quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Samarco retoma atividades em Mariana no ano em que tragédia com 19 mortos completou 5 anos



Samarco volta a funcionar depois de 5 anos da tragédia, em Mariana


As atividades da mineradora Samarco foram retomadas nesta quarta-feira (23) em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, cinco anos depois do rompimento da Barragem de Fundão.


O G1 já havia antecipado no dia 11 de dezembro a retomada das atividades da mineradora confirmada pelo prefeito da cidade Duarte Júnior (Cidadania), em uma postagem em suas redes sociais. Porém, naquele dia a Samarco havia dito que estava fazendo testes e negou que tinha retomado também a produção de minério.


Segundo a mineradora, a extração de minério foi reativada, no dia 18 de dezembro, no Complexo de Germano – onde ficava a Barragem de Fundão, que se rompeu.



“Tomamos a decisão de retornar de uma forma gradual, com muita segurança e usando novas tecnologias. Este momento reflete o compromisso da empresa com o reinício sustentável, a segurança operacional, o meio ambiente e o relacionamento com as comunidades. Estamos comprometidos com uma mineração moderna, segura e sustentável”, destacou o diretor-presidente da Samarco, Rodrigo Vilela.



A licença para retorno das operações foi concedida em outubro do ano passado (leia mais abaixo).



Samarco retoma atividades em Mariana: Complexo de Germano, onde ficava a barragem do Fundão, que se rompeu, tem grande movimentação nesta sexta-feira (11/12). — Foto: TV Globo


Em 5 de novembro de 2015, a tragédia matou 19 pessoas, poluiu o Rio Doce e destruiu os vilarejos Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira. Desde então, ninguém foi julgado, nenhuma casa foi entregue aos atingidos e a recuperação ambiental ainda não foi concluída.


Em entrevista ao G1 no início do mês, Letícia Oliveira do Movimento dos Atingidos por Barragens disse que Samarco "não resolveu os problemas que eles criaram".



"A Samarco voltou a funcionar, mas não resolveu os problemas que elas criaram. Milhares de famílias que não foram nem reconhecidas e nem cadastradas como atingidas. Em Mariana, temos o problema do reassentamento que não tem nem previsão", disse Letícia Oliveira, do Movimento dos Atingidos por Barragens.


Tragédia de Mariana, 5 anos: sem julgamento ou recuperação ambiental, 5 vidas contam os impactos no período



Samarco retoma atividades em Mariana: Complexo de Germano, onde ficava a barragem do Fundão, que se rompeu, tem grande movimentação nesta sexta-feira (11/12). — Foto: TV Globo


Em um comunicado, no dia 11 de dezembro, o prefeito da cidade disse que a volta das atividades da Samarco será "positiva" para a cidade:


"Nossa economia vem melhorando, dentro do possível, mas reconheço a importância da mineradora na geração de emprego neste momento e tenho a certeza que o reflexo deste retorno será positivo para milhares de famílias e, consequentemente, para toda cidade".



Trabalhos são retomados no Complexo de Germano, em Mariana. Imagens mostram movimentação nesta sexta. — Foto: Reprodução/TV Globo


26% da capacidade

Segundo a Samarco, para o reinício gradual da produção, "a empresa reativou um dos seus três concentradores, no Complexo de Germano, e a usina de pelotização 4, no Complexo de Ubu. Em outubro e novembro de 2020, foram realizados os comissionamentos a frio e a quente das estruturas, que são testes que verificam o funcionamento elétrico-mecânico dos equipamentos necessários para garantir a segurança das operações".


A mineradora informou ainda que vai voltar a operar com 26% de sua capacidade, uma produção prevista de oito milhões de toneladas de minério de ferro por ano. A previsão é que a empresa atinja a capacidade total em nove anos.



Samarco retoma atividades em Mariana: Complexo de Germano, onde ficava a barragem do Fundão, que se rompeu, tem grande movimentação nesta sexta-feira (11/12). — Foto: TV Globo


Em nota, a Fundação Renova, criada pela Vale, BHP Billiton e Samarco para executar projetos de reparação de danos da tragédia, disse que permanece dedicada ao trabalho de reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Segundo ela, até 30 de setembro de 2020 foram destinados R$ 10 bilhões para ações de recuperação.


"Os reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo ganham forma nas primeiras casas sendo concluídas, nas ruas pavimentadas, bens coletivos em etapa final, vias iluminadas e obras de infraestrutura avançadas. As obras foram adaptadas ao cenário da COVID-19. Cerca de 470 famílias participam ativamente do processo. A questão do prazo está sendo tratada no âmbito de uma Ação Civil Pública, tendo sido o juízo devidamente informado sobre os impactos da Covid-19 no andamento das obras desses reassentamentos", disse a fundação.


Ainda segundo a fundação, a água do Rio Doce já pode ser consumida e serão reflorestados 40 mil hectares de Mata Atlântica na bacia.



Samarco retoma atividades em Mariana: Complexo de Germano, onde ficava a barragem do Fundão, que se rompeu, tem grande movimentação nesta sexta-feira (11/12). — Foto: TV Globo

Licença concedida em 2019



Relembre reportagem de 25/10/2019: Copam aprova licença para que a Samarco volte a operar em Mariana


A mineradora afirmou que "o reinício gradual acontece após a empresa obter licenças ambientais aprovadas por órgãos competentes e incorporar novas tecnologias para disposição final de rejeitos – cava confinada e sistema de filtragem de rejeitos para empilhamento a seco”.


Em outubro de 2019, o Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam) aprovou a concessão de uma licença que permite a Samarco voltar a operar em Mariana.



Samarco retoma atividades em Mariana: Complexo de Germano, onde ficava a barragem do Fundão, que se rompeu, tem grande movimentação nesta sexta-feira (11/12). — Foto: TV Globo

Após o rompimento, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do estado (Semad) havia suspendido, em agosto de 2016, todas as licenças relacionadas à operação da mineradora na cidade. A empresa ficou, apenas, com as autorizações para obras emergenciais para garantir a estabilidade das estruturas remanescentes na mina e também para controle do dano ambiental no local.

A licença corretiva, aprovada em 2019 pelo Copam, substitui 36 licenças anteriores e reúne 14 processos de licenciamento que estavam em aberto.



Samarco retoma atividades em Mariana: Complexo de Germano, onde ficava a barragem do Fundão, que se rompeu, tem grande movimentação nesta sexta-feira (11/12). — Foto: TV Globo



Samarco retoma atividades em Mariana: Complexo de Germano, onde ficava a barragem do Fundão, que se rompeu, tem grande movimentação nesta sexta-feira (11/12). — Foto: TV Globo





Autor: Maria Lúcia Gontijo e Thais Pimentel, G1 Minas — Belo Horizonte
Fonte: G1 Minas
Sítio Online da Publicação: G1
Data: 23/12/20
Publicação Original: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/12/23/a-mineradora-samarco-retoma-atividades-em-mariana-no-ano-que-completou-5-anos-da-tragedia-que-matou-19-pessoas.ghtml

Por que a apreensão de drogas é recorde em 2020 — e o que isso significa



CRÉDITO,SECOMSOC DOF/SEJUSP
Legenda da foto,

PF, PRF e policias estaduais como a do Mato Grosso do Sul fizeram apreensões recordes de maconha neste ano


As apreensões recordes de centenas de toneladas de drogas (principalmente maconha) e de mais de um R$ 1 bilhão em bens de traficantes (como mansões, carros de luxo, joias e dinheiro vivo) se tornaram a principal vitrine do governo de Jair Bolsonaro na área de segurança pública em 2020.


Os resultados têm sido exaltados nas redes sociais do presidente, de seus filhos e de órgãos federais, em alguns momentos com dados pouco transparentes e que exageram a quantidade de entorpecentes retirada de circulação e os prejuízos ao crime.


Enquanto a ação contra o tráfico é defendida por Bolsonaro e o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, como política fundamental para conter a criminalidade no país, estudiosos do tema ouvidos pela BBC News Brasil apontam que "a guerra às drogas" realizada há décadas não mostrou resultados na redução da violência e chamam atenção para a tendência gradual de liberação do uso da maconha no mundo.


No início deste mês, a Comissão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas reclassificou a substância para o patamar de drogas menos perigosas e com reconhecido uso medicinal.


Apesar do discurso duro do governo contra as drogas, a alta das apreensões não reflete apenas um esforço maior da gestão Bolsonaro. Para autoridades e especialistas entrevistados, esse aumento foi provocado tanto pelo aperfeiçoamento da atuação policial e investimentos do governo federal quanto pela maior entrada no país de maconha — droga que representa cerca de 90% das apreensões e vêm principalmente do Paraguai.


Autoridades do Mato Grosso do Sul, Estado por onde passa a maior parte dessa importação ilegal, dizem que houve uma supersafra no país vizinho devido à redução das operações da Polícia Federal (PF) em parceria com autoridades paraguaias para erradicação de plantações, um reflexo da pandemia de coronavírus.


Segundo dados da PF, suas operações conjuntas com forças de segurança paraguaias destruíram em 2020 o equivalente a 1,015 mil toneladas de maconha até o início de novembro, quantidade que está abaixo da média anual da última década (2,4 mil toneladas) e é menos de um terço das 3,4 mil toneladas do ano passado — os volumes são estimados considerando que cada hectare de plantação destruída produziria três toneladas da droga.


Nesse cenário, a PF e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreenderam neste ano até outubro 996,1 toneladas de maconha (incluindo variações como haxixe), uma alta de 68% ante todo o resultado de 2019 (590,7 toneladas).


Já as apreensões de cocaína, pasta base e crack, que vêm principalmente da Colômbia, Bolívia e Peru, não acompanharam esse salto — somaram até outubro 93,5 toneladas e seguem abaixo do resultado total do ano passado (130,3 toneladas), quando houve recorde.


As polícias do Mato Grosso do Sul, por sua vez, retiraram de circulação 693 toneladas de maconha até novembro deste ano, mais que o dobro do mesmo período do ano passado (342 toneladas). No Estado, as apreensões de cocaína e suas variantes apresentam queda de 39% no mesmo intervalo analisado, para 3,4 toneladas.


Para o secretário de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, Antonio Carlos Videira, os números refletem um conjunto de fatores. Segundo ele, além de a pandemia ter reduzido a repressão à produção de maconha no Paraguai, o isolamento social também levou as pessoas a consumirem mais droga.


Por outro lado, o menor fluxo de veículos nas estradas por causa da redução das atividades econômicas facilitou a fiscalização, que também foi intensificada com um aumento de 33% das equipes em atuação — isso foi possível com pagamento de diárias extras para os policiais atuarem em suas folgas, medida bancada com R$ 6,7 milhões repassados neste ano pelo governo federal dentro do programa Vigia, que atua contra a entrada de drogas, armas e contrabando no país.


Criado em abril de 2019, o programa promove a ação mais integrada das polícias estaduais com órgãos federais, como PF, PRF, Ibama e Exército para proteção das fronteiras do país e algumas divisas estaduais.


