quarta-feira, 13 de julho de 2022

Antigos Carnavais: Livro conta a história do Rancho Ameno Resedá pelas aquarelas de Amaro Amaral

Era Carnaval naquele fevereiro de 1913. Às vésperas dos acontecimentos históricos que deflagraram a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os brincantes do Rancho Ameno Resedá desfilaram em cortejo pelas ruas do Rio Antigo com uma mensagem de esperança, apresentando o tema “A Confraternização da Paz Universal”. Vestidos ricamente, com fantasias que remetiam aos diversos países que participaram das Conferências de Haia (em 1899 e 1907) – foro internacional precursor da criação da Liga das Nações, em 1920 –, os integrantes do Rancho deram vida a um enredo desenhado pelo ilustrador e artista visual Amaro Amaral (1875-1922). O protagonismo desse artista múltiplo, considerado o tataravô dos carnavalescos das modernas escolas de samba, é o enfoque do livro A folia carnavalesca de 1913 e o Rancho Ameno Resedá, fruto de uma longa e inédita pesquisa do professor Madson Oliveira, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ).

A obra foi publicada com recursos da FAPERJ, por meio do programa Auxílio à Editoração (APQ 3), pela Editora Rio Books, e teve dois lançamentos: no dia 21 de junho, na Livraria da Travessa, em Botafogo; e em 14 de maio, no Museu do Ingá, em Niterói. Ricamente ilustrado com aquarelas do próprio Amaro Amaral, e com desenhos de capa do ilustrador Rodrigo Marques e design de Fernanda Machado, o livro traz a público o trabalho pouco divulgado do criador, de enorme importância para a história do Carnaval e da cultura brasileira. “Amaro Amaral foi um homem à frente do seu tempo. Artista visual ativo na virada do século XIX para o século XX, tão pouco conhecido, e grande criador de figurinos carnavalescos, adereços e estandartes. Ele desenhou os croquis dos primeiros conjuntos vitoriosos, exercendo o papel pioneiro como artista profissional contratado para conceber o desfile, função hoje atribuída aos carnavalescos”, contou Oliveira.


Capa do livro, com ilustrações de Rodrigo Marques, que reconstituem o desfile do Ameno Resedá em 1913, quando os brincantes exibiram indumentárias sobre a Paz Universal. Nota-se a porta-estandarte vestida de verde e amarelo, e usando na cabeça um barrete frígio, símbolo da Revolução Francesa, em alusão à República brasileira (Foto: Reprodução)

O ponto de partida para a pesquisa foi quando o professor recebeu uma reportagem com imagens da exposição “Deuses da Folia”, que esteve em cartaz em 2013 no Museu do Ingá, em Niterói, com fotos, desenhos e documentos de antigos Carnavais. No acervo, estavam aquarelas originais de Amaro Amaral e recortes de jornais sobre o Rancho Ameno Resedá. Incentivado pela professora Maria Cristina Volpi Nacif, que se tornou sua supervisora no projeto, Oliveira recebeu um CD do Museu contendo cópias digitalizadas das 57 aquarelas de Amaral e ficou encantado com a exuberância das artes, datadas de 1912, 1913 e 1916. Decidiu assim desenvolver, no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, a pesquisa de Pós-Doutorado intitulada “A criação dos figurinos para o Rancho Ameno Resedá, por meio da análise das aquarelas realizadas por Amaro Amaral, em 1913”, para focar no centenário do desfile de 1913. Coincidentemente, o falecimento de Amaro completou cem anos em 2022.

