O estudo organizou e analisou os dados colhidos pelas 1ª a 4ª Promotorias de Justiça da Infância e Juventude Infracional do Rio |
Dados da Pesquisa Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, realizada pela Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social, em fevereiro/março de 2018, mostram que o Brasil possui 117.207 adolescentes e jovens em cumprimento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e/ou Prestação de Serviços à Comunidade. O número equivale a 82% de todas as medidas socioeducativas aplicadas no Brasil, sendo os 28% restantes representados pelas medidas de semiliberdade e internação.
A pesquisa abrangeu 5.405 municípios em todas as regiões do País, dos quais 5.363 completaram todo o questionário. O maior número de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas está na região Sudeste (São Paulo, Serra e Vila Velha (ES), Rio de Janeiro e Belo Horizonte), mas também com incidência relevante na região Sul, com destaque para o estado do Paraná. No Nordeste, Pernambuco e Alagoas lideram. O resultado deverá subsidiar políticas públicas e tomadas de decisões por parte dos gestores, além de revelar questões em relação à vulnerabilidade desses jovens.
Há mais de 25 anos se dedicando ao estudo de jovens infratores, o professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Elionaldo Fernandes Julião acaba de finalizar seu projeto “Perfil dos Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei no Município do Rio de Janeiro”, que contou com bolsa de Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE), da FAPERJ. O projeto consiste na terceira etapa de uma longa pesquisa sobre vulnerabilidade de jovens à violência, iniciada em 2016, e foi elaborada a partir de uma percepção equivocada de promotores com experiência na realização de oitivas informais no MP, que acreditavam existir uma maior representatividade de jovens brancos de classe média em cumprimento de medidas socioeducativas no estado do Rio de Janeiro.
“Expliquei que, ao contrário dos jovens negros e pobres, os jovens de classe média, em geral, têm suporte da família – que geralmente contrata advogado – e, na maioria das vezes, acabam não ingressando no sistema socioeducativo, sequer cumprem medida socioeducativa de internação”, conta Julião. De acordo com ele, a partir desse esclarecimento, o Ministério Público do Rio de Janeiro – que já mantém parceria com a UFF – convidou sua equipe para realizar a pesquisa sobre o perfil desses jovens que estão sendo acusados de cometimento de ato infracional.
O estudo organizou e analisou os dados colhidos pelas 1ª a 4ª Promotorias de Justiça da Infância e Juventude Infracional do Município do Rio de Janeiro, a partir das oitivas informais com os adolescentes e jovens em conflito com a Lei (liberados e apreendidos), a fim de propor estratégias para implementação de políticas públicas que visem prevenir o envolvimento dos adolescentes e jovens na prática de atos infracionais.
A sistematização dos dados do total de 6.197 oitivas realizadas de 2017 a 2019, 5.231 (84,36%) referiam-se a casos com adolescentes e jovens do sexo masculino, na faixa etária predominante de 15 a 17 anos (78% dos casos). Mais de 45% dos jovens declararam estar fora da escola no momento da realização da oitiva, principalmente por terem que trabalhar, mesmo que informalmente, já que 60% responderam não exercer atividade remunerada. As drogas lícitas e ilícitas fazem parte do cotidiano de 39% desses jovens cujos atos infracionais vão desde roubo (26,8%), furto (15%); tráfico (13,46%), seguidos de lesão corporal (9,6%); posse de drogas (3,23%) e homicídio, 2,8%. As infrações cometidas pelos meninos em geral é no espaço público, enquanto as meninas no ambiente privado
Elionaldo Julião: o pesquisador descobriu que os jovens entrevistados não são apenas autores, mas também vítimas de violência |
Doutor em Ciências Sociais e pós-doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o pesquisador espera que o resultado das pesquisas ajude na capacitação de profissionais dos sistemas de Justiça e na garantia de direitos e adoção de medidas que atendam às normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
Desde 2012, o Grupo de Trabalho e Estudos sobre Políticas de Restrição e Privação de Liberdade do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF vem discutindo temas que envolvem educação, justiça, direitos humanos, violência, criminalidade, delinquência juvenil e políticas de restrição e privação de liberdade. Em 2016, o grupo integrou a “Pesquisa Internacional sobre Delinquência Auto Relatada”, coordenada pela Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Universidade Northeastern, localizada na região Nordeste dos Estados Unidos como um dos 36 países integrantes da pesquisa. Pela primeira vez, através da pesquisa realizada no Rio de Janeiro, foram analisadas semelhanças e diferenças entre os jovens, na faixa etária entre 12 e 16 anos, cursando do 7º ao 9º ano nas redes municipais de educação de Duque de Caxias, Itaguaí, Mangaratiba e Angra dos Reis e os que estavam em situação de privação de liberdade.
“Através desta primeira etapa da pesquisa estadual sobre vulnerabilidade de jovens à violência, descobrimos que esses jovens, que sempre apareciam como autores de violência, muitas vezes também são vítimas de violência doméstica, policial, entre outras. Vimos que a linha divisória entre ser autor de violência e ser vítima da violência é muito tênue”, esclarece Julião.
Já em 2019, em parceria com o Departamento Geral de Ações Socioducativas (Degase) do Estado do Rio de Janeiro, foi realizada a segunda etapa da pesquisa estadual sobre vulnerabilidade de jovens à violência, através do estudo intitulado “Trajetórias de vida e escolar de jovens em situação de risco e vulnerabilidade social”, também financiado com bolsa JCNE da FAPERJ. A pesquisa ouviu adolescentes internados no estado do Rio de Janeiro. A última pesquisa sobre o perfil destes adolescentes tinha sido realizada da década de 1990.
O perfil dos jovens entrevistados nesta pesquisa com o Degase revelou que a maioria é do sexo masculino (97%); negro (76,2%); está na faixa etária entre 15 e 17 anos (70%); não concluiu o Ensino Fundamental (91,3%); possui renda familiar de 1 a 3 salários mínimos (34%); 71,6% moram em região de conflito armado (entre policiais, traficantes e facções). “Esses dados confirmam que os jovens que cometeram atos infracionais são também os mais vulneráveis socialmente no Brasil: jovens, homens, negros, pobres, pouco escolarizados e que começaram a trabalhar muito cedo”, conclui o pesquisador.
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