sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

O impacto na saúde mental dos familiares de pacientes com covid-19 grave

O processo da doença grave tem impacto nos sobreviventes e também em seus familiares. Tal repercussão é conhecida como Síndrome Pós-Cuidados Intensivos Familiar (PICS-F). O impacto no longo prazo pode resultar em menor qualidade de vida dos familiares de sobreviventes da covid-19 grave.

As novas incapacidades e sintomas persistentes manifestados em sobreviventes da covid-19 já foram descritas na literatura e analisadas aqui no Portal. A síndrome pós- covid ou long covid pode envolver impacto na saúde mental, capacidade funcional e retorno ao trabalho dos sobreviventes. No entanto, ainda é desconhecido o impacto na saúde mental a longo prazo dos familiares de pacientes covid -19 grave que foram internados em UTI.



 Sobre o estudo

Foi publicado na Intensive Care Medicine, em fevereiro de 2022, o artigo Mental health symptoms in family members of COVID-19 ICU survivors 3 and 12 months after ICU admission: a multicentre prospective cohort study. O objetivo do estudo foi aferir a prevalência de sintomas relacionados à saúde mental e qualidade de vida de familiares de sobreviventes à covid-19 que foram admitidos em UTI. A análise envolveu os períodos de três e doze meses após admissão na UTI. Além disso, objetivou explorar fatores de risco associados ao impacto na saúde mental dessa população.

Trata-se de estudo de coorte prospectivo que envolveu UTIs de dez hospitais na Holanda. Foram incluídos para recrutamento dos familiares, 254 pacientes sobreviventes à covid-19 grave que foram internados em UTI. Tais pacientes foram admitidos na UTI durante a primeira onda de casos na Holanda, representada pelo período de março de 2020 a julho de 2020.

Os pacientes foram incluídos no estudo após alta da UTI. Assim que a inclusão acontecesse, logo após a alta, o membro mais próximo da família era abordado para inclusão no estudo, após consentimento. Três questionários foram entregues aos familiares em três momentos diferentes:


Questionário 0 (baseline) – sobre a qualidade de vida percebida antes da admissão do paciente na UTI. Respondido logo após a inclusão.

Questionário 1 – aplicado três meses após a admissão do paciente na UTI;

Questionário 2 – aplicado doze meses após a admissão do paciente na UTI.

Os desfechos pesquisados foram sintomas relacionados à depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (PTSD). Para os sintomas relacionados à ansiedade e depressão, foi utilizada a escala HADS (Hospital Anxiety and Depression Scale). Para aferir o transtorno de estresse pós-traumático, foi utilizada a escala Impact of Event-Revised (IES-R). Além disso, qualidade de vida foi aferida utilizando o SF-12 (Short Form Health Survey), PCS (Physical Component Summary) e MCS (Mental Component Summary).

Resultados

Um total de 197 familiares consentiram em participar do estudo. 166 familiares completaram o questionário do baseline e de doze meses do follow-up. Desses 166 familiares, apenas 153 completaram o questionário de três meses. A média de idade dos familiares foi de 57,8 anos. Cerca de 55% dos familiares relataram ter apresentado sintomas da covid-19.

A prevalência dos sintomas de ansiedade e depressão foi significativamente maior no follow-up de doze meses quando comparado ao baseline. No entanto, o pico aconteceu na avaliação de três meses.

– Ansiedade: antes da admissão na UTI (17%), em três meses (31,6%) e doze meses (29%);

– Depressão: antes da admissão na UTI (15,8%), em três meses (28,3%) e doze meses (22,8%);


Em relação ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD), em três meses a prevalência foi de 29,6% e em doze meses de 20,2%;

Comparada à baseline, os familiares apresentaram maior número de sintomas relacionados à saúde mental, de forma significativa, em três e doze meses: Mental Composite Score positivo em 22,4% vs. 46,1% (p<0,001) e 22,4% vs. 38,3% (p<0,001), respectivamente.

Em relação ao retorno ao trabalho, um total de 104 familiares trabalhavam antes da admissão dos sobreviventes à UTI. Doze meses após a admissão na UTI, 29 familiares relataram problemas relacionados ao trabalho.

Fatores de risco associados ao impacto na saúde mental

Após análise multivariada, a presença de ansiedade e depressão, antes da admissão na UTI, foram fatores de risco associados de forma significativa com o desenvolvimento de sintomas relacionados à saúde mental pelos familiares, doze meses após admissão na UTI (p=0,002).

Conclusões dos autores

Até a publicação do presente estudo, não há na literatura outros estudos evidenciando desfechos em doze meses da saúde mental de familiares de pacientes sobreviventes à covid-19 grave.

A doença grave pela covid-19 impõe não somente sintomas a longo prazo para os pacientes sobreviventes, mas também para seus familiares. Após três e doze meses da admissão na UTI, a prevalência de sintomas relacionados à saúde mental em familiares de sobreviventes à covid-19 grave (internados em UTI) é significativamente maior quando comparado ao estado pré-UTI. Além disso, os familiares apresentaram redução na qualidade de vida e dificuldade no retorno ao trabalho.

Mensagens práticas

A síndrome pós-covid ou long covid apresenta um espectro variado de manifestações clínicas em pacientes sobreviventes à covid-19 grave. Maior número e variedade de sintomas têm sido documentada nos pacientes pós-doença grave;

O estudo em questão aponta que os familiares também sofrem impacto da doença grave que acomete o membro da família;

Chama atenção a maior prevalência de sintomas mentais nos familiares (ansiedade e depressão), com pico em três meses.

Em vários centros, houve restrição de visitas ou comunicação reduzida com os familiares por questões sanitárias relacionadas à pandemia.

Os achados acima podem ajudar a direcionar estratégias aos familiares (ex: melhora da comunicação, humanização do cuidado, flexibilização de visitas) no sentido de mitigar o impacto na saúde mental e devem ser de conhecimento das equipes e instituições.







Autor: Filipe Amado
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 24/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/o-impacto-na-saude-mental-dos-familiares-de-pacientes-com-covid-19-grave/

Semana de Combate ao Alcoolismo e Álcool: Cocaína e coração

Por conta do Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo e Drogas, traremos uma série de artigos sobre o tema. Abordaremos agora a cocaína e suas complicações cardiológicas.


No verão de 1884, parecia que uma nova era começava na medicina: com a aplicação de cocaína dissolvida em pó na córnea de um sapo, o nascimento da anestesia local foi declarado. Na mesma década, foi lançada o xarope de coca e cola, que se tornou símbolo da cultura dos EUA no século XX. Seu uso foi publicamente defendido de forma rotineira por diversos médicos, inclusive Dr Freud. O resultado é visto até os dias atuais: em 2006 havia mais de dois milhões de usuários de cocaína nos EUA, e, em 2020, de acordo com dados do CDC americano, de 90 mil mortes por overdose, 19447 foram por overdose de cocaína.


Alterações cardíacas

A cocaína causa diversos sintomas agudos, sendo o principal a angina, que ocorre em 57% dos casos que procuram o hospital. Também são comuns palpitação, hipertensão e arritmias e podem ocorrer danos cardíacos estruturais irreversíveis, como progressão de aterosclerose, aneurisma e dissecção de aorta, endocardite, doenças valvares, infarto do miocárdio e até insuficiência cardíaca (IC). Em estudo com 94 usuários de longa data, 71% tiveram alterações na ressonância cardíaca: aumento de volume diastólico final, redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) e direito e 30% apresentavam realce miocárdico tardio.

Sua ação predominante é a simpaticomimética, que bloqueia a ligação de norepinefrina e dopamina na pré sinapse de terminais adrenérgicos, possibilitando acúmulo de catecolaminas no receptor pós-sináptico. Logo, há estímulo simpático associado ao aumento de catecolaminas com consequentes aumento da frequência e contratilidade cardíacas, da pressão arterial e vasoconstrição, agregação plaquetária, formação de trombos e espasmo coronário, cuja ação combinada leva a redução da oferta de oxigênio.

Essa queda na oferta associada ao aumento de demanda gera isquemia e infarto do miocárdio. A cocaína estimula a liberação do potente vasoconstritor endotelina 1, além de inibir a síntese de óxido nítrico (que promoveria vasodilatação e efeitos opostos aos descritos previamente), gerando mais desbalanço e remodelamento vascular. Estudos mostram que usuários de cocaína tem risco sete vezes maior de infarto comparado a não usuários e o estudo CHOCHPA mostrou que 6% dos casos de angina em emergência eram resultantes do uso de cocaína. Além disso também parece haver relação com aneurismas de coronária, encontrados em 30,4% vs 7,6% em não usuários.

O efeito arrítmico parece estar relacionado ao bloqueio do transporte de sódio, com prolongamento do intervalo Qt e do QRS e disfunção sistólica. Já as alterações estruturais são ocasionadas por uso prolongado da droga e resultantes da hipertensão crônica e aumento da reatividade periférica, que ocasiona aumento compensatório da massa do VE. Em uma meta análise, o uso crônico de cocaína foi associado ao aumento de peso do coração e um estudo randomizado que comparou 20 usuários crônicos com indivíduos saudáveis mostrou aumento significativo da massa ventricular esquerda (18% com p=0.01). A cocaína pode ainda estar associada a redução do volume diastólico final do VE, por dano miocárdico direto ou disfunção de microcirculação.

Uso de beta-bloqueadores

Como já citado, a manifestação cardiovascular mais frequente é a angina, com possível ocorrência de infarto agudo do miocárdio, que é o que o emergencista mais vai encontrar em seu dia a dia. O tratamento destes pacientes tem algumas particularidades, principalmente em relação ao uso de beta bloqueadores.

Apesar de seu uso ser evitado pela maioria dos emergencistas, existe surpreendentemente pouquíssima evidência neste sentido. Esse cuidados vem de um estudo pequeno, com dez pacientes, que demonstrou vasoespasmo de coronária esquerda após 15 minutos de uso de cocaína intranasal e propranolol intracoronário. Esse foi o estudo que norteou a maioria das recomendações referentes a uso de beta-bloqueadores em intoxicações agudas e não há estudos grandes randomizados sobre o tema.

Um outro estudo pequeno de 2010, com 90 pacientes com síndrome coronária aguda que tinham exame de urina positivo para cocaína, comparou uso de labetalol ou diltiazem. Ambos os grupos tiveram redução dos níveis de pressão arterial em 48h, e após esse período os pacientes do grupo labetalol tiveram melhores parâmetros hemodinâmicos, mostrando que seu uso é seguro em quem fez uso de cocaína.

Metanálise de cinco estudos publicada em 2019 não mostrou diferença em relação ao risco de infarto (risco relativo {RR} 1.08, 95% intervalo de confiança {CI} 0.61-1.91) ou mortalidade geral (RR 0.75, 95% CI, 0.46-1.24) em pacientes com angina induzida por cocaína que usaram ou não betabloqueadores. Logo, betabloqueadores não foram associados com desfechos negativos em pacientes com dor torácica por cocaína.