Natural da cidade de Olinda, em Pernambuco, Amaro Amaral era de uma família notoriamente talentosa. Seus irmãos compartilhavam com ele a vocação pelas Artes – Crispim do Amaral (cenógrafo, desenhista e caricaturista, que teve entre suas criações a pintura em óleo sobre lona crua presente até hoje no pano de boca que ornamenta o palco do Teatro Amazonas) e Libânio do Amaral (pintor, cenógrafo e pioneiro no empreendimento Photografia G. Huebner & Amaral, no Amazonas). Amaro transitou com destaque na imprensa carioca, ilustrando capas do Jornal do Brasil e da Revista da Semana, com desenhos “quase fotográficos”. Criou a revista Figuras e Figurões, em 1913, onde demonstrou destreza como desenhista, com um traço mais fiel à realidade do que os traços exagerados, comuns aos caricaturistas. Desenvolveu e concebeu o cabeçalho ilustrado do jornalzinho Ameno Resedá, produzido pelo Rancho, com tiragem de 15 mil exemplares. Era casado e teve seis filhos. Com uma vida breve e intelectualmente efervescente, ele faleceu aos 47 anos, quando residia na Rua Ibituruna, no bairro do Maracanã, Zona Norte do Rio.


Assinaturas do próprio Amaro Amaral encontradas nas suas obras: estética apurada também na caligrafia do artista (Imagens: Reprodução)

O livro atende as áreas do Design, das Artes, do Figurino e do Carnaval. No primeiro capítulo, apresenta uma contextualização sobre a folia carioca, para que o leitor se situe nesse universo tão rico visualmente, citando exemplos próprios de escolas de samba. No capítulo 2, explica os tipos de desfiles carnavalescos (Grandes e Pequenas Sociedades). No terceiro capítulo, destaca a trajetória do Rancho Ameno Resedá e, no Capítulo 4, expõe parte da vida e obra de Amaro Amaral, ressaltando seu papel como o criador de figurinos carnavalescos, adereços e estandartes, além de figurinos teatrais.

Sobre o Rancho Ameno Resedá


Madson Oliveira: o professor da EBA/UFRJ apresenta um trabalho de pesquisa minucioso sobre a vida de Amaro Amaral, precursor dos atuais carnavalescos (Foto: Divulgação)

Criado em 1907, durante um piquenique na ilha de Paquetá organizado por brincantes – sobretudo funcionários públicos –, o Rancho Ameno Resedá experimentou a glória de desfiles inovadores e encerrou suas atividades em 1941. Seu nome é uma alusão ao som "ameno" do rancho, e à flor "resedá", comum em Paquetá. Teve sede em diversos endereços cariocas, como a Rua do Catete (números 206, 257 e 300), Rua Correa Dutra, nº 131, Rua Carvalho de Sá (atual Gago Coutinho, nº 38) e, finalmente a Rua da Constituição, nº 50, segundo informou o jornalista João Ferreira Gomes – conhecido como Jota Efegê (1902-1987). Guardião da memória carnavalesca, ele foi autor da obra Ameno Resedá: um rancho que foi escola.

Antigamente, além dos ranchos, existiam as “grandes sociedades” (as precursoras das Escolas de Samba, criadas oficialmente em 1932, a partir de um concurso organizado pelo jornal Mundo Esportivo), os blocos e cordões. As três "grandes sociedades" conhecidas na época eram: Fenianos, Democráticos (clube com sede na Lapa até hoje) e Tenentes do Diabo. “Os ranchos eram considerados 'pequenas sociedades' e desfilavam de modo organizado, com porta-estandarte e mestre-sala. O Ameno Resedá, por exemplo, inovou ao incorporar instrumentos de sopro em seus cortejos. Os três mestres presentes nos desfiles do rancho Ameno Resedá eram: de Harmonia, responsável pela música tocada; de Canto, encarregado da música cantada (coro) e, finalmente, de Sala, que se ocupava da coreografia e acompanhava a porta-estandarte”, lembrou Oliveira. Essa e outras informações históricas preciosas reunidas na obra dão ao leitor “a sensação de entrar num portal do tempo para os primórdios da folia carnavalesca num Rio de Janeiro já secular”, como muito bem descreve Samuel Abrantes, professor da EBA/UFRJ que assina o posfácio do livro.







Autor: Débora Motta
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 07/07/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=136.7.7

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