afetado levando a hipóxia tecidual e produção de ácido lático e radicais livres de O2. Essas crises podem ocorrer diversas vezes por ano e geralmente são associadas ao tempo frio, infecções, período pré-menstrual, problemas emocionais, gravidez, exercício físico extenuante ou desidratação.
O paciente no pronto atendimento
Em geral, esses pacientes procuram serviços de urgência e emergência devido a dores intensas que podem ser localizadas ou difusas, mais frequentemente referidas em membros inferiores e tórax. De acordo com o American College of Emergency Physicians (ACEP), o uso de opioides nesse grupo de pacientes mostrou-se estável entre os anos de 2008-2013, com taxa de mortalidade associada à superdosagem correspondendo a apenas 0,77% do total desta população. Esses dados nos mostram que na maioria das vezes a demanda por essas drogas entre os pacientes portadores de doença falciforme está mais associada a boas experiências em manejo da dor em quadros passados do que propriamente à adição ao medicamento. Logo, ter confiança no relato do paciente é essencial, uma vez que não existem sinais clínicos ou laboratoriais que confirmem a crise álgica. À primeira avaliação, o paciente deve passar por minucioso exame clínico a procura de sinais de alarme como hipotensão, febre (Temperatura axilar > 38ºC), taquicardia, taquipneia, hipoxemia, alterações do nível de consciência, convulsões ou cefaleia de padrão atípico. Tais alterações podem sugerir quadros mais graves que também fazem parte da história do paciente portador da doença, como síndromes torácicas agudas, tromboembolismo pulmonar, sequestro esplênico, acidentes vasculares encefálicos e quadros sépticos.
Uma radiografia de tórax em duas incidências (póstero-anterior e em perfil) deve ser solicitada em caso de hipoxemia, febre, dispneia, taquipneia, tosse ou dor torácica/dorso à procura de alterações radiológicas agudas (critério para síndrome torácica aguda). No caso de sinais/sintomas relacionados ao sistema nervoso central (SNC), a avaliação tomográfica de crânio pode ser imperativa para descartar acidentes vasculares encefálicos.
Abordando a crise álgica
É importante lembrarmos que a abordagem dos quadros de dor deve ser multidisciplinar, incluindo medidas não farmacológicas (como aquecer o membro ou levar o paciente para um lugar tranquilo – Recomendação condicional com baixo nível de certeza pela ASH 2020 levando em consideração o sistema GRADE de Medicina Baseada em Evidências). No entanto, é imperativo o início de analgesia nos primeiros 60’ da admissão e antimicrobianos na 1ª hora caso o paciente apresente sinais sépticos como disposto no tópico acima. Devemos nos lembrar também de solicitar uma avaliação laboratorial básica (hemograma, função renal, PCR, transaminases e bilirrubinas) à admissão para avaliação de piora da anemia ou outros sinais de disfunções orgânicas específicas. A comparação do grau de anemia deve ser sempre em relação aos níveis basais do paciente, e não da população em geral, evitando-se inclusive grandes aumentos nos níveis de hemoglobina e potencial piora do quadro de hiperviscosidade. É importante indagar o paciente sobre medicações que auxiliaram no controle da dor em episódios prévios, pois isso pode servir de guia para o início do tratamento, evitando escalonamentos desnecessários que podem mais custar tempo do que trazer alívio.
Esquemas analgésicos mais utilizados
Os opioides e os anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES) são as medicações preferidas, e as vias parenterais as de eleição. Ambas as medicações podem ser administradas separadamente como em conjunto dependendo da severidade do quadro álgico. Os AINES devem ser administrados com cautela para pacientes com alterações da função renal, porém não são contraindicação absoluta para alterações leves/moderadas. Naqueles em que a obtenção de um acesso venoso imediato seja inviável, a via subcutânea pode ser utilizada para administração de opioides. O uso de dipirona e paracetamol é encorajado, se não houver contraindicações, como terapia adjunta. Para crianças podemos levar em consideração ainda o fentanil intranasal para alívio da dor. As avaliações subsequentes devem ser feitas a cada 15’ ou 30’ admitindo-se uma elevação de 25% na dose anterior até atingir analgesia adequada. Abaixo uma tabela adaptada de uma ferramenta ‘point-of-care’ da ACEP com doses e vias de administração sugeridas. Pacientes que utilizam opioides de longa ação em domicílio devem ter suas doses continuadas após abordagem inicial.
Medicação Dose Dose máxima por administração
Frequência
Fentanil Intranasal
2mcg/kg 100mcg ou 1mL por narina Pode repetir uma vez a cada 10’
Morfina Endovenosa
0,1mg/kg 10mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Hidromorfona Endovenosa
0,015mg/kg 1,2mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Cetorolaco Endovenoso*
0,5mg/kg 15-30mcg
Dose única
Adaptado de https://www.acep.org/sickle-cell/. Dose para crianças (< 12 anos ou < 50kg)
* Atenção para pacientes com disfunção renal de base.
Medicação
Dose Dose máxima por administração
Frequência
Morfina Endovenosa
0,1mg/kg 10mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Hidromorfona Endovenosa
0,015mg/kg 1,2mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Cetorolaco Endovenoso*
0,5mg/kg 15-30mcg
Dose única
Adaptado de https://www.acep.org/sickle-cell/. Doses para adultos ou adolescentes (≥ 12 anos ou ≥ 50kg)
* Atenção para pacientes com disfunção renal de base.
Neutropenia febril: abordagem de um expert brasileiro [podcast]
Avaliando outras abordagens clássicas na prática clínica
O último guideline (2020) publicado pela Sociedade Americana de Hematologia (ASH) para manejo de dor aguda ou crônica nesses pacientes não se posiciona quanto à hidratação vigorosa por ausência de evidências que sugiram fazer ou não fazer a abordagem. Por outro lado, a ACEP contraindica a hidratação vigorosa devido aos riscos de congestão e piora do quadro clínico, inclusive podendo precipitar uma síndrome torácica aguda no paciente. Na prática clínica, é muito importante que se corrija a desidratação que pode estar associada ao quadro, aqueça extremidades e evite gatilhos que desencadeiam a dor.
Não devemos lançar mão de corticoides, uma vez que esses podem precipitar quadros álgicos.
O uso de Ketamina deve ser restrito aos pacientes internados, refratários a opioides. Recomendação condicional com baixo nível de certeza (de acordo com sistema GRADE). Dosagem sugerida: 0.1 to 0.3 mg/kg/h; dose máxima: 1 mg/kg/h.
Anestésicos regionais, ou seja, feitos através de cateter peridural ou bloqueio, para pacientes refratários a opioides tem recomendação condicional com baixo nível de evidência (GRADE) pela ASH 2020.
Oxigênio terapia deve ser administrada somente aos pacientes que apresentem graus de hipoxemia à saturimetria periférica ou gasometria arterial.
No caso de crises álgicas não complicadas (não associadas a síndrome torácica aguda, acidentes vasculares encefálicos, sepse, sequestro esplênico, dentre outros) a transfusão de concentrado de hemácias é questionável. Admite-se a transfusão de 01 concentrado de hemácias desleucocitadas e fenotipadas se houver anemia aguda associada, com vistas à melhora dos sintomas sempre tendo o cuidado de não ultrapassar os valores basais do paciente. Não se deve admitir um ponto de corte específico para transfusão e tão pouco indicamos transfusões de troca (exsanguíneo transfusões) almejando um nível específico de Hemoglobina S à eletroforese de hemoglobinas.
O uso de alfapoetina é contraindicado no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença Falciforme publicado pelo Ministério da Saúde em 2018 e também não encontra respaldo na literatura internacional.
Autor: Felipe Mesquita
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/crise-algica-na-doenca-falciforme-recomendacoes-para-manejo-na-emergencia/
No presente artigo, vamos focar no manejo da principal complicação vaso-oclusiva apresentada por esses pacientes e que se transforma, muitas vezes, em um pesadelo para o médico plantonista dos serviços de Urgência e Emergência: a crise álgica.
Entendendo o problema
Os pacientes com doença falciforme tendem a apresentar diferentes níveis de complicações ao longo de suas vidas a depender da severidade da doença, ou seja, dos níveis de Hemoglobina S presentes na circulação. Portanto, grande parte dessas intercorrências caracterizam-se por “falcização” das hemácias na microcirculação e, por conseguinte, sintomas de hiperviscosidade e crises vaso-oclusivas periféricas e viscerais. Dessa forma, podemos entender a crise álgica como um sintoma isquêmico e de congestão venosa no local afetado levando a hipóxia tecidual e produção de ácido lático e radicais livres de O2. Essas crises podem ocorrer diversas vezes por ano e geralmente são associadas ao tempo frio, infecções, período pré-menstrual, problemas emocionais, gravidez, exercício físico extenuante ou desidratação.
O paciente no pronto atendimento
Em geral, esses pacientes procuram serviços de urgência e emergência devido a dores intensas que podem ser localizadas ou difusas, mais frequentemente referidas em membros inferiores e tórax. De acordo com o American College of Emergency Physicians (ACEP), o uso de opioides nesse grupo de pacientes mostrou-se estável entre os anos de 2008-2013, com taxa de mortalidade associada à superdosagem correspondendo a apenas 0,77% do total desta população. Esses dados nos mostram que na maioria das vezes a demanda por essas drogas entre os pacientes portadores de doença falciforme está mais associada a boas experiências em manejo da dor em quadros passados do que propriamente à adição ao medicamento. Logo, ter confiança no relato do paciente é essencial, uma vez que não existem sinais clínicos ou laboratoriais que confirmem a crise álgica. À primeira avaliação, o paciente deve passar por minucioso exame clínico a procura de sinais de alarme como hipotensão, febre (Temperatura axilar > 38ºC), taquicardia, taquipneia, hipoxemia, alterações do nível de consciência, convulsões ou cefaleia de padrão atípico. Tais alterações podem sugerir quadros mais graves que também fazem parte da história do paciente portador da doença, como síndromes torácicas agudas, tromboembolismo pulmonar, sequestro esplênico, acidentes vasculares encefálicos e quadros sépticos.
Uma radiografia de tórax em duas incidências (póstero-anterior e em perfil) deve ser solicitada em caso de hipoxemia, febre, dispneia, taquipneia, tosse ou dor torácica/dorso à procura de alterações radiológicas agudas (critério para síndrome torácica aguda). No caso de sinais/sintomas relacionados ao sistema nervoso central (SNC), a avaliação tomográfica de crânio pode ser imperativa para descartar acidentes vasculares encefálicos.