Um estudo observacional com 2578 pacientes com IC, 503 tinham uso de cocaína como possível causa e carvedilol foi associado com melhores desfechos cardiovasculares e menor taxa de re-admissão por IC em 30 dias (34% vs 58% dos que não fizeram uso, com p=0.02). Logo, há benefício do carvedilol em pacientes com FE menor que 40%, mesmo que sejam usuários de cocaína.


Apesar desses novos estudos e de beta-bloqueadores terem benefício claro no tratamento de pacientes com infarto e IC, a American Heart Association e a American College of Cardiology recomendam contra o uso de betabloqueadores em intoxicações agudas devido ao risco de espasmo coronário, sendo preferível os bloqueadores de canal de cálcio com propriedades cronotrópicas e inotrópicas negativas (como verapamil e diltiazem).





Autor: Luiz Fernando Fonseca Vieira
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 24/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/semana-de-combate-ao-alcoolismo-e-alcool-cocaina-e-coracao/

Aprovada no Brasil primeira terapia gênica para combater câncer

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu nesta quarta-feira, 23/2, o primeiro registro sanitário para um produto de terapia gênica que utiliza células T para o combate ao câncer.

A primeira terapia do gênero, conhecida como CAR-T, disponível para amplo uso no Brasil é o tisagenlecleucel (Kymriah®), da empresa Novartis Biociências S.A, pertencente a uma nova geração de imunoterapias personalizadas contra o câncer, que se baseiam na coleta e na modificação genética de células sanguíneas imunes dos próprios pacientes. O objetivo “treinar” as próprias células do paciente para combater o carcinoma.

Um tratamento que utiliza essa mesma tecnologia está sendo desenvolvido pelos pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC-FAPESP-USP) do Hemocentro de Ribeirão Preto, ligado ao Hospital das Clínicas. Em 2019, o mineiro Vamberto Luiz de Castro, de 62 anos, diagnosticado com linfoma não Hodgkin de células B, foi o primeiro paciente a receber o tratamento no país.


A abordagem mostrou resultados promissores no paciente, que estava em estado terminal. No entanto, os médicos não conseguiram acompanhar a condição do aposentado a longo prazo, que veio a óbito dois meses após o tratamento, em decorrência de um acidente doméstico.

Indicação da terapia gênica

A indicação do tratamento é para pacientes pediátricos e adultos jovens (até 25 anos) com leucemia linfoblástica aguda (LLA) de células B, refratária ou a partir da segunda recidiva, além de pacientes adultos com linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) recidivado ou refratário, após duas ou mais linhas de terapia sistêmica.

A nova tecnologia já tinha sido aprovada em outros países, como os Estados Unidos, Japão e os da União Europeia.


“O produto baseado em células CAR-T é uma abordagem tecnológica pioneira para o tratamento que atende à necessidade não atendida de outros tratamentos em pacientes com câncer grave. É uma nova opção onde as alternativas são muito limitadas, com taxas de remissão e sobrevida promissoras em ensaios clínicos avaliados pela Anvisa”, disse a Anvisa em nota.

Veja mais: A evolução no tratamento da hemofilia: da analgesia com gelo à possibilidade de terapia gênica

Avaliação do produto

A terapia genética CAR-T Cell contra o câncer apresentou resultados positivos em uma análise de caso de dois pacientes, publicada recentemente pela revista Nature.

Os pesquisadores destacaram que esses dois casos demonstraram que a terapia ataca o câncer imediatamente, mas que também pode permanecer dentro do corpo por anos e manter a doença sob controle.

Para a aprovação do registro do produto foram incluídas medidas de responsabilização e controle, como capacitação dos profissionais de saúde envolvidos no manejo do produto, qualificação específica para quem irá manipular, administrar e monitorar o paciente e atenção dedicada ao paciente e familiares com orientações pós-uso do produto.






Autor: Úrsula Neves
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 25/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/aprovada-no-brasil-primeira-terapia-genica-para-combater-cancer/

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Estratégias comportamentais no tratamento da insônia e prevenção da depressão em idosos

 Entre os pacientes com mais de 60 anos, duas condições se destacam na prática clínica: a insônia e a depressão. A insônia é muito prevalente e pode chegar a acometer quase metade dessa população. A depressão também torna-se mais frequente neste grupo do que na população geral, embora nem sempre seja diagnosticada. Contudo, a presença de depressão em maiores de 60 anos pode implicar riscos significativos, como a presença de outras comorbidades e declínio cognitivo. Dados da literatura corroboram que a insônia pode contribuir para o surgimento ou recorrência de depressão nesta faixa etária.

Neste sentido, há duas formas de abordar a insônia: o tratamento não-farmacológico e o farmacológico. O uso de medicamentos pode implicar em efeitos indesejáveis, como o comprometimento das funções quando desperto; contribuir para a polifarmácia ou causar dependência. Por isso, as abordagens comportamentais podem ser colocadas como uma alternativa factível para o problema. Este é o tema do estudo Prevention of Incident and Recurrent Major Depression in Older Adults With Insomnia – A Randomized Clinical Trial, publicado em novembro de 2021 no JAMA Psychiatry. 


O estudo

Neste trabalho, os pesquisadores fizeram um ensaio clínico randomizado com a intenção de comparar duas abordagens comportamentais para a insônia: a terapia de educação do sono (SET, em inglês) e a terapia cognitivo-comportamental para a insônia (TCCi). A SET foca nos fatores ambientais e comportamentos que influenciam o sono (características de um sono saudável, biologia do sono, higiene do sono e biologia do estresse e impacto sobre o sono), sendo aqui utilizada como um comparador. Já a TCCi mistura técnicas de terapia cognitiva com higiene do sono, relaxamento, controle de estímulos e restrição do sono. A TCCi é considerada como a primeira linha de tratamento não-farmacológico. O objetivo primário é avaliar se o tratamento do transtorno do sono em pacientes com insônia com estas técnicas também poderia prevenir a incidência ou recorrência de transtorno depressivo. Já o objetivo secundário é avaliar a remissão sustentada da insônia. 

Para isto, foram recrutados 291 participantes maiores de 60 anos e com diagnóstico de insônia, selecionados em um único local (amostra comunitária), sendo 156 alocados para a TTCi e 135 para SET (distribuição 1:1 por meio de um sistema de randomização em blocos com sequência aleatória gerada por computador e realizada por um pesquisador independente). O recrutamento aconteceu entre julho de 2012 e abril de 2015, tendo a seleção ocorrido através de uma base de dados com números de telefone e endereços de famílias que contivessem pelo menos um idoso em uma região próxima ao local do estudo (UCLA), nos EUA. Os indivíduos recrutados deveriam preencher os critérios diagnósticos para insônia, mas não para depressão nos últimos 12 meses. A princípio, o período de seguimento seria de 24 meses, mas foi ampliado para 36 a fim de se obter desfechos suficientes para a análise, tendo se encerrado em julho de 2018. A SET foi realizada por um educador treinado em saúde pública, enquanto a TCCi foi desenvolvida por um psicólogo treinado.

Ao longo de dois meses foram feitas sessões semanais com duas horas de duração. Já durante o seguimento, foram realizadas entrevistas estruturadas baseadas no DSM-5 com frequência semestral. Além disso, foi aplicado o questionário PHQ-9 para depressão de forma mensal por telefone e, caso houvesse uma pontuação expressiva (maior ou igual a 10), uma entrevista extra seria realizada. 

No geral, a TCCi revelou-se benéfica na prevenção da incidência ou recorrência de depressão em pacientes com insônia, além de também ter contribuído para uma melhora sustentada do transtorno do sono. Nos pacientes que foram submetidos à TCCi, as taxas de recorrência ou incidência de depressão se mostraram semelhantes à da população geral e cerca de metade daquela encontrada no grupo que se submeteu à SET. Além disso, o uso de medicações sedativas e hipnóticas diminuiu no grupo submetido à TCCi em relação aos expostos à SET. Por sinal, isso parece corroborar que entre os pacientes com insônia, haveria um maior risco (até 2 vezes maior) de depressão. Outros fatores, como adesão, aceitação e expectativas em relação ao tratamento também foram considerados, mantendo esses resultados. Também não houve diferença significativa no que diz respeito aos participantes que descontinuaram o estudo. 

Estes achados são relevantes na área da medicina clínica e geriátrica, dada a preocupação relacionada a esses dois transtornos e a repercussão que causam numa proporção importante dessa população. Especula-se que como a insônia pode estar associada a outros desfechos e/ou comorbidades – como declínio cognitivo e ideação suicida – sua abordagem comportamental possa também trazer benefícios ainda maiores com um perfil menor ou diferenciado de efeitos adversos. Embora a administração digital da técnica (TCCi digital) apresente algumas características que poderiam reduzir o seu efeito, esta ainda poderia ser mais uma opção para ampliar seu acesso. 

Considerações 

Claro que este estudo deve ser interpretado num contexto, uma vez que foi realizado nos EUA e a maior parte da população da amostra era composta por indivíduos que se descreveram como brancos. Há que se considerar também que o gênero feminino pode se colocar como um fator de risco para depressão. Contudo, trata-se de um trabalho relevante e que ressalta o valor das medidas não-farmacológicas na abordagem da insônia em pacientes maiores de 60 anos e sua relação com a incidência ou recorrência de transtorno depressivo maior. Neste caso, a TCCi conseguiu prevenir os casos de depressão em mais de 50% quando comparados à SET. Os autores chegam a ressaltar que medidas como essa podem ter valor preventivo. 





Autor: Paula Benevenuto Hartmann
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 21/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/estrategias-comportamentais-no-tratamento-da-insonia-e-prevencao-da-depressao-em-idosos/

Eosinofilia pulmonar pode indicar aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA)

A aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) é uma doença caracterizada por exacerbação da resposta inflamatória T2 em indivíduos suscetíveis, principalmente em portadores de asma brônquica (AB) e fibrose cística (FC). A incidência varia de 2,5 até 22% em pacientes asmáticos, sobretudo naqueles com asma de difícil controle.

Vários critérios diagnósticos para ABPA têm sido propostos, como história de asma ou fibrose cística, opacidades pulmonares características incluindo dilatação central do brônquio, elevação dos níveis de imunoglobulina E (IgE) e reação de hipersensibilidade ao Aspergillus incluindo anticorpos IgE elevados contra Aspergillus fumigatus e/ou anticorpos IgG para Aspergillus. Entretanto, muitos critérios podem permanecer obscuros e atrasar o diagnóstico, incluindo a presença de pneumonia eosinofílica como diagnóstico inicial. O objetivo deste estudo foi destacar as diferenças entre pneumonia eosinofílica e a ABPA.


Doctor checking patients lung for coronavirus infection

Métodos

O estudo foi retrospectivo, em centro único, envolvendo 25 pacientes que preenchiam critérios para ABPA, entre eles a hipersensibilidade cutânea ou IgE específica para A. fumigatus. Foram utilizados dados coletados de prontuário e as imagens avaliadas por radiologistas experientes. Pacientes com eosinofilia periférica e achados de vidro fosco e consolidações na tomografia foram alocados no grupo pneumonia eosinofílica (PE), os demais ficaram no grupo não pneumonia eosinofílica (NPE), com achados clássicos de ABPA.