No momento, participam onze Estados (PR, MT, MS, AC, AM, RO, RR, RS, SC, TO e GO), que recebem também apoio para treinamento das polícias e aquisição de equipamentos como viaturas e tecnologia de radiocomunicação, investimentos que somam R$ 95,5 milhões desde o início do programa.



CRÉDITO,POLÍCIA FEDERAL
Legenda da foto,

Policial federal cortando pés de maconha em local não especificado


Além do impacto de investimentos como esses, o diretor do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) do Mato Grosso do Sul, coronel Wagner Ferreira da Silva, destaca as apreensões de grandes cargas como mais uma evidência de que houve uma "supercolheita" no Paraguai, possibilitada pela repressão menor e também pelo possível aumento de pessoas dispostas a trabalhar na safra, no empacotamento e no transporte, devido à paralisação de atividades econômicas legais na pandemia, acredita.


"No DOF (operações na fronteira do Estado), apreendemos cerca de 240 toneladas de maconha neste ano. Só em sete ocorrências, foram mais de cem toneladas. Então, além do volume (total apreendido) por si só ter aumentado, as grandes cargas foram o grande diferencial desse ano de 2020. Por isso falamos numa supercolheita", disse à reportagem.


Procuradas pela BBC News Brasil, PF e PRF não atribuíram o aumento de apreensões a reflexos da pandemia, mas a maior eficiência do seu trabalho.


Segundo o chefe da Coordenação-Geral de Comunicação Social da PRF (CGCOM), Anderson Poddis, a instituição tem aliado inteligência e tecnologia da comunicação para tornar mais efetiva as abordagens a veículos nas estradas, em vez de realizar fiscalizações por amostragem como no passado.


Ele diz que a estratégia se intensificou neste ano, com a operação Tamoio, que teve oito edições até o momento, para combate ao tráfico de drogas e armas (apreensões de armas de fogo pela PRF somaram 1.855 até outubro, alta de 7% ante o total de 2019).


"Com o policiamento orientado por inteligência, ao invés de eu precisar abordar dez veículos para identificar um ilícito, eu vou direto naquele veículo que está com o ilícito. Isso aumenta muito a precisão e a qualidade das abordagens", afirma ele, defendendo a importância das apreensões para "descapitalizar" uma cadeia de crimes.


"A droga nunca anda sozinha. Há outros ilícitos que orbitam o comércio de drogas, como tráfico de armas, lutas por territórios, furto e roubo de veículos (usados para compra de entorpecentes)", ressalta.


A maioria das apreensões de maconha ocorre nas estradas, durante o transporte interno, enquanto a cocaína é muito apreendida em portos brasileiros, de onde a droga é exportada, principalmente para a Europa, o que faz a Receita Federal também ser importante nesse caso. O órgão disse à BBC News Brasil que sua apreensão de cocaína neste ano somou 38 toneladas até outubro, ainda abaixo do total de 2019 (57,8 toneladas).

Governo distorce dados de erradicação de plantações


Ao exaltar as grandes apreensões deste ano, o governo federal tem omitido a redução da destruição de plantações no Paraguai. Em vez de divulgar esse resultado, a gestão Bolsonaro usou o dado de forma distorcida, para ampliar os resultados de 2020.


No dia 23 de novembro, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República divulgou pelo Twitter, em post depois compartilhado por Bolsonaro e o Ministério da Justiça: "Bilhões de reais em prejuízo para o crime organizado! O Brasil segue batendo recordes de apreensão de drogas em 2020. Até outubro, a @PRFBrasil e a @policiafederal apreenderam e destruíram mais de 2,4 mil toneladas de maconha e 91,8 toneladas de cocaína".

No entanto, conforme já citado nesta reportagem, os dados oficiais da PF e da PRF indicam que ambas apreenderam juntas 996,1 toneladas de maconha nos dez primeiros meses do ano. Após questionamento da BBC News Brasil, o Ministério da Justiça respondeu que "as 2,4 mil toneladas de maconha mencionadas referem-se à apreensão, que foi de mais de 996,1 toneladas, mais a erradicação, que foi de 1,5 mil toneladas, ultrapassando o montante mencionado".


Para chegar nessas "1,5 mil toneladas" erradicadas, o governo somou a destruição de plantações de maconha dentro do Brasil (644 toneladas até início de novembro, segundo a PF), com as mil toneladas destruídas no Paraguai. No entanto, nessa comparação, o resultado de 2020 (2,6 mil toneladas, segundo os dados de apreensão e erradicação de PF e PRF somados pela reportagem) está longe de ser recorde. Na verdade, fica 40% abaixo do de 2019 (4,5 mil toneladas) e distante do recorde de 2013 (5,6 mil toneladas).


A BBC News Brasil identificou outras ocasiões em que houve divulgação imprecisa de "recordes" no combate ao tráfico pelo governo federal. A própria PF em 2019 anunciou que a erradicação de mais de três mil toneladas em plantações no Paraguai naquele ano era "inédita", desconsiderando o resultado maior de 2013 (5 mil toneladas).


Já em junho deste ano, o governo federal divulgou em seu portal que havia feito um balanço das apreensões de PF, PRF e polícias estaduais no primeiro semestre e que havia sido registrado um recorde de apreensões de 1,2 mil toneladas de maconha e 92,5 toneladas de cocaína. A reportagem solicitou os dados do balanço, mas a pasta disse que na verdade fora feito um "levantamento informal" com os Estados e que não tinha os números para disponibilizar.


Os únicos dados sobre apreensões nos Estados disponibilizados pela pasta são os números do programa Vigia, que passou a contabilizar as apreensões das polícias estaduais nos Estados que integram o programa. O ministério, porém, só informou dados consolidados, sem detalhar os tipos de drogas e em que Estados foram feitas as apreensões.


Também não apresentou números das apreensões dos Estados de antes de maio de 2019 que permitam a comparação histórica.


Segundo a pasta, os Estados apreenderam dentro do programa 760 toneladas de drogas neste ano até 15 de dezembro, sendo 284 toneladas no primeiro semestre. A soma desse montante com as apreensões de cocaína e maconha da PF e PRF na primeira metade do ano fica em 876 toneladas.


Nesse mesmo texto publicado no portal governo federal, há uma declaração de André Mendonça dizendo que "o governo Bolsonaro em um ano e meio apreendeu mais do que nos últimos 10 anos". A reportagem questionou a pasta, já que a apreensão de drogas em quase dois anos de governo Bolsonaro por PF e PRF, embora robusta, não chegue à metade do total apreendido na década anterior (2009 a 2018).



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Governo tem comemorado número de apreensões de maconha, embora em outros países o uso medicinal e recreativo da planta já tenha sido liberado


Em resposta, o Ministério da Justiça disse: "No que diz respeito à fala do ministro André Mendonça, foi feita uma comparação entre o montante apreendido durante ações realizadas no atual governo com o montante apreendido em ações realizadas em cada ano anterior".


Outro dado divulgado nas redes sociais do governo Bolsonaro que levanta questionamentos é o total de "prejuízo" causado ao tráfico pelas apreensões. Segundo a PRF, as apreensões de drogas de 2020 já significaram R$ 5 bilhões em perdas para o tráfico — o valor, porém, não se refere a dinheiro vivo ou bens retirados dos traficantes, mas a uma estimativa de quanto os criminosos ganhariam caso os entorpecentes apreendidos tivessem sido vendidos aos usuários.


O cálculo considera que cada quilo de maconha vale R$ 1 mil. Já o de cocaína varia de R$ 41,7 mil a R$ 150 mil, no caso da forma mais pura da droga (cloridato de cocaína), estima a PRF.


O que o governo vê como grande prejuízo ao tráfico, o analista criminal e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Guaracy Mingardi diz que são perdas que o crime consegue recuperar sem tanta dificuldade, devido à grande lucratividade do mercado ilegal.


"Se a quadrilha tiver dinheiro para comprar 100 quilos e trazer ao Brasil, já recupera tudo que gastaram naquela tonelada (perdida em apreensões). Com a venda, multiplicam por dez praticamente (o que foi investido na importação)", afirma Mingardi, que é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


Na sua avaliação, o aumento das apreensões refletem uma mistura de mais droga entrando no país com mais eficiência da polícia, mas o que é retirado de circulação segue sendo uma fração pequena da oferta, já que os preços não têm sofrido oscilação relevante.

PF minimiza apreensão de droga e destaca operações contra líderes do tráfico


A própria Polícia Federal reconhece o impacto limitado das apreensões de drogas para combater o tráfico, destacando como ações de maior relevância as operações que conseguem atingir o comando das organizações criminosas por trás desse mercado ilegal.


"A apreensão de drogas tem sua relevância para a saúde e segurança pública, mas não atinge o poder financeiro e a estrutura de comando das organizações criminosas. Isso porque, em regra, a apreensão de drogas é acompanhada da prisão de meros transportadores ou pessoas de baixo valor estratégico às organizações e que são facilmente substituíveis a baixo custo", disse a Polícia Federal, em resposta por email à BBC News Brasil.


"Ao rastrear-se o lucro do tráfico, é possível segui-lo até aqueles que, efetivamente, recebem grandes quantias e acumulam vasto patrimônio e que também são os principais responsáveis pela articulação da atividade criminosa. O foco da abordagem patrimonial, ainda, permite que se retire dos traficantes os recursos necessários para movimentar a ampla rede logística para movimentar grandes quantidades de drogas, bem como para a capacidade de corromper e de enfrentar o Estado", disse ainda a corporação.


À BBC News Brasil, a PF informou que operações contra a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas levaram à apreensão de R$ 1,13 bilhão neste ano, até o início de dezembro, em bens como mansões, fazendas, veículos e embarcações de luxo, aeronaves, joias e dinheiro em espécie, valor recorde que representa praticamente o dobro do registrado em todo o ano passado (R$ 653,8 milhões).



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Operação da Polícia Federal em Pernambuco queimou milhares de plantas


A maior operação do ano, batizada de Enterprise, foi realizada em novembro depois de três anos de investigação da Polícia Federal em parceria com a Receita Federal contra uma organização criminosa que exportava cocaína através de portos brasileiros.


Após cumprir dezenas de mandados de busca e apreensão em dez Estados (BA, MG, MS, MT, PA, PE, PR, RN, SC e SP) e quatro no exterior (Espanha, Colômbia, Portugal e Emirados Árabes Unidos), a operação apreendeu mais de R$ 400 milhões em bens, valor que inclui 37 aeronaves e uma casa na Espanha estimada em R$ 2 milhões. Pelo menos 29 pessoas foram presas, a maioria no Paraná.


Ao longo das investigações da Enterprise, iniciadas em setembro de 2017, 50 toneladas de cocaína foram apreendidas em portos brasileiros, mas a mera apreensão da droga "nem riscou" a organização criminosa, disse o delegado Elvis Secco, coordenador-geral de repressão a drogas e facções criminosas da Polícia Federal, durante apresentação dos resultados da operação.


