O ano de 2024 foi o mais quente já registrado no planeta, com temperatura média global de 1,55 °C acima dos níveis pré-industriais. Ondas de calor, incêndios florestais e inundações são alguns dos eventos extremos causados pelo aquecimento global e, segundo o relatório The Lancet Countdown para América Latina 2025, resultaram no aumento da mortalidade e em perdas econômicas significativas. Com participação de pesquisadores da Fiocruz na elaboração, relatório é resultado de um estudo colaborativo entre 25 instituições acadêmicas regionais e agências da Organização das Nações Unidas (ONU), que acompanha 41 indicadores em 17 países da América Latina. Em parceria com The Lancet, a Fiocruz está finalizando a elaboração de um documento para o Brasil, que traz recomendações para formuladores de políticas, geralmente com foco em questões específicas de saúde e clima.
Durante o lançamento, a pesquisadora e diretora do The Lancet Countdown, Stella Hartinger, apresentou dados alarmantes que revelam que, entre 2012 e 2021, a mortalidade relacionada ao calor atingiu 13 mil mortes por ano na América Latina, um aumento de aproximadamente 103% em comparação com o período de 1990 a 1999. O impacto econômico é de US$ 855 milhões anuais entre 2015 e 2024. As perdas de produtividade relacionadas ao calor, em 2024, somaram US$ 52 bilhões, 12,6% a mais que em 2023, afetando principalmente os setores agrícola e da construção civil.
A pesquisadora alertou para o aumento da temperatura média da região de 23,3°C para 23,8°C na última década. Em 2024, chegou a quase 24,3°C, um recorde histórico que se traduz em impactos concretos sobre a saúde, especialmente entre crianças e idosos, com crescimento da mortalidade associada ao calor.
Outro ponto crítico destacado é a integração entre meteorologia e saúde pública. “Apenas dez dos 17 países da região informaram cooperação ativa entre serviços meteorológicos e sanitários, e apenas a Argentina declarou ter sistemas plenamente integrados para monitorar doenças relacionadas ao clima”, afirmou Stella.
Conforme descrito no relatório, o aumento da temperatura amplia o risco de transmissão de doenças infecciosas, como a dengue, especialmente em países vulneráveis como Bolívia, Brasil e Peru.
O documento ressalta ainda que ações governamentais e de políticas nacionais continuam insuficientes no enfrentamento às mudanças climáticas, evidenciando uