As consequências do hipoparatireoidismo estão intimamente relacionadas aos níveis de cálcio, ao produto cálcio x fósforo sérico, à deposição tecidual de fósforo e à hipercalciúria, uma vez que o PTH aumenta a reabsorção renal de cálcio e em sua ausência existe uma tendência à perda renal de cálcio. As repercussões clínicas a curto prazo incluem a crise hipocalcêmica e sintomas associados a hipocalcemias mais leves, como parestesias, cansaço e fraqueza. Já a longo prazo, há maior risco de catarata subcapsular, nefrocalcinose e perda de função renal, cálculos renais e calcificação de núcleos da base.
E a gestação?
Durante a gestação é sabido que existe naturalmente um aumento na produção renal de calcitriol e também do PTHrp, sobretudo no terceiro trimestre, produzido pela placenta e pelos seios. Porém, por se tratar de uma doença menos prevalente, o maior nível de evidência até hoje sobre o assunto se baseava em séries de casos, considerando o manejo de acordo com as bases fisiológicas, porém as consequências e riscos associados ao hipoparatireoidismo durante a gestação eram desconhecidos.
Pensando justamente em conhecer os riscos do hipoparatireodismo na gestação, foi publicado na edição deste mês do Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism (JCEM) um estudo retrospectivo que avaliou o assunto em uma coorte pareada na Suécia (onde os dados de prontuários e registros são excepcionais).
O estudo
O estudo foi retrospectivo, com o objetivo de avaliar o impacto do HP em diversos desfechos gestacionais, maternos e fetais. Foram incluídas ao final 139 gestações de participantes com hipoparatireoidismo já diagnosticado havia pelo menos um ano e 1.577 controles (gestações sem hipoparatireoidismo). O período selecionado foi entre 1997 e 2017 (antes de 1997 não havia um CID definido para o diagnóstico de hipopara). Foram excluídos gemelares pelo risco de maior complicações e também participantes que tinham diagnóstico de doença renal crônica (DRC) mais de um ano antes do diagnóstico de hipoparatireoidismo.
Desfechos
A média de idade ao diagnóstico do hipoparatireoidismo das participantes foi de 26,9 anos. 76,4% tinham HP pós cirúrgico. A média de idade durante a gestação era de 31,7 anos em ambos os grupos. Como o banco de dados da Suécia permite avaliar quantas mulheres tinham diagnóstico de HP na população geral, foi possível observar que no período do estudo 6,4% delas tiveram gestações com filhos nascidos vivos comparado a 6,8% nas mulheres em geral, sugerindo que provavelmente o HP não interfere em fertilidade (esta análise não foi submetida a estatística por não ser o objetivo do trabalho). Houve uma maior incidência de alterações glicêmicas no grupo HP (DM1, DM2 e DMG – 2,9% no grupo HP vs 0,8% no grupo geral, p = 0,043) e de DRC (3,6% vs 0,5%, p < 0,001). Portanto, os desfechos gestacionais foram controlados para estas variáveis e também para o uso de levotiroxina.
Quanto aos desfechos gestacionais, boa notícia para as gestantes com hipoparatireoidismo: não houve diferença quanto ao número de nascidos vivos (p = 0,518) ou chance de prematuridade (p = 0,119).
Houve foi maior chance de necessidade de indução do parto (OR 1,82; 1,13 – 2,94, IC95%), que deixou de ser significativo quando controlado para o uso de levotiroxina. Não houve maior necessidade de cesáreas ou hemorragia pós-parto.
A única diferença foi que os filhos de mães com hipoparatireoidismo nasceram com um peso menor (média 3329 g vs 3506 g – OR, – 188g; IC 95%, – 312,2 a – 63,8), com uma redução média de apenas 89 g. Apesar de alcançar significância estatística, é um dado pouco relevante na prática, uma vez que não houve diferença em fetos PIG.
Primeiro estudo populacional no assunto, mas…
A crítica que os próprios autores levantam neste estudo é que a base de dados não contemplava dados laboratoriais ou dose utilizada das medicações. Portanto, é difícil concluir sobre o controle do HP. Ainda, as informações obtidas dizem respeito à gestação em si mas não se sabe sobre as repercussões a longo prazo. É sabido também por séries de casos anteriores que o hipoparatireoidismo mal controlado durante a gestação pode se associar a desfechos fetais. Quando existe hipocalcemia sustentada, os principais riscos ao desenvolvimento fetal são o hiperparatireoidismo secundário, problemas na mineralização óssea e fraturas intraútero. Já o sobretratamento (hipercalcemia materna) pode levar a um hipoparatireoidismo transitório no recém nascido e risco de hipocalcemia neonatal. Felizmente nesse estudo nenhum desses desfechos foram observados, o que pode indicar um bom controle da doença no grupo analisado.
Conclusões
Esse estudo traz luz sobre os desfechos do hipoparatireoidismo na gestação, sobretudo numa população provavelmente bem controlada. Bom lembrar que os desfechos a longo prazo do hipoparatireoidismo na gestação ainda não são conhecidos.
Portanto, devemos pensar nesta condição em mulheres submetidas a cirurgias cervicais prévias e manter a calcemia dentro dos valores de referência recomendados no tratamento do hipoparatireoidismo.
Autor: Luiz Fernando Fonseca Vieira
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 28/10/2021
Publicação Original: https://pebmed.com.br/relembrando-o-que-e-o-hipoparatireoidismo/
Durante a gestação é sabido que existe naturalmente um aumento na produção renal de calcitriol e também do PTHrp, sobretudo no terceiro trimestre, produzido pela placenta e pelos seios. Porém, por se tratar de uma doença menos prevalente, o maior nível de evidência até hoje sobre o assunto se baseava em séries de casos, considerando o manejo de acordo com as bases fisiológicas, porém as consequências e riscos associados ao hipoparatireoidismo durante a gestação eram desconhecidos.
Pensando justamente em conhecer os riscos do hipoparatireodismo na gestação, foi publicado na edição deste mês do Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism (JCEM) um estudo retrospectivo que avaliou o assunto em uma coorte pareada na Suécia (onde os dados de prontuários e registros são excepcionais).
O estudo
O estudo foi retrospectivo, com o objetivo de avaliar o impacto do HP em diversos desfechos gestacionais, maternos e fetais. Foram incluídas ao final 139 gestações de participantes com hipoparatireoidismo já diagnosticado havia pelo menos um ano e 1.577 controles (gestações sem hipoparatireoidismo). O período selecionado foi entre 1997 e 2017 (antes de 1997 não havia um CID definido para o diagnóstico de hipopara). Foram excluídos gemelares pelo risco de maior complicações e também participantes que tinham diagnóstico de doença renal crônica (DRC) mais de um ano antes do diagnóstico de hipoparatireoidismo.
Desfechos
A média de idade ao diagnóstico do hipoparatireoidismo das participantes foi de 26,9 anos. 76,4% tinham HP pós cirúrgico. A média de idade durante a gestação era de 31,7 anos em ambos os grupos. Como o banco de dados da Suécia permite avaliar quantas mulheres tinham diagnóstico de HP na população geral, foi possível observar que no período do estudo 6,4% delas tiveram gestações com filhos nascidos vivos comparado a 6,8% nas mulheres em geral, sugerindo que provavelmente o HP não interfere em fertilidade (esta análise não foi submetida a estatística por não ser o objetivo do trabalho). Houve uma maior incidência de alterações glicêmicas no grupo HP (DM1, DM2 e DMG – 2,9% no grupo HP vs 0,8% no grupo geral, p = 0,043) e de DRC (3,6% vs 0,5%, p < 0,001). Portanto, os desfechos gestacionais foram controlados para estas variáveis e também para o uso de levotiroxina.
Quanto aos desfechos gestacionais, boa notícia para as gestantes com hipoparatireoidismo: não houve diferença quanto ao número de nascidos vivos (p = 0,518) ou chance de prematuridade (p = 0,119).
Houve foi maior chance de necessidade de indução do parto (OR 1,82; 1,13 – 2,94, IC95%), que deixou de ser significativo quando controlado para o uso de levotiroxina. Não houve maior necessidade de cesáreas ou hemorragia pós-parto.
A única diferença foi que os filhos de mães com hipoparatireoidismo nasceram com um peso menor (média 3329 g vs 3506 g – OR, – 188g; IC 95%, – 312,2 a – 63,8), com uma redução média de apenas 89 g. Apesar de alcançar significância estatística, é um dado pouco relevante na prática, uma vez que não houve diferença em fetos PIG.
Primeiro estudo populacional no assunto, mas…
A crítica que os próprios autores levantam neste estudo é que a base de dados não contemplava dados laboratoriais ou dose utilizada das medicações. Portanto, é difícil concluir sobre o controle do HP. Ainda, as informações obtidas dizem respeito à gestação em si mas não se sabe sobre as repercussões a longo prazo. É sabido também por séries de casos anteriores que o hipoparatireoidismo mal controlado durante a gestação pode se associar a desfechos fetais. Quando existe hipocalcemia sustentada, os principais riscos ao desenvolvimento fetal são o hiperparatireoidismo secundário, problemas na mineralização óssea e fraturas intraútero. Já o sobretratamento (hipercalcemia materna) pode levar a um hipoparatireoidismo transitório no recém nascido e risco de hipocalcemia neonatal. Felizmente nesse estudo nenhum desses desfechos foram observados, o que pode indicar um bom controle da doença no grupo analisado.
Conclusões
Esse estudo traz luz sobre os desfechos do hipoparatireoidismo na gestação, sobretudo numa população provavelmente bem controlada. Bom lembrar que os desfechos a longo prazo do hipoparatireoidismo na gestação ainda não são conhecidos.
Portanto, devemos pensar nesta condição em mulheres submetidas a cirurgias cervicais prévias e manter a calcemia dentro dos valores de referência recomendados no tratamento do hipoparatireoidismo.
Autor: Luiz Fernando Fonseca Vieira
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 28/10/2021
Publicação Original: https://pebmed.com.br/relembrando-o-que-e-o-hipoparatireoidismo/
Nenhum comentário:
Postar um comentário