"Tudo isso (foi apreendido em bens, mesmo a organização) tendo perdido 50 toneladas de cocaína. Então, não adianta divulgar prejuízo para o tráfico através da apreensão de drogas. Só se gera prejuízo com a (repressão à) lavagem de dinheiro, com o sequestro patrimonial (dos criminosos), com a prisão das lideranças, com a identificação dos núcleos financeiros dessas organizações criminosas", ressaltou ainda Elvis Secco.

Leilões dos bens apreendidos já arrecadaram R$125,3 milhões em 2020


Diante do aumento da apreensão de bens, o governo Bolsonaro tem adotado medidas para agilizar os leilões desses itens, que geram recursos extras para o combate ao tráfico de drogas. Em 2020, até início de dezembro, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) realizou 107 leilões (contra 11 em 2019), que já arrecadaram R$125,3 milhões para o Fundo Nacional Antidrogas (alta de 27% ante os R$ 91,7 milhões de 2019).


Segundo o secretário Nacional de Políticas sobre Drogas, Luiz Roberto Beggiora, o aumento reflete novas leis aprovadas no Congresso em 2019, com o apoio do Ministério da Justiça ainda na gestão de Sergio Moro. Uma delas (lei 13.840/2019) viabilizou leilões do patrimônio apreendido nas operações antes da conclusão dos processos, para evitar a desvalorização do bem, estabelecendo o ressarcimento do valor corrigido pela Selic, no prazo de três dias, caso o réu depois seja considerado inocente.


Além disso, medidas administrativas, como a parceria com leiloeiros em todo o país, viabilizou o maior número de operações. Antes, os leilões eram conduzidos por servidores da Senad que viajavam aos Estados. Agora, leiloeiros profissionais conduzem a operação, cobrindo gastos com armazenamento e manutenção dos bens, e depois sendo remunerados com 5% do valor da venda.


"Nós encontramos um cenário com pouquíssimas alienações antecipadas (vendas antes do fim dos processos criminais), os pátios lotados de bens aguardando a venda, se depreciando, perdendo valor econômico, até virar sucata. Para reverter esse cenário, mapeamos os gargalos", disse Beggiora à reportagem.


Segundo a Senad, os valores arrecadados estão sendo usados em ações contra o tráfico de drogas e outros crimes, como o uso de tecnologia de radiocomunicação na fronteira com o Paraguai, em um investimento de R$ 13 milhões dentro do programa Vigia. A legislação prevê também que até 40% dos valores arrecadados nos leilões sejam retornados para a polícia (federal ou estadual) que apreendeu os bens.

Guerra (falida?) às drogas



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A postura restritiva do governo Bolsonaro é oposta a diversos países, que já liberaram o uso medicial e recreativo da cannabis


Ao apresentar esses resultados no combate ao tráfico de drogas, Bolsonaro acena para sua base mais conservadora, que costuma responder a suas postagens sobre o tema celebrando as ações e até comemorando a maior dificuldade que os usuários podem enfrentar para comprar entorpecentes.


Embora o uso de drogas seja considerado por muitos estudiosos da área uma questão de saúde pública, o próprio presidente faz piadas desse tipo.


"Tem alguns grupos aqui do Sudeste que vão ter problemas com a abstinência de maconha. Você não tá preocupado com isso, não?", o presidente perguntou, em tom jocoso, ao ministro André Mendonça, durante transmissão ao vivo feita em setembro nas suas redes sociais em visita a Eldorado (SP).


"Parabéns à PM lá de Mato Grosso do Sul por essa apreensão monstruosa de drogas, tá ok?", concluiu, em referência a apreensão 33,3 toneladas de maconha por policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) do Estado.


A postura bastante restritiva do governo Bolsonaro — que se opôs, inclusive, à recente tentativa da Anvisa de liberar o plantio pessoal da cannabis para fins medicinais — contrasta com a gradual liberação do uso da maconha no mundo.


Hoje, o uso recreativo é permitido em países como Uruguai, Canadá e Georgia e em vários Estados americanos. O México pode ser o próximo, já que o Senado aprovou a legalização, restando a apreciação na Câmara.


Nos Estados Unidos, país que exportou o modelo de "guerra às drogas" para o mundo a partir dos anos 70, mais quatro Estados aprovaram medidas de legalização da maconha nas eleições de novembro, elevando para quinze o número total em que o uso recreativo de maconha é legal para adultos. Já o uso medicinal da droga é permitido em 36 dos 50 Estados americanos.


Para Isabel Figueiredo, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a "falência da guerra às drogas" vai levar à legalização também no Brasil, ainda que esse processo demore aqui. Na sua avaliação, as ações contra o tráfico nas últimas décadas têm se revelado "uma grande enxugação de gelo", enquanto o crime se profissionaliza cada vez mais.


"A polícia diz que quebrou a quadrilha x ou y com uma grande apreensão, mas esse impacto não é duradouro, porque o tráfico se reorganiza muito rapidamente. Vai se capitalizar talvez até realizando outros crimes como esses ataques a caixas eletrônicos (em cidades médias), o chamado novo cangaço. De alguma forma, vão se recapitalizar e a coisa vai voltar", afirma.


"Droga é questão de saúde pública, não de segurança. Há muita hipocrisia. Das classes mais baixas às mais altas, a maconha é uma realidade no Brasil. Mas temos uma lei que diz que é a vilã número 1 e não pode usar", criticou também.






Autor: BBC News Brasil
Fonte: BBC News Brasil
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 23/12/20
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-54811436

Por que 'respirar como um bebê' pode ser benéfico à saúde



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Os bebês praticam a chamada respiração abdominal ou diafragmática, enquanto os adultos tendem a respirar de forma mais curta e superficial, usando o peito


Você provavelmente já ouviu a expressão "dormir como um bebê", mas... e respirar?


À medida que envelhecemos, respiramos de maneira pior, explica Rebecca Dennis, especialista em respiração, à BBC.


E isso acontece apesar da nossa capacidade pulmonar aumentar com o passar do tempo — até os 35 anos, para sermos mais exatos, quando começa a diminuir.


De acordo com Dennis, muitos adultos tendem a respirar de forma superficial, fazendo movimentos musculares inadequados, como mover o pescoço e os ombros toda vez que inspiram.


O fato é que respirar mal tem consequências diretas em nossa saúde física e mental, conforme apontam vários estudos. Nos sentimos mais cansados, sem energia, temos dificuldade de nos concentrar — e, segundo Dennis, isso pode aumentar nossos níveis de estresse.

Por todas estas razões, a terapeuta sugere um retorno às origens: respirar da mesma forma como quando éramos crianças.

O segredo está no diafragma


Quando um bebê respira, ele respira profundamente. Cada inspiração "é feita a partir do abdômen", diz a especialista.


O segredo está no diafragma, "a nave-mãe de todos os músculos respiratórios", acrescenta.


"Muitos de nós somos condicionados [desde muito cedo] a contrair a barriga."



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Ao usar o diafragma, ativamos todos os músculos envolvidos na respiração e permitimos uma entrada maior de oxigênio


Uma respiração profunda, em que se usa o diafragma, não apenas permite que entre mais oxigênio em nosso corpo, como também envia mensagens ao cérebro que nos mantêm em um estado mais relaxado, ajudando a reduzir os níveis de estresse.


"Não temos consciência de como respiramos ao longo do dia, esquecemos disso ou o fazemos superficialmente", diz Dennis, que acredita que ter mais consciência sobre nossa respiração pode ter efeitos positivos na nossa saúde física e mental.

Como respirar direito


A conceituada Mayo Clinic, nos Estados Unidos, destaca em seu site a importância de aprender técnicas de respiração que auxiliam no alívio da ansiedade, depressão e outros problemas relacionados ao estresse, mas também para regular funções importantes do nosso organismo.



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Respirar profundamente não só tem efeitos positivos de curto prazo, como também ajuda a regular funções importantes do nosso organismo


A instituição destaca que muitos estudos constataram que a respiração profunda ajuda a equilibrar o sistema nervoso autônomo, responsável por gerenciar as funções involuntárias do nosso organismo, como controlar a temperatura corporal ou o funcionamento da bexiga.


Estas são algumas dicas da clínica para aprender a respirar direito:


- Adote uma postura confortável, feche os olhos e concentre-se apenas na sua respiração;


- Inspire profundamente, deixando o abdômen se encher de ar e expandir ligeiramente. Expire lentamente e pelo nariz;


- Coloque uma das mãos embaixo do umbigo, e a outra na parte superior do peito. Inspire e expire profundamente pelo nariz, lentamente. Você deve sentir o ar frio quando entra no corpo, e quente ao sair;


- Para saber se você está respirando pelo diafragma, a mão no seu abdômen deve se mover mais do que a que está no seu peito. Para isso, você precisa enviar lentamente o ar do nariz para a parte posterior da garganta e de lá até a barriga;


- A expiração também deve ser lenta, permitindo que o abdômen esvazie completamente;


- Repita este ciclo de respiração prestando atenção ao abdômen em cada um deles.







Autor: BBC News Brasil
Fonte: BBC News Brasil
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 23/12/20
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-54811436

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Coronavírus se espalha para a estação de pesquisa da Antártica



Já houve casos de Covid-19 em todos os seis continentes. — Foto: Getty Images via BBC



O novo coronavírus atingiu o continente antártico, que até então estava livre da Covid-19.


O Exército chileno registrou 36 casos na estação de pesquisa Bernardo O'Higgins, dos quais 26 em militares e 10 em trabalhadores da manutenção. Todos foram levados de volta para o Chile.


A notícia chega poucos dias depois que a Marinha chilena confirmou três casos em um navio que havia levado suprimentos e pessoal para a estação.


Isso significa que, agora, casos da Covid-19 já foram registrados em todos os seis continentes.


O navio Sargento Aldea chegou à estação de pesquisa em 27 de novembro e navegou de volta ao Chile em 10 de dezembro.


Três de seus tripulantes testaram positivo ao retornar à base naval chilena em Talcahuano.


A Marinha do Chile disse que todos os que embarcaram na viagem à Antártica fizeram testes de PCR e todos os resultados foram negativos.


A estação de pesquisa Bernardo O'Higgins é uma das quatro bases permanentes que o Chile tem na Antártica e é operada pelo Exército.



O Chile é o sexto país mais afetado da América Latina, com mais de 585 mil casos confirmados de coronavírus.



'Nenhum país tem capacidade de tratar pessoas gravemente doentes'



O missão do Reino Unido na Antártica está reduzindo suas pesquisas por causa do coronavírus.


Em agosto, o país anunciou que apenas equipes essenciais retornariam ao continente após o inverno. Toda pesquisa de campo profundo foi adiada por um ano.


A missão britânica argumentou que não teria capacidade para tratar as pessoas que viessem a adoecer.