Resultados

A idade média foi de 65 anos e as mulheres foram a maioria (60%). Todos os pacientes apresentaram eosinofilia periférica (mediana, 1540 células/μl), nível elevado de IgE (mediana, 2802 UI/ ml) e reações positivas para IgE específica para Aspergillus (mediana, 20,7 UI/ml). Além disso, 64% dos pacientes tiveram reação positiva para anticorpos específicos para Aspergillus, representado principalmente por IgG. As características basais dos dois grupos não diferiam significativamente em relação à idade de início da ABPA, proporção de mulheres ou duração entre o início da asma e início de ABPA. Níveis de beta-D-glucano, um marcador para fungos, foi significativamente maior no grupo NPE (mediana, 11,7 pg/ml; IQR, 6,7-18,4 pg/ml) do que no grupo PE (mediana, 6,6 pg/ml; IQR, 5,2–9,3 pg/ml), mas não houve diferença significativa nas taxas de cultura positiva para fungos entre os grupos. A maioria dos pacientes do grupo PE recebeu corticosteroides (5/6, 83%) e apenas um paciente recebeu terapia antifúngica, enquanto a maioria dos pacientes do grupo NPE recebeu terapia antifúngica (16/19, 84%). As relações de eosinófilos periféricos com IgE específica para Aspergillus foram examinadas em ambos os grupos. O grupo PE não apresentou correlação significativa entre os dois (r = 0,49, p = 0,3188), possivelmente devido ao pequeno tamanho da amostra, enquanto o grupo NPE apresentou uma forte correlação positiva (r = 0,7878, p =0,0003).

Discussão

Vários estudos têm relatado uma relação entre achados de TCAR e marcadores imunológicos e prognósticos em pacientes com ABPA. A ABPA-S foi proposta por Patterson et al. em 1986, e definida como preenchendo os critérios diagnósticos para ABPA, mas sem evidência de bronquiectasias proximais. ABPA-S demonstra uma tendência de menores concentrações de IgE total e IgE específica para Aspergillus, e têm bons resultados em termos de não progressão para ABPA mais grave e manutenção de função pulmonar. No entanto, o grupo PE não apresentou concentrações séricas de IgE e IgE específicas anti Aspergillus mais baixas do que o grupo NPE; e os agrupamentos permaneceram inalterados após a progressão da doença. No estudo, o grupo PE apresentou uma tendência a uma correlação negativa entre eosinófilos periféricos e IgE específica para Aspergillus. Em contraste, o grupo NPE mostrou uma clara correlação entre esses dois valores.

 



Autor: Guilherme das Posses Bridi
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 21/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/eosinofilia-pulmonar-pode-indicar-aspergilose-broncopulmonar-alergica-abpa/

Semana de Combate ao Alcoolismo e Álcool: quando pensar em hepatite alcoólica?

Por conta do Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo e Drogas, traremos uma série de artigos sobre o tema. Abordaremos agora a hepatite alcoólica.

O álcool é uma substância psicoativa muito utilizada, sendo causa importante de mortalidade precoce e hepatopatia crônica. O dano hepático pelo etanol pode ser de forma direta, através de seus metabólitos tóxicos, e de forma imunomediada, pelo recrutamento de células inflamatórias e liberação de citocinas.

A história natural da doença hepática alcoólica compreende esteatose, esteatohepatite, cirrose hepática e carcinoma hepatocelular. Pacientes com esteatohepatite apresentam-se clinicamente com hepatite alcoólica (HA), entidade com amplo espectro clínico, que varia de formas oligo sintomáticas até insuficiência hepática.


O diagnóstico de confirmação é feito através de suspeita clínica e comprovação histopatológica. Contudo, na maioria das vezes, utilizamos os critérios de diagnóstico clínico de HA, devido aos riscos da biópsia hepática percutânea em pacientes ictéricos, com alargamento de TAP e, em muitas vezes, com ascite.

Trata-se de uma condição associada a gravidade e por vezes negligenciada. Vamos aqui discutir tópicos sobre diagnóstico, avaliação prognóstica e conduta nesses pacientes, com enfoque na prática clínica.

Prática clínica em caso de hepática alcoólica

Encontrei um alcoolista ictérico no plantão. O que é importante na história e exame físico?

Há quanto tempo esse paciente consome álcool? Qual a quantidade? Está abstinente? Houve intensificação do consumo recentemente?

Quando iniciou a icterícia? Existem sintomas associados (colúria, acolia, prurido, febre, dor abdominal?)

O paciente fez uso de drogas ou chás hepatotóxicos?

Há estigmas de hepatopatia crônica ao exame físico (telangiectasias, eritema palmar, circulação colateral…)?

Quais exames devo solicitar inicialmente?

Hemograma – pode apresentar com leucocitose importante, incluindo reação leucemoide;

Albumina, TAP e BT à BT > 3 é um dos critérios diagnósticos;

AST, ALT, FA, GGT à Atenção com relação AST/ALT >1,5

Ureia, creatinina, Na, K e Mg à Disfunção renal é a disfunção extra-hepática mais encontrada nos casos graves; O álcool depleta os estoques de magnésio.

Sorologias de Hepatites Virais

US de abdome à avaliar icterícia obstrutiva

Como fazer um diagnóstico clínico de hepatite alcoólica?

O paciente deve preencher os seguintes critérios:

Ingestão de álcool crônica ( > 40g/dia/mulheres e > 60 g/dia/homens), com última ingestão até 60 dias do início da icterícia;

Início de icterícia nas últimas 08 semanas;

AST > 50 U/L, AST/ALT >1,5 e ambos <400 U/L;

BT maior do que 3 mg/dl;

Ausência de fatores confundidores (icterícia obstrutiva; fatores de risco para hepatite isquêmica como HDA volumosa e hipotensão; uso de drogas ou ervas hepatotóxicas; hepatites virais agudas ou outras causas prováveis de hepatopatia);

Feito o diagnóstico – qual paciente se beneficia de internação e tratamento medicamentoso?

Através de escores prognósticos:

Índice de Função Discriminante de Maddrey (IFD):

Utiliza bilirribuna total e tempo de protrombina.

É o escore prognóstico mais clássico, adotado nos ensaios clínicos para corticoterapia.

Ponto de corte: valor maior ou igual a 32 indica gravidade e torna o paciente elegível a corticoterapia

Crítica: não leva em conta a Creatinina; superestima gravidade.

MELD/ MELD – NA:

Escore já utilizado na cirrose hepática, utiliza bilirrubina, INR, creatinina ± sódio.

Não foi adotado nos principais ensaios clínicos de tratamento.

Diferentes pontos de corte sugeridos na literatura: o mais utilizado é 21.

Um estudo multicêntrico recentemente publicado mostrou melhor acurácia em predizer mortalidade em 28 dias que o IFD.

Como tratar?

A base do tratamento deve ser oferecida a todos os casos, independente dos escores prognósticos e consiste em abstinência alcoólica e suporte nutricional (pelo menos 21,5 kcal/kg/dia) associado a prescrição de tiamina e complexo B.

Equipe multidisciplinar, suporte familiar e seguimento ambulatorial especializado são imprescindíveis.

Devemos nos atentar para síndrome de realimentação, pois muitos são desnutridos – Solicitar íons, incluindo fósforo.

Prednisolona 40 mg durante 28 dias é o corticoide de escolha em casos graves, porém a prednisona pode ser utilizada.

Deve ser utilizado em pacientes com IFD ≥ 32, na ausência de contraindicações (HDA, infecção não controlada, lesão renal aguda com creatinina ≥ 2,5). Quando possível, associar o escore MELD/MELD-NA para evitar futilidade no tratamento.

Na literatura, o tempo médio para início de corticoide é de 5 dias do diagnóstico, a fim de realizar adequado rastreio infeccioso, profilaxia de estrongiloidíase disseminada e observar a evolução clínica desse paciente.

A corticoterapia tem impacto na mortalidade em 28 dias.

Como estimar resposta ao tratamento diante dos riscos de uma terapia prolongada com corticoide?

Através do Lille Score no 7º dia, que utiliza idade, bilirrubina total, TAP, creatinina e albumina da admissão e bilirrubina total no D7. Valores ≥ 0,45 indicam suspensão do tratamento;

Estudos recentes mostram que o Lille Score de 4º dia tem boa correlação com o de 7º dia, mas ainda requer validação?

Meu paciente falhou ao corticoide, o que fazer?

A última diretriz da AASLD recomenda associação de acetilcisteína venosa, devido ao seu efeito antioxidante. Contudo, trata-se de droga pouco disponível;

Existem estudos em andamento com outras drogas, já em fase 3 com fatores estimuladores de colônia de granulócitos;

O STOPAH foi um trial que comparou a prednisona e pentoxifilina, concluindo que a última não teve benefício na HA.

Na ausência de disponibilidade de outras drogas, lembre-se que a abstinência alcoólica e a terapia de suporte são os principais pilares na evolução desses casos.

Mensagem prática sobre hepatite alcoolica

Assim como o alcoolismo, a hepatite alcoólica acaba por ser negligenciada. É necessário ter atenção na história, exame físico e investigação inicial para achados que sugiram alcoolismo crônico, como elevação de GGT, aumento de VCM e predomínio de AST sobre ALT.

Feito o diagnóstico, é necessário estratificar esse doente, para saber quais casos se beneficiam de corticoterapia. Contudo, não devemos esquecer de que a base do tratamento consiste na abstinência etílica.






Autor: Fernanda Costa Azevedo
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 21/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/semana-de-combate-ao-alcoolismo-e-alcool-quando-pensar-em-hepatite-alcoolica/

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Um olhar sobre a obra de Raul Pompeia: talento nas Letras e nas Artes

O escritor Raul Pompeia (1863-1895) costuma ser lembrado na história da literatura brasileira como o autor de O Ateneu, obra em que tece uma crítica de costumes à sociedade imperial e ao seu sistema educacional. O talento de Pompeia, contudo, ia bem além das Letras. Um minucioso estudo sobre o legado do autor desenvolvido pelo professor Gilberto Araújo de Vasconcelos Júnior, do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revela que ele também foi um importante ilustrador. “Ele foi o primeiro artista a atuar de modo constante tanto no desenho como na ficção. Na história da literatura do Brasil temos outros escritores que também foram caricaturistas, como Aluísio Azevedo e Araújo Porto-Alegre, mas não com a mesma constância da produção de Pompeia, que passou a vida toda produzindo imagens e textos. Ele se tornou um ilustrador das suas próprias obras, o que não era comum no século XIX”, disse Araújo, que recebe apoio da FAPERJ por meio do programa Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE).


