quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Avaliação do cálcio coronário ou escores de risco para predição de eventos cardiovasculares e indicação de estatina?

Atualmente, a indicação de estatinas para prevenção primária de eventos cardiovasculares é baseada na estimativa do risco de eventos em dez anos. Essa estimativa é feita por meio de escores de risco, sendo o recomendado pelas diretrizes americanas o Pooled Cohort Equations (PCE). Algumas limitações da sua utilização são o grande peso da idade no cálculo do risco, sua natureza probabilística, ou seja, ela calcula a probabilidade de uma pessoa com determinadas características ter um evento em dez anos e não o risco daquele indivíduo específico, e a não utilização de novos marcadores de risco

A quantidade de cálcio nas coronárias se correlaciona com a carga aterosclerótica e é altamente preditiva de risco de evento cardiovascular futuro. O escore de cálcio coronário vem sendo utilizado há mais de 20 anos, emite pouca radiação, não tem custo alto e é muito útil em reclassificação de risco, sendo que até 50% dos pacientes com score de Framingham de risco intermediário são reclassificados para maior ou menor risco, com melhor seleção de quem se beneficia de tratamento com estatinas. Além disso, o impacto visual da placa parece melhorar a aderência do paciente ao tratamento.



Estudo

Atualmente, os guidelines não recomendam sua realização de rotina e sim como um auxiliar em pacientes selecionados, já que não há estudos randomizados que compararam escore de cálcio e PCE. Sendo assim, é necessário um estudo para avaliar se o escore de cálcio é melhor na indicação de estatinas e se isto estaria associado a melhor eficiência da prevenção primária (com desfechos iguais ou melhores) em comparação ao PCE. Foi feito então um estudo inicial, para avaliar a viabilidade de um estudo maior.

Os objetivos foram avaliar se seria possível conseguir pacientes elegíveis em número suficiente por um sistema de saúde local, se haveria diferença quanto a recomendação de estatina e aderência dos pacientes no grupo avaliado com escore de cálcio em comparação ao avaliado pelo PCE, e se haveria possibilidade de desfechos diferentes entre os grupos em um ensaio clínico maior.
Método do estudo e população envolvida

Foi um ensaio clínico randomizado de curta duração e de tamanho moderado. Os critérios de inclusão eram pacientes de 50 a 85 anos em prevenção primária e os de exclusão eram presença de doença coronária, cerebrovascular, doença arterial periférica, diabetes, uso prévio de estatina ou expectativa de vida menor que dois anos.

De 18.345 pacientes elegíveis, foram convidados a participar do estudo, 4.013. Entre 2018 e 2019, 601 pacientes responderam ao convite do estudo e foram randomizados em uma razão 1:1 para os grupos PCE (299 pacientes) e escore de cálcio (302 pacientes), sendo que 259 pacientes do grupo PCE e 281 do grupo escore de cálcio completaram todas as avaliações necessárias. Todos realizaram dosagem de perfil lipídico no início do estudo e foram seguidos por pelo menos um ano.

O grupo PCE recebeu estatina baseado nas recomendações das diretrizes da AHA/ACC de prevenção primária. O grupo escore de cálcio seguiu a recomendação a seguir: estatina de alta potência era indicada para todos os pacientes com LDL maior que 190mg/dL ou com escore de cálcio > 100, pacientes com score de cálcio 0 não recebiam estatina e os que tinham escore entre 1 e 100 recebiam estatina baseada no PCE.

Resultados

Os dois grupos eram semelhantes entre si. Em relação ao escore de cálcio, entre os pacientes com LDL < 190mg/dL, 139 (49,8%) tinham escore 0, 100 (35,9%) entre 1 e 100 e 40 (14,3%) maior que 100. Em relação ao PCE, 129 (51,8%) tinham escore de risco calculado menor que 5%, 50 (20,1%) entre 5 e 7,5% e 70 (28,1%) maior ou igual a 7,5%.

No geral, 41,7% tinham recomendação de iniciar estatina, sendo esta recomendação menos frequente no grupo escore de cálcio comparado ao PCE (35,9% x 47,9%, p = 0,005). A maior parte das estatinas no grupo escore de cálcio foram de alta potência.

Mais de um terço dos pacientes com escore de cálcio 0 tinham risco estimado pelo PCE maior ou igual a 5% e a mudança da recomendação de estatina com base neste exame foi frequente, sendo indicada em 35,5% dos pacientes avaliados com escore de cálcio. Caso esses pacientes tivessem sido avaliados apenas pelo PCE, 49,5% deles teriam indicação de estatina.

O escore de cálcio mudou a recomendação de tratamento em 20,6% dos pacientes avaliados com base no PCE, sendo a maior parte para o não uso das estatinas. Homens foram mais reclassificados para o não tratamento que as mulheres.

Além disso, a aderência referida pelos pacientes ao uso de estatina foi de 62,2% e 42,2% em três meses (p = 0,009) e 63,3% e 45,6% em um ano (p=0,03) nos grupos escore de cálcio e PCE respectivamente.

No seguimento de um ano, ocorreram apenas dois eventos, um AVC por dissecção de carótida e uma doença aterosclerótica obstrutiva com necessidade de angioplastia.

O custo resultante da realização de tomografia com escore de cálcio foi superado pelo custo do tratamento com estatinas, maior no grupo PCE (48% x 36%). Além do custo da medicação, há o custo de exames complementares para avaliação da resposta ao tratamento e das consultas médicas. Ou seja, o escore de cálcio é custo efetivo em relação ao PCE.

Uma limitação importante do método são as placas lipídicas não calcificadas, que tem maior chance de ruptura e não são detectadas na avaliação do escore de cálcio. Porém, esse exame ainda parece ter mais benefícios que os escores de risco calculados.

Conclusão

Esse estudo, o primeiro ensaio clínico randomizado que comparou um algoritmo de decisão baseado em escore de cálcio comparado a um algoritmo baseado no escore de risco PCE para decisão de iniciar estatina em pacientes em prevenção primária, mostrou que a realização de um ensaio clínico maior é viável.

A reclassificação de risco ocorreu em 58% dos pacientes com risco intermediário, tanto para baixo quanto para alto risco. O escore de cálcio levou a menos recomendações de estatina e melhor aderência ao tratamento em um ano de seguimento, selecionado quem realmente parece ter benefício do tratamento medicamentoso e incentivando o paciente a fazer uso da medicação.

A ocorrência de eventos em um ano foi muito baixa, não sendo possível avaliar se há diferença de eventos entre os grupos, sendo que esse também é um dos objetivos de um estudo maior já em andamento.







Autor: Isabela Abud Manta

Nenhum comentário:

Postar um comentário