Por isso, após uma consulta a parceiros internacionais, decidiu adotar medidas rígidas para manter o coronavírus fora da região.



"Nenhuma nação tem instalações médicas para lidar com pessoas gravemente doentes", explicou a cientista Jane Francis, diretora da missão.




"Todos estão tomando medidas de precaução muito duras para garantir que qualquer atividade na Antártica neste ano seja a mais segura possível."



Pinguins na Antártica em foto de janeiro de 2015 — Foto: AP Photo/Natacha Pisarenko, File


Desafio logístico



O principal desafio logístico é a incerteza em torno das rotas aéreas.


Muitos dos que vão para a Antártica a cada temporada de verão o fazem viajando de avião para a África do Sul, a Austrália/Nova Zelândia ou o Chile.


Dali, pegam um novo voo ou um navio para cruzar o oceano até o continente.



Mas, com os corredores aéreos interrompidos no momento, estes tradicionais pontos de partida para o continente antártico não estão operando como deveriam.


A pandemia do coronavírus atingiu o mundo em meados da temporada de verão de 2019/2020.


Tirar todo o pessoal temporário do continente e trazê-lo para casa também provou ser uma dor de cabeça logística — e obrigou alguns cientistas e técnicos a enfrentar longas esperas e quarentena.







Autor: BBC News Brasil
Fonte: BBC News Brasil
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 22/12/20
Publicação Original: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/12/22/coronavirus-se-espalha-para-a-estacao-de-pesquisa-da-antartida.ghtml

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Ecossistemas terrestres estão se tornando menos eficientes na absorção de CO2





Ecossistemas terrestres estão se tornando menos eficientes na absorção de CO2

As plantas desempenham um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas. Quanto mais dióxido de carbono eles absorvem durante a fotossíntese, menos dióxido de carbono permanece preso na atmosfera, onde pode causar o aumento da temperatura.
Mas os cientistas identificaram uma tendência inquietante – 86% dos ecossistemas terrestres em todo o mundo estão se tornando cada vez menos eficientes na absorção dos níveis crescentes de CO2 da atmosfera.

Por Esprit Smith*
NASA’s Jet Propulsion Laboratory

Ecossistemas terrestres atualmente desempenham um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas. Quanto mais dióxido de carbono (CO 2 ) as plantas e árvores absorvem durante a fotossíntese, o processo que usam para fazer comida, menos CO 2 permanece preso na atmosfera, onde pode causar o aumento da temperatura. Mas os cientistas identificaram uma tendência inquietante – à medida que os níveis de CO 2 na atmosfera aumentam, 86% dos ecossistemas terrestres em todo o mundo estão se tornando cada vez menos eficientes em absorvê-lo.

Como o CO 2 é um ‘ingrediente’ principal que as plantas precisam para crescer, concentrações elevadas dele causam um aumento na fotossíntese e, consequentemente, no crescimento da planta – um fenômeno apropriadamente conhecido como efeito da fertilização com CO 2 , ou CFE. O CFE é considerado um fator chave na resposta da vegetação ao aumento do CO 2 atmosférico , bem como um mecanismo importante para remover esse potente gás de efeito estufa da nossa atmosfera – mas isso pode estar mudando.

Para um novo estudo publicado em 10 de dezembro na Science, os pesquisadores analisaram vários conjuntos de dados de campo, derivados de satélite e baseados em modelos para entender melhor o efeito que os níveis crescentes de CO 2 podem ter no CFE. Suas descobertas têm implicações importantes para o papel que se espera que as plantas desempenhem na compensação das mudanças climáticas nos próximos anos.

“Neste estudo, ao analisar os melhores dados de longo prazo disponíveis de sensores remotos e modelos de superfície terrestre de última geração, descobrimos que, desde 1982, o CFE médio global diminuiu continuamente de 21% para 12% por 100 ppm de CO 2 na atmosfera ”, disse Ben Poulter, co-autor do estudo e cientista do Goddard Space Flight Center da NASA. “Em outras palavras, os ecossistemas terrestres estão se tornando menos confiáveis como mitigadores temporários das mudanças climáticas.”

O que está causando isso?

Sem esse feedback entre a fotossíntese e o elevado CO 2 atmosférico , Poulter disse que teríamos visto as mudanças climáticas ocorrendo em uma taxa muito mais rápida. Mas os cientistas estão preocupados com quanto tempo o efeito da fertilização com CO 2 pode ser sustentado antes que surjam outras limitações no crescimento das plantas.

Por exemplo, embora a abundância de CO 2 não limite o crescimento, a falta de água, nutrientes ou luz solar – os outros componentes necessários da fotossíntese – o fará. Para determinar por que o CFE está diminuindo, a equipe de estudo levou em consideração a disponibilidade desses outros elementos.

“De acordo com nossos dados, o que parece estar acontecendo é que há tanto uma limitação de umidade quanto uma limitação de nutrientes em jogo”, disse Poulter. “Nos trópicos, muitas vezes simplesmente não há nitrogênio ou fósforo suficiente para sustentar a fotossíntese, e nas regiões temperadas e boreais de alta latitude, a umidade do solo agora é mais limitante do que a temperatura do ar por causa do aquecimento recente.”

Com efeito, a mudança climática está enfraquecendo a capacidade das plantas de mitigar ainda mais as mudanças climáticas em grandes áreas do planeta.

Próximos passos

A equipe científica internacional descobriu que quando as observações de sensoriamento remoto foram levadas em consideração – incluindo dados de índice de vegetação do Radiômetro de Resolução Muito Alta Avançada da NASA (AVHRR) e os instrumentos de Espectrorradiômetro de Imagem de Resolução Moderada (MODIS) – o declínio no CFE é mais substancial do que o atual modelos de superfície terrestre foram mostrados. Poulter diz que isso ocorre porque os modeladores têm lutado para contabilizar feedbacks de nutrientes e limitações de umidade do solo – devido, em parte, à falta de observações globais deles.

“Combinando décadas de dados de sensoriamento remoto como fizemos aqui, podemos ver essas limitações no crescimento das plantas. Como tal, o estudo mostra um caminho claro para o desenvolvimento do modelo, especialmente com novas observações de sensoriamento remoto de características da vegetação esperadas nos próximos anos ”, disse ele. “Essas observações ajudarão a desenvolver modelos para incorporar processos do ecossistema, clima e feedbacks de CO 2 de forma mais realista.”

Os resultados do estudo também destacam a importância do papel dos ecossistemas no ciclo global do carbono. De acordo com Poulter, daqui para frente, a diminuição da eficiência de absorção de carbono dos ecossistemas terrestres significa que podemos ver a quantidade de CO 2 remanescente na atmosfera após a queima de combustível fóssil e o desmatamento começarem a aumentar, reduzindo o orçamento de carbono restante.

“O que isso significa é que para evitar o aquecimento de 1,5 ou 2 ° C e os impactos climáticos associados, precisamos ajustar o orçamento de carbono restante para compensar o enfraquecimento do Efeito da fertilização de CO 2 da planta ”, disse ele. “E por causa desse enfraquecimento, os ecossistemas terrestres não serão tão confiáveis para a mitigação do clima nas próximas décadas.”


Referência:
Recent global decline of CO2 fertilization effects on vegetation photosynthesis
Songhan Wang et al.
Science 11 Dec 2020:
Vol. 370, Issue 6522, pp. 1295-1300
DOI: 10.1126/science.abb7772


* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/12/2020





Autor: Henrique Cortez
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 21/12/20
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2020/12/21/ecossistemas-terrestres-estao-se-tornando-menos-eficientes-na-absorcao-de-co2/

Áreas de risco, chegou a hora e a vez do Ministério Público


Presidente Getúlio, SC – Divulgação/CBMSC/Direitos Reservados
Áreas de risco, chegou a hora e a vez do Ministério Público, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

Os recentes acontecimentos de Santa Catarina, com mais de 12 mortos por deslizamentos em áreas de nítido e reconhecido alto risco geológico/geotécnico, obrigam-nos a um exercício de reflexão sobre as atuais circunstâncias que envolvem esses recorrentes acontecimentos.

A partir dos trágicos acontecimentos de novembro de 2008 em Santa Catarina, quando por consequência de enchentes e deslizamentos morreram mais de 150 pessoas e 80 mil ficaram desabrigadas, episódio que foi sucedido nos períodos mais chuvosos dos anos posteriores por tragédias de similar ou maior gravidade nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e outros estados, ocorreu uma intensa mobilização do meio técnico nacional – profissionais e suas entidades – mais diretamente ligado a esses tipos de fenômenos: em especial geólogos, engenheiros geotécnicos, geógrafos, hidrólogos e técnicos de Defesa Civil.

Dessa mobilização resultou, além de um intenso e extremamente produtivo debate técnico, um envolvimento sem precedentes de órgãos públicos, em especial da órbita federal. Sob comando direto da Casa Civil, foram criados em caráter de emergência grupos-tarefa nos Ministérios das Cidades, Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e Integração Nacional, com várias iniciativas tomadas, especialmente em caráter emergencial. Vários profissionais e várias instituições universitárias e de pesquisas foram mobilizados em apoio à concepção e implementação de decisões. Três fatos importantíssimos ilustram os avanços desse período: a criação do CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, ligado ao MCT, a criação da Lei federal Nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012, que Instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e determinou providências importantíssimas para a gestão de riscos, e a mobilização da CPRM – Serviço Geológico do Brasil para o mapeamento de áreas de risco em centenas de cidades brasileiras.

Nos estados, com destaque a Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, vários órgãos técnicos e Universidades foram mobilizados para trabalhos de mapeamentos de risco e apoio ao sistema de Defesa Civil.

Obviamente, problemas de gestão, especialmente a falta de uma clara linha de comando, prejudicam ainda um melhor desempenho de todo esse aparato, mas pode-se dizer que como resultado geral o país hoje conta com conhecimentos técnicos e científicos de primeira linha no que diz respeito aos fenômenos de ordem geológica, geotécnica e hidrológica, com um substancial número de profissionais da área pública e privada perfeitamente habilitados a atuar no setor, com farto e qualificado material bibliográfico sobre questões técnicas e gerenciais pertinentes, envolvendo manuais, relatórios, livros, artigos técnicos, etc. e, mais importante, com inúmeros levantamentos e mapeamentos já executados e disponibilizados na maioria dos municípios brasileiros mais susceptíveis aos fenômenos de risco considerados.

Entretanto, todo esse suporte colocado à disposição das autoridades públicas federais, estaduais e municipais mostra-se extremamente subutilizado, considerando as medidas práticas e efetivas que dele teriam que naturalmente decorrer nos municípios envolvidos. Por decorrência, as áreas de risco, em vez de se reduzirem, continuam se multiplicando, e as tragédias, como seria de se esperar, repetem-se e se potencializam.

De sorte que, mesmo tendo em conta a necessidade de aperfeiçoamentos na normatização, na elaboração e na transferência de seus produtos, da parte do meio técnico nacional não há muito a se acrescentar ao que já vem sendo feito. Se o problema maior alguma vez residiu nessa órbita, já não reside mais. Reside hoje na órbita das administrações públicas, ou seja, na órbita da operacionalização das determinações já produzidas pela área técnica.

Importante aqui considerar que todas as questões práticas e de campo, sejam de caráter emergencial, corretivo ou preventivo, dizem respeito à área de atuação municipal. E não poderia ser de outra maneira, pois é no município que as coisas realmente acontecem.

Não há dúvida, hoje o gargalo crítico que vem impedindo que os programas de gestão de riscos geológico-geotécnicos-hidrológicos colham melhores resultados está na questão municipal. Municípios de pequeno porte demandam direto apoio estadual e federal. Porém, municípios de médio e grande teriam que ter avançado muito mais na implementação das medidas necessárias, dadas as melhores condições políticas, técnicas e financeiras de que dispõem ou às quais tem mais fácil acesso.

Há nesse cenário um indisfarçável fator de irresponsabilidade pública no exercício do poder municipal, o que sugere como pertinente e indispensável uma intervenção do Ministério Público para uma boa solução do problema.

Somente por esse caminho haveremos de reduzir a possibilidade de novas e estúpidas tragédias que sistematicamente tem levado a morte e a desgraça a tantas famílias brasileiras de baixa renda que, por contingências sociais e culturais, são mais comumente levadas a ocupar áreas de risco.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)


Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas


Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”

Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

Articulista e colaborador do EcoDebate

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/12/2020




Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 21/12/20
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2020/12/21/areas-de-risco-chegou-a-hora-e-a-vez-do-ministerio-publico/

O que se sabe sobre a nova variante do coronavírus que levou a novo lockdown na Inglaterra



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A Inglaterra implementou novas restrições após descoberta de variente do coronavírus


A rápida disseminação de uma nova variante do coronavírus levou a mais restrições para tentar combater a pandemia no Reino Unido.


Essa nova variante, surgida após mutações, se tornou a forma mais comum do vírus em algumas partes da Inglaterra em questão de meses — e o governo britânico diz que há motivos para acreditar que ela seja bem mais transmissível que outras variantes. Segundo autoridades britânicas de saúde, a nova variante seria 70% mais transmissível.


O estudo dessa nova forma do coronavírus ainda está em um estágio inicial, contém grandes incertezas e uma longa lista de perguntas sem resposta.


Os vírus sofrem mutações o tempo todo e é vital entender se essas mutações estão ou não mudando o comportamento do vírus e alterando a doença. Essa variante específica está causando preocupação por três motivos principais:


• Ela está substituindo rapidamente outras versões do vírus


• Ela possui mutações que afetam partes do vírus que são provavelmente importantes


• Já se verificou em laboratório que algumas dessas mutações podem aumentar a capacidade do vírus de infectar células do corpo.


Tudo isso constrói um cenário preocupante, mas ainda não há certeza. Novas cepas podem se tornar mais comuns simplesmente por estarem no lugar certo na hora certa — como a cidade de Londres, que tinha poucas restrições até recentemente.


"Experimentos de laboratório são necessários, mas você quer esperar semanas ou meses para ver os resultados e tomar medidas para limitar a propagação? Provavelmente não nessas circunstâncias", diz Nick Loman, professor do Instituto de Microbiologia e Infecção da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que defende as restrições para tentar conter essa versão do vírus.

Quão rápido ela está se espalhando?


Essa versão foi detectada pela primeira vez em setembro. Em novembro, cerca de um quarto dos casos em Londres eram causados por essa nova variante, aumentando para quase dois terços dos casos em meados de dezembro.


Pesquisadores têm calculado a dispersão de diferentes variantes na tentativa de estabelecer o quão infecciosas elas são. Mas separar o que é devido ao comportamento das pessoas e o que é devido ao vírus é difícil.


O dado citado pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, é que a variante pode ser até 70% mais transmissível — é um dado que havia aparecido em apresentação do pesquisador Erik Volz, do Imperial College de Londres, na sexta-feira.


Durante a palestra, ele disse: "É realmente muito cedo para dizer... Mas pelo que vimos até agora, está crescendo muito rapidamente, está crescendo mais rápido do que [uma variante anterior] jamais cresceu, mas é importante ficar de olho."


Não há um número "certeiro" de quão mais infecciosa pode ser essa variante. Números muito mais altos e muito mais baixos do que 70% estão aparecendo em pesquisas ainda não publicadas.


Inclusive ainda há dúvidas se essa versão é realmente mais infecciosa.


"A quantidade de evidências em domínio público é inadequada para chegar à conclusões firmes sobre se o vírus realmente aumentou sua transmissibilidade", diz o virologista Jonathan Ball, professor da Universidade de Nottingham.



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Ao se replicar, os vírus geram mutações ou erros na sequência dos compostos representados pelas letras "a", "g", "c", "u"

Como ela surgiu e se espalhou?


Acredita-se que a variante surgiu em um paciente no Reino Unido ou foi importada de um país com menor capacidade de monitorar as mutações do coronavírus.


Atualmente ela pode ser encontrada em todo o Reino Unido, exceto na Irlanda do Norte, mas está fortemente concentrada em Londres, sudeste e leste da Inglaterra. Os casos em outras partes do país não parecem ter decolado.


Dados da Nextstrain, que monitora os códigos genéticos das amostras virais em todo o mundo, sugerem que casos com essa variante na Dinamarca e na Austrália vieram do Reino Unido. A Holanda também relatou casos.


Uma variante semelhante que surgiu na África do Sul compartilha algumas das mesmas mutações, mas parece não estar relacionada a esta.

Isso já aconteceu antes?


Sim. O vírus que foi detectado pela primeira vez em Wuhan, China, não é o mesmo que você encontrará na maioria dos cantos do mundo.


A mutação D614G surgiu na Europa em fevereiro e se tornou a forma globalmente dominante do vírus. Outra, chamada A222V, se espalhou pela Europa e estava ligada às férias de verão das pessoas na Espanha.

O que sabemos sobre as novas mutações?


Uma análise inicial da nova variante foi publicada e identifica 17 alterações potencialmente importantes.


Houve mudanças na proteína spike — que é a 'chave' que o vírus usa para abrir a porta de entrada nas células do nosso corpo e sequestrá-las. A mutação N501 altera a parte mais importante do spike, conhecida como "domínio de ligação ao receptor". É aqui que o spike faz o primeiro contato com a superfície das células do nosso corpo. Quaisquer alterações que tornem mais fácil a entrada do vírus provavelmente serão uma vantagem para o patógeno.


Parece ser uma adaptação importante", disse Loman.


A outra mutação — batizada de H69/V70 — apareceu algumas vezes antes, incluindo nos visons infectados na Dinamarca.


A preocupação era que os anticorpos do sangue daqueles que sobreviveram ao novo coronavírus fossem menos eficazes na defesa contra a nova variante do vírus.Mais uma vez, serão necessários mais estudos de laboratório para realmente entender o que está acontecendo.


O trabalho de Ravi Gupta, professor da Universidade de Cambridge, sugeriu que em laboratório essa mutação aumenta em duas vezes a capacidade do vírus de infectar células.


"Estamos preocupados, a maioria dos cientistas está preocupada", diz Gupta.

De onde veio essa versão?


Essa variante é excepcionalmente cheia de mutações. A explicação mais provável é que ela surgiu em um paciente com sistema imunológico enfraquecido, incapaz de vencer o vírus.


Em vez disso, seu corpo se tornou um terreno fértil para o vírus sofrer mutações.

Isso torna a infecção mais mortal?


Ainda não há evidências de que a variente seja mais mortal, mas governos e pesquisadores estão monitorando essa questão


No entanto, no momento, apenas ser mais transmissível já seria suficiente para causar problemas nos hospitais. Se pessoas forem infectadas mais rapidamente, mais pessoas vão precisar de tratamento hospitalar em menos tempo.



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Com a chegada das vacinas, o coronavírus sofrerá uma pressão natural para mutar a fim de infectar pessoas imunizadas, como ocorre com a gripe

As vacinas funcionarão contra a nova variante?


Acredita-se que sim, pelo menos por enquanto.


Mutações na proteína spike levam a perguntas sobre a vacina porque as três principais vacinas — Pfizer, Moderna e Oxford — treinam o sistema imunológico para atacar a proteína spike.


No entanto, o corpo aprende a atacar várias partes dessa proteína. É por isso que as autoridades de saúde continuam convencidas de que a vacina funcionará contra essa nova variante.


"Mas se deixarmos essa variante se espalhar e sofrer mais mutações, isso pode se tornar preocupante", diz Gupta. "Este vírus está potencialmente em vias de se tornar resistente à vacina, ele deu os primeiros passos nesse sentido."


O vírus consegue se tornar resistente à vacina quando ao mudar de formato consegue se esquivar de todo o efeito da vacina e continua a infectar as pessoas.


O coronavírus evoluiu em animais e passou a infectar os humanos há cerca de um ano. Desde então, tem passado por quase duas mutações por mês — entre uma amostra colhida hoje e as primeiras da cidade chinesa de Wuhan há cerca de 25 mutações.


Ao longo de sua trajetória, o coronavírus ainda está 'testando' diferentes combinações de mutações para infectar humanos de maneira adequada. Já vimos isso acontecer antes: o surgimento e o domínio global de outra variante (G614) é visto por muitos como o momento em que o vírus aprimorou sua capacidade de se espalhar.


Mas logo a vacinação em massa colocará um tipo diferente de pressão sobre o vírus, porque ele terá que mudar para infectar as pessoas que foram imunizadas. Se isso impulsionar a evolução do vírus, talvez tenhamos de atualizar regularmente as vacinas, como fazemos anualmente com a gripe sazonal, para manter o ritmo.


Segundo Anderson Brito, virologista do departamento de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, "os coronavírus evoluem principalmente por substituições de nucleotídeos" e "não fazem rearranjos genômicos como o vírus da gripe".


"Mas, e as vacinas? Provavelmente serão efetivas por mais de um ano", escreveu em seu perfil no Twitter.







Autor: James Gallagher
Fonte: Repórter de ciência e saúde da BBC
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 21/12/20
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55390502

'É como estar numa prisão', diz brasileira em Londres após 40 países fecharem portas para Reino Unido



CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
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'Há 10 meses, eu não sei o que é Londres', diz brasileira que vive na capital inglesa há 7 anos


A publicitária paulista Thais Renzi Bragheroli mora em Londres há 7 anos e nunca se sentiu isolada vivendo em uma das capitais mais cosmopolitas do planeta. Até 2020.


"As pessoas falam: 'Ah, mas você está em Londres'", conta a brasileira, citando conversas sobre as dificuldades da pandemia com amigos e parentes que vivem no Brasil.


"E eu respondo: 'Não, não estou! Eu estou na minha casa'. Há 10 meses, eu não sei o que é Londres."