Abordando a crise álgica
É importante lembrarmos que a abordagem dos quadros de dor deve ser multidisciplinar, incluindo medidas não farmacológicas (como aquecer o membro ou levar o paciente para um lugar tranquilo – Recomendação condicional com baixo nível de certeza pela ASH 2020 levando em consideração o sistema GRADE de Medicina Baseada em Evidências). No entanto, é imperativo o início de analgesia nos primeiros 60’ da admissão e antimicrobianos na 1ª hora caso o paciente apresente sinais sépticos como disposto no tópico acima. Devemos nos lembrar também de solicitar uma avaliação laboratorial básica (hemograma, função renal, PCR, transaminases e bilirrubinas) à admissão para avaliação de piora da anemia ou outros sinais de disfunções orgânicas específicas. A comparação do grau de anemia deve ser sempre em relação aos níveis basais do paciente, e não da população em geral, evitando-se inclusive grandes aumentos nos níveis de hemoglobina e potencial piora do quadro de hiperviscosidade. É importante indagar o paciente sobre medicações que auxiliaram no controle da dor em episódios prévios, pois isso pode servir de guia para o início do tratamento, evitando escalonamentos desnecessários que podem mais custar tempo do que trazer alívio.
Esquemas analgésicos mais utilizados
Os opioides e os anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES) são as medicações preferidas, e as vias parenterais as de eleição. Ambas as medicações podem ser administradas separadamente como em conjunto dependendo da severidade do quadro álgico. Os AINES devem ser administrados com cautela para pacientes com alterações da função renal, porém não são contraindicação absoluta para alterações leves/moderadas. Naqueles em que a obtenção de um acesso venoso imediato seja inviável, a via subcutânea pode ser utilizada para administração de opioides. O uso de dipirona e paracetamol é encorajado, se não houver contraindicações, como terapia adjunta. Para crianças podemos levar em consideração ainda o fentanil intranasal para alívio da dor. As avaliações subsequentes devem ser feitas a cada 15’ ou 30’ admitindo-se uma elevação de 25% na dose anterior até atingir analgesia adequada. Abaixo uma tabela adaptada de uma ferramenta ‘point-of-care’ da ACEP com doses e vias de administração sugeridas. Pacientes que utilizam opioides de longa ação em domicílio devem ter suas doses continuadas após abordagem inicial.
Medicação Dose Dose máxima por administração
Frequência
Fentanil Intranasal
2mcg/kg 100mcg ou 1mL por narina Pode repetir uma vez a cada 10’
Morfina Endovenosa
0,1mg/kg 10mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Hidromorfona Endovenosa
0,015mg/kg 1,2mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Cetorolaco Endovenoso*
0,5mg/kg 15-30mcg
Dose única
Adaptado de https://www.acep.org/sickle-cell/. Dose para crianças (< 12 anos ou < 50kg)
* Atenção para pacientes com disfunção renal de base.
Medicação
Dose Dose máxima por administração
Frequência
Morfina Endovenosa
0,1mg/kg 10mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Hidromorfona Endovenosa
0,015mg/kg 1,2mg
Pode repetir a cada 15 a 30′ até controle
Cetorolaco Endovenoso*
0,5mg/kg 15-30mcg
Dose única
Adaptado de https://www.acep.org/sickle-cell/. Doses para adultos ou adolescentes (≥ 12 anos ou ≥ 50kg)
* Atenção para pacientes com disfunção renal de base.
Neutropenia febril: abordagem de um expert brasileiro [podcast]
Avaliando outras abordagens clássicas na prática clínica
O último guideline (2020) publicado pela Sociedade Americana de Hematologia (ASH) para manejo de dor aguda ou crônica nesses pacientes não se posiciona quanto à hidratação vigorosa por ausência de evidências que sugiram fazer ou não fazer a abordagem. Por outro lado, a ACEP contraindica a hidratação vigorosa devido aos riscos de congestão e piora do quadro clínico, inclusive podendo precipitar uma síndrome torácica aguda no paciente. Na prática clínica, é muito importante que se corrija a desidratação que pode estar associada ao quadro, aqueça extremidades e evite gatilhos que desencadeiam a dor.
Não devemos lançar mão de corticoides, uma vez que esses podem precipitar quadros álgicos.
O uso de Ketamina deve ser restrito aos pacientes internados, refratários a opioides. Recomendação condicional com baixo nível de certeza (de acordo com sistema GRADE). Dosagem sugerida: 0.1 to 0.3 mg/kg/h; dose máxima: 1 mg/kg/h.
Anestésicos regionais, ou seja, feitos através de cateter peridural ou bloqueio, para pacientes refratários a opioides tem recomendação condicional com baixo nível de evidência (GRADE) pela ASH 2020.
Oxigênio terapia deve ser administrada somente aos pacientes que apresentem graus de hipoxemia à saturimetria periférica ou gasometria arterial.
No caso de crises álgicas não complicadas (não associadas a síndrome torácica aguda, acidentes vasculares encefálicos, sepse, sequestro esplênico, dentre outros) a transfusão de concentrado de hemácias é questionável. Admite-se a transfusão de 01 concentrado de hemácias desleucocitadas e fenotipadas se houver anemia aguda associada, com vistas à melhora dos sintomas sempre tendo o cuidado de não ultrapassar os valores basais do paciente. Não se deve admitir um ponto de corte específico para transfusão e tão pouco indicamos transfusões de troca (exsanguíneo transfusões) almejando um nível específico de Hemoglobina S à eletroforese de hemoglobinas.
O uso de alfapoetina é contraindicado no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença Falciforme publicado pelo Ministério da Saúde em 2018 e também não encontra respaldo na literatura internacional.
Autor: Felipe Mesquita
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/crise-algica-na-doenca-falciforme-recomendacoes-para-manejo-na-emergencia/
quinta-feira, 27 de outubro de 2022
Experimento comprova que manejo adequado reduz significativamente a exposição de abelhas a inseticida
Desenvolvidos para matar insetos que prejudicam plantações, os inseticidas naturalmente afetam as abelhas, animais invertebrados extremamente importantes para a polinização de culturas agrícolas e espécies silvestres de plantas. O uso de moléculas menos tóxicas e que se degradam rapidamente, aliado a um gerenciamento da aplicação dos produtos, porém, podem minimizar os danos às colônias de abelhas e, consequentemente, às plantações e à biodiversidade.
Todas as colmeias, tanto da área que recebeu o inseticida quanto da área-controle, possuíam uma rainha com a mesma idade. Na foto, os pesquisadores verificam a presença da rainha (foto: acervo dos pesquisadores)
É o que mostra um estudo publicado na revista Science of the Total Environment por pesquisadores de Portugal e do Brasil, estes últimos apoiados pela FAPESP.
“Os efeitos adversos dos inseticidas são bastante conhecidos nas abelhas e há vários estudos laboratoriais evidenciando isso. Queríamos entender como essa ação se dava em condições de campo, mais realistas, e conseguimos fazer um gerenciamento utilizando diferentes técnicas, de maneira que a aplicação do inseticida afetasse minimamente esses polinizadores”, conta Caio Domingues, que realizou o trabalho como parte do doutorado no Centro de Estudos de Insetos Sociais da Universidade Estadual Paulista (CEIS-Unesp), em Rio Claro, com bolsa da FAPESP.
Segundo Osmar Malaspina, professor do CEIS-Unesp que participou do estudo, as abelhas têm um papel essencial na polinização, inclusive de culturas agrícolas importantes no Brasil, como soja, laranja e café.
“As pesquisas do nosso grupo nos últimos 20 anos mostram como os inseticidas podem ser prejudiciais às abelhas, o que contribuiu para que os próprios fabricantes, junto com os produtores, passassem a buscar formas de reduzir esse impacto”, explica o pesquisador, que coordena o projeto “Interações abelha-agricultura: perspectivas para a utilização sustentável”, apoiado no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.
O experimento descrito no estudo foi realizado no distrito de Castelo Branco, em Portugal, durante estágio realizado por Domingues na Universidade de Coimbra. O grupo analisou colmeias da espécie Apis mellifera iberiensis.
Foram selecionadas duas áreas similares, de 25 quilômetros quadrados, com alta densidade de plantações de eucalipto (Eucalyptus globulus) e separadas 15 quilômetros uma da outra. No centro de cada uma foi instalado um apiário com cinco colônias cada e, adicionalmente, uma colônia de observação, ou “sentinela”.
Experimento
A aplicação de inseticida foi realizada no final de maio, com alta infestação da principal praga da cultura, o gorgulho-do-eucalipto (Gonipterus platensis). Os pesquisadores verificaram ainda que no período não havia uma grande disponibilidade de recursos, como pólen e néctar, em toda a paisagem e principalmente no local da pulverização do inseticida. Por isso, sabe-se que as abelhas não estavam saindo muito das colmeias para coletar.
“Além disso, as recomendações para uso do produto e as condições ambientais ideais foram seguidas, como temperatura e velocidade do vento adequadas, além de ausência de chuvas até 24 horas depois da aplicação”, diz Domingues, que atualmente é pesquisador na Universidade de Maribor, na Eslovênia.
As análises em busca de resíduos foram realizadas no primeiro dia após a aplicação do agrotóxico e novamente 16 dias depois. Foram analisadas as próprias abelhas, o mel e o pão de abelha, produto proveniente do processamento do pólen com mel e secreções glandulares produzidas pelos insetos.
Na área que não recebeu inseticida, não foram detectados resíduos de acetamiprida nas colônias. E na outra, onde foi aplicado o produto, a maioria das amostras não tinha quantidades detectáveis. As concentrações detectadas, por sua vez, estavam 52 vezes abaixo dos chamados níveis subletais, aqueles que não causam mortalidade imediata.
Além dessas medições, os pesquisadores pesavam todos os quadros das colônias para monitorar o desenvolvimento de adultos e crias ao longo do período de estudo. Analisando fotos dos quadros de crias e recursos das colônias com uso de inteligência artificial, um software identificava e classificava o conteúdo das células nos favos, como larvas, ovos, pólen, néctar, mel e outros.
Bandejas instaladas na frente de cada colônia eram utilizadas para calcular a mortalidade durante o monitoramento, bem como para observar possíveis eventos incomuns de mortalidade.
“Não houve diferenças significativas entre as colônias nas duas áreas. Isso não quer dizer que os resíduos de acetamiprida não chegaram até as abelhas, contudo, as concentrações foram baixas e o risco foi considerado irrisório, baseado em estudos já publicados. Com outros inseticidas, já foi registrada no Estado de São Paulo a morte de colônias inteiras”, afirma Domingues.