 
De acordo com o pesquisador, a maneira como Pompeia concebia suas ilustrações não apenas reproduzia o que estava escrito. O desenho, para ele, era uma peça fundamental da composição. “Texto e ilustração criavam juntos os sentidos da obra. Todos os desenhos de O Ateneu foram feitos por ele mesmo”, contextualizou Araújo. O professor explicou que a primeira edição da obra, publicada em 1888, saiu sem ilustrações. Depois, de 1888 até 1894, Pompeia concebeu os desenhos, e entregou as ilustrações para Francisco Alves, um dos grandes editores do século 19 no Rio de Janeiro, que enviou o material para a impressão no parque gráfico de Paris, na França. Porém, depois de mergulhar na produção artística do autor garimpando diversos acervos, como o da Biblioteca Nacional, Araújo constatou que as ilustrações originais foram alteradas nesse processo. “Os desenhos originais foram alterados na França. Passaram inclusive tinta nanquim por cima das ilustrações, originalmente a lápis. Essa versão foi publicada em 1905, dez anos após a morte do autor. Minha pretensão é reeditar O Ateneu com os desenhos originais, apresentando essa faceta menos conhecida dos leitores em geral”, justificou.

Araújo se dedica ao estudo da obra de Raul Pompeia desde os tempos do seu mestrado, defendido na UFRJ em 2011, quando se debruçou sobre as Canções sem metro, livro póstumo do autor que reúne apenas poemas em prosa e que o pesquisador reeditou em 2013 para a Editora da Unicamp. “A obra de Pompeia é citada nos estudos de literatura brasileira, mas pouco explorada. Ele se tornou popularmente conhecido por ser o autor de um livro só, O Ateneu, mas a minha contribuição é mostrar que ele deixou uma produção extensa e multifacetada. Escritor, cronista, jornalista e ilustrador, foi ainda amigo de vários artistas plásticos no século XIX e crítico de Arte, apesar de sua morte precoce, por suicídio, aos 32 anos”, destacou.


Araújo destaca a vasta produção artística de Raul Pompeia

Incompreendido em seu tempo, ele foi um republicano convicto, abolicionista e ateu desde jovem. Nascido em Angra dos Reis, fez os primeiros estudos no Colégio Abilio, uma escola particular frequentada pela elite imperial, situada à rua Ipiranga, em Laranjeiras, e que foi a inspiração para O Ateneu. Depois concluiu seus estudos no Colégio Pedro II, onde teve problemas com alguns professores, e publicou aos 17 anos a novela abolicionista Uma tragédia no Amazonas. Em seguida, foi para a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde se tornou próximo do abolicionista Luís Gama e começou a atuar na imprensa com caricaturas. “Pouco se vê desse material iconográfico de Pompeia. Tenho o objetivo de localizar esses jornais e estudá-los pelo viés das relações entre textos e imagens”, concluiu. Após novas divergências políticas na faculdade, por ter se mantido mais próximo ao grupo republicano do Marechal Floriano Peixoto, Pompeia transferiu seus estudos de Direito para Recife, onde começou a escrever O Ateneu. Em 1888, já no Rio, publicou esta obra, inicialmente no periódico Gazeta de Notícias. Ele foi ainda diretor da Biblioteca Nacional, em 1894, e professor de Mitologia na Escola de Belas Artes (EBA). Na Academia Brasileira de Letras, foi patrono da Cadeira número 33.






Autor: Débora Motta
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 18/02/2022
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4413.2.4

Pesquisas integradas na Uerj monitoram população e hábitos de mamíferos da Mata Atlântica

Bioma que já ocupou mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados em 17 estados brasileiros, a Mata Atlântica tem hoje menos de 30% de sua área original restante. Debruçando-se principalmente ao longo da costa do País, é um dos biomas que mais sofre pressão devido à proximidade com os grandes centros urbanos e a consequente ocupação de suas áreas e atividades humanas. Responsável pela produção, regulação e abastecimento de água; sistematização e equilíbrio climáticos; proteção de encostas; fertilidade e proteção do solo; produção de alimentos, madeira, fibras, óleos e remédios; o bioma ainda é dotado de belíssimas paisagens, além de deter relevante patrimônio histórico e cultural.

“Pesquisas integradas com mamíferos na Mata Atlântica: estudos de caso com espécies endêmicas, ameaçadas e exóticas invasoras” é o título do projeto da bióloga Helena de Godoy Bergallo, professora do Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Em seu estudo sobre ecologia de comunidades, populações e história natural ela busca compreender os padrões de riqueza, composição, e abundância de espécies e ocupação do habitat pelos mamíferos nativos e exóticos, bem como suas interações com outros organismos como ectoparasitas e besouros rola-bostas em Unidades de Conservação (UCs) urbanas e rurais, por meio de pesquisas integradas.



Estimativas indicam que a Mata Atlântica abriga cerca de 20 mil espécies vegetais (35% das existentes no Brasil), incluindo espécies endêmicas (aquelas que estão restritas a apenas uma determinada área ou região geográfica) e ameaçadas de extinção; 850 espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis, 270 de mamíferos e 350 de peixes.

Helena esclarece que a fragmentação e a perda de habitat são uma das principais causas da extinção de espécies, pois modificam a conectividade da paisagem, reduzindo uma área contínua a fragmentos menores, inviabilizando a permanência de populações bióticas a longo prazo. A bióloga lembra que em alguns países a situação de determinadas espécies é tão crítica que só a adoção de medidas extremas pode salvá-las. Ela dá o exemplo da Austrália, onde a Conservação da Vida Selvagem precisou construir uma cerca com 44 km de extensão para evitar que espécies invasoras como gatos domésticos tenham acesso às espécies ameaçadas.

A fim de que o conhecimento científico possa ser utilizado para monitorar e manejar os ambientes, potencializando as estratégias e ações de conservação, a pesquisadora optou pelo uso da metodologia de amostragem RAPELD (Protocolos de Inventários Rápidos – RAP - em Pesquisas Ecológicas de Longa Duração - PELD), uma ferramenta que permite a realização de pesquisas integradas. Helena chegou a esse método em 2009, quando recebeu um pedido de ajuda do então Instituto Estadual de Florestas (IEF), hoje Instituto Estadual do Ambiente (Inea), para a elaboração do Plano de Manejo do Parque Estadual da Ilha Grande, localizado na baía de mesmo nome, ao sul do estado do Rio de Janeiro, onde a Uerj tem uma base de pesquisa, o Centro de Estudos Ambientais e de Desenvolvimento Sustentável (Ceads).

“Ao fazer o mapa dos locais onde os pesquisadores estavam desenvolvendo seus estudos, constatei que as ações estavam concentradas em apenas duas áreas, muito restritas às bordas da Unidade de Conservação, e pouco em seu interior”, diz a bióloga. Foi com auxílio do programa Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, que Helena instalou o Rapeld no Parque Estadual da Ilha Grande. O método estabelece módulos ou grades com parcelas a cada quilômetro, delimitando as áreas de estudo, abrindo e sinalizando trilhas, além de integrar pesquisas de diversos organismos da flora e da fauna, mas também de solos. Há também parcelas aquáticas e ripárias, para estudos de organismos mais associados a esses ambientes, e o tamanho dos módulos ou grades pode variar.


Exemplar de um Rato-de-espinho (Trinomys sp), um dos mamíferos encontrados no Parque Estadual da Ilha Grande.


A pesquisadora ressalta a vantagem de a metodologia ser modular, respeitando as peculiaridades das diversas áreas, mas observando sempre uma mesma escala, o que permite a comparação e estudos em todo o território nacional e no exterior. Segundo Helena, além das pesquisas serem desenvolvidas em uma mesma escala espacial, para que haja a integração necessária, os dados coletados precisam ser compartilhados. A disponibilização de dados é crucial não apenas para os pesquisadores, mas também para orientar os tomadores de decisão que, muitas vezes, precisam de acesso rápido as informações. Para suprir esta carência, o programa prevê ações de capacitação de pesquisadores, gestores e estudantes na infraestrutura Rapeld, e no gerenciamento de dados e metadados.

O método Rapeld está associado à Rede de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), programa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). A rede PPBio da Mata Atlântica (PPBioMA) é coordenada por Helena, que também atua como Coordenadora Científica do Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (Ceads), vinculado à Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj, e Conselheira da Uerj na Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) associado ao Inea.

A pesquisadora conta que na Amazônia, além de integrar as pesquisas, o Rapeld vem integrando a comunidade, que não só colabora com a coleta de dados como vem fortalecendo seus vínculos comunitários e o pertencimento. A metodologia está começando a ser implantada também no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, criado em 1998 e com área de 1.000 hectares distribuídos no Maciço do Mendanha, formado pelas serras do Mendanha, Gericinó e Madureira. O objetivo é integrar a pesquisa a demais unidades de conservação, como a Reserva Biológica do Tinguá, e a outras áreas de proteção ambiental da região, como a APA do Guandu, onde o grande desafio é a proximidade com a matriz urbana. O Rapeld também foi implantado na Reserva Natural da Vale, com 23 mil hectares mantidos pela mineradora no município de Linhares; e na vizinha Reserva Biológica de Sooretama, localizada entre os municípios de Sooretama e Linhares (ambos no Espírito Santo), cujo bloco florestal de 50.000 hectares é cortado pela BR 101.

As pesquisas vêm indicando que os principais responsáveis pelas mudanças em taxas de ocupação ou diminuição nas densidades dos mamíferos da Mata Atlântica são as ações antrópicas, o cão e o gato. As ações antrópicas vão desde a caça até a abertura de trilhas e estradas que impactam os mamíferos. A caça, apesar de proibida por Lei, continua sendo uma atividade frequente em áreas de conservação. “Quando entramos pela mata, com muita frequência encontramos vestígios de caça”, afirma a pesquisadora. Nossos estudos têm mostrado o impacto da caça em várias espécies de mamíferos como, por exemplo, tatus, antas e porcos, que têm maior probabilidade de ocupar áreas ou de serem detectados onde não há caça.

O cão, muitas vezes, acompanha o homem na caça e, em outras, é um predador porque faz parte do seu instinto. “Uma vez eu estava em uma das trilhas da Ilha Grande e um cachorro começou a me seguir. Não adiantava tentar espantá-lo. De repente ele sumiu e voltou depois com um tatu na boca”, conta Helena. Ela ressalta que as unidades de conservação são criadas para conservar nossa biodiversidade, mas a presença do cão e outras espécies invasoras afeta a forma como as espécies ocupam as áreas. “As espécies muitas vezes ficam espremidas na parte mais interna da reserva para evitar contato com os cães, que geralmente estão na borda. Além disso, o cão leva e traz doenças para espécies nativas”, explica a bióloga. Ela dá o exemplo de um estudo que sua equipe desenvolveu com os ectoparasitas de cães domésticos na Ilha Grande, no qual foram registradas três novas espécies de carrapatos, que na fase adulta são encontrados nos carnívoros, como o cão, mas em sua forma de larva e ninfa parasitam principalmente pequenos roedores. Isso indica que os cães estão entrando na floresta.

O gato doméstico, que também tem o hábito de caçar, costuma trazer a presa para mostrar ao seu dono, como se fosse um presente. A pesquisadora explica que uma das formas de engajar a comunidade nas pesquisas é pedir para que elas guardem as presas trazidas por seus gatos, como foi feito na comunidade do Abraão, na Ilha Grande. Com isso, alguns participantes da pesquisa se deram conta do impacto que os gatos domésticos causavam. “No cenário que projetamos, estimamos que para diminuir a quantidade de gatos na Vila do Abraão na Ilha Grande em 30 anos, precisaremos castrar ou remover 80% das fêmeas. Além disso, é crucial que os donos de cães e gatos tenham uma guarda responsável, castrem seus animais de estimação, os alimentem e não os deixem eles soltos”, explica a pesquisadora.


Nena Bergallo, como a pesquisadora é conhecida, explora o Parque Estadual do Desengano (Foto: Riva Leão)


O estudo dos mamíferos está sempre associado aos demais aspectos da Mata Atlântica, como, por exemplo, a presença e densidade de árvores exóticas, como a jaqueira, originária da Ásia. Por possuir frutos muito grandes e produzir muitas sementes, vão dominando a mata. Suas sementes envoltas a uma polpa carnuda atraem e favorecem o estabelecimento de roedores e marsupiais e o desaparecimento de outros. “Importante dispersor de sementes, o gambá, por exemplo, acaba por se acomodar nos arredores da jaqueira, deixando de lado seu importante trabalho de semeador”, exemplifica Helena.

As pesquisas com o besouro rola-bosta também têm sua importância. Animal que se alimenta de fezes de outros animais, o rola-bosta é considerado um engenheiro do ecossistema. Ao rolar e enterrar as fezes eles adubam a área e auxiliam na decomposição da matéria orgânica. Além disso, ao cavar buracos, aumentam a aeração do solo. O rola-bosta é considerado um bioindicador ambiental e por possuir estreita relação com os mamíferos, áreas com maiores riquezas de espécies de rola-bosta são também aquelas com maiores riquezas de mamíferos. Por isso o Laboratório de Ecologia de Mamíferos começou a trabalhar com esses coleópteros tão interessantes associados aos mamíferos.

Helena tem uma equipe composta por três pesquisadores de pós-doutorado, cada qual com seu perfil distinto, todos bolsistas da FAPERJ. Elizabete Captivo Lourenço está estudando a influência da saúde ambiental na saúde dos morcegos. Átilla Colombo Ferreguetti está avaliando os efeitos diretos e indiretos da fragmentação da Mata Atlântica nas comunidades de mamíferos de médio e grande porte ao longo do sudeste do Brasil. Já Luciana de Moraes Costa monitora os morcegos utilizando algumas técnicas, entre elas a bioacústica, que capta sons de animais, como dos morcegos insetívoros, que possuem importante papel no controle de insetos. Com a bioacústica a equipe identificou na Ilha Grande o Promops centralis, uma nova espécie de morcego para o estado do Rio de Janeiro. Compõem também a equipe cinco doutorandos, três mestrandos e uma técnica.





Autor: Paula Guatimosim
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 17/02/2022
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4418.2.1

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Futuro da Amazônia pode depender da restauração de áreas degradadas

Futuro da Amazônia pode depender da restauração de áreas degradadas

Restaurar 10% de áreas degradadas da Amazônia pode gerar receita de R$ 132 bilhões – Aproximadamente 2,6 bilhões de toneladas de CO2 podem ser retirados da atmosfera com a restauração otimizada

Por Amazônia 2030

A Amazônia pode salvar a própria Amazônia. Isso é o que aponta o estudo sobre a restauração de áreas prioritárias da floresta, desenvolvido pelos pesquisadores Bernardo Strassburg, Paulo Branco e Álvaro Iribarrem. A pesquisa mostra que, se apenas 10% da área degradada da Amazônia fosse restaurada de forma otimizada, uma receita de até R$ 132 bilhões poderia ser gerada. Abrindo a possibilidade de novos financiamentos com essa receita.

Isso ocorreria porque, com a restauração priorizada, cerca de 2,6 bilhões de toneladas de Co2 seriam retirados da atmosfera. “Se você comercializa esse potencial crédito de carbono vindo dessas áreas, por exemplo, você tem um cenário que é bom para muita coisa ao mesmo tempo. Ou seja: você gera receita a partir de carbono obtido com a restauração”, explica Strassburg, que é diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). Ele ainda argumenta que é possível usufruir desse dinheiro em benefício da própria floresta.

“A gente sabe que mais ou menos metade desse valor seria destinado aos fazendeiros por custo de restauração, para os locais e para quem faz essa restauração. Mas ainda sobra 50%, são R$ 66 bilhões. Esse valor poderia ser usado para investir em política pública, para financiar programas de desenvolvimento sustentável, para buscar caminhos mais sustentáveis para o desenvolvimento da própria Amazônia”, defende o pesquisador.

PRIORIDADES

A recuperação de áreas desmatadas e degradadas é uma prioridade para a superação de desafios globais, como a mitigação das mudanças do clima. No Brasil, a meta estabelecida através do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg, 2017) é de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa em todos os biomas brasileiros até 2030. Se considerarmos que a Amazônia Legal brasileira ocupa quase 60% do território nacional (IBGE, 2019), a recuperação florestal da região deve ser vista como uma questão, sobretudo, estratégica, tendo em vista as elevadas taxas de desmatamento e o alto potencial de regeneração natural do bioma.

Os resultados do estudo, entretanto, mostram que a restauração isolada, sem o planejamento de áreas prioritárias, pode ser uma escolha nada inteligente.

“Um estudo anterior ao nosso mostra que se restaurar 10% da Amazônia sem priorização, sem planejamento, o processo é muito menos eficiente. O custo é até 10 vezes mais efetivo se você seguir a priorização”, ressalta Strassburg. Ele ainda aponta que, se os gestores escolherem apenas pelo fator de custo, ou seja, por onde seria mais barato restaurar, ao invés de ir para fatores como clima ou biodiversidade, o resultado dessa restauração pode ser oito vezes menor. “Então, com o mesmo trabalho, ao invés de retirar 2,6 bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera, como se fôssemos pelas áreas prioritárias, conseguiríamos apenas 330 milhões de toneladas. Estamos falando da mesma área, ainda restaurando os 10% do que foi perdido, a mesma dimensão de esforço, mas em locais diferentes por conta da prioridade”, destaca o diretor do IIS.

CRITÉRIOS

Três critérios são utilizados para definir quais são as áreas prioritárias para recuperação florestal no Bioma Amazônia: 1. Conservação da biodiversidade, que visa a redução no risco de extinção das espécies ameaçadas e/ou endêmicas da Amazônia; 2. Mitigação de mudanças do clima, que busca otimizar o potencial de sequestro de carbono; 3. Retorno socioeconômico, que tem como objetivo desenvolver a restauração por meio de baixos custos e, ao mesmo tempo, aumentar a geração de emprego e renda na região. A ideia, então, é encontrar soluções balanceadas, simultaneamente, entre os três benefícios.

Nos casos de mudanças climáticas e potencial de retorno socioeconômico, as áreas prioritárias se concentram, em grande parte, no “arco do desmatamento” (região em que o desmatamento se concentra historicamente –território que vai do Oeste do Maranhão e sul do Pará, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre). Por outro lado, para a redução do risco de extinção de espécies, as áreas prioritárias estão concentradas mais ao Norte e nas margens do rio Amazonas. Isso acaba por evidenciar uma relação de “perde-e-ganha” entre os critérios utilizados e aponta a necessidade de um cenário multicritério, como o utilizado pela pesquisa, que leva em consideração todas essas relações juntas. Ao comparar os custos desse cenário com outros, ele se mostrou extremamente vantajoso, representando uma economia de aproximadamente R$ 43 bilhões por ano.

Além disso, a priorização ‘multicritério’ oferece subsídios para a tomada de decisão para definir por qual área começar a recuperação florestal. Como consequência, se torna de grande utilidade no processo de construção e aprimoramento de políticas públicas e também em processos de tomada de decisão no âmbito do poder público, do setor privado e da sociedade civil.

“O interessante desse estudo é que ele reforça, realça e quantifica o impacto gigantesco que a restauração pode trazer para esses desafios locais e globais quando feita de forma planejada. Além disso, a gente consegue quantificar e mapear e, a partir disso, atuar diretamente nas escolhas que os tomadores de decisão devem ter quando forem restaurar uma área. Isso porque a gente consegue quantificar os benefícios de cada área, ver qual, juntando os fatores, é mais benéfica de ser restaurada. Você mapear ajuda demais na tomada de decisão, porque mostra as prioridades e sai de algo genérico para algo concreto. Você passa a argumentar com dados”, defende Strassburg.

E QUAIS SÃO AS ÁREAS PRIORITÁRIAS?

Como resultado, a pesquisa conclui que há áreas prioritárias por toda a Amazônia. Algumas são mais importantes para a conservação da biodiversidade, clima, impacto social e, em alguns casos, são importantes para todos esses fatores juntos.



“Os resultados mostram que a restauração em regiões próximas a calha e foz do rio Amazonas, Bragantina no Pará e Colíder no Mato Grosso são de altíssima importância para a conservação da biodiversidade, enquanto que o Sudeste Paraense, Nordeste Mato-grossense e região de Ji-Paraná em Rondônia, tem alto potencial para sequestro de carbono”, destaca Strassburg, acrescentando que “tais regiões também seriam prioritárias para impactos socioeconômicos”.

Os mapas elaborados pela pesquisa também apontam por onde começar a implementação da recuperação, levando em conta os diferentes cenários descritos. É possível perceber, a partir da delimitação por estados, que há regiões de alta prioridade em toda a Amazônia.

“É interessante notar que todos os estados Amazônicos possuem regiões de altíssima prioridade para estes três critérios, reforçando a mensagem de que todos podem contribuir e se beneficiar de um programa de restauração em larga escala em áreas prioritárias”.


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/02/2022





Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 16/02/2022
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2022/02/16/futuro-da-amazonia-pode-depender-da-restauracao-de-areas-degradadas/

Eficácia de Unidades de Conservação e Parques Ambientais na proteção de dunas e restingas

Eficácia de Unidades de Conservação e Parques Ambientais na proteção de dunas e restingas, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

Os conflitos judiciais envolvendo ocupações de algumas feições geológicas e ecológicas de grande importância ambiental, como dunas, restingas, manguezais, veredas, várzeas, áreas úmidas, tem se multiplicado exponencialmente nos últimos anos, na mesma escala do crescimento de nossas cidades litorâneas e interiores.

A produção desses conflitos, como as enormes dificuldades em superá-los, explicam-se, como outros tipos de conflitos judiciais-ambientais brasileiros, na insistência, quase um cacoete, em se considerar o Código Florestal como único instrumento de proteção de ativos ambientais.


Acrescente-se como fator agravante o fato da elaboração de nosso Código Florestal e legislações decorrentes ter respondido muito mais a um empenho de acomodação de interesses do que a uma racionalidade fundamentada em sólidas, e por isso inquestionáveis, bases científicas.