Desde o último fim de semana, este incômodo alimentado por meses de idas e vindas de medidas mais ou menos restritivas como resposta ao novo coronavírus ganhou novas definições no lar da brasileira.


"Claustrofobia", "bloqueio", "isolamento", "prisão".


À BBC News Brasil, ela diz obedecer às regras de isolamento social conforme elas são anunciadas pelo governo.


Londres passou por 3 níveis distintos de restrições nas últimas semanas — da imposição de consumo de alimentos junto a bebidas em pubs, no mais leve, ao fechamento total do comércio. Desde o início da pandemia, a brasileira, que trabalha em uma agência de marketing inglesa, tem trabalhado de casa.


Quando sai, opta por lugares abertos.


"Sair eu até saio, mas não é como era antes. Eu vou a parques, mas a vida aqui é mais do que isso", diz a paulista de 34 anos nascida em Suzano.


Em uma conferência de imprensa extraordinária no último sábado (19), o primeiro-ministro Boris Johnson anunciou que uma nova variante do coronavírus, 70% mais transmissível que o vírus original, se espalha aceleradamente em diferentes partes do país.


No domingo, o secretário de Saúde Matt Hancock disse que a mutação do vírus está "fora de controle". Na segunda (21), até o fechamento desta reportagem, mais de 40 países haviam decidido fechar as portas para viajantes vindo do Reino Unido, em uma tentativa de conter a expansão da ainda pouco conhecida nova variante do vírus.


"Agora, a sensação é como estar numa prisão", diz Bragheroli à reportagem. Pela segunda vez, ela teve que cancelar planos de visitar a família no Brasil.

Pandemia e Brexit



CRÉDITO,REUTERS
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Desde domingo, Londres, o sudeste e o leste da Inglaterra entrarão em um novo nível de restrições


"Aqui em Londres, eu sempre tive a facilidade de, se fosse preciso, pegar um avião a qualquer momento e ir para o Brasil. Ou ir para qualquer parte da Europa", lembra a brasileira.


"Agora eu sinto um isolamento. E também tem o Brexit e toda essa indefinição. É uma coisa em cima da outra, as pessoas até ligam para saber como estou. Esse é o problema de estar em uma ilha", diz.


Sim, além de lidar com a nova variedade do vírus e hospitais ficando cheios em velocidade recorde, o Reino Unido ainda enfrenta a possibilidade de não haver consenso com líderes europeus nas negociações sobre a saída do país da União Europeia.


Se não houver um acordo comercial até o próximo dia 31, a possibilidade de altas recordes de preços e escassez de alimentos, uma retração econômica ainda maior que a gerada pela pandemia e restrições a viagens para a Europa já era objeto de manchetes alarmantes e falas sobre caos ao noticiário britânico.


No parlamento britânico, há discussões sobre a decisão, que já foi postergada diversas vezes, poder ser novamente cancelada e ficar para o ano que vem em meio à escalada da pandemia no Reino Unido.


Um dia antes de anunciar a mutação do vírus, Boris Johson citou dificuldades "sérias" nas negociações para um acordo comercial pós-Brexit, após telefonema com a chefe da Comissão da UE, Ursula von der Leyen.


Ele disse que "o tempo era curto" e que um cenário sem acordo era "muito provável", a menos que a posição da União Europeia recuasse. De outro lado, Von der Leyen disse que seria "muito desafiador" superar as "grandes diferenças" existentes entre os dois lados.

Proibições de viagens



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'Se eu fosse algum outro país, tomaria uma decisão parecida, até que se entenda o que é essa nova variante', diz Bragheroli


Até a publicação desta reportagem, mais de 40 países já haviam proibido a chegada de pessoas vindas do Reino Unido por conta de preocupações com a disseminação da nova variante do coronavírus.


Apesar de suspensos em países em todo o mundo, incluindo Espanha, Índia, Marrocos, Rússia, Alemanha, Argentina e Hong Kong, os voos vindos do Reino Unido ainda chegam normalmente ao Brasil.


No domingo à noite, a França fechou completamente sua fronteira marítima com o Reino Unido por 48 horas.


Apesar das dificuldades de circulação, a brasileira diz entender e apoia as medidas.


"Acho que é necessário. Se eu fosse algum outro país, eu tomaria uma decisão parecida, até que se entenda o que é essa nova variante", diz Bragheroli.


"Eu não ia querer que isso estivesse se espalhando por aí, e é por isso que estão fechando o país."


O governo francês disse que estabelecerá um protocolo "para garantir que o movimento do Reino Unido seja retomado".


Já os Estados membros da União Europeia estão reunidos em Bruxelas para discutir uma resposta coordenada, com autoridades sugerindo que uma exigência de testes poderia ser imposta a todas as pessoas que chegam do Reino Unido.


Ainda não há informações oficiais sobre qualquer resposta do governo brasileiro à emergência no Reino Unido.


Em maio, a brasileira precisou cancelar passagens para visitar a família no Brasil enquanto o Reino Unido vivia um lockdown e regras rígidas de isolamento.


"Achei que não seria sensato da minha parte ir para o Brasil naquela hora", diz ela a reportagem. Os bilhetes haviam sido remarcados para este mês de dezembro.


"Mais uma vez, não seria seguro nem para mim nem para os meus amigos e parentes. Então, cancelei de novo."

Desabastecimento


Em meio a pânico em redes sociais e corridas às prateleiras, varejistas minimizaram temores de escassez de alimentos depois que a França fechou suas fronteiras para os transportadores do Reino Unido por 48 horas.


Mas eles alertaram sobre "sérios distúrbios" se não houver resolução, com uma das maiores redes do país dizendo que poderia enfrentar "lacunas" na oferta de alimentos frescos em alguns dias.


O porta-voz do primeiro-ministro disse que o Reino Unido tem uma cadeia de abastecimento alimentar "diversa". Já o ministro dos transportes da França disse que as medidas para "garantir que o movimento do Reino Unido seja retomado" estão próximas.


O canal entre os dois países é uma rota comercial vital, com cerca de 10 mil caminhões por dia viajando entre Dover e Calais nos períodos de pico, como o Natal, trazendo em grande parte os produtos mais frescos.


O risco é que os transportadores europeus evitem o Reino Unido por medo de ficarem presos no país.


O chefe da Federação de Alimentos e Bebidas (FDF), Ian Wright, disse que o fechamento da fronteira tem o "potencial de causar sérios problemas no fornecimento de alimentos frescos de Natal do Reino Unido — e nas exportações de alimentos e bebidas do Reino Unido".


Andrew Opie, diretor de alimentos e sustentabilidade do British Retail Consortium, disse que os varejistas estocaram bem antes do Natal.


Mas acrescentou: "O fechamento do tráfego da França para o Reino Unido, incluindo frete acompanhado, apresenta dificuldades para a capacidade do Reino Unido de importar e exportar produtos essenciais durante o movimentado período de Natal.

Frustração


Para a brasileira, a série de indefinições é "frustrante".


"Esse tem sido um ano frustrante de maneira geral. Agora, esse isolamento dá uma claustrofobia. Mas eu espero que a nova variante não seja perigosa", diz.


A nova variante, surgida após mutações, se tornou a forma mais comum do vírus em algumas partes da Inglaterra em questão de meses — e o governo britânico diz que ela seria até 70% mais transmissível que o coronavírus original.


O estudo dessa nova forma do coronavírus ainda está em um estágio inicial, contém grandes incertezas e uma longa lista de perguntas sem resposta.



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Ao se replicar, os vírus geram mutações ou erros na sequência dos compostos representados pelas letras "a", "g", "c", "u"


Desde domingo, Londres, o sudeste e o leste da Inglaterra estão em um novo nível mais severo de restrições (nível quatro) por conta do coronavírus.


No nível quatro, as pessoas não devem se misturar com ninguém fora de sua própria casa, além de "bolhas" de apoio em casos específicos, como o de pais separados.


As pessoas devem trabalhar em casa quando puderem e estão proibidas de entrar ou sair das áreas que estejam em nível quatro.


Enquanto serviços religiosos podem continuar, todo o comércio não essencial, restaurantes, pubs e espaços de exercícios físicos como academias de ginástica devem fechar as portas.


As restrições inicialmente vão durar duas semanas e serão revistas em 30 de dezembro, mas autoridades já admitem que elas podem se estender por meses, até que a vacina já tenha sido aplicada de forma mais ampla.


Segundo Patrick Vallance, conselheiro científico chefe do governo britânico, a nova variante do coronavírus foi observada pela primeira vez em meados de setembro em Londres e Kent. Ele diz que em dezembro se tornou a "variante dominante" em Londres.


Para aqueles nos níveis um, dois e três, as regras que permitem até três famílias se reunirem agora serão limitadas apenas ao dia de Natal.


As "bolhas" de Natal para os níveis de um a três não vão incluir ninguém no nível quatro.




Autor: Ricardo Senra - @ricksenra
Fonte: BBC Brasil em Londres
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 21/12/20
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55398393

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Por que nosso corpo não produz vitaminas suficientes (e por que isso é perigoso)



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A expedição rumo a Califórnia demorou meses e os marinheiros começaram a sofrer um mal conhecimdo como "a horrível doença dos navios"


No início do século 17, o frei espanhol Antonio de la Ascensión viveu um inferno e pensou ter testemunhado um milagre.


Ele havia sido nomeado cosmógrafo de uma expedição marítima que viria a encontrar a Califórnia, partindo do porto de Acapulco em maio de 1602. Algum tempo depois de zarpar, a tripulação começou a sofrer algo descrito como "a horrível doença dos navios".


De acordo com o boletim de viagem, eles tinham "manchas, uma inflamação na gengiva que os impedia de comer qualquer coisa, espinhas na pele e um inchaço nos joelhos que impossibilitava mover as pernas".


Tudo isso acompanhado de "uma dor universal, em todo o corpo". Os enfermos acabavam morrendo às vezes no meio de uma frase, enquanto conversavam, diz o texto.

"No navio, quando eu cheguei aqui, não se ouvia nada que não fossem gritos e exclamações para Nossa Senhora; e então ela, como uma piedosa mãe, sentiu pena daquela gente. E ela veio, felizmente, e nos dezenove dias em que o navio esteve aqui, todos recuperaram a saúde."


Ele descrevia um milagre: "Não havia tratamento, nem remédio de boticário, nem receita, nem remédio de médico, nem qualquer remédio humano", enfatizou Frei Antonio.


Mas o que houve foi uma descoberta acidental.


Um dos marinheiros que desembarcou para enterrar os falecidos viu uma fruta "que os nativos aqui chamam de xocohuitztales". Ele provou e gostou.


Poucos dias depois, após comer mais dessas espécies de peras com espinhos, ele percebeu que seus dentes não doíam tanto e que se sentia melhor. Então começou a dar os frutos aos companheiros.