Os pesquisadores calcularam, ainda, o deslocamento das abelhas, por meio de uma metodologia que indica a distância que percorreram analisando a dança que realizam no interior da colmeia. Por esses cálculos, apenas uma pequena porcentagem (4%) das danças decodificadas indicou que os insetos permaneceram forrageando num raio de até 500 metros da colônia, onde o inseticida foi aplicado. A maioria (42,57%) chegou a distâncias de 1.500 até 2.000 metros, fora do raio de ação do produto.
Como ressalva, os pesquisadores explicam que esse é um caso específico e que para cada cultura é preciso conhecer o ciclo de vida da praga para poder fazer o gerenciamento da aplicação, assim como entender a distribuição espacial e temporal dos recursos utilizados na paisagem. Dessa forma é possível reduzir o risco de exposição das abelhas.
“No Brasil, isso pode ser adaptado para as culturas mais importantes a um custo mais acessível, usando ‘colmeias sentinelas’ equipadas com balanças automáticas, por exemplo, e determinando as espécies vegetais mais relevantes usadas pelas abelhas por meio de análises do pólen e do mel”, exemplifica Domingues.
“O uso desses métodos poderia ser potencializado com uma regulação mais forte dos agrotóxicos usados no Brasil. Infelizmente, no ano passado houve a liberação de uma enorme quantidade de produtos que podem ser prejudiciais às abelhas, quando já existem outros menos tóxicos e de absorção mais rápida e mesmo produtos biológicos”, lamenta o pesquisador.
O artigo Monitoring the effects of field exposure of acetamiprid to honey bee colonies in Eucalyptus monoculture plantations pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969722041274.
Autor: André Julião
Todas as colmeias, tanto da área que recebeu o inseticida quanto da área-controle, possuíam uma rainha com a mesma idade. Na foto, os pesquisadores verificam a presença da rainha (foto: acervo dos pesquisadores)
É o que mostra um estudo publicado na revista Science of the Total Environment por pesquisadores de Portugal e do Brasil, estes últimos apoiados pela FAPESP.
“Os efeitos adversos dos inseticidas são bastante conhecidos nas abelhas e há vários estudos laboratoriais evidenciando isso. Queríamos entender como essa ação se dava em condições de campo, mais realistas, e conseguimos fazer um gerenciamento utilizando diferentes técnicas, de maneira que a aplicação do inseticida afetasse minimamente esses polinizadores”, conta Caio Domingues, que realizou o trabalho como parte do doutorado no Centro de Estudos de Insetos Sociais da Universidade Estadual Paulista (CEIS-Unesp), em Rio Claro, com bolsa da FAPESP.
Segundo Osmar Malaspina, professor do CEIS-Unesp que participou do estudo, as abelhas têm um papel essencial na polinização, inclusive de culturas agrícolas importantes no Brasil, como soja, laranja e café.
“As pesquisas do nosso grupo nos últimos 20 anos mostram como os inseticidas podem ser prejudiciais às abelhas, o que contribuiu para que os próprios fabricantes, junto com os produtores, passassem a buscar formas de reduzir esse impacto”, explica o pesquisador, que coordena o projeto “Interações abelha-agricultura: perspectivas para a utilização sustentável”, apoiado no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.
O experimento descrito no estudo foi realizado no distrito de Castelo Branco, em Portugal, durante estágio realizado por Domingues na Universidade de Coimbra. O grupo analisou colmeias da espécie Apis mellifera iberiensis.
Foram selecionadas duas áreas similares, de 25 quilômetros quadrados, com alta densidade de plantações de eucalipto (Eucalyptus globulus) e separadas 15 quilômetros uma da outra. No centro de cada uma foi instalado um apiário com cinco colônias cada e, adicionalmente, uma colônia de observação, ou “sentinela”.
Experimento
A aplicação de inseticida foi realizada no final de maio, com alta infestação da principal praga da cultura, o gorgulho-do-eucalipto (Gonipterus platensis). Os pesquisadores verificaram ainda que no período não havia uma grande disponibilidade de recursos, como pólen e néctar, em toda a paisagem e principalmente no local da pulverização do inseticida. Por isso, sabe-se que as abelhas não estavam saindo muito das colmeias para coletar.
“Além disso, as recomendações para uso do produto e as condições ambientais ideais foram seguidas, como temperatura e velocidade do vento adequadas, além de ausência de chuvas até 24 horas depois da aplicação”, diz Domingues, que atualmente é pesquisador na Universidade de Maribor, na Eslovênia.
As análises em busca de resíduos foram realizadas no primeiro dia após a aplicação do agrotóxico e novamente 16 dias depois. Foram analisadas as próprias abelhas, o mel e o pão de abelha, produto proveniente do processamento do pólen com mel e secreções glandulares produzidas pelos insetos.
Na área que não recebeu inseticida, não foram detectados resíduos de acetamiprida nas colônias. E na outra, onde foi aplicado o produto, a maioria das amostras não tinha quantidades detectáveis. As concentrações detectadas, por sua vez, estavam 52 vezes abaixo dos chamados níveis subletais, aqueles que não causam mortalidade imediata.
Além dessas medições, os pesquisadores pesavam todos os quadros das colônias para monitorar o desenvolvimento de adultos e crias ao longo do período de estudo. Analisando fotos dos quadros de crias e recursos das colônias com uso de inteligência artificial, um software identificava e classificava o conteúdo das células nos favos, como larvas, ovos, pólen, néctar, mel e outros.
Bandejas instaladas na frente de cada colônia eram utilizadas para calcular a mortalidade durante o monitoramento, bem como para observar possíveis eventos incomuns de mortalidade.
“Não houve diferenças significativas entre as colônias nas duas áreas. Isso não quer dizer que os resíduos de acetamiprida não chegaram até as abelhas, contudo, as concentrações foram baixas e o risco foi considerado irrisório, baseado em estudos já publicados. Com outros inseticidas, já foi registrada no Estado de São Paulo a morte de colônias inteiras”, afirma Domingues.
Os pesquisadores calcularam, ainda, o deslocamento das abelhas, por meio de uma metodologia que indica a distância que percorreram analisando a dança que realizam no interior da colmeia. Por esses cálculos, apenas uma pequena porcentagem (4%) das danças decodificadas indicou que os insetos permaneceram forrageando num raio de até 500 metros da colônia, onde o inseticida foi aplicado. A maioria (42,57%) chegou a distâncias de 1.500 até 2.000 metros, fora do raio de ação do produto.
Como ressalva, os pesquisadores explicam que esse é um caso específico e que para cada cultura é preciso conhecer o ciclo de vida da praga para poder fazer o gerenciamento da aplicação, assim como entender a distribuição espacial e temporal dos recursos utilizados na paisagem. Dessa forma é possível reduzir o risco de exposição das abelhas.
“No Brasil, isso pode ser adaptado para as culturas mais importantes a um custo mais acessível, usando ‘colmeias sentinelas’ equipadas com balanças automáticas, por exemplo, e determinando as espécies vegetais mais relevantes usadas pelas abelhas por meio de análises do pólen e do mel”, exemplifica Domingues.
“O uso desses métodos poderia ser potencializado com uma regulação mais forte dos agrotóxicos usados no Brasil. Infelizmente, no ano passado houve a liberação de uma enorme quantidade de produtos que podem ser prejudiciais às abelhas, quando já existem outros menos tóxicos e de absorção mais rápida e mesmo produtos biológicos”, lamenta o pesquisador.
O artigo Monitoring the effects of field exposure of acetamiprid to honey bee colonies in Eucalyptus monoculture plantations pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969722041274.
Autor: André Julião
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 26/10/2022
Publicação Original: https://agencia.fapesp.br/experimento-comprova-que-manejo-adequado-reduz-significativamente-a-exposicao-de-abelhas-a-inseticida/39896/
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 26/10/2022
Publicação Original: https://agencia.fapesp.br/experimento-comprova-que-manejo-adequado-reduz-significativamente-a-exposicao-de-abelhas-a-inseticida/39896/
Incêndio na Amazônia está mais ligado ao uso do fogo em pastagem e ao desmate do que à seca, diz estudo
Um estudo brasileiro mostra que o uso descontrolado do fogo pelo homem tem mais influência do que a seca nas queimadas registradas em toda a Amazônia entre os anos de 2003 e 2020. Segundo os autores, a maioria dos períodos com alto número de focos de incêndios está mais relacionada com as queimadas agrícolas e com o desmatamento do que com as condições de seca extrema.
Pesquisa conduzida por grupos do Inpe, Cemaden e da UFMA analisou focos de fogo entre 2003 e 2020 nos nove países com Floresta Amazônica. Brasil responde, em média, por aproximadamente 70% das detecções anuais de queimadas (foto: Liana Anderson/Cemaden)
Em média, 32% das áreas queimadas anualmente no bioma foram em terras agrícolas (dominadas por pastagens), seguidas por campos naturais (29%) e áreas de florestas maduras (16%). Ao avaliar o desmatamento e as anomalias de déficit hídrico, o primeiro fator contribuiu mais do que o segundo para os incêndios no período analisado.
Além disso, ao inovar e ampliar o escopo de análise para as regiões amazônicas dos nove países com a floresta em seus territórios, o trabalho mostrou que Brasil e Bolívia responderam juntos pela maior parte das detecções anuais de focos de fogo no período. Isso representa, no caso brasileiro, em média, mais da metade das áreas queimadas anualmente na Amazônia e, em terras bolivianas, cerca de um terço.
Embora 63% da Amazônia esteja em território brasileiro, a floresta se estende por Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Equador, abrangendo uma área total em torno de 6,67 milhões de quilômetros quadrados (km²), considerando o limite da Amazônia lato sensu).
O estudo contou com a participação de cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O artigo é parte de uma edição especial da revista científica Global Ecology and Biogeography que visa discutir a crescente ameaça de incêndios florestais no mundo.
Atualmente, o Brasil voltou a ter um elevado número de queimadas na Amazônia – o acumulado dos nove primeiros meses deste ano, especialmente em agosto e setembro, foi o pior desde 2010, quando ocorreram 102.409 focos, de acordo com dados do Programa Queimadas, do Inpe. Simultaneamente, a partir de 2019, as taxas de desmatamento no bioma têm atingido os maiores patamares desde 2009, excedendo anualmente 10 mil km² de florestas desmatadas. A tendência vem se mantendo neste ano de acordo com os alertas do sistema DETER.
“A literatura científica sobre incêndios na Amazônia estava mais centrada no território brasileiro. Ampliamos esse escopo para os outros países, buscando entender onde a atividade do fogo está sendo mais crítica e merece atenção, olhando para diferentes coberturas e usos do solo. Detectamos que a agricultura, especialmente no Brasil, onde majoritariamente é pastagem, adota o fogo como técnica para renovação da vegetação, mas sem manejo adequado. Com isso, o risco de escapar e atingir a floresta é grande”, avalia Marcus Vinicius de Freitas Silveira, doutorando na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG-Inpe) e primeiro autor do trabalho.
Para o pesquisador Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, chefe da DIOTG-Inpe e um dos autores do artigo, o trabalho avançou ao trazer a ampliação da área geográfica analisada e a abrangência de quase 20 anos de dados. “Com esse longo período, conseguimos identificar anomalias dentro da série temporal, como em 2020. Os resultados mostram a disseminação do uso do fogo em toda a Amazônia tanto em processos para corte e queimada de floresta como para a continuidade no manejo de pastagens”, completa.
Aragão coordena o grupo TREES (Tropical Ecosystems and Environmental Sciences lab) e participa do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), no âmbito do qual o estudo foi conduzido. O financiamento se deu por meio de três projetos (16/02018-2, 20/16457-3 e 20/15230-5).
Como disse o pesquisador, 2020 apareceu como uma das “anomalias da série temporal”. De acordo com o estudo, naquele ano, que coincide com um enfraquecimento de operações de controle ambiental decorrente, entre outros motivos, da pandemia de COVID-19, a área queimada foi a maior desde 2010 para a Floresta Amazônica.
Incêndios sem precedentes também atingiram o Pantanal em 2020. Naquele ano, esse bioma teve um encolhimento da superfície hídrica 34% acima do que a média anual, segundo trabalho publicado em julho por pesquisadores, incluindo Aragão e a cientista Liana Anderson, outra autora do trabalho sobre a Amazônia.
Assim como na floresta tropical, no Pantanal os incêndios foram uma consequência da intensificação das atividades humanas relacionadas ao fogo. Dos focos de queimadas em 2020, 70% ocorreram em propriedades rurais, 5% em Terras Indígenas e 10% em áreas protegidas, como mostrou a pesquisa, que também recebeu apoio da FAPESP.
Segundo Liana Anderson, a principal ação de curto prazo para diminuir o risco de incêndios florestais na Amazônia é extinguir o desmatamento ilegal na região e atacar os problemas de grilagem de terras. “Concomitante a isso, a capacitação e a disseminação de técnicas para manejo da terra livre do uso do fogo são cruciais para minimizar o risco crescente de grandes incêndios. Tanto a paisagem cada vez mais fragmentada como um clima mais quente e com menos chuvas levam ao aumento da flamabilidade”, diz a cientista.
O pesquisador Celso Silva-Junior destaca a situação do Maranhão, zona de transição entre o bioma amazônico e o Cerrado e que também experimentou um aumento de 18% em focos de calor entre janeiro e setembro deste ano comparado ao mesmo período em 2021. “Assim como observado em nosso artigo, a atividade recente do fogo nessa região está intimamente ligada ao desmatamento, induzido não somente pelos retrocessos ambientais federais, mas também aos retrocessos em nível estadual.”
Impactos
O fogo está entre os principais tipos de distúrbios responsáveis pela degradação na Amazônia, com impactos negativos na estrutura e dinâmica da floresta. Esses efeitos podem comprometer os estoques de carbono e a capacidade das árvores de capturar CO2.
Os incêndios afetam ainda a saúde de moradores da região, acentuando a poluição do ar e levando a internações por doenças respiratórias. Relatório produzido pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) em parceria com o Ipam Amazônia e a Human Rights Watch indicou que as queimadas associadas ao desmatamento na Amazônia levaram a 2.195 internações por doenças respiratórias em 2019, das quais 49% foram de pessoas com 60 anos ou mais e 21% de bebês com até 1 ano.
Ainda em 2019, a tarde de 19 de agosto virou noite em São Paulo, em parte pela fumaça das queimadas da Floresta Amazônica que se somou a um fenômeno causado por nuvens carregadas muito baixas que esconderam a luz do Sol (leia mais em: agencia.fapesp.br/31280/).
Dados
Na pesquisa publicada na Global Ecology and Biogeography, o grupo levou em consideração séries temporais de detecção de focos de fogo e áreas queimadas, fazendo um cruzamento anual das regiões afetadas com os vários tipos de uso e cobertura da terra.
Além disso, o território da Amazônia foi dividido em células de grade (de 10 km por 10 km), identificando anomalias anuais na ocorrência de focos de fogo, precipitação pluviométrica, máximo déficit hídrico acumulado e desmatamento.
Os resultados mostraram que, entre 2003 e 2020, o Brasil sozinho concentrou, em média, 73% das detecções anuais de focos de fogo na Amazônia, seguido pela Bolívia, com 14,5%, e Peru com 5,3%. Dividindo os focos de fogo de cada região amazônica pela área total, a maior densidade ocorreu na Bolívia, com uma média de seis focos por 100 km2/ano, seguido pelo Brasil, com três por 100 km2/ano.
As ocorrências foram maiores na década de 2000, associadas a elevadas taxas de desmatamento na Amazônia brasileira, atingindo valores mais baixos entre 2013 e 2014 e aumentando novamente nos anos seguintes.
Em termos de área queimada, Brasil e Bolívia contribuíram, em média, com 56% e 33%, respectivamente, do total anual na Amazônia ao longo da série. Venezuela e Colômbia vieram em seguida, com cerca de 4% cada uma. Embora o Peru tenha sido a terceira região amazônica mais relevante em focos, registrou apenas 0,63% do total anual de área queimada.
Quando os cientistas analisam o tipo de uso do solo, as terras agrícolas (lavouras e pastagens), campos naturais, florestas maduras e áreas úmidas foram os que mais queimaram ao longo da série histórica – em média, 32%, 29%, 16% e 13%, respectivamente, da área total anual queimada.
As terras agrícolas também compartilharam a maior proporção da área total anual queimada na região amazônica do Brasil (48%) e do Peru (51%), enquanto as florestas maduras foram as mais afetadas no Equador (76%) e outras áreas úmidas na Guiana (46,5%).
“Se pensarmos que o fogo é uma ferramenta de gestão das áreas abertas para a agricultura, seja de plantio ou de pastagem, percebemos que essa técnica coloca em risco não só a floresta e sua biodiversidade como também a própria evolução da agricultura na região para um sistema mais sustentável. A solução seria buscar um planejamento estratégico do uso da terra, que envolvesse vários níveis governamentais e da sociedade, incluindo treinamento de pessoas e facilitação para o uso de técnicas mais avançadas”, diz Aragão.
O artigo Amazon fires in the 21st century: The year of 2020 in evidence pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/geb.13577.
Autor: Luciana Constantino
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://agencia.fapesp.br/incendio-na-amazonia-esta-mais-ligado-ao-uso-do-fogo-em-pastagem-e-ao-desmate-do-que-a-seca-diz-estudo/39913/
Pesquisa conduzida por grupos do Inpe, Cemaden e da UFMA analisou focos de fogo entre 2003 e 2020 nos nove países com Floresta Amazônica. Brasil responde, em média, por aproximadamente 70% das detecções anuais de queimadas (foto: Liana Anderson/Cemaden)
Em média, 32% das áreas queimadas anualmente no bioma foram em terras agrícolas (dominadas por pastagens), seguidas por campos naturais (29%) e áreas de florestas maduras (16%). Ao avaliar o desmatamento e as anomalias de déficit hídrico, o primeiro fator contribuiu mais do que o segundo para os incêndios no período analisado.
Além disso, ao inovar e ampliar o escopo de análise para as regiões amazônicas dos nove países com a floresta em seus territórios, o trabalho mostrou que Brasil e Bolívia responderam juntos pela maior parte das detecções anuais de focos de fogo no período. Isso representa, no caso brasileiro, em média, mais da metade das áreas queimadas anualmente na Amazônia e, em terras bolivianas, cerca de um terço.
Embora 63% da Amazônia esteja em território brasileiro, a floresta se estende por Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Equador, abrangendo uma área total em torno de 6,67 milhões de quilômetros quadrados (km²), considerando o limite da Amazônia lato sensu).
O estudo contou com a participação de cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O artigo é parte de uma edição especial da revista científica Global Ecology and Biogeography que visa discutir a crescente ameaça de incêndios florestais no mundo.
Atualmente, o Brasil voltou a ter um elevado número de queimadas na Amazônia – o acumulado dos nove primeiros meses deste ano, especialmente em agosto e setembro, foi o pior desde 2010, quando ocorreram 102.409 focos, de acordo com dados do Programa Queimadas, do Inpe. Simultaneamente, a partir de 2019, as taxas de desmatamento no bioma têm atingido os maiores patamares desde 2009, excedendo anualmente 10 mil km² de florestas desmatadas. A tendência vem se mantendo neste ano de acordo com os alertas do sistema DETER.
“A literatura científica sobre incêndios na Amazônia estava mais centrada no território brasileiro. Ampliamos esse escopo para os outros países, buscando entender onde a atividade do fogo está sendo mais crítica e merece atenção, olhando para diferentes coberturas e usos do solo. Detectamos que a agricultura, especialmente no Brasil, onde majoritariamente é pastagem, adota o fogo como técnica para renovação da vegetação, mas sem manejo adequado. Com isso, o risco de escapar e atingir a floresta é grande”, avalia Marcus Vinicius de Freitas Silveira, doutorando na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG-Inpe) e primeiro autor do trabalho.
Para o pesquisador Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, chefe da DIOTG-Inpe e um dos autores do artigo, o trabalho avançou ao trazer a ampliação da área geográfica analisada e a abrangência de quase 20 anos de dados. “Com esse longo período, conseguimos identificar anomalias dentro da série temporal, como em 2020. Os resultados mostram a disseminação do uso do fogo em toda a Amazônia tanto em processos para corte e queimada de floresta como para a continuidade no manejo de pastagens”, completa.
Aragão coordena o grupo TREES (Tropical Ecosystems and Environmental Sciences lab) e participa do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), no âmbito do qual o estudo foi conduzido. O financiamento se deu por meio de três projetos (16/02018-2, 20/16457-3 e 20/15230-5).