Cumpre ainda destacar como fator contribuidor de inúmeras celeumas a inaceitável e absurda convivência legal (aceita por uns e rejeitada por muitos) entre as Resoluções CONAMA emitidas para detalhar e melhor explicitar conceitos e determinações do antigo Código Florestal de 1965, e o atual Código Florestal de 2012. Faz-se, no caso, urgente e imprescindível o definitivo cancelamento legal das antigas Resoluções e sua pronta substituição por outras objetivamente vinculadas ao novo Código.

Importante ainda destacar nesse cenário ambiental confuso e conflituoso o fato, hoje consensual entre todos que militam na área ambiental, do Código Florestal brasileiro ser totalmente inadequado para o regramento das questões ambientais próprias do singular espaço urbano e periurbano, uma vez que toda sua elaboração foi inspirada e pautada por uma problemática intrinsecamente rural.

Colabora muito também para a alimentação desses conflitos, ressalvadas não raras exceções, um certo despreparo científico e a pouca experiência apresentadas por profissionais atuantes na área pública e na área privada de consultoria e serviços ambientais para uma correta identificação em campo e para o entendimento da gênese, da dinâmica evolutiva e da diversidade tipológica das diversas feições geológicas, hidrogeológicas e geomorfológicas mais frequentemente polemizadas.

O fato concreto é que, especialmente para algumas singulares feições geológicas e ecológicas como as referidas (dunas, restingas, manguezais, veredas, várzeas, áreas úmidas) a burocrática aplicação do Código Florestal, no que se refere a delimitações genéricas de Áreas de Preservação Permanente (APPs), não tem se apresentado como alternativa sequer satisfatória para sua desejada proteção.

Muito mais eficiente no sentido da conservação e proteção dessas feições seria a delimitação de Unidades de Conservação (reguladas pela Lei nº 9.985, de 2000), sejam, em dependência de cada caso específico, Unidades de Conservação de Proteção Integral ou Unidades de Conservação de Uso Sustentável.

Tomemos o caso das dunas e restingas como um bom exemplo. Para espaços urbanos e periurbanos uma restrição de ocupação com caráter tão generalizante como determinam o Código Florestal e Resoluções associadas ultrapassadas, seja para o caso de restingas, seja para o caso de dunas, expressa um exagero conservacionista e uma falta de sintonia com a realidade brasileira, com isso tornando-se uma decisão equivocada e fadada ao insucesso prático que hoje se verifica. Considere-se ainda a generalizada confusão terminológica e conceitual que os citados documentos legais expressam sobre dunas e restingas, ora entendendo-as como feições geológicas e geomorfológicas, ora entendendo-as, como no caso das restingas, como feições botânicas típicas.

Vamos ao caso, tendo em conta ser o Brasil um país com imensa orla litorânea, 7.500 km, onde se concentra grande parte de suas maiores cidades e de sua população, e tendo as feições dunas e restingas presentes em vários trechos litorâneos de seus estados da frente atlântica, a simples e genérica proibição de ocupação de zonas de restingas e dunas tem conduzido a situações insustentáveis de conflitos envolvendo as naturais necessidades e pressões de desenvolvimento urbano.

No âmbito do objetivo de conservação ambiental de ecossistemas de dunas e restingas decisão mais inteligente e ambientalmente mais eficaz seria, como se tem constatado na prática, ao invés de se trabalhar com restrições genéricas definidas no Código Florestal e legislações congêneres, o que tem levado a considerar todas e quaisquer áreas de dunas e restingas como APPs, trabalhar com políticas públicas ambientais que conduzam à criação de grandes unidades de conservação/parques ambientais no interior dos quais seria terminantemente proibido qualquer tipo de ocupação humana. Esses parques abrangeriam zonas de restingas e dunas de grande interesse ambiental e cênico que ainda apresentam-se em estado natural ou com intervenção humana incipiente.

A grande extensão desses parques e o fato de contarem com planos de gestão institucionalizados constituem atributos fundamentais para a preservação dos processos naturais envolvidos na dinâmica evolutiva de dunas e restingas enquanto feições geológicas e ecológicas, a exemplo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no município de Quissamã – RJ, do Parque de Dunas de Salvador, no município de Salvador – BA, do Parque das Dunas de Natal, município de Natal – RN, do Parque Natural das Dunas da Sabiaguaba, município de Fortaleza – CE, entre outros.

As áreas de dunas e restingas externas a esses parques seriam liberadas à ocupação humana controlada, para a qual deveriam ser observados, devidamente explicitados em uma Carta Geotécnica, os cuidados pertinentes à sua reconhecida vulnerabilidade ambiental, com destaque à franca possibilidade de contaminação de aquíferos, e à instalação de processos erosivos.

Necessário também se faz impor restrições a terraplenagens extensas e o estabelecimento de uma cota topográfica mínima a ser respeitada, de tal forma a que as áreas de dunas ou restingas liberadas à ocupação continuem cumprindo sua importante função de proteção das zonas mais interiores contra a ação de ressacas e avanços marinhos.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Articulista do EcoDebate


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/02/2022






Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 16/02/2022
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2022/02/16/eficacia-de-unidades-de-conservacao-e-parques-ambientais-na-protecao-de-dunas-e-restingas/

Os EUA tiveram a menor taxa de crescimento demográfico de todos os temposOs EUA tiveram a menor taxa de crescimento demográfico de todos os tempos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves A pandemia da covid-19 aumentou as taxas de mortalidade e diminui as taxas de natalidade e a migração internacional dos Estados Unidos da América (EUA). Desta forma, a população dos EUA cresceu a uma taxa mais lenta em 2021 do que em qualquer outro ano desde a fundação da nação. Com base em censos decenais históricos e estimativas populacionais anuais do Census Bureau, as estimativas populacionais mostram que a população cresceu apenas 0,1% em 2021, conforme mostra a figura 1 abaixo. estimativas populacionais dos eua A taxa mais lenta de crescimento no século XX foi de 1918-1919 em meio à pandemia de influenza e à Primeira Guerra Mundial. O ano de 2021 é a primeira vez desde 1937 que a população dos EUA cresceu menos de um milhão de pessoas. Em decorrência da transição demográfica, o crescimento populacional mais lento tem sido uma tendência nos EUA há vários anos, resultado da diminuição da fecundidade e da migração internacional líquida, combinada com o aumento da mortalidade devido ao envelhecimento da população. Em outras palavras, desde meados de 2010, os nascimentos e a migração internacional líquida têm diminuído, ao mesmo tempo que as mortes aumentam. O impacto coletivo dessas tendências é o crescimento populacional mais lento. Essa tendência foi ampliada pela pandemia de COVID-19, resultando em um aumento populacional historicamente lento em 2021, conforme mostra a figura 2 abaixo. mudanças na população dos eua 2020 2021 O baixo crescimento demográfico atual é conjuntural, mas um decrescimento estrutural pode ocorrer na segunda metade do século XXI. De fato, cerca de 44% dos adultos abaixo de 50 anos e sem filhos dizem que não pretendem ter filhos, número superior a 37% em 2018. A queda da fecundidade é uma realidade, especialmente entre os países desenvolvidos. Para a maioria dos adultos que consideram improváveis terem filhos (56%), a razão para não ter filhos era bem simples: eles simplesmente não querem. O restante do grupo disse ter outros motivos para não ter filhos: 1) Razões médicas: 19%; 2) Razões financeiras: 17%; 3) Não tem parceiro: 15%; 4) Idade ou idade do parceiro: 10%; 5) Estado do mundo: 9%; 6) Razões ambientais: 5%; 7) Parceiro não quer filhos: 2%. Em audiência no dia 05/01/2022, o Papa Francisco lamentou que as famílias estejam substituindo filhos por animais domésticos. Seguindo a linha da encíclica Humanae Vitae, o papa voltou a criticar o chamado “inverno demográfico” e a “dramática queda na taxa de natalidade” registrada em muitos países ocidentais, convidando as pessoas a terem filhos, ou a adotá-los. Mas dificilmente os EUA e os principais países evitarão um decrescimento populacional na segunda metade do século XXI. A tabela 1, abaixo, mostra os 10 estados com maior crescimento demográfico em 2020-21. Em termos percentuais, o aumento foi maior em estados pequenos como Idaho, Utah e Montana. Estados grandes com Texas e Flórida tiveram crescimento em torno de 1%. eua 10 estados com maior crescimento demográfico em 2020 21 A tabela 2, abaixo, mostra os 10 estados com maior decrescimento demográfico em 2020-21. Em termos percentuais, o maior decrescimento (-2,9%) ocorreu no Distrito de Columbia. Entre os grandes Estados, a maior queda percentual (-1,6%) ocorreu me New York. A Califórnia, o estado mais populoso do país, apresentou decrescimento de -0,7% no ano. eua 10 estados com maior decrescimento demográfico em 2020 21 O menor crescimento demográfico dos EUA é uma boa notícia para o meio ambiente, pois o país possui um grande déficit ambiental, conforme mostra a figura abaixo. Em 1961 os EUA tinham uma biocapacidade de 942 milhões de hectares globais (gha) e uma pegada ecológica de 1,52 bilhão de gha. Ao longo das últimas décadas a situação se agravou e os EUA apresentaram biocapacidade de 1,1 bilhão de gha em 2017 e uma pegada ecológica de 2,6 bilhões de gha, com um déficit ambiental de 140%. pegada ecológica e biocapacidade eua 1961 2017 Os EUA são o segundo país mais poluidor do mundo e uma redução do crescimento demográfico é uma boa notícia para o meio ambiente. A China (o maior poluidor mundial) deve começar um grande declínio populacional na atual década e deve perder mais de 400 milhões de habitantes até 2100. Um decrescimento demográfico nestes dois países, evidentemente não resolve todos os problemas ambientais, mas ajuda bastante na perspectiva de redução da pegada ecológica. José Eustáquio Diniz Alves Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382 Referência: LUKE ROGERS. COVID-19, Declining Birth Rates and International Migration Resulted in Historically Small Population Gains, U.S. Census Bureau, DECEMBER 21, 2021 https://www.census.gov/library/stories/2021/12/us-population-grew-in-2021-slowest-rate-since-founding-of-the-nation.html in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/02/2022

Os EUA tiveram a menor taxa de crescimento demográfico de todos os tempos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A pandemia da covid-19 aumentou as taxas de mortalidade e diminui as taxas de natalidade e a migração internacional dos Estados Unidos da América (EUA).

Desta forma, a população dos EUA cresceu a uma taxa mais lenta em 2021 do que em qualquer outro ano desde a fundação da nação. Com base em censos decenais históricos e estimativas populacionais anuais do Census Bureau, as estimativas populacionais mostram que a população cresceu apenas 0,1% em 2021, conforme mostra a figura 1 abaixo.



A taxa mais lenta de crescimento no século XX foi de 1918-1919 em meio à pandemia de influenza e à Primeira Guerra Mundial. O ano de 2021 é a primeira vez desde 1937 que a população dos EUA cresceu menos de um milhão de pessoas.