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Agora sabemos que o remédio do qual os marinheiros precisavam era comida fresca


Hoje sabemos que os marinheiros sofriam de escorbuto, uma doença que era na época amargamente comum e profundamente misteriosa. Ninguém sabia o que a causava e, embora a experiência mostrasse aos marinheiros que os frutos traziam alívio, não se sabia por quê.


Hoje sabemos que a cura para esta e muitas outras doenças terríveis e fatais é simples: vitaminas.


Mas a descoberta das vitaminas era como um ato de fé que exigia, na época, que se acreditasse em algo que não podia ser visto. E entendê-las é ainda hoje uma tarefa difícil.

Descoberta


Parece haver um consenso coletivo sobre o quão revolucionária foi a descoberta da penicilina, mas o mesmo não se repete em relação ao enorme sofrimento que as vitaminas foram capazes de aliviar.


A história começa em meados do século 19, na época da revolução Pasteuriana, quando infecções microbianas eram vistas como possível explicação para todas as doenças.


Assim, os pesquisadores que procuravam a causa de enfermidades como o escorbuto ou o beribéri esperavam encontrar algo — um micróbio, um agente externo — e não a ausência de algo — uma deficiência nutricional, por exemplo.


Foram necessárias várias décadas e um enorme esforço conjunto de cientistas para se entender o que estava acontecendo.



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Só em 1928 o bioquímico húngaro Albert Szent-Gyorgyi descobriu que a cura para o escorbuto era a vitamina C


A descoberta foi um marco na medicina moderna: pela primeira vez na história aprendemos que as doenças e até a morte poderiam ser causadas não apenas por agentes infecciosos, mas pela simples ausência de uma única substância em nossa dieta, como uma vitamina.


A vitamina A, encontrada em laticínios, fígado e peixes, previne a cegueira e deformidades de crescimento.


A vitamina B1 em quantidade suficiente previne o beribéri, que de meados do século 19 até o início do século 20 foi uma das principais causas de morte na Ásia.


Até mesmo o "vampirismo", como às vezes é chamada a pelagra — que produz desejo por carne crua, sangue na boca, palidez e suscetibilidade ao sol, agressividade e insanidade — é fruto "apenas" da falta de vitamina B3.

São vitais, mas não as temos


Hoje sabemos que existem 13 vitaminas fundamentais à vida humana e as denominamos com as letras A, B, C, D, E e K. O chamado complexo B inclui 8 vitaminas.


Mas por que nossos corpos não conseguem produzir quase nenhuma delas?


Os especialistas acreditam que as primeiras formas de vida, aquelas que existiam há cerca de 4 bilhões de anos, eram capazes produzi-las por conta própria.


Com o passar do tempo, algumas espécies tornaram-se capazes de fabricá-las, como as plantas, que produzem vitamina C.


Outras espécies, não só a humana, perderam essa habilidade.



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As plantas se tornaram "fábricas" de vitaminas.


Os primatas, assim como os porcos-da-Índia, morcegos e pássaros, por exemplo, não podem produzir vitamina C. Isso acontece apesar de termos em nosso DNA todos os genes usados pelos vertebrados que conseguem fabricá-la.


Pesquisas recentes revelam que, à medida que os animais — incluindo nós mesmos — começaram a consumir frutas e folhas que forneciam toda a vitamina C de que precisavam, eles foram parando de produzi-la.


Assim, as espécies passaram a depender umas das outras, criando o que os cientistas chamam de "tráfego de vitaminas".

Duas exceções


No entanto, nós mantivemos a capacidade de produzir duas das 13 vitaminas. Uma delas é a vitamina D, produzida pelas células da pele quando a luz solar incide sobre elas.


É difícil, mas não impossível, obter vitamina D em quantidade suficiente por meio da alimentação.



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Tudo que você precisa é de alguns raios de sol para produzir vitamina D


A outra é a vitamina B12. Neste caso, mais precisamente, ela não é produzida por nossos corpos, mas sim por bactérias.


Essas bactérias vivem em nossos intestinos mas, infelizmente, elas se localizam na parte final do trato digestivo, onde os nutrientes não podem mais ser absorvidos pelo corpo.


Os coelhos têm esse mesmo problema e o resolvem comendo as próprias fezes.


Nós, humanos, preferimos obter a vitamina B12 consumindo outras coisas, como carne bovina. Nestes animais, as bactérias se localizam na parte do intestino onde ainda podem ser absorvidas pelo organismo.

Uma ideia duvidosa


Os alimentos são uma maneira simples e barata de acabar com o sofrimento de milhões de pessoas em todo o mundo.


Uma dieta balanceada, com equilíbrio entre frutas, vegetais, grãos e gorduras, pode fornecer as quantidades (muito pequenas) de vitaminas necessárias para uma boa saúde.


Apenas em casos especiais, os médicos recomendam tomar doses mais altas de vitaminas, como na gravidez, quando um suplemento de ácido fólico, por exemplo, ajuda a prevenir síndromes congênitas em bebês.


Mas, há 50 anos, surgiria alguém que iria transformar a percepção do mundo sobre as vitaminas. Alguém tão poderoso que seria capaz de tirá-las dos consultórios médicos e as levaria para milhões de casas e estabelecimentos comerciais.


Esta pessoa era Linus Pauling, uma superestrela do mundo científico, considerado por Albert Einstein um gênio.



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Linus Pauling é uma "superestrela" científica


Ele ganhou dois prêmios Nobel individuais, um de Química e outro da Paz. Além disso, era descrito como charmoso e carismático. Parecia que ele era capaz de transitar sem esforço de uma área da ciência para outra. Pauling tinha um conhecimento enciclopédico de química, física, biologia e medicina.


No final dos anos 1960, este grande homem teve uma grande ideia. Pauling se convenceu de que as vitaminas não só podiam prevenir doenças causadas por deficiência, mas também fazer algo muito maior.


Ele acreditava que as vitaminas tinham o poder de prevenir doenças que nada tinham a ver com deficiência, mas que ameaçavam a todos nós, como o câncer e problemas cardíacos. Mais do que isso, Pauling dizia que elas poderiam até retardar o envelhecimento.


O segredo, segundo Pauling, era ingeri-las em grandes doses.


Quando ele trouxe esta mensagem ao mundo, o público adorou.


Sua perspectiva acabou inspirando uma geração de "gurus da saúde", que passaram a aconselhar a ingestão de altas doses diárias de vitaminas. Assim, uma enorme indústria foi criada.



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Suplementos, na grande maioria dos casos, não são necessários: a natureza nos dá o que precisamos.


A mensagem dos "gurus" era simples.


Se a quantidade de vitamina C necessária para se combater o escorbuto fosse de 10 miligramas e pudesse ser encontrada em um pedaço de laranja, então o equivalente a mais de 100 laranjas, e mais de 250 vezes a dose diária recomendada, seria ainda melhor porque isso impediria que se contraísse o resfriado comum.


Essa tese, especialmente, acabou se tornando uma "verdade científica" muito popular e persistente, apesar de um conjunto esmagador de evidências dizer que, para a maioria das pessoas, tomar altas doses de vitamina C para prevenir resfriados nada mais é que um desperdício.


O problema é que, em outros casos, estudos mostram que tomar altas doses de vitaminas pode ter efeitos mais desastrosos do que apenas perder dinheiro.


Embora seja possível que um dia se prove que os suplementos vitamínicos em altas doses protejam contra algumas doenças, até o momento as evidências para apoiar essas alegações permanecem bastante vagas.


E à medida que descobrimos mais sobre algumas vitaminas, fica claro que em grandes doses elas podem ter consequências inesperadas e às vezes perigosas.


Até que entendamos mais sobre esses poderosos produtos químicos, a maioria dos médicos recomenda o de costume: dieta balanceada, exercícios e um pouco de sol.






Autor: Redação BBC News Mundo
Fonte: BBC News
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 17/12/20
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-55332992

Intubação e ventilação em meio ao surto COVID-19


Anestesiologistas realizando intubação endotraqueal em pacientes com COVID-19. (A) Três anestesiologistas usando proteção com escala de nível III estavam realizando intubação endotraqueal. (B) Apenas um anestesiologista estava realizando intubação endotraqueal. (Fotografia: Dr. Li Wan.)


A ventilação na posição prona melhora a mecânica pulmonar e as trocas gasosas e é atualmente recomendada pelas diretrizes.29,30,29 A posição prona, se planejada, não deve ser uma tentativa final desesperada, mas deve ser considerada nos estágios iniciais da doença, 40 como as evidências sugerem que a aplicação precoce de ventilação prolongada na posição prona diminui a mortalidade em 28 e 90 dias em pacientes com SDRA grave.41 A ventilação em posição prona é atualmente amplamente usada para pacientes criticamente enfermos em Wuhan (fig. .9) .9). As manobras de recrutamento pulmonar, por meio de elevações transitórias na pressão das vias aéreas aplicadas durante a ventilação mecânica, podem abrir alvéolos colapsados ​​e, assim, aumentar o número de alvéolos disponíveis para a troca gasosa. As manobras de recrutamento pulmonar não reduzem significativamente a mortalidade, mas podem melhorar a oxigenação e encurtar o tempo de internação em pacientes com SDRA.42 De modo geral, as manobras de recrutamento não são apoiadas por evidências de alta qualidade 43 e deve-se ter cuidado ao usá-las, pois pode ser irritantes, provocam tosse e geram aerossóis.


Terapias adjuvantes podem ser consideradas. Muitos pacientes com insuficiência respiratória hipoxêmica aguda devido ao COVID-19 apresentam aceleração respiratória. Sedação e analgesia adequadas, como infusão de dexmedetomidina, propofol e remifentanil, são necessárias. As evidências de resultados relacionadas ao uso de relaxantes musculares têm sido controversas.44,45,44 Uma meta-análise recente concluiu que os relaxantes musculares melhoram a oxigenação após 48 h, mas não reduzem a mortalidade em pacientes com SDRA moderada e grave.46 No entanto, os músculos o relaxamento deve ser considerado em casos de overdrive de respiração, dissincronia paciente-ventilador e incapacidade de atingir o volume corrente desejado e a pressão de platô. É apropriado ser conservador com fluidos intravenosos em pacientes com lesão pulmonar grave se não houver sinais de hipoperfusão tecidual.29 A fluidoterapia conservadora é a estratégia usada em Wuhan. É importante evitar o tratamento com corticosteroides, visto que este tratamento demonstrou aumentar a mortalidade e as infecções hospitalares em pacientes com influenza grave.47-49 No entanto, o estudo mais recente sugeriu que a administração precoce de dexametasona pode reduzir a mortalidade geral e a ventilação mecânica em pacientes com SDRA.50 O tratamento com corticosteroides é usado atualmente em pacientes selecionados com lesão pulmonar inflamatória grave em Wuhan. Desconectar o paciente do ventilador resulta em perda de PEEP e atelectasia, e deve ser evitado. Cateteres em linha para aspiração das vias aéreas e pinçamento do tubo endotraqueal são recomendados antes de desconectar os circuitos respiratórios.




