sábado, 20 de agosto de 2022

Aquisições e negócios B2B estão no radar das grandes farmacêuticas

 

Farmacêuticas compram laboratórios focados em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para doenças raras e câncer.

O recente anúncio da compra da Global Blood Therapeutics (GBT) pela Pfizer por 5 bilhões de dólares movimentou o mercado de aquisições da indústria farmacêutica neste mês. Isso porque a empresa dá mais um grande passo para aumentar o seu portfólio de produtos para tratamentos de doenças raras e de alta complexidade.

Com apenas um medicamento sendo comercializado no mundo, o Oxbryta, a GBT desenvolve pesquisas e tratamentos exclusivamente para anemia falciforme. Estima-se que apenas o medicamento aprovado em 2019 pelo FDA, a agência reguladora americana, rendeu 55 milhões de dólares aos cofres da empresa, que passa a fazer parte da gigante americana.

Essa não é a primeira movimentação da Pfizer e de outras grandes farmacêuticas nesse sentido. De acordo com analistas ouvidos pelo Futuro da Saúde, existe uma tendência das companhias em adquirir laboratórios que trabalham com medicamentos cada vez mais específicos e com um alto valor agregado, como tratamento para diversos tipos de câncer e doenças raras, assim como focar no mercado institucional, fornecendo produtos a operadoras, governos e hospitais.

“Quando você é uma empresa que precisa investir nessas terapias, precisa ter toda uma estrutura focada para isso. Cada vez que consegue lançar um medicamento, tem um valor agregado muito grande à empresa. Com isso, as farmacêuticas começaram a entender que a dinâmica de inovação é muito particular, e precisa de recursos e desenvolvimento para esse foco”, explica Rita Ragazzi, sócia-diretora líder do segmento de Healthcare & LifeSciences da KPMG.
Movimento contínuo de aquisições

“O movimento de aquisição é constante. As 100 maiores companhias farmacêuticas de 30 anos atrás se consolidaram e viraram 30 empresas. Esse já é um movimento histórico e hoje em dia estamos vendo as empresas serem mais focadas em aquisições de produtos e indústrias que desenvolvem produtos de alta complexidade”, aponta Felipe Abdo, sócio de Life Sciences & Health Care da Deloitte.

No passado, as fusões foram o carro-chefe para surgirem grandes conglomerados com dominação de mercado. Foi o caso da AstraZeneca, por exemplo, que em 1999 surgiu da fusão de duas grandes empresas, a sueca Astra AB e a inglesa Zeneca. Hoje, no entanto, as grandes farmacêuticas estão estabelecidas e focam suas energias em aquisições de laboratórios menores e focados em diversos segmentos.

Para focar em medicamentos de alta complexidade e com custo elevado, as empresas têm feito um movimento para se desfazer dos seus portfólios de tratamentos de baixo custo, vendido diretamente para consumidores em farmácias e drogarias. Foi o que ocorreu em 2020, quando a brasileira Hypera comprou 18 medicamentos da Takeda, entre eles velhos conhecidos da população, como Neosaldina e Dramin.

Felipe explica que com o alto custo de pesquisa e desenvolvimento para novos tratamentos, se torna mais vantajoso para as grandes farmacêuticas adquirirem empresas que tem esse trabalho sendo concluído ou bem encaminhados, como é o caso da Pfizer: “É cada vez mais caro desenvolver um produto. Na década de 70, era 30 vezes mais barato desenvolver um produto que agora. Você precisa ter outras fontes de pipeline, não pode depender da sua pesquisa e desenvolvimento, senão corre muito risco. Tem aquisições nesse sentido também”.
Brasil no mercado

Dados do relatório de julho da KPMG, que analisou o primeiro trimestre de transações no Brasil, apontam que seis aquisições de farmacêuticas e produtos químicos em geral foram feitas no país entre janeiro e março de 2022, sendo quatro entre empresas nacionais. As outras fazem parte de um movimento mais recente, onde laboratórios brasileiros compram companhias estrangeiras. É o que ocorreu em uma transação no início de agosto, onde a brasileira Biolab comprou a canadense Exzell Pharm, empresa focada em produtos OTC (fora do balcão, em tradução livre).

Por outro lado, Rita Ragazzi, da KPMG, explica que as empresas multinacionais têm buscado adquirir no Brasil outras empresas que não são especificamente laboratórios, mas que fazem parte em algum ponto da cadeia de valor, o que contribui com a expansão e capacidade da empresa em fornecer medicamentos. “Quando falamos de cadeia farmacêutica temos uma questão importante de eficiência operacional, que tem a ver com a parte de distribuição, além da produção, principalmente com uma carga tributária importante que a gente tem no Brasil”, explica.

No entanto, existe uma dificuldade para as grandes farmacêuticas em comprarem companhias brasileiras. Com o dólar valorizado frente ao real, tornou-se um bom momento para as multinacionais fazerem aquisições no país, mas de acordo com Felipe Abdo, da Deloitte, o principal entrave ocorre por conta da estrutura familiar de grande parte das empresas nacionais:

“As empresas nacionais são muito bem estabelecidas. Tem muita empresa familiar e não tem muito interesse em serem vendidas. São empresas que foram criadas há décadas. Eu não vejo que os sucessores dos fundadores tenham vontade de sair do mercado. Talvez no futuro isso mude, com a medida que as novas gerações forem sucedendo”.

Felipe ainda explica que com a chegada das eleições presidenciais, as transações domésticas devem desacelerar por alguns meses, para observar qual linha de governo o país vai seguir, assim como a estabilidade frente à economia. “As tendências são boas, os números de desemprego vem diminuindo, o Brasil tem se saído bem economicamente como um país atrativo para entrada de outras empresas, mas há uma incerteza muito grande”, conclui.
Foco nos objetivos

Com a mudança de foco das grandes farmacêuticas para medicamentos e tratamentos de alta complexidade e com maior custo, as empresas passam a mirar um outro tipo de venda, voltado para os negócios B2B (business to business). Assim, o consumidor final não é mais a população no balcão da farmácia, mas governos, hospitais e operadoras de saúde.

Para isso, elas buscam focar o seu portfólio em uma segmentação que faça sentido tanto para a farmacêutica, quanto para o cliente. Tratamentos específicos para câncer, doenças raras, saúde da mulher e medicamentos ligados ao envelhecimento estão entre os principais. Consequentemente, as aquisições têm sido feitas nesse sentido. De acordo com Ragazzi, da KPMG, hoje faz mais sentido que uma empresa que tenha um amplo portfólio para diferentes tipos de câncer de pulmão, por exemplo, realize negócios na mesma linha.

“A empresa já entende a necessidade do paciente, já teve que pesquisá-lo e entendeu a jornada de recuperação e sobrevida. Então, ela faz aquisições nesse aspecto. Ela já fala com médicos que tratam desta doença, já tem o canal de acesso. Eventualmente, podem se associar com planos de saúde e vendem o portfólio inteiro. Conseguem provar o valor disso, porque tem certeza que cuidam do paciente de ponta a ponta”, explica a sócia-diretora.

Da mesma forma, quem faz a chave para abrir as portas também precisa encontrar as fechaduras certas para ela. Empresas também têm investido em negócios de diagnósticos para as patologias que são alvo dos tratamentos oferecidos pelas farmacêuticas, para identificar exatamente o público que pode ter um benefício.

A aquisição de empresas de dados e inteligência artificial também está no radar, já que contribuem com a produção e desenvolvimento de novas terapias. No entanto, ainda é um mercado em implementação e precisa se comprovar viável, além de reduzir custos das empresas e acelerar todo o processo.

Ragazzi acredita que com a implementação do open health no país, sistema do Ministério da Saúde em implementação para facilitar a interoperabilidade de dados de pacientes e a portabilidade de planos de saúde, as farmacêuticas também poderão se beneficiar a longo prazo: “Como as pessoas vão começar a pensar em comprar serviços de maneira mais adequada, mais eficiente e com valor agregado, medindo resultados de terapias, invariavelmente vai chegar nesse tema de como a indústria da saúde vai começar a trabalhar essa parte dos dados”.





Autor: Rafael Machado
Fonte: futurodasaude
Sítio Online da Publicação: futurodasaude
Data: 17/08/2022
Publicação Original: https://futurodasaude.com.br/aquisicoes-grandes-farmaceuticas/

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