Em decorrência da transição demográfica, o crescimento populacional mais lento tem sido uma tendência nos EUA há vários anos, resultado da diminuição da fecundidade e da migração internacional líquida, combinada com o aumento da mortalidade devido ao envelhecimento da população.

Em outras palavras, desde meados de 2010, os nascimentos e a migração internacional líquida têm diminuído, ao mesmo tempo que as mortes aumentam. O impacto coletivo dessas tendências é o crescimento populacional mais lento. Essa tendência foi ampliada pela pandemia de COVID-19, resultando em um aumento populacional historicamente lento em 2021, conforme mostra a figura 2 abaixo.



O baixo crescimento demográfico atual é conjuntural, mas um decrescimento estrutural pode ocorrer na segunda metade do século XXI. De fato, cerca de 44% dos adultos abaixo de 50 anos e sem filhos dizem que não pretendem ter filhos, número superior a 37% em 2018. A queda da fecundidade é uma realidade, especialmente entre os países desenvolvidos.

Para a maioria dos adultos que consideram improváveis terem filhos (56%), a razão para não ter filhos era bem simples: eles simplesmente não querem. O restante do grupo disse ter outros motivos para não ter filhos: 1) Razões médicas: 19%; 2) Razões financeiras: 17%; 3) Não tem parceiro: 15%; 4) Idade ou idade do parceiro: 10%; 5) Estado do mundo: 9%; 6) Razões ambientais: 5%; 7) Parceiro não quer filhos: 2%.

Em audiência no dia 05/01/2022, o Papa Francisco lamentou que as famílias estejam substituindo filhos por animais domésticos. Seguindo a linha da encíclica Humanae Vitae, o papa voltou a criticar o chamado “inverno demográfico” e a “dramática queda na taxa de natalidade” registrada em muitos países ocidentais, convidando as pessoas a terem filhos, ou a adotá-los. Mas dificilmente os EUA e os principais países evitarão um decrescimento populacional na segunda metade do século XXI.

A tabela 1, abaixo, mostra os 10 estados com maior crescimento demográfico em 2020-21. Em termos percentuais, o aumento foi maior em estados pequenos como Idaho, Utah e Montana. Estados grandes com Texas e Flórida tiveram crescimento em torno de 1%.



A tabela 2, abaixo, mostra os 10 estados com maior decrescimento demográfico em 2020-21. Em termos percentuais, o maior decrescimento (-2,9%) ocorreu no Distrito de Columbia. Entre os grandes Estados, a maior queda percentual (-1,6%) ocorreu me New York. A Califórnia, o estado mais populoso do país, apresentou decrescimento de -0,7% no ano.



O menor crescimento demográfico dos EUA é uma boa notícia para o meio ambiente, pois o país possui um grande déficit ambiental, conforme mostra a figura abaixo. Em 1961 os EUA tinham uma biocapacidade de 942 milhões de hectares globais (gha) e uma pegada ecológica de 1,52 bilhão de gha. Ao longo das últimas décadas a situação se agravou e os EUA apresentaram biocapacidade de 1,1 bilhão de gha em 2017 e uma pegada ecológica de 2,6 bilhões de gha, com um déficit ambiental de 140%.



Os EUA são o segundo país mais poluidor do mundo e uma redução do crescimento demográfico é uma boa notícia para o meio ambiente. A China (o maior poluidor mundial) deve começar um grande declínio populacional na atual década e deve perder mais de 400 milhões de habitantes até 2100. Um decrescimento demográfico nestes dois países, evidentemente não resolve todos os problemas ambientais, mas ajuda bastante na perspectiva de redução da pegada ecológica.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referência:
LUKE ROGERS. COVID-19, Declining Birth Rates and International Migration Resulted in Historically Small Population Gains, U.S. Census Bureau, DECEMBER 21, 2021
https://www.census.gov/library/stories/2021/12/us-population-grew-in-2021-slowest-rate-since-founding-of-the-nation.html

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/02/2022






Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 16/02/2022
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2022/02/16/os-eua-tiveram-a-menor-taxa-de-crescimento-demografico-de-todos-os-tempos/

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Lenvatinibe e pembrolizumabe para pacientes com câncer de endométrio avançado

A incidência de câncer de endométrio está aumentando em todo o mundo, principalmente nos países mais desenvolvidos. Aproximadamente 10 a 15% das pacientes com câncer de endométrio apresentam o estágio avançado da doença, com uma sobrevida em cinco anos de 17%, entre as pacientes com metástases à distância. Nenhum tratamento foi globalmente aceito como padrão ouro para o tratamento do câncer de endométrio. Sendo assim, trago um artigo para discussão que teve o objetivo de avaliar a eficácia do levantinibe e pembrolizumabe para pacientes com câncer de endométrio avançado.
 

GLOUCESTER, UNITED KINGDOM - Jan 06, 2020: Medication in the form of capsules/pills/tablets against a white background

O estudo

Os pesquisadores desenvolveram um estudo de fase 3, no qual designaram aleatoriamente, em uma proporção de 1:1, pacientes com câncer de endométrio que havia recebido anteriormente pelo menos um regime de quimioterapia à base de platina para receber lenvatinibe (20 mg, administrado por via oral uma vez diariamente) mais pembrolizumabe (200 mg, administrado por via intravenosa a cada três semanas) ou quimioterapia de escolha do médico assistente (doxorrubicina a 60 mg por metro quadrado de superfície corporal, administrado por via intravenosa a cada três semanas, ou paclitaxel a 80 mg por metro quadrado, administrado por via intravenosa semanalmente [com um ciclo de três semanas e uma semana de folga]).
Método

Um total de 827 pacientes foram aleatoriamente designadas para receber lenvatinib mais pembrolizumab (411 pacientes) ou quimioterapia (416 pacientes). A mediana sem progressão da sobrevida foi maior com lenvatinib mais pembrolizumab do que com quimioterapia (6,6 vs. 3,8 meses; taxa de risco para progressão ou morte, 0,60; intervalo de confiança de 95% [IC], 0,50 a 0,72; P<0,001; global: 7,2 vs. 3,8 meses; razão de risco, 0,56; 95% CI, 0,47 a 0,66; P<0,001). A sobrevida global mediana foi maior com lenvatinib mais pembrolizumab do que com quimioterapia (17,4 vs. 12,0 meses; razão de risco para óbito, 0,68; 95% CI, 0,56 a 0,84; P<0,001; geral: 18,3 vs. 11,4 meses; razão de risco, 0,62; 95% CI, 0,51 a 0,75; P<0,001).

Eventos adversos ocorreram em 88,9% das pacientes que receberam lenvatinib mais pembrolizumab e em 72,7% dos que receberam quimioterapia. Os eventos adversos mais comuns foram: hipertensão, hipotireoidismo, diarreia e náusea. A maioria das pacientes manteve o tratamento, porém com dose reduzida.




Considerações

O lenvatinibe mais pembrolizumabe levou a uma sobrevida livre de progressão da doença e sobrevida global significativamente mais longa do que a quimioterapia entre pacientes com câncer de endométrio avançado. Mesmo com maior número de eventos adversos, essa combinação se mostrou mais eficaz e segura para o tratamento de câncer de endométrio avançado.




Autor: Letícia Suzano Lelis Bellusci
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 14/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/lenvatinibe-e-pembrolizumabe-para-pacientes-com-cancer-de-endometrio-avancado/

Qual melhor tipo de fluido para o paciente grave: Plasma-Lyte ou soro fisiológico 0,9%?

Uma das intervenções mais comuns em pacientes graves é a fluidoterapia. Os fluidos fazem parte das prescrições como expansões volêmicas, terapia de manutenção ou diluições de drogas intravenosas. A escolha do fluido ideal é fonte de discussão constante na literatura. Globalmente, o soro fisiológico a 0,9% (SF0,9%) é um dos fluidos mais administrados em pacientes graves.

A associação do uso do soro fisiológico 0,9% com maior risco de injúria renal aguda e mortalidade, em algumas coortes, promoveu maior uso de soluções balanceadas, tais como: Ringer Lactato e Plasma-Lyte. No entanto, o real benefício das soluções balanceadas nos desfechos de pacientes da UTI ainda não está completamente elucidado.



As evidências anteriores: SALT-ED, SMART, SPLIT e BaSICS

Estudos como o SALT-ED e SMART, demonstraram que o uso de soluções balanceadas promoveu uma redução do “major adverse kidney events within 30 days” (MAKE30), que engloba morte, necessidade de diálise, ou disfunção renal persistente (aumento de creatinina acima de 2x o valor basal). No entanto, ambos estudos foram unicêntricos, realizados nos EUA. O estudo SPLIT, multicêntrico, realizado pela ANZICS (Australian and New Zealand Intensive Care Society), não encontrou nenhuma diferença na incidência de lesão renal aguda, independente da solução utilizada.

Por sua vez, no estudo BaSICS, estudo brasileiro envolvendo 11.000 pacientes, o uso de soluções balanceadas em comparação com soro fisiológico 0,9% não reduziu de forma significativa a mortalidade em 90 dias ou a incidência de lesão renal aguda. Tais achados diferem dos estudos prévios, como o SMART. Um dado relevante obtido pelo BaSICS foi o maior benefício do uso do SF 0,9% em pacientes vítimas de TCE. O estudo que vamos discutir abaixo não envolveu pacientes vítimas de TCE, logo a evidência do BaSICS sobre tal população é a melhor até o momento.
Sobre o Estudo PLUS (Plasma-Lyte 148 versus Saline)

Chegamos então ao estudo atual, foco da nossa análise. O estudo “Balanced Multielectrolyte Solution versus Saline in Critically Ill Adults”, também conhecido como PLUS Study, foi publicado em janeiro de 2022 no New England Journal of Medicine. O estudo multicêntrico, duplo-cego e randomizado foi coordenado pela ANZICS (Australian and New Zealand Intensive Care Society) e seguiu a mesma linha de hipótese do estudo BaSICS. O objetivo principal foi determinar se a mortalidade em 90 dias de pacientes graves seria menor com o uso da solução balanceada, Plasma-Lyte 148, do que com o uso da solução salina (soro fisiológico 0,9%).

Foram incluídos pacientes ≥ 18 anos admitidos em uma das 53 UTIs participantes do estudo, no período de Setembro de 2017 a Dezembro de 2020, que demandassem ressuscitação volêmica (conforme julgamento clínico) e que tivessem expectativa de > três dias de internação em UTI. Foram excluídos pacientes com risco iminente de óbito ou com expectativa de vida < 90 dias, além de pacientes vítimas de TCE. Até 90 dias após a randomização, os pacientes recebiam, para qualquer tipo de expansão ou terapia com cristalóides na UTI, o fluido específico do grupo em questão para o qual foi randomizado. Após a saída da UTI, o tipo de fluido a ser administrado não era mais determinado pelo estudo.