Autor: Lingzhong Meng, M.D.,1 Haibo Qiu, M.D.,2 Li Wan, M.D.,3 Yuhang Ai, M.D.,4 Zhanggang Xue, M.D.,7 Qulian Guo, M.D.,5 Ranjit Deshpande, M.D.,1 Lina Zhang, M.D., Ph.D.,4 Jie Meng, M.D., Ph.D.,6 Chuanyao Tong, M.D.,8 Hong Liu, M.D.,9 and Lize Xiong, M.D., Ph.D.10
Fonte: ncbi
Sítio Online da Publicação: ncbi
Data: 04/20
Publicação Original: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7155908/





terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O surpreendente efeito da positividade tóxica na saúde mental



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A positividade também pode ser tóxica


Pode parecer contraditório, mas a positividade pode ser tóxica.


"Qualquer tentativa de escapar do negativo — evitá-lo, sufocá-lo ou silenciá-lo — falha. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento", escreveu o escritor americano Mark Manson em seu livro A Arte Sutil de Ligar o Foda-se.


É precisamente nisso que consiste a positividade tóxica ou positivismo extremo: impor a nós mesmos — ou aos outros — uma atitude falsamente positiva, generalizar um estado feliz e otimista seja qual for a situação, silenciar nossas emoções "negativas" ou as dos outros.


Já aconteceu de você contar algo negativo sobre sua vida para alguém e, em vez de ouvir e acolher, a pessoa dizer: "Mas pelo menos..." ou então "É só você pensar positivo"?


O psicólogo da saúde Antonio Rodellar, especialista em transtornos de ansiedade e hipnose clínica, prefere falar em "emoções desreguladas" do que "negativas".

"A paleta de cores emocionais engloba emoções desreguladas, como tristeza, frustração, raiva, ansiedade ou inveja. Não podemos ignorar que, como seres humanos, temos aquela gama de emoções que têm uma utilidade e que nos dão informações sobre o que acontece no nosso meio e no nosso corpo", explica Rodellar à BBC News Mundo.


Para a terapeuta e psicóloga britânica Sally Baker, "o problema com a positividade tóxica é que ela é uma negação de todos os aspectos emocionais que sentimos diante de qualquer situação que nos represente um desafio."


"É desonesto em relação a quem somos permitir-nos apenas expressões positivas", diz Baker. "Negar constantemente tudo o que é 'negativo' que sentimos em situações difíceis é exaustivo e não nos permite construir resiliência [a capacidade de nos adaptarmos a situações adversas]."


"Isso nos isola de nós mesmos, de nossas verdadeiras emoções. Nós nos escondemos atrás da positividade para manter outras pessoas longe de uma imagem que nos mostra imperfeitos."



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"Tudo vai ficar bem" nem sempre é a resposta mais reconfortante

Psicologia positiva vs. positividade tóxica


Para entender a positividade tóxica, devemos primeiro diferenciá-la da psicologia positiva, um conceito que parece semelhante, mas é diferente.


"A psicologia positiva foi popularizada pelo psicólogo Martin Seligman, que trabalhou muito com os problemas da depressão e deu uma perspectiva diferente para lidar com diferentes problemas, situações ou patologias", explica Rodellar.


Na década de 1990, Seligman, então presidente da Associação Psicológica Americana (APA), disse em uma conferência que a psicologia precisava dar um novo passo para estudar do ponto de vista científico tudo o que torna o ser humano feliz.


Em seu famoso livro The Optimistic Child (A Criança Otimista, sem edição no Brasil), o psicólogo americano explicou que o pessimista não nasce, mas é criado. "Aprendemos a ser pessimistas pelas circunstâncias da vida."


No entanto, ele também disse que podemos lutar contra esse pessimismo e transformar nossos pensamentos negativos em mais positivos.


Mas isso não quer dizer que, se você se sente triste, tem que se concentrar em ser feliz. Na verdade, fazer isso provavelmente cairá na armadilha da positividade tóxica porque, para trabalhar as emoções negativas, você não pode ignorá-las. Primeiro você deve reconhecê-las e aceitá-las.



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Às vezes é ok não estar bem


O segredo é não levar o positivismo ao extremo.


"O conceito de psicologia positiva ficou um pouco distorcido com o tempo", diz Rodellar. "Focar nos aspectos positivos das diferentes situações que ocorrem na vida pode ser terapêutico e construtivo. O problema é que levado ao extremo pode gerar uma baixa capacidade de enfrentar situações negativas."


"A psicologia positiva aplicada corretamente é uma prática muito útil, mas usada indiscriminadamente gera uma visão muito parcial da realidade e um sentimento de desamparo. Negar situações dolorosas e prejudiciais na vida é como ver a realidade com um só olho", acrescenta Rodellar.

Como a positividade tóxica nos afeta?


Bloquear ou ignorar emoções "negativas" pode ter consequências para a saúde.


"Todas as emoções que reprimimos são somatizadas, expressas através do corpo, muitas vezes na forma de doença. Quando negamos uma emoção, ela encontrará uma forma alternativa de se expressar", diz Rodellar.


"Suprimir as emoções afeta sua saúde. Se você esconder suas dificuldades mentais por trás de uma fachada de positividade, elas se refletirão de maneiras alternativas em seu corpo, de problemas de pele à síndrome do intestino irritável", explica Sally Baker.


"Quando ignoramos nossas emoções negativas, nosso corpo aumenta o volume para chamar nossa atenção para esse problema. Suprimir as emoções nos esgota mental e fisicamente. Não é saudável e não é sustentável a longo prazo", diz a terapeuta.



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É preciso aceitar todas as emoções, incluindo as negativas


Uma segunda consequência, diz Rodellar, é que "quando nos concentramos apenas nas emoções positivas, obtemos uma versão mais ingênua ou infantil das situações que podem nos acontecer na vida, de modo que nos tornamos mais vulneráveis ​​aos momentos difíceis".


Teresa Gutiérrez, psicopedagoga e especialista em neuropsicologia, considera que "o positivismo tóxico tem consequências psicológicas e psiquiátricas mais graves do que a depressão".


"Pode levar a uma vida irreal que prejudica nossa saúde mental. Tanto positivismo não é positivo para ninguém. Se não houver frustração e fracasso, não aprendemos a desenvolver em nossas vidas", disse ele à BBC Mundo.


'É ok não estar bem'


O positivismo tóxico está na moda? Baker pensa que sim e atribui isso às redes sociais, "que nos obrigam a comparar nossas vidas com as vidas perfeitas que vemos online".


"Há uma tendência constante nas redes sociais de nos mostrarmos perfeitos e felizes. Mas isso é desgastante e não é real."


"Se houvesse mais honestidade sobre as vulnerabilidades, nos sentiríamos mais livres para experimentar todos os tipos de emoções. Somos humanos e devemos nos permitir sentir todo o espectro de emoções. É ok não estar bem. Não podemos ser positivos o tempo todo."


Gutiérrez acredita que houve um aumento do positivismo tóxico "nos últimos anos", mas principalmente durante a pandemia.



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É preciso ser honesto consigo mesmo sobre suas emoções


"Vivemos um momento atípico e estranho em que muita gente está sofrendo muito. Ansiedade, incerteza, frustração, medo... são sentimentos comuns. Porém, há um excesso de positivismo tóxico que é perigoso", afirma a psicoterapeuta.


Rodellar diz que vê "uma certa tendência ao bem-estar rápido, de querer se sentir bem imediatamente, como um direito natural".


"É muito bom pensar que tudo vai dar certo, mas isso não significa que todo o processo para que aconteça tenha que ser agradável. É mais realista dizer 'isso também vai acontecer, mas vai passar' quando estamos em um momento de bloqueio", diz a psicóloga.


"Todas as emoções são como ondas: ganham intensidade e depois descem e tornam-se espuma, até desaparecer aos poucos. O problema é quando não as queremos sentir porque nos tornamos mais dóceis perante uma 'onda' que se aproxima".

Validar em vez de ignorar


Os psicólogos concordam que o ideal — em termos gerais — é aceitar todas as emoções, em vez de suprimir aquelas que nos fazem mal.


Não se trata de não ser positivo, mas de validar como nos sentimos a cada momento mesmo quando não estamos bem.


"Seja mais honesto, mais autêntico, não tenha medo de expressar que está triste, deprimido ou ansioso. Reconheça que está mal e saiba que isso vai acontecer. Experimente essas emoções e aprenda com elas a ser mais resiliente", explica Baker, que esclarece que essas dicas excluem pessoas com depressão clínica (um distúrbio grave que, na verdade, costuma piorar se não for tratado).


Stephanie Preston, professora de psicologia da Universidade de Michigan, nos EUA, acredita que a melhor maneira de validar as emoções é "apenas ouvi-las".


"Quando alguém compartilha sentimentos negativos com você, em vez de correr para fazer essa pessoa se sentir melhor ou pensar mais positivamente ("Tudo vai ficar bem"), tente levar um segundo para refletir sobre seu desconforto ou medo e faça o possível para ouvir", aconselha a especialista.


"Estar em uma situação emocionalmente difícil já faz as pessoas se sentirem sozinhas e isoladas. Quando outros tentam silenciar essas emoções, especialmente amigos e familiares, dói muito. Ouvir alguém que está sofrendo pode fazer uma grande diferença na vida da pessoa."


Preston diz que diversos estudos mostram como o altruísmo beneficia e influencia positivamente a nossa própria saúde.



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Você oculta suas emoções negativas?


E se você é quem está mal, "o mais importante é fazer um exercício de consciência", propõe Rodellar.


"Esteja atento à situação e à emoção que está vivenciando. Não negue que algo ruim está acontecendo, não olhe para o outro lado, mas não fique preso a essa emoção negativa."


"As emoções são informações que temos que ler e entender para depois aplicar uma perspectiva construtiva e ver quais lições podemos aprender e como podemos gerar mudanças no futuro."


Como aplicar isso na prática? Em vez de dizer "não pense nisso, seja positivo", diga "me diz o que você está sentindo, eu te escuto". Em vez de falar "poderia ser pior", diga "sinto muito que está passando por isso". Em de vez "não se preocupe, seja feliz", diga "estou aqui para você".


"Temos que assumir a responsabilidade por nossa própria felicidade a partir da psicologia construtiva", diz Rodellar.


"Tudo bem olhar para o copo meio cheio, mas aceitando que pode haver situações em que o copo está meio vazio e, a partir daí, assumir a responsabilidade de como construímos nossas vidas".


Para Baker, o que devemos lembrar é que "todas as nossas emoções são autênticas e reais, e todas elas são válidas".


*Esta reportagem não é um artigo médico. Se tiver sintomas de depressão, perguntas ou precisar de orientação, consulte seu médico ou um psicólogo.







Autor: Lucía Blasco
Fonte: BBC News Mundo
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 14/12/20
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55278174