As novas incapacidades e sintomas persistentes manifestados em sobreviventes da covid-19 já foram descritas na literatura e analisadas aqui no Portal. A síndrome pós- covid ou long covid pode envolver impacto na saúde mental, capacidade funcional e retorno ao trabalho dos sobreviventes. No entanto, ainda é desconhecido o impacto na saúde mental a longo prazo dos familiares de pacientes covid -19 grave que foram internados em UTI.
Sobre o estudo
Foi publicado na Intensive Care Medicine, em fevereiro de 2022, o artigo Mental health symptoms in family members of COVID-19 ICU survivors 3 and 12 months after ICU admission: a multicentre prospective cohort study. O objetivo do estudo foi aferir a prevalência de sintomas relacionados à saúde mental e qualidade de vida de familiares de sobreviventes à covid-19 que foram admitidos em UTI. A análise envolveu os períodos de três e doze meses após admissão na UTI. Além disso, objetivou explorar fatores de risco associados ao impacto na saúde mental dessa população.
Trata-se de estudo de coorte prospectivo que envolveu UTIs de dez hospitais na Holanda. Foram incluídos para recrutamento dos familiares, 254 pacientes sobreviventes à covid-19 grave que foram internados em UTI. Tais pacientes foram admitidos na UTI durante a primeira onda de casos na Holanda, representada pelo período de março de 2020 a julho de 2020.
Os pacientes foram incluídos no estudo após alta da UTI. Assim que a inclusão acontecesse, logo após a alta, o membro mais próximo da família era abordado para inclusão no estudo, após consentimento. Três questionários foram entregues aos familiares em três momentos diferentes:
Questionário 0 (baseline) – sobre a qualidade de vida percebida antes da admissão do paciente na UTI. Respondido logo após a inclusão.
Questionário 1 – aplicado três meses após a admissão do paciente na UTI;
Questionário 2 – aplicado doze meses após a admissão do paciente na UTI.
Os desfechos pesquisados foram sintomas relacionados à depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (PTSD). Para os sintomas relacionados à ansiedade e depressão, foi utilizada a escala HADS (Hospital Anxiety and Depression Scale). Para aferir o transtorno de estresse pós-traumático, foi utilizada a escala Impact of Event-Revised (IES-R). Além disso, qualidade de vida foi aferida utilizando o SF-12 (Short Form Health Survey), PCS (Physical Component Summary) e MCS (Mental Component Summary).
Resultados
Um total de 197 familiares consentiram em participar do estudo. 166 familiares completaram o questionário do baseline e de doze meses do follow-up. Desses 166 familiares, apenas 153 completaram o questionário de três meses. A média de idade dos familiares foi de 57,8 anos. Cerca de 55% dos familiares relataram ter apresentado sintomas da covid-19.
A prevalência dos sintomas de ansiedade e depressão foi significativamente maior no follow-up de doze meses quando comparado ao baseline. No entanto, o pico aconteceu na avaliação de três meses.
– Ansiedade: antes da admissão na UTI (17%), em três meses (31,6%) e doze meses (29%);
– Depressão: antes da admissão na UTI (15,8%), em três meses (28,3%) e doze meses (22,8%);
Em relação ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD), em três meses a prevalência foi de 29,6% e em doze meses de 20,2%;
Comparada à baseline, os familiares apresentaram maior número de sintomas relacionados à saúde mental, de forma significativa, em três e doze meses: Mental Composite Score positivo em 22,4% vs. 46,1% (p<0,001) e 22,4% vs. 38,3% (p<0,001), respectivamente.
Em relação ao retorno ao trabalho, um total de 104 familiares trabalhavam antes da admissão dos sobreviventes à UTI. Doze meses após a admissão na UTI, 29 familiares relataram problemas relacionados ao trabalho.
Fatores de risco associados ao impacto na saúde mental
Após análise multivariada, a presença de ansiedade e depressão, antes da admissão na UTI, foram fatores de risco associados de forma significativa com o desenvolvimento de sintomas relacionados à saúde mental pelos familiares, doze meses após admissão na UTI (p=0,002).
Conclusões dos autores
Até a publicação do presente estudo, não há na literatura outros estudos evidenciando desfechos em doze meses da saúde mental de familiares de pacientes sobreviventes à covid-19 grave.
A doença grave pela covid-19 impõe não somente sintomas a longo prazo para os pacientes sobreviventes, mas também para seus familiares. Após três e doze meses da admissão na UTI, a prevalência de sintomas relacionados à saúde mental em familiares de sobreviventes à covid-19 grave (internados em UTI) é significativamente maior quando comparado ao estado pré-UTI. Além disso, os familiares apresentaram redução na qualidade de vida e dificuldade no retorno ao trabalho.
Mensagens práticas
A síndrome pós-covid ou long covid apresenta um espectro variado de manifestações clínicas em pacientes sobreviventes à covid-19 grave. Maior número e variedade de sintomas têm sido documentada nos pacientes pós-doença grave;
O estudo em questão aponta que os familiares também sofrem impacto da doença grave que acomete o membro da família;
Chama atenção a maior prevalência de sintomas mentais nos familiares (ansiedade e depressão), com pico em três meses.
Em vários centros, houve restrição de visitas ou comunicação reduzida com os familiares por questões sanitárias relacionadas à pandemia.
Os achados acima podem ajudar a direcionar estratégias aos familiares (ex: melhora da comunicação, humanização do cuidado, flexibilização de visitas) no sentido de mitigar o impacto na saúde mental e devem ser de conhecimento das equipes e instituições.
Autor: Filipe Amado
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 24/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/o-impacto-na-saude-mental-dos-familiares-de-pacientes-com-covid-19-grave/