O desfecho primário foi mortalidade por qualquer causa dentro de 90 dias pós-randomização. Desfechos secundários incluíram, dentre outros: pico de creatinina dentro dos primeiros sete dias pós-randomização, maior aumento do nível de creatinina durante a internação em UTI, necessidade de início de terapia renal dialítica.
Resultados

Um total de 5037 pacientes foram randomizados, sendo 2515 pacientes destinados ao grupo Plasmalyte e 2522 para o grupo soro fisiológico 0,9%. As características do baseline de ambos os grupos foram similares. Em relação à administração de fluidos, 96,2% dos pacientes do grupo Plasmalyte e 95,9% do grupo SF 0,9% receberam o fluido indicado pelo trial.

Vamos agora acompanhar os principais achados do estudo:
  • Em relação ao desfecho primário: a mortalidade em 90 dias foi de 21,8% no grupo Plasmalyte e de 22% no grupo SF 0,9%. Não houve diferença estatisticamente significativa (IC 95% -3,6 a 3,3; p=0,9) 
  • Análises secundárias foram realizadas, envolvendo ajustes quanto a fatores de risco, no entanto, os resultados foram mantidos. Não houve diferença de forma significativa em sobrevida.
  • pH arterial foi significativamente menor no grupo SF 0,9% e os níveis de cloreto foram maiores em relação ao grupo Plasmalyte;
  • O nível de creatinina não diferiu entre os grupos: nem mesmo em relação ao valor de pico ou máximo aumento apresentado; 
  • Não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao número de pacientes que receberam nova terapia renal dialítica: 12,7% no grupo Plasmalyte e 12,9% no grupo soro fisiológico 0,9% (IC 95%, -2,96 a 2,56).

Discussão

Quando comparado aos estudos anteriores, a análise do estudo PLUS levou em conta maior quantidade de volume administrado e por tempo mais prolongado. Além disso, foi possível observar a diferença de pH e cloreto entre os dois grupos, de forma significativa. Tais fatores são fisiologicamente imputados como desvantagens do SF 0,9%. Mesmo diante desse cenário, os resultados foram consistentes com os resultados do BaSICS, que também não evidenciou superioridade do uso da solução balanceada em relação ao SF 0,9%.

Os resultados do estudo atual foram diferentes em relação ao SMART, que evidenciou piora de eventos renais, como já explicitado acima, nos pacientes que usaram SF 0,9%. No estudo PLUS, não houve diferença nos níveis de creatinina, nem no máximo aumento do seu valor, nem mesmo no início de terapia renal dialítica entre os grupos.

Mensagens práticas

 
  • O estudo, que comparou o uso de Plasmalyte e SF 0,9% em pacientes graves internados em UTI, não evidenciou diferença estatisticamente significativa na mortalidade ou no risco de injúria renal; 
  • A escolha do fluido ideal ainda gera debate e deve levar em conta fatores individuais, relacionados ao custo, disponibilidade e compatibilidade com outras drogas; 
  • Meta-análise com os dados dos recentes trials sobre o assunto foi realizada e traremos uma análise específica no Portal. 





Autor: Filipe Amado
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 14/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/qual-melhor-tipo-de-fluido-para-o-paciente-grave-plasma-lyte-ou-soro-fisiologico-09/

Como manejar o trauma crânio-encefálico (TCE) em lugares com poucos recursos?

O traumatismo crânio-encefálico (TCE) consiste hoje em um grave problema de saúde pública que afeta sobretudo os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, onde a frouxidão das leis e a falta de educação primária figuram como principais agentes catalisadores do elevado número de eventos traumáticos associados ao tráfego, com gigantesco impacto sobre a qualidade de vida dos afetados e sobre os gastos públicos com as vítimas diretas e indiretas¹.

Dentro desse contexto de poucos recursos, alta incidência e baixo acesso à saúde de qualidade, ter estratégias para o manejo desse perfil de pacientes neurocríticos em unidades sem recursos avançados é interessante e pode fazer a diferença na prática clínica².


Avaliação neurológica seriada

O exame neurológico sempre foi e sempre será o principal aliado na avaliação e seguimento dos pacientes neurocríticos em geral. A escala de coma de Glasgow ainda é a mais utilizada, apesar de algumas limitações, por ter uma alta taxa de compatibilidade inter-examinadores e por ter boa predição de prognóstico³. O brain trauma foundation considera como TCE grave os pacientes com Glasgow menor ou igual a 8 e serve inclusive como um dos indicadores para colocação de pressão intracraniana invasiva. Outras escalas como a FOUR (Full Outline of Unresponsiveness) agregam outros dados, mas ainda não são amplamente utilizadas por não serem tão conhecidas. Independente da escala, uma avaliação neurológica completa deve incluir no chamado neurocheck 2\2h:

  • Escala de coma de Glasgow
  • Motricidade e sensibilidade nos quatro segmentos
  • Exame das pupilas
  • Reflexos de tronco cerebral
Nos pacientes sedados esses parâmetros perdem a acurácia, mas os reflexos de tronco costumam estar preservados. Alterações no neurocheck devem ser imediatamente avaliadas e consideradas como demanda para novo exame de imagem.
Avaliação por imagem

O uso da tomografia de crânio sem contraste é fundamental no diagnóstico e seguimento de lesões intracranianas nesse perfil de pacientes. Idealmente, uma tomografia deve ser obtida dentro das primeiras quatro horas do trauma e repetida nas 24h e 72h subsequentes, ou se houver mudança no exame neurológico em qualquer tempo. A tomografia permite avaliar a presença de lesões com efeito de massa que podem ser evacuadas, dar uma noção evolutiva do quadro e permitir ainda uma avaliação de prognóstico, sobretudo através da escala de Marshall, a mais utilizada por neurointensivistas e neurocirurgiões na tomada de decisões e avaliação de prognóstico dos casos.

Um estudo recente publicado, que tomou por definição de hipertensão intracraniana (HIC) uma PIC > 22 mmHg por mais de 10 minutos, conseguiu discriminar com sensibilidade de 93.6% e especificidade de 42.3% a presença de HIC com uso de critérios simples na tomografia. A presença de HIC é feita quando há um critério maior ou dois menores. Ou seja, a monitorização da PIC deve ser um complemento ao exame neurológico e de imagem, não um substituto.


Avaliação tomográfica para afastar hipertensão intracraniana 
Critérios maiores Critérios menores 
Compressão de cisternas basaisGlasgow motor <=4 
Desvio de linha média > 5 mmAnisocoria
Lesão com efeito de massa não evacuadaFoto-reatividade pupilar anormal
Escore de Marshall tipo III

Outros métodos como o doppler transcraniano, diâmetro da bainha do nervo óptico e pupilometria ainda passam por validação adequada.
Os cuidados neurointensivos

O cerne dos cuidados neurointensivos gira em torno da PIC, apesar de evidências cada vez mais crescentes mostrarem que esse não é o melhor caminho. Um grande estudo randomizado (BEST-TRIP 7) não mostrou diferenças entre desfechos clínicos e mortalidade nos grupos com ou sem monitorização por PIC.

Em um cenário onde dispositivos como microdiálise cerebral, pletismografia de O2 ou mesmo a PIC não são factíveis, fazer um bom “feijão com arroz” de suporte é o mais importante. Precisamos lembrar que nosso objetivo do cuidado é evitar a lesão secundária. Em suma, num cenário de poucos recursos, a proposta deve ser de implementar todas as medidas para neuroproteção e ficar atento aos sinais de HIC para abordagem quando indicado, ou seja, garantir estabilização hemodinâmica e ventilatória precoces, mantendo homeostase adequada e manejando a HIC quando presente. As principais metas de neuroproteção estão sumarizadas abaixo:

Metas de estabilização para neuroproteção

Temperatura central

Entre 36 a 37.5ºC

Status volêmico

Euvolemia guiada por métodos dinâmicos

Natremia

Na entre 140 a 150 mEq\L

Hemoglobina

Hemoglobina entre 7 a 10 g\dL

Glicemia

Glicemia entre 110 a 180 mg\dL

Oxigenação

SaO2 > 92 e 98% e PaO2 entre 70 a 100 mmHg

Normocapnia

PaCO2 entre 35 a 40 mmHg

Pressão arterial sistólica

Entre 110 e 140 mmHg

Pressão arterial média

Entre 60 e 80 mmHg

Pressão de perfusão cerebral

Entre 65 e 75 mmHg

Metabolismo e consumo de O2 cerebral

Sedação por pelo menos 48h com PIC estável

 

Pressão intracraniana

Abaixo de 22 mmHg

Soluções volêmicas usadas

Evitar hipotônicas (Balanceadas e glicosado)

Anticonvulsivante profilático (por sete dias)

Pacientes com crise convulsiva ou que tenham risco elevado como fraturas com afundamento, lesões penetrantes de crânio, contusões cerebrais ou hematomas extra-axiais

Medidas gerais

Cabeceira centralizada e elevada a 30º


O manejo da hipertensão intracraniana

Uma vez que todas as medidas acima tenham sido tomadas e seguidas com rigor, o seu paciente ainda assim pode evoluir com hipertensão intracraniana sintomática e demandará de medidas para resolução do quadro. A primeira medida a ser tomada é sempre complementar com um exame de imagem por tomografia simples, visando afastar complicações que possam demandar de abordagem cirúrgica emergencial. Quando não há conduta cirúrgica a ser tomada de imediato, as coisas ficam mais difíceis.

Diversos protocolos e guidelines foram desenvolvidos e publicados, todos tratando a HIC de forma escalonada ou por linhas de tratamento que vão desde a sedação plena até à craniectomia descompressiva, que vem sendo muito questionada após os resultados do RESCUE-ICP 8. Podemos entrar em uma longa discussão sobre os métodos como a terapia hiperosmolar ou hipocapnia de resgate, porém o mais importante é saber que todas elas são apenas pontes para uma conduta definitiva, seja ela qual for. Todas essas propostas de tratamento não são inócuas e possuem graves complicações quando usadas em excesso ou por tempo prolongado.

Um protocolo interessante que tem boa aplicabilidade no cenário de poucos recursos consiste do CREVICE 9, com uma interessante abordagem escalada para tratamento de HIC. Esse mesmo grupo, resolveu unir os participantes da América Latina e publicar um guideline específico para cenário de poucos recursos, dando uma interessante visão de abordagem para cenários do tipo 10.

Conclusão

O manejo do TCE grave em cenário de poucos recursos é desafiador e pode ainda ser assustador quando pensamos na indisponibilidade de monitorização por PIC, porém temos evidências crescendo sobre o baixo impacto que métodos de monitorização isolados têm sobre os desfechos. Não adianta instalar um cateter de PIC se eu não mantenho o meu paciente euvolêmico, euglicêmico, com boa natremia…. Ou seja, mais importante do que métodos avançados de monitorização é dispor de um bom suporte de neuroproteção e uma tomografia simples de crânio, onde boas condutas e decisões podem ser tomadas independente do serviço em que esteja. O uso de protocolos de manejo da HIC como o CREVICE adaptado ao cenário de poucos recursos pode ser bastante útil no dia a dia de intensivistas e emergencistas e merecem serem lidos.








Autor: Hiago Bastos
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 14/02/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/como-manejar-o-trauma-cranio-encefalico-tce-em-lugares-com-poucos-recursos/