Como disse o pesquisador, 2020 apareceu como uma das “anomalias da série temporal”. De acordo com o estudo, naquele ano, que coincide com um enfraquecimento de operações de controle ambiental decorrente, entre outros motivos, da pandemia de COVID-19, a área queimada foi a maior desde 2010 para a Floresta Amazônica.
Incêndios sem precedentes também atingiram o Pantanal em 2020. Naquele ano, esse bioma teve um encolhimento da superfície hídrica 34% acima do que a média anual, segundo trabalho publicado em julho por pesquisadores, incluindo Aragão e a cientista Liana Anderson, outra autora do trabalho sobre a Amazônia.
Assim como na floresta tropical, no Pantanal os incêndios foram uma consequência da intensificação das atividades humanas relacionadas ao fogo. Dos focos de queimadas em 2020, 70% ocorreram em propriedades rurais, 5% em Terras Indígenas e 10% em áreas protegidas, como mostrou a pesquisa, que também recebeu apoio da FAPESP.
Segundo Liana Anderson, a principal ação de curto prazo para diminuir o risco de incêndios florestais na Amazônia é extinguir o desmatamento ilegal na região e atacar os problemas de grilagem de terras. “Concomitante a isso, a capacitação e a disseminação de técnicas para manejo da terra livre do uso do fogo são cruciais para minimizar o risco crescente de grandes incêndios. Tanto a paisagem cada vez mais fragmentada como um clima mais quente e com menos chuvas levam ao aumento da flamabilidade”, diz a cientista.
O pesquisador Celso Silva-Junior destaca a situação do Maranhão, zona de transição entre o bioma amazônico e o Cerrado e que também experimentou um aumento de 18% em focos de calor entre janeiro e setembro deste ano comparado ao mesmo período em 2021. “Assim como observado em nosso artigo, a atividade recente do fogo nessa região está intimamente ligada ao desmatamento, induzido não somente pelos retrocessos ambientais federais, mas também aos retrocessos em nível estadual.”
Impactos
O fogo está entre os principais tipos de distúrbios responsáveis pela degradação na Amazônia, com impactos negativos na estrutura e dinâmica da floresta. Esses efeitos podem comprometer os estoques de carbono e a capacidade das árvores de capturar CO2.
Os incêndios afetam ainda a saúde de moradores da região, acentuando a poluição do ar e levando a internações por doenças respiratórias. Relatório produzido pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) em parceria com o Ipam Amazônia e a Human Rights Watch indicou que as queimadas associadas ao desmatamento na Amazônia levaram a 2.195 internações por doenças respiratórias em 2019, das quais 49% foram de pessoas com 60 anos ou mais e 21% de bebês com até 1 ano.
Ainda em 2019, a tarde de 19 de agosto virou noite em São Paulo, em parte pela fumaça das queimadas da Floresta Amazônica que se somou a um fenômeno causado por nuvens carregadas muito baixas que esconderam a luz do Sol (leia mais em: agencia.fapesp.br/31280/).
Dados
Na pesquisa publicada na Global Ecology and Biogeography, o grupo levou em consideração séries temporais de detecção de focos de fogo e áreas queimadas, fazendo um cruzamento anual das regiões afetadas com os vários tipos de uso e cobertura da terra.
Além disso, o território da Amazônia foi dividido em células de grade (de 10 km por 10 km), identificando anomalias anuais na ocorrência de focos de fogo, precipitação pluviométrica, máximo déficit hídrico acumulado e desmatamento.
Os resultados mostraram que, entre 2003 e 2020, o Brasil sozinho concentrou, em média, 73% das detecções anuais de focos de fogo na Amazônia, seguido pela Bolívia, com 14,5%, e Peru com 5,3%. Dividindo os focos de fogo de cada região amazônica pela área total, a maior densidade ocorreu na Bolívia, com uma média de seis focos por 100 km2/ano, seguido pelo Brasil, com três por 100 km2/ano.
As ocorrências foram maiores na década de 2000, associadas a elevadas taxas de desmatamento na Amazônia brasileira, atingindo valores mais baixos entre 2013 e 2014 e aumentando novamente nos anos seguintes.
Em termos de área queimada, Brasil e Bolívia contribuíram, em média, com 56% e 33%, respectivamente, do total anual na Amazônia ao longo da série. Venezuela e Colômbia vieram em seguida, com cerca de 4% cada uma. Embora o Peru tenha sido a terceira região amazônica mais relevante em focos, registrou apenas 0,63% do total anual de área queimada.
Quando os cientistas analisam o tipo de uso do solo, as terras agrícolas (lavouras e pastagens), campos naturais, florestas maduras e áreas úmidas foram os que mais queimaram ao longo da série histórica – em média, 32%, 29%, 16% e 13%, respectivamente, da área total anual queimada.
As terras agrícolas também compartilharam a maior proporção da área total anual queimada na região amazônica do Brasil (48%) e do Peru (51%), enquanto as florestas maduras foram as mais afetadas no Equador (76%) e outras áreas úmidas na Guiana (46,5%).
“Se pensarmos que o fogo é uma ferramenta de gestão das áreas abertas para a agricultura, seja de plantio ou de pastagem, percebemos que essa técnica coloca em risco não só a floresta e sua biodiversidade como também a própria evolução da agricultura na região para um sistema mais sustentável. A solução seria buscar um planejamento estratégico do uso da terra, que envolvesse vários níveis governamentais e da sociedade, incluindo treinamento de pessoas e facilitação para o uso de técnicas mais avançadas”, diz Aragão.
O artigo Amazon fires in the 21st century: The year of 2020 in evidence pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/geb.13577.
Autor: Luciana Constantino
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://agencia.fapesp.br/incendio-na-amazonia-esta-mais-ligado-ao-uso-do-fogo-em-pastagem-e-ao-desmate-do-que-a-seca-diz-estudo/39913/
As extraordinárias imagens de animais em concurso de fotos microscópicas
CRÉDITO,YOUSEF AL HABSHI/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
A foto deste escaravelho-vermelho foi uma das das escolhidas como 'imagem de distinção' no concurso de fotografia microscópica da Nikon
Uma formiga com cara de alienígena, um escaravelho que parece saído de uma história em quadrinhos e uma aranha com pelos eletrizados.
Estas são algumas das fotos selecionadas no concurso anual de fotografia microscópica da fabricante de câmeras Nikon.
O primeiro prêmio do Nikon Small World Photomicrography Competition foi para a imagem de uma pata embrionária de uma lagartixa gigante de Madagascar, registrada por Grigorii Timin e supervisionada por Michel Milinkovitch da Universidade de Genebra, na Suíça.
CRÉDITO,GRIGORII TIMIN / NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
Esta foto de uma pata embrionária de uma lagartixa gigante de Madagascar ganhou o primeiro prêmio na categoria 'top 20' na edição de 2022 do Concurso de Fotografia Microscópica da Nikon
Mas na competição é possível ver imagens microscópicas de alta resolução de insetos, tecidos, células, partes do corpo humano, minerais, entre outros.
No total, foram selecionadas 89 fotos de cientistas e artistas de todo o mundo para compor as categorias "top 20", "menções honrosas" e "imagens de distinção".
A última categoria inclui a imagem curiosa em primeiríssimo primeiro plano do rosto de uma formiga, capturada pelo fotógrafo lituano Eugenijus Kavaliauskas.
CRÉDITO,EUGENIJUS KAVALIAUSKAS/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
Esta foto da formiga foi escolhida para a categoria 'imagem de distinção' no concurso da Nikon
E tem mais. A seguir, compartilhamos uma seleção das fotos que participaram e foram selecionadas para alguma categoria do concurso.
CRÉDITO,ANDREW POSSELT/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
O retrato em primeiro plano desta aranha-saltadora ganhou um lugar na categoria 'imagem de distinção' no Concurso de Fotografia Microscópica da Nikon
CRÉDITO,KARL GAFF/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
O registro desta larva de mosca recebeu uma menção honrosa
CRÉDITO,LAYRA G. CINTRÓN-RIVERA/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
A foto deste embrião de peixe-zebra ganhou um lugar na seção 'imagem de distinção' no concurso da Nikon
CRÉDITO,MURAT ÖZTÜRK/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
O retrato desta mosca enfrentando um besouro-tigre ficou em 10º lugar na categoria 'top 20' do Concurso de Fotografia Microscópica de Nikon
CRÉDITO,MARKO PENDE/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
Esta foto de um axolote transgênico ganhou um lugar na categoria 'imagem de distinção' no concurso de fotografia microscópica da Nikon
CRÉDITO,ANDREW POSSELT/NIKON SMALL WORLD
Legenda da foto,
A imagem da aranha (Pholcus phalangioides) ficou em quarto lugar na categoria 'top 20' do concurso
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63410500
Autor: BBC
Fonte: BBC
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63410500
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63410500
A comunicação secreta das tartarugas marinhas e outros animais
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
As tartarugas conseguem comunicar-se, mas só agora os seres humanos se dispuseram a ouvi-las
Um cientista estudou 53 criaturas aquáticas que, segundo se acreditava, não emitiam sons. E ele descobriu que, na verdade, elas conseguem se comunicar.
Gabriel Jorgewich-Cohen indica que essas criaturas sempre emitiram suas mensagens, mas os seres humanos nunca haviam pensado em ouvi-las.
Ele usou microfones para gravar as espécies, incluindo tartarugas, comunicando que queriam acasalar-se ou que estavam saindo dos seus ovos. E suas descobertas reescrevem parte do que sabemos sobre a evolução.
Elas indicam que todos os vertebrados que respiram pelo nariz e usam o som para comunicar-se descendem de um ancestral comum, que viveu 400 milhões de anos atrás.
Existe forte debate na biologia evolutiva para descobrir se as coisas vivas descendem de um único ancestral ou de diversas origens diferentes.
Jorgewich-Cohen é estudante de PhD da Universidade de Zurique, na Suíça, e começou a trabalhar com a hipótese de que os animais marinhos poderiam comunicar-se usando o som. Ele empregou equipamento de som e vídeo para gravar 53 espécies em cativeiro em todo o mundo, incluindo o zoológico de Chester, na Inglaterra. Elas incluíram 50 tartarugas, um tuatara, um peixe-pulmonado e uma cobra-cega.
CRÉDITO,GABRIEL JORGEWICH-COHEN
Legenda da foto,
Tartaruga sul-americana comunicando-se durante a pesquisa
Acreditava-se que esses animais não emitissem sons, mas Jorgewich-Cohen sugere que eles só não foram ouvidos por que é difícil detectá-los.
