Para reconstituir esse cenário, pesquisadores, como Hermínio Ismael de Araújo Júnior, do Departamento de Estratigrafia e Paleontologia, da Faculdade de Geologia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), recorrem a técnicas da tafonomia. “Estudamos os processos biológicos e geológicos que se sucedem à morte de um organismo vivo até sua transformação em fóssil. E com a paleoecologia, pesquisamos como seriam os ecossistemas e o modo de vida dos animais extintos”, explica Araújo Júnior, Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. Ele e sua equipe se ocupam em estudar justamente como se formaram os vários sítios paleontológicos nordestinos, onde permaneceram acumulados restos dos diferentes vertebrados que habitaram a região durante eras distintas.
Pelo que já constataram os especialistas, o Nordeste do País é um caso único. “No Sul do Brasil, na bacia do Paraná – uma das principais bacias sedimentares brasileiras – que abrange principalmente áreas do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo –, apesar de idade semelhante à bacia do Parnaíba, não há registros de achados tão expressivos.”
Por isso mesmo, o foco de seu projeto são doze sítios paleontológicos do Nordeste. “Alguns deles são depósitos do período quaternário – parte da era cenozoica, que teve início há cerca de 2,6 milhões de anos e perdura até hoje. Esses vestígios permaneceram enterrados em depressões, denominadas tanques naturais, preenchidas com fósseis e sedimentos do quaternário. Lá estão vertebrados, especialmente mamíferos da Era do Gelo, que ali permaneceram naturalmente preservados, devido às condições da região. E apesar de esses achados terem sido descobertos há mais de 200 anos, ainda estamos distantes de entender como se deu esse processo de preservação”, diz o pesquisador.
Na Bahia, Hermínio Ismael encontrou resquícios da Era do Gelo
Como explica Araújo Júnior, a Era do Gelo, fria e seca, foi intercalada por períodos interglaciais, de clima mais quente e úmido. “A cada uma dessas mudanças de clima, sucedia-se uma pequena mortandade da fauna que não conseguia se adaptar a essas alterações”, diz o pesquisador. Muitos desses animais migravam para os locais de fontes de água, mas vários deles terminavam morrendo no entorno – tal como ainda ocorre hoje em diversas regiões áridas do mundo. Enxurradas acabavam transportando esses restos de animais mortos para o interior dos tanques.
“Muito da fauna que vemos hoje em lugares do interior do Brasil – veados, onças, antas, capivaras –, já existia no período quaternário. Podemos dizer que são remanescentes daquela época. O modo como a fauna reage às alterações ambientais é, para nós, um ótimo indicador das mudanças climáticas”, garante Araújo Júnior.
A partir dos fósseis encontrados, o pesquisador quer investigar a real causa da mortandade da fauna. “Até que ponto o motivo foi as alterações climáticas e até que ponto essa mortandade se deu pela influência da chegada do homem às Américas.” Responder a esta pergunta será determinante para saber há quanto tempo a presença humana está no continente e nos ajudará a traçar mais um período dessa história”, fala. Isso porque, enquanto na América do Norte e Europa muitos fósseis de animais trazem as marcas dos instrumentos que os mataram, e há mesmo sítios que se depreende que foram locais de matança, na América do Sul, quase não há registros semelhantes. “Isso nos leva a supor que talvez o homem tenha chegado mais tarde às Américas – numa época em que os animais já estavam morrendo por influência do clima –, ou que esse humano ainda não havia desenvolvido técnicas de matança.”
Entre eles, o osso fossilizado de um dinossauro do período Cretáceo
Baseada em Mossoró, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), a equipe vem se deslocando para o Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia e o próprio Rio Grande do Norte, onde há quatro sítios paleontológicos para visitar. “No Ceará e no Maranhão, esses sítios, da era mesozoica, são de ambientes fluviais, que preservam restos de dinossauros, peixes e crocodilos”, explica. Para Araújo Júnior, esses estudos são importantes não apenas pelas informações que revelam, mas também por funcionar como subsídios para novas pesquisas.
“Quero que o meu trabalho seja o pontapé inicial para novas dissertações de mestrado e teses de doutorado. E que não fique apenas no trabalho científico, mas que contribua para o desenvolvimento da comunidade local”, diz. Ele explica como isso acontece. “Antes de mais nada, foram os habitantes da região que nos ajudaram a chegar até esses sítios, porque eles é que sabiam a exata localização. Nossa presença também despertou a curiosidade dos moradores dos municípios próximos e por isso mesmo pretendemos realizar palestras explicando a importância dos fósseis e, por tabela, dos sítios paleontológicos e de toda aquela área. Muitos deles também ofereceram ajuda e terminaram contribuindo para o trabalho de escavação. Com isso, temos o envolvimento da comunidade no trabalho. Conhecer e saber da importância é o primeiro passo para se comprometer com a preservação. Além do mais, tudo isso certamente atrairá turistas para a região, gerando alternativas de trabalho e renda para os moradores.” O começo de uma nova fase para aqueles municípios nordestinos.
*Reportagem originalmente publicada em Rio Pesquisa, Ano XI, Nº 42 (abril de 2018)
Autor: Vilma Homero
Fonte: Faperj
Sítio Online da Publicação: Faperj
Data de Publicação: 02/08/2018
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3607.2.6
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