Na primeira parte da reportagem especial sobre mercado ligado ao sono, Futuro da Saúde abordou o contexto do segmento e o impacto dos problemas na economia. Nesta segunda parte, a matéria trará soluções inovadoras que utilizam tecnologia para resolver tanto diagnóstico quanto acompanhamento de tratamento – além do uso da melatonina, liberada recentemente no Brasil como suplemento.
Dentre os principais problemas a serem enfrentados está a apneia, caracterizada por pausas respiratórias recorrentes durante a noite, que fazem com que o sono se fragmente e não cumpra seu papel de restauração. É uma doença crônica que é muito comum, mas subnotificada – acomete 33% de toda a população adulta, dos quais 90% permanecem sem diagnóstico.
Segundo revisão do The Lancet, realizada em 2019, estima-se que quase 1 bilhão de pessoas têm apneia no mundo – no Brasil, o número pode chegar a 40 milhões.
“É uma epidemia que passa despercebida. Não existe uma urgência, porque não se morre em um mês, mas o problema se prolonga por anos. E o diagnóstico é complexo, caro e inacessível para a maioria da população”, avalia Talita Salles, head de vendas e marketing da Biologix.
A startup apresenta uma plataforma online que permite que profissionais de saúde ofereçam um exame de apneia do sono simplificado e de baixo custo aos seus pacientes no esquema B2B2C – ela negocia com os profissionais, que oferecem o dispositivo para os pacientes. Hoje, por mês, a Biologix realiza cerca de 5,5 mil exames.
Ao contrário da polissonografia tradicional, o exame oferecido pela Biologix pode ser feito em casa e permite que o paciente não durma envolto a fios, o que pode garantir mais conforto. Ele também pode ser repetido por várias noites seguidas, possibilitando uma análise mais real da rotina do paciente.
Por meio de um oxímetro de alta resolução, desenvolvido e patenteado para isso, é possível monitorar saturação, movimentação, ronco e frequência cardíaca. Como a apneia pode acontecer muitas vezes durante a noite, inclusive em um mesmo minuto, a sensibilidade do aparelho precisava ser maior do que a do oxímetro encontrado nas farmácias.
O equipamento repassa as informações ao aplicativo da empresa no próprio smartphone via bluetooth. Depois que o exame é finalizado, elas são repassadas para uma nuvem, onde o médico terá acesso ao laudo para análise.
A média do preço cobrado pelos parceiros vai de R$ 200 a R$ 400, com possibilidade de parcelamento. Particular, o exame tradicional pode passar de R$ 1,5 mil. O objetivo da empresa é democratizar o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento da apneia do sono no mundo. Democratizar porque é uma solução mais barata e acessível. Muitas vezes o paciente não vai, não tem quem leve, não tem dinheiro, tem convênio, mas não tem carro. Então ficava muito restrito aos grandes centros”, finaliza Talita.
A Biologix está incubada na Eretz.bio, do Einstein, desde janeiro de 2020 e se apresentou em congresso internacional e nacional.
Culpa não é só do celular
Outro dos principais problemas relacionados ao sono é a insônia, um distúrbio que está diretamente associado a dificuldades para dormir e/ou manter o sono. Ela pode ser aguda, quando é transitória e circunstancial, como às vésperas de um compromisso importante, ou crônica, que é quando dura mais de três meses e está relacionada com traços da personalidade de cada indivíduo.
Os fatores causadores são diversos e podem ser emocionais, cognitivos, fisiológicos e comportamentais, e impactam a rotina como um todo. Pessoas que sofrem com o distúrbio costumam ter alterações de humor, prejuízos na memória, concentração, cansaço e piora nos quadros de ansiedade e depressão.
Um dos principais tratamentos para ela é a Terapia Cognitiva Comportamental para insônia, também conhecida como TCCi. Em geral, ela é recomendada antes mesmo das intervenções medicamentosas por ser uma intervenção “padrão ouro”.
A abordagem psicoterapêutica é focada nas causas da insônia e conduz a uma mudança de comportamento e pensamentos disfuncionais relacionados ao sono. A TCCi é prática e consiste em que a pessoa aplique determinadas técnicas no cotidiano para combater o estado de alerta na cama, ajustar os horários de dormir, entre outras questões.
Na startup Vigilantes do Sono, o programa de tratamento da insônia é baseado no método TCCi e acontece dentro de um aplicativo, com acompanhamento de uma inteligência artificial, a chatbot Sônia. A ideia com ela é que uma pessoa tenha a experiência de um terapeuta no bolso, disponível todos os dias e horários.
“Acreditamos que o grande mérito da Sônia é que ela consegue criar uma conexão muito significativa com as pessoas, e ajuda elas a se manterem engajadas num tratamento que não é fácil, até a pessoa conseguir ver uma melhora no sono”, explica Lucas Baraças, CEO e fundador da startup.
Para ele, a tecnologia permite que duas grandes barreiras sejam quebradas no combate à insônia: o alto custo do tratamento na terapia convencional, que pode passar de R$ 2 mil, e um gap de especialistas em TCCi no Brasil. “E existe a questão do estigma. Fazer terapia é um tabu ainda para muitas pessoas e o programa digital nos permite romper esta barreira também.”
Hoje, mais de 45 mil pessoas já passaram pelo programa e mais de mil profissionais da saúde usam o Vigilantes do Sono para acompanhar os pacientes. A startup ainda tem parceria com grandes empresas, também está incubada na Eretz.bio e já foi apresentada em congressos nacionais e internacionais.
Telemedicina e wearables na prevenção da insônia
Quem trabalha no mesmo nicho de insônia é a SleepUp, startup que utiliza protocolos clínicos para auxiliar no tratamento e prevenção da insônia de forma acessível, natural e eficaz com a utilização de protocolos clínicos como a TCCi e mindfulness. A plataforma disponibiliza, no aplicativo, diversos recursos ao usuário como diários do sono, questionários clínicos, metas, módulos especiais e orientações personalizadas – além de acesso a conteúdo educativo e de relaxamento para ajudar a dormir melhor.
O processo também é acompanhado pela Dra. Luna, uma assistente virtual criada para que o usuário possa ter auxílio imediato em sua jornada dentro do app. Ela consegue conduzir a experiência do usuário de maneira interativa e humanizada, sendo muitas vezes o primeiro contato do usuário com alguém da equipe, mesmo ela sendo um chatbot.
A startup possui integração com tecnologias vestíveis, através do Samsung Health e Google Fit, para captação de sinais biométricos usados para a personalização da jornada terapêutica. E não para por aí, segundo Renata Bonaldi, CEO da SleepUp: “Estamos desenvolvendo uma faixa de cabeça com sensores de eletroencefalograma para captação de sinais cerebrais sobre o sono, a fim de integrar com a terapia digital e oferecer uma solução remota, caseira e clinicamente validada para monitoramento caseiro do sono”.
A empresa já passou por diversas incubadoras e aceleradoras, como Founder Institute, Eretz.bio, Distrito InovaHC, Supera Park, Vibee Unimed, Inovativa e Biominas, e recebeu premiações científicas e internacionais na área da saúde.
Hormônio do sono
A melatonina é um hormônio produzido principalmente na glândula pineal e que atua no ciclo circadiano como um mensageiro cronobiótico, levando a mensagem do tempo biológico para todas as células. Ou seja, ela avisa o corpo de que é hora de dormir.
“O sono tem um componente automático relacionado ao relógio biológico no meio do cérebro, o hipotálamo. A cada 24h, esse relógio prepara o nosso corpo para dormir. Esse ‘aviso’ acontece através de um hormônio que age no corpo inteiro, que é a melatonina”, explica o neurofisiologista Leonardo Ierardi.
Popularmente, ela ficou conhecida como “hormônio do sono” e era comercializada em farmácias de manipulação, apenas mediante receita médica, para pessoas que tinham dificuldade para dormir.
Em outubro de 2021, a Anvisa aprovou o uso da melatonina no Brasil como suplemento. Com isso, ficou permitido o uso do hormônio, mesmo que sem receita e em suplementos alimentares, a doses diárias de até 0,21mg para maiores de 19 anos.
A Hypera Pharma, um dos maiores conglomerados farmacêuticos do Brasil, foi uma das primeiras empresas a se anteciparem e incluírem o suplemento em seu portfólio. “Antes, praticamente só quem viajava para o exterior conseguia adquirir versões desse produto. Agora, a suplementação deixou de ser um privilégio e está disponível em massa no país”, avalia Breno Oliveira, CEO da empresa.
Para ele, a nova regulamentação sobre a melatonina é considerada um marco porque permitiu a criação de uma nova categoria no mercado. Sob seus rótulos, a Hypera Pharma comercializa três opções da melatonina pela Mantecorp, Vitasay e Neo Química.
A neurologista Andrea Bacelar também vê a regularização como positiva, mas avisa que o consumo deve ser feito com cautela. “A gente precisava da melatonina no Brasil. Talvez não nessa dose porque, dependendo do diagnóstico, precisamos de doses até mais elevadas. Mas ela é prescrita quando é necessário”, explica.
Para a médica, o indivíduo precisa observar a rotina e fazer associações. “Será que a irritação, cansaço, glicemia alterada, ganho de peso não podem ter relação com um sono de má qualidade? As pessoas precisam fazer essas perguntas para avaliar o quanto uma consulta especializada pode ajudar. Se não, é secar gelo”, completa Andrea Bacelar.
Futuro do setor
Os problemas relacionados ao sono parecem distantes de acabar e a tecnologia acaba sendo uma grande aliada no que diz respeito aos tratamentos – seja para ajudar no diagnóstico ou nas terapias. Mesmo que vista como “vilã do descanso”, especialistas garantem que, quando utilizada da forma correta, ela ajuda mais do que atrapalha.
Talita Salles, da Biologix, vê no sono um dos grandes pilares da saúde. “Se você não dorme bem, não tem regeneração hormonal. E a nossa sociedade 24/7 detona o tipo de trabalhador com horário matutino, por exemplo. Nosso dia se estende muito à rotina social”, explica. Ela vê nos números da empresa que o setor está crescendo.
“A gente começou a atuar comercialmente no começo de 2019. Quando foi em 2020, veio a pandemia. Então não tínhamos nenhum histórico. Tivemos um crescimento durante a pandemia, mês a mês. Mas, de janeiro para cá, com as coisas voltando ao normal, foi um grande boom. Terminamos dezembro fazendo 2,8 mil exames por mês. Em cinco meses, esse número mais do que dobrou.”
Já Lucas Baraças, da Vigilantes do Sono, enxerga no cenário internacional o potencial de crescimento do setor. “A maior prova disso é que alguns países mais desenvolvidos têm tido iniciativas para tentar promover cada vez mais estas terapias digitais. Na Alemanha criou-se uma lei que exige que os planos de saúde reembolsem estes tipos de terapia”, destaca.
“Mais recentemente no Reino Unido um programa digital de TCCi recebeu o aval para ser recomendado por médicos no sistema nacional de saúde como uma alternativa ao uso de medicamentos”, finaliza Baraças. Para ele, cada vez mais as pessoas têm dado importância ao sono por questões de bem-estar e saúde populacional.
Uma pesquisa realizada pela SleepUp no ano passado mostrou que 10% da população estava utilizando remédios para dormir todos os dias. Outro levantamento, mais recente, indicou que 30% das pessoas da geração Y e Z já monitoram o sono com alguma tecnologia.
“Desde o início da pandemia as relações diárias das pessoas mudaram. Após esse momento, viu-se uma necessidade muito grande de se entender e pensar mais sobre a saúde mental, e consequentemente, a saúde do sono, já que a busca por insônia aumentou muito nos sites de busca devido a esse momento que passamos”, pondera Renata Bonaldi, da SleepUp.
“Ainda existem reflexos da pandemia em nossa saúde mental e emocional, e isso também reflete na busca pela solução dessa dor criada. Por isso, hoje, o mercado está buscando formas de suprir essa dor, com a inovação e tecnologia atrelada à saúde”, finaliza.
Autor: Giulia Leal
Fonte: futurodasaude
Sítio Online da Publicação: futurodasaude
Data: 17/08/2022
Publicação Original: https://futurodasaude.com.br/especial-sono-parte-2/
Sítio Online da Publicação: futurodasaude
Data: 17/08/2022
Publicação Original: https://futurodasaude.com.br/especial-sono-parte-2/
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