"Conhecemos o canto de um pássaro. Você não precisa de ninguém para saber o que é. Mas alguns desses animais são muito silenciosos ou emitem um som a cada dois dias", explicou ele à BBC News.
Jorgewich-Cohen também sugere que os seres humanos têm preferência pelas criaturas que vivem em terra e, por isso, ignoram as espécies aquáticas.
Vídeos dos animais gravados quando eles emitem ruídos permitiram a ele associar os sons a determinados comportamentos, diferenciando-os de sons acidentais que não transmitem mensagens.
"As tartarugas marinhas cantam de dentro dos ovos para sincronizar a eclosão", ele conta. "Se elas chamarem de dentro [dos ovos], todas elas saem juntas e é mais fácil evitar que sejam comidas."
CRÉDITO,GETTY IMAGES
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Os tuataras fazem ruídos para impedir que outros animais invadam seu território
O pesquisador afirma que as tartarugas também fazem ruídos para indicar que querem acasalar-se. Ele indica vídeos de sons de acasalamento das tartarugas que são populares nas redes sociais.
Jorgewich-Cohen também gravou ruídos emitidos por tuataras — uma espécie de réptil da Nova Zelândia — para proteger seu território. Ele então começou a analisar o que a descoberta revela sobre a evolução dos animais que emitem sons.
Os fósseis, muitas vezes, não "contam" o suficiente aos cientistas sobre animais que viveram milhões de anos atrás. Por isso, eles comparam o comportamento dos animais vivos.
Usando uma técnica conhecida como análise filogenética, Jorgewich-Cohen rastreou a relação entre os animais que produzem sons.
A técnica compara o comportamento de uma espécie, mapeando-a como em uma árvore genealógica. Se, por exemplo, um ser humano e um chimpanzé se comportarem fazendo ruídos, isso sugere que o ancestral comum às duas espécies também produzia sons.
O pesquisador concluiu que toda a comunicação acústica dos vertebrados descende de um ancestral comum, 400 milhões de anos atrás - no período devoniano, quando a maioria das espécies vivia embaixo d'água.
Esta conclusão contradiz pesquisas recentes que rastrearam a comunicação por som a diversas espécies diferentes, 200 milhões de anos atrás.
CRÉDITO,PATRICK VIANA
Legenda da foto,
As cobras d'água também podem 'falar', segundo a pesquisa
A bióloga Catherine Hobaiter, que não fez parte da pesquisa, afirmou à BBC News que as gravações dessas 53 espécies foram bem recebidas e aumentam nosso conhecimento sobre a comunicação acústica.
"Comparar espécies como chimpanzés e seres humanos só nos leva até poucos milhões de anos atrás", explica ela. "Precisamos observar como as características comuns entre parentes muito mais distantes ampliam nossa compreensão até centenas de milhões de anos atrás."
A pesquisa foi publicada na revista científica Nature Communications.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63410505
Autor: Georgina Rannard
Fonte: BBC News Climate and Science
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 27/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63410505
quarta-feira, 26 de outubro de 2022
Os surpreendentes benefícios do uso dos palavrões
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O xingamento foi por muito tempo descartado como assunto de pesquisa séria porque se supunha que era simplesmente um sinal de agressão, fraco domínio da linguagem ou até mesmo baixa inteligência.
Agora temos muitas evidências que confrontam essa visão, levando-nos a reconsiderar a natureza e o poder dos palavrões.
Gostemos ou não, muitos de nós provavelmente recorremos a eles de vez em quando.
Para estimar o poder do palavrão e descobrir de onde ele vem, recentemente fizemos uma revisão de mais de 100 artigos acadêmicos de diferentes disciplinas sobre o assunto.
Impacto em várias áreas
O estudo, publicado na revista científica Lingua, mostra que o uso de palavrões pode afetar profundamente a forma como pensamos, agimos e nos relacionamos.
As pessoas geralmente os associam com a catarse, a liberação de uma emoção forte. É inegavelmente diferente e mais poderoso do que outras formas de usar a linguagem.
Curiosamente, para falantes de mais de uma língua, a catarse é quase sempre maior ao xingar na língua materna do que em qualquer língua aprendida posteriormente.
Praguejar desperta as emoções. Isso pode ser medido em diferentes sinais, como aumento da transpiração e, às vezes, aumento da frequência cardíaca.
Essas mudanças indicam que xingar pode acionar a função "lutar ou fugir".
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Uso de palavrões pode afetar profundamente forma como pensamos, agimos e nos relacionamos, segundo estudo
Pesquisas neurocientíficas indicam que os palavrões podem estar localizados em diferentes partes do cérebro do que em outras regiões da fala. Especificamente, eles poderiam ativar partes do "sistema límbico" (incluindo os gânglios da base e a amígdala).
Essas estruturas profundas estão envolvidas em aspectos de memória e processamento de emoções, que são instintivos e difíceis de inibir.
Isso poderia explicar por que pessoas que sofreram danos cerebrais e têm dificuldades de fala como resultado ainda continuam a falar palavrões sem problema.
Experimentos de laboratório também mostram efeitos cognitivos. Sabemos que os palavrões atraem mais atenção e são mais bem lembrados do que outras palavras.
Mas eles também interferem no processamento cognitivo de outras palavras/estímulos, então parece que xingar às vezes também pode interferir no pensamento.
Isso pode valer a pena, pelo menos às vezes. Em experimentos que exigem que as pessoas mergulhem a mão em água gelada, os palavrões produziram alívio da dor.
Nesses estudos, falar um palavrão leva a uma maior tolerância à dor e a um maior limiar de dor em comparação com palavras neutras.
Outros estudos encontraram maior força física em pessoas depois de xingar.
Mas xingar não apenas influencia nosso ser físico e mental, mas também afeta nossos relacionamentos com os outros.
Pesquisas em comunicação e linguística mostraram uma variedade de propósitos sociais distintos para xingar, desde expressar agressão e causar ofensa até aumentar o vínculo social, humor e contar histórias.
Os palavrões podem até nos ajudar a gerir nossas identidades e mostrar intimidade e confiança, além de aumentar a atenção e o domínio sobre outras pessoas.
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Para entender por que os palavrões têm um efeito tão profundo sobre nós, precisamos investigar a natureza das memórias dos palavrões das pessoas
Cerne da questão
Apesar de ter um efeito tão perceptível em nossas vidas, atualmente sabemos muito pouco sobre onde os palavrões obtêm seu poder.
Quando ouvimos um palavrão em um idioma desconhecido, soa como qualquer outra palavra e não produz nenhum desses resultados: não há nada de especial no som da palavra em si que seja universalmente ofensivo.
Assim, o poder não vem das próprias palavras. Da mesma forma, não é inerente aos significados ou sons das palavras: nem os eufemismos, nem as palavras de som semelhante têm um efeito tão profundo sobre nós.
Uma explicação é que o "condicionamento aversivo", o uso de punição para evitar mais palavrões, geralmente ocorre durante a infância. Isso pode estabelecer uma conexão visceral entre o uso da linguagem e a resposta emocional.
Embora essa hipótese pareça correta, é apenas fracamente embasada por um punhado de estudos que investigou memórias de punição infantil por palavrões.
Quase não há estudos empíricos sobre as ligações entre essas memórias e as respostas dos adultos aos palavrões.
Para entender por que os palavrões têm um efeito tão profundo sobre nós, precisamos investigar a natureza das memórias dos palavrões das pessoas.
Quais foram seus incidentes significativos com palavrões? Os palavrões sempre traziam consequências desagradáveis, como punição, ou havia benefícios também? E as experiências contínuas de xingamento das pessoas ao longo da vida?
Depois de tudo isso, nossa pesquisa mostra que xingar às vezes pode ajudar as pessoas a se relacionarem.
Achamos que é possível que os palavrões apresentem um padrão de memória semelhante ao da música: lembramos e gostamos mais das músicas que ouvimos na adolescência.
Isso porque, assim como a música, os palavrões podem ganhar um significado totalmente novo na adolescência.
Torna-se uma maneira importante de responder às emoções intensas que tendemos a ter durante esse período e um ato que sinaliza independência dos pais e conexão com os amigos.
Portanto, os palavrões e as músicas usadas durante esse período podem ser para sempre ligadas a experiências importantes e memoráveis.
A pesquisa também deve examinar se há uma ligação entre as memórias de xingamentos e os efeitos observados nos experimentos.
Isso pode mostrar que pessoas com memórias mais positivas respondem de maneira diferente daquelas com memórias negativas.
Um último ponto a considerar é se o palavrão começará a perder seu poder se se tornar mais aceitável socialmente e, portanto, perderá seu caráter ofensivo.
Por enquanto, porém, certamente ainda é visto como um deslize.
*Karyn Stapleton, Professora de Comunicação Interpessoal da Universidade de Ulster (Irlanda do Norte); Catherine Loveday, neuropsicóloga da Universidade de Westminster (Inglaterra); Kristy Beers Fägersten, professora da Universidade de Södertörn (Suécia); Richard Stephens, professor de psicologia da Universidade de Keele (Inglaterra).
Este artigo foi publicado no The Conversation, cuja versão original você pode ler aqui.
Autor: Karyn Stapleton, Catherine Loveday, Kristy Beers Fägersten e Richard Stephens
Fonte: BBC
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 25/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63386604
'Homem mais sujo do mundo' morre aos 94 anos após 1º banho em mais de meio século
CRÉDITO,AFP
Legenda da foto,
Amou Haji temia água e sabão, de acordo com a imprensa local
Um eremita que ficou conhecido pela imprensa como "o homem mais sujo do mundo" morreu aos 94 anos, apenas alguns meses depois de tomar seu primeiro banho em décadas.
Amou Haji se recusou a usar água e sabão por mais de meio século, temendo que o deixasse doente.
O iraniano, que morava na província de Fars, no sul do país, havia se esquivado de tentativas anteriores dos moradores de dar banho nele.
Mas, segundo a imprensa local, ele finalmente sucumbiu à pressão e tomou banho alguns meses atrás.
De acordo com a agência de notícias iraniana Irna, Amou Haji ficou doente pouco depois e morreu no domingo (23/10).
Em entrevista concedida ao Tehran Times em 2014, ele revelou que sua refeição favorita era porco-espinho e que vivia entre um buraco no chão e um refúgio de alvenaria construído por vizinhos preocupados com ele no vilarejo de Dejgah.
Ele disse ao jornal na época que suas escolhas incomuns se deviam a "contratempos emocionais" quando era mais jovem.
Anos sem tomar banho o deixaram com a pele coberta de "fuligem e pus", de acordo com a agência de notícias Irna, enquanto sua alimentação consistia em carne podre e água insalubre tomada em uma lata de óleo velha.
CRÉDITO,AFP
Legenda da foto,
Amou Haji aparentemente não tinha família, mas os moradores locais tentaram cuidar dele
Ele também gostava de fumar, sendo retratado em pelo menos uma ocasião fumando mais de um cigarro ao mesmo tempo.
As tentativas de dar banho nele ou oferecer água limpa para beber o deixavam triste, segundo a agência de notícias.
Mas, se ele detém o recorde de ter passado mais tempo sem tomar banho, é uma questão alvo de debate.
Em 2009, houve relatos de um homem indiano que — naquele momento — não tomava banho ou escovava os dentes há 35 anos. O que aconteceu com ele desde então não ficou claro.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63387422
Autor: BBC
Fonte: BBC
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 26/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63387422
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 26/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63387422
Nova radioterapia é promissora contra tumores preservando tecido saudável; entenda
CRÉDITO,DIVULGAÇÃO
Uma nova radioterapia, criada em Israel, oferece resultados promissores tanto no objetivo principal - eliminar tumores - quanto em preservar células saudáveis, algo que as radioterapias convencionais nem sempre conseguem fazer.
Chamada de DaRT (Diffusing Alpha emitters Radiation Therapy), a técnica é aplicada através de um laser focado na erradicação das células cancerígenas, poupando os tecidos saudáveis ao redor do tumor. O tratamento, que está disponível só para grupos de estudos, pretende colaborar para a remissão do câncer de boca, língua, pâncreas e o câncer de mama.
A pesquisa foi desenvolvida no Centro Médico Hadassah, em Jerusalém, Israel, e será implementada em outros hospitais, como o Memorial Sloan Kettering Center e o Dana Farber-Cancer Institute, nos Estados Unidos. Os cientistas buscam parcerias em diferentes países.
"Gostaríamos de ter a pesquisa instituída também em algum hospital brasileiro, já que o país possui uma grande diversidade étnica e altas taxas de câncer", diz o professor Aron Popovtzer, principal responsável pelos estudos da técnica.
Os primeiros resultados publicados em periódico científico estão disponíveis no International Journal of Radiation Oncology desde 2018, mas outros estudos estão sendo realizados desde então.
Na publicação, os cientistas descrevem o que aconteceu com 13 pacientes com câncer de pele ou cabeça e pescoço resistente à radiação. Em um acompanhamento médio de cinco meses, todos os tumores responderam ao tratamento; nove tumores tiveram resposta completa, três tumores apresentaram resposta parcial e um tumor não foi destruído com sucesso e foi considerado "em observação". Nenhuma toxicidade importante foi notada.
Popovtzer explica com exclusividade para a BBC News Brasil a ação da DaRT no corpo humano e em qual estágio a terapia está.
CRÉDITO,DIVULGAÇÃO
Legenda da foto,
Cientistas trabalhando nas etapas da DaRT em laboratório
Como a DaRT se diferencia de outras radioterapias
As radioterapias comumente usadas atualmente têm a radiação beta ou radiação gama, que são executadas com fótons ou elétrons ou até prótons - diferentemente da DaRT, que emite partículas alfa.
Popovtzer esclarece que essas radiações padrão têm a vantagem de viajar por distâncias consideradas longas (de vários centímetros), podendo ser irradiadas de fora do corpo para o meio dele.
"Mas entre os problemas da radiação padrão está o fato de serem dependentes do oxigênio, criando radicais livres que destroem, muitas vezes, apenas uma das fitas de DNA da célula cancerosa, e infelizmente, isso significa que a outra pode se reparar e, portanto, não necessariamente matará todo o tumor."
CRÉDITO,DIVULGAÇÃO
Legenda da foto,
Aplicadores usados para a inserção das 'sementes' que levam a radiação DaRT através de um procedimento minimamente invasivo
A DaRT, explica o professor, só consegue viajar alguns milímetros, mas é muito eficaz na forma como ataca diretamente o tumor.
"Essa radioterapia tem o poder de 'matar' ambas as fitas de DNA e portanto, as células não conseguem se regenerar. É uma terapia nova porque ao longo dos anos, apesar de sabermos que as partículas alfa têm características específicas que a tornam muito eficaz para a radiação, simplesmente não sabíamos como usá-la."
O processo de criação da nova radioterapia
Há quinze anos, os professores Yona Keisari e Itzhak Kelson, da Universidade de Tel Aviv, descobriram uma maneira de usar a radiação alfa para destruir tumores.
Antes disso, como citado pelo professor Popovtzer, sabia-se do potencial da radiação alfa, mas ela não podia alcançar mais do que cerca de 50 mícrons (1/20 de milímetro) dentro do tecido humano. O tratamento de um tumor de, digamos, 5 centímetros exigiria centenas de milhares de fontes emissoras de alfa de curto alcance - o que seria teoricamente impossível.
Mas os cientistas descobriram que, quando entregue através de um isótopo (átomo) específico do elemento rádio, a radiação alfa poderia viajar até 3 mm - o suficiente para alcançar tumores sólidos - liberando átomos que se difundem dentro de um tumor e então emitem suas próprias partículas alfa.
Quais são os resultados obtidos até agora?
"Nossos estudos iniciais foram feitos em camundongos e mostraram que a DaRT tinha um poder maior de destruição de tumores quando comparada a radiação padrão", aponta Popovtzer.
"E isso nos levou ao nosso primeiro estudo e seres humanos, a publicação de 2018 no International Journal of Radiation Oncology."
Desde então, outras três publicações clínicas, descrevendo bons resultados em erradicar tumores e proteger tecidos saudáveis, foram completadas.
"Mais recentemente temos usado uma nova tecnologia que é baseada em software de computador para garantir que cobrimos todo o tecido que precisamos", complementa Popovtzer.
CRÉDITO,DIVULGAÇÃO
Legenda da foto,
Paciente recebendo a DaRT por meio de um procedimento minimamente invasivo
Como a radioterapia DaRT é usada atualmente
"O que você faz para usar essa tecnologia é colocar 'sementes' intersticiais [dentro da pele] no corpo, o que é feito com anestesia local."
"A vantagem, em relação à braquiterapia [radioterapia interna usada em alguma parte específica do corpo] , é que as sementes são muito finas e, portanto, é muito fácil fazer isso. E a DaRT tem uma tendência especial de entrar apenas em áreas com ele passa por vasos sanguíneos deficientes, uma característica presente nos tumores", diz o professor.
Agora, a equipe de cientistas está fazendo estudos simultâneos para ver como a DaRT funciona em tipos de cânceres distintos e com populações de diferentes países.
"Por enquanto os pacientes beneficiados são apenas aqueles que fazem parte dos estudos. O objetivo é conseguir a aprovação do FDA (Food and Drug Administration) [a agência reguladora de saúde dos Estados Unidos], a qual as decisões o governo de Israel tende a abraçar, para podermos instituir a tecnologia em hospitais diversos, e com o passar do tempo, esperançosamente, barateá-la, já que o custo ainda é alto."
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63380075
Autor: Giulia Granchi
Fonte: Da BBC News Brasil em São Paulo
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 26/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63380075
Há quinze anos, os professores Yona Keisari e Itzhak Kelson, da Universidade de Tel Aviv, descobriram uma maneira de usar a radiação alfa para destruir tumores.
Antes disso, como citado pelo professor Popovtzer, sabia-se do potencial da radiação alfa, mas ela não podia alcançar mais do que cerca de 50 mícrons (1/20 de milímetro) dentro do tecido humano. O tratamento de um tumor de, digamos, 5 centímetros exigiria centenas de milhares de fontes emissoras de alfa de curto alcance - o que seria teoricamente impossível.
Mas os cientistas descobriram que, quando entregue através de um isótopo (átomo) específico do elemento rádio, a radiação alfa poderia viajar até 3 mm - o suficiente para alcançar tumores sólidos - liberando átomos que se difundem dentro de um tumor e então emitem suas próprias partículas alfa.
Quais são os resultados obtidos até agora?
"Nossos estudos iniciais foram feitos em camundongos e mostraram que a DaRT tinha um poder maior de destruição de tumores quando comparada a radiação padrão", aponta Popovtzer.
"E isso nos levou ao nosso primeiro estudo e seres humanos, a publicação de 2018 no International Journal of Radiation Oncology."
Desde então, outras três publicações clínicas, descrevendo bons resultados em erradicar tumores e proteger tecidos saudáveis, foram completadas.
"Mais recentemente temos usado uma nova tecnologia que é baseada em software de computador para garantir que cobrimos todo o tecido que precisamos", complementa Popovtzer.
CRÉDITO,DIVULGAÇÃO
Legenda da foto,
Paciente recebendo a DaRT por meio de um procedimento minimamente invasivo
Como a radioterapia DaRT é usada atualmente
"O que você faz para usar essa tecnologia é colocar 'sementes' intersticiais [dentro da pele] no corpo, o que é feito com anestesia local."
"A vantagem, em relação à braquiterapia [radioterapia interna usada em alguma parte específica do corpo] , é que as sementes são muito finas e, portanto, é muito fácil fazer isso. E a DaRT tem uma tendência especial de entrar apenas em áreas com ele passa por vasos sanguíneos deficientes, uma característica presente nos tumores", diz o professor.
Agora, a equipe de cientistas está fazendo estudos simultâneos para ver como a DaRT funciona em tipos de cânceres distintos e com populações de diferentes países.
"Por enquanto os pacientes beneficiados são apenas aqueles que fazem parte dos estudos. O objetivo é conseguir a aprovação do FDA (Food and Drug Administration) [a agência reguladora de saúde dos Estados Unidos], a qual as decisões o governo de Israel tende a abraçar, para podermos instituir a tecnologia em hospitais diversos, e com o passar do tempo, esperançosamente, barateá-la, já que o custo ainda é alto."
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63380075
Autor: Giulia Granchi
Fonte: Da BBC News Brasil em São Paulo
Sítio Online da Publicação: BBC
Data: 26/10/2022
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63380075
terça-feira, 25 de outubro de 2022
ID Week 2022: Antibioticoterapia oral em infecções de prótese
Infecções ortopédicas são consideradas difíceis de tratar e exigem tratamento por tempo prolongado. Fatores como a formação de biofilme e a seleção de bactérias persistentes contribuem para a dificuldade no controle do quadro.
O manejo de infecções associadas à presença de próteses tem um complicador adicional devido à possibilidade de ser necessária a retirada do dispositivo. Uma conduta muito adotada é que, em infecções consideradas agudas, isto é, com menos de três semanas de sintomas em infecções de origem hematogênica ou menos de três meses da artroplastia original nos casos de origem pós-operatória, a prótese poderia ser mantida. Em infecções crônicas, em que há maior risco de presença estabelecida de biofilme, a prótese deve ser retirada e, nos casos em que não é possível, há indicação de uso de antibiótico supressivo.
Transição para antibioticoterapia oral
O uso prolongado de antibióticos intravenosos está associado a maior possibilidade de eventos adversos, infecções e outras complicações, como flebites e formação de trombos. Por esses motivos, a possibilidade de uso de terapia oral torna-se atraente para as infecções ortopédicas.
Para essa prática, alguns requisitos e características dos antimicrobianos devem ser observados. Inicialmente, o tratamento deve ser feito com um antibiótico intravenoso com atividade bactericida por uma a duas semanas, seguido por um antibiótico oral com atividade antibiofilme por onze semanas.
Esses antibióticos com atividade antibiofilme devem não só ser capazes de penetrar em biofilmes formados, como também ter atividade contra bactérias persistentes, que apresentam metabolismo reduzido. Isso impacta a escolha de antimicrobianos, uma vez que alguns, como vancomicina, não possuem boa penetração em biofilme e, outros, como os beta-lactâmicos, precisam que as células bacterianas estejam em divisão para serem ativos.
Para considerar a escolha de um antibiótico para compor o esquema de tratamento oral, outra característica a ser observada é a sua biodisponibilidade. A maioria dos beta-lactâmicos, por exemplo, apresenta biodisponibilidade oral abaixo de 90%.
Na prática atual, os principais antimicrobianos prescritos, com características adequadas para serem utilizados como tratamento oral em infecções ortopédicas, são rifampicina – para o tratamento de Gram-positivos – e fluoroquinolonas – para o tratamento de Gram-negativos.
Outro fator complicador a ser considerado são as interações medicamentosas, especialmente em regimes contendo rifampicina. Diversos antibióticos apresentam interação com rifampicina, o que pode diminuir a eficácia da terapia quando usados como terapia combinada. Exemplos incluem clindamicina, doxiciclina, linezolida, moxifloxacino, e sulfametoxazol-trimetoprim. Considerando as interações, estudos sugerem que as melhores associações com rifampicina seriam levofloxacino, moxifloxacino ou clindamicina.
Estudos avaliando antibioticoterapia oral precoce
O OVIVA foi um estudo multicêntrico conduzido no Reino Unido que incluiu pacientes com qualquer infecção óssea ou articular que normalmente seria tratada com seis semanas de terapia intravenosa. Os participantes foram randomizados para, sete dias após a cirurgia, receber tratamento por via IV ou oral. O desfecho primário foi falha terapêutica em um ano.
Dos 1.054 pacientes incluídos (527 em cada braço), 30% apresentavam osteomielite sem presença de implante e 60% apresentavam algum dispositivo ortopédico. A maioria das infecções foi causada por estafilococos, com Staphylococcus aureus sendo o agente mais frequente. Os principais esquemas IV utilizados foram glicopeptídeos (41%) e cefalosporinas (33%), enquanto os antibióticos orais mais frequentes foram quinolonas (36,5%), terapia combinada (16%), penicilinas (15%) e macrolídeos (13%). Os resultados demonstraram que troca precoce para antibioticoterapia oral foi não-inferior para o desfecho primário em relação ao tratamento IV.
Outro estudo, conduzido em um hospital universitário francês, avaliou os desfechos de tratamento de infecções ortopédicas com dispositivos causados por S. aureus. O estudo foi retrospectivo, com dados de pacientes internados entre 2008 e 2015. Para inclusão, além de ter infecção monomicrobiana por S. aureus, os indivíduos deveriam ter sido submetidos a tratamento cirúrgico apropriado conforme as recomendações internacionais. O desfecho primário foi falha terapêutica, definida como recorrência de infecção estafilocócica.
Foram incluídos 140 pacientes, do quais 81% apresentavam infecção por MSSA, 38% apresentaram infecção associada à prótese articular, aproximadamente 50% não tiveram a prótese removida e 85% receberam cinco dias ou menos de terapia IV. Os esquemas mais utilizados foram rifampicina associado a ofloxacino ou a sulfametoxazol-trimetoprim.
Fatores de risco associados à falha terapêutica foram infecção por MRSA (o que é diferente de resultados de outros estudos semelhantes, em que o perfil de sensibilidade não impactou no desfecho do tratamento), obesidade e terapia empírica inadequada. Terapia oral precoce não esteve associada a falha terapêutica.
Outras possibilidades
Outras possibilidades, com tratamentos ainda mais curtos, estão sendo avaliadas. O estudo SOLARIO está em andamento e vai avaliar o tratamento de infecções ortopédicas com administração de antibiótico local associada a esquemas curtos (até sete dias) comparados com esquemas longos (pelo menos quatro semanas) de antibióticos sistêmicos.
Autor: Isabel Cristina Melo Mendes
O manejo de infecções associadas à presença de próteses tem um complicador adicional devido à possibilidade de ser necessária a retirada do dispositivo. Uma conduta muito adotada é que, em infecções consideradas agudas, isto é, com menos de três semanas de sintomas em infecções de origem hematogênica ou menos de três meses da artroplastia original nos casos de origem pós-operatória, a prótese poderia ser mantida. Em infecções crônicas, em que há maior risco de presença estabelecida de biofilme, a prótese deve ser retirada e, nos casos em que não é possível, há indicação de uso de antibiótico supressivo.
Transição para antibioticoterapia oral
O uso prolongado de antibióticos intravenosos está associado a maior possibilidade de eventos adversos, infecções e outras complicações, como flebites e formação de trombos. Por esses motivos, a possibilidade de uso de terapia oral torna-se atraente para as infecções ortopédicas.
Para essa prática, alguns requisitos e características dos antimicrobianos devem ser observados. Inicialmente, o tratamento deve ser feito com um antibiótico intravenoso com atividade bactericida por uma a duas semanas, seguido por um antibiótico oral com atividade antibiofilme por onze semanas.
Esses antibióticos com atividade antibiofilme devem não só ser capazes de penetrar em biofilmes formados, como também ter atividade contra bactérias persistentes, que apresentam metabolismo reduzido. Isso impacta a escolha de antimicrobianos, uma vez que alguns, como vancomicina, não possuem boa penetração em biofilme e, outros, como os beta-lactâmicos, precisam que as células bacterianas estejam em divisão para serem ativos.
Para considerar a escolha de um antibiótico para compor o esquema de tratamento oral, outra característica a ser observada é a sua biodisponibilidade. A maioria dos beta-lactâmicos, por exemplo, apresenta biodisponibilidade oral abaixo de 90%.
Na prática atual, os principais antimicrobianos prescritos, com características adequadas para serem utilizados como tratamento oral em infecções ortopédicas, são rifampicina – para o tratamento de Gram-positivos – e fluoroquinolonas – para o tratamento de Gram-negativos.
Outro fator complicador a ser considerado são as interações medicamentosas, especialmente em regimes contendo rifampicina. Diversos antibióticos apresentam interação com rifampicina, o que pode diminuir a eficácia da terapia quando usados como terapia combinada. Exemplos incluem clindamicina, doxiciclina, linezolida, moxifloxacino, e sulfametoxazol-trimetoprim. Considerando as interações, estudos sugerem que as melhores associações com rifampicina seriam levofloxacino, moxifloxacino ou clindamicina.
Estudos avaliando antibioticoterapia oral precoce
O OVIVA foi um estudo multicêntrico conduzido no Reino Unido que incluiu pacientes com qualquer infecção óssea ou articular que normalmente seria tratada com seis semanas de terapia intravenosa. Os participantes foram randomizados para, sete dias após a cirurgia, receber tratamento por via IV ou oral. O desfecho primário foi falha terapêutica em um ano.
Dos 1.054 pacientes incluídos (527 em cada braço), 30% apresentavam osteomielite sem presença de implante e 60% apresentavam algum dispositivo ortopédico. A maioria das infecções foi causada por estafilococos, com Staphylococcus aureus sendo o agente mais frequente. Os principais esquemas IV utilizados foram glicopeptídeos (41%) e cefalosporinas (33%), enquanto os antibióticos orais mais frequentes foram quinolonas (36,5%), terapia combinada (16%), penicilinas (15%) e macrolídeos (13%). Os resultados demonstraram que troca precoce para antibioticoterapia oral foi não-inferior para o desfecho primário em relação ao tratamento IV.
Outro estudo, conduzido em um hospital universitário francês, avaliou os desfechos de tratamento de infecções ortopédicas com dispositivos causados por S. aureus. O estudo foi retrospectivo, com dados de pacientes internados entre 2008 e 2015. Para inclusão, além de ter infecção monomicrobiana por S. aureus, os indivíduos deveriam ter sido submetidos a tratamento cirúrgico apropriado conforme as recomendações internacionais. O desfecho primário foi falha terapêutica, definida como recorrência de infecção estafilocócica.
Foram incluídos 140 pacientes, do quais 81% apresentavam infecção por MSSA, 38% apresentaram infecção associada à prótese articular, aproximadamente 50% não tiveram a prótese removida e 85% receberam cinco dias ou menos de terapia IV. Os esquemas mais utilizados foram rifampicina associado a ofloxacino ou a sulfametoxazol-trimetoprim.
Fatores de risco associados à falha terapêutica foram infecção por MRSA (o que é diferente de resultados de outros estudos semelhantes, em que o perfil de sensibilidade não impactou no desfecho do tratamento), obesidade e terapia empírica inadequada. Terapia oral precoce não esteve associada a falha terapêutica.
Outras possibilidades
Outras possibilidades, com tratamentos ainda mais curtos, estão sendo avaliadas. O estudo SOLARIO está em andamento e vai avaliar o tratamento de infecções ortopédicas com administração de antibiótico local associada a esquemas curtos (até sete dias) comparados com esquemas longos (pelo menos quatro semanas) de antibióticos sistêmicos.
Autor: Isabel Cristina Melo Mendes
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 22/10/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/id-week-2022-antibioticoterapia-oral-em-infeccoes-de-protese/
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 22/10/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/id-week-2022-antibioticoterapia-oral-em-infeccoes-de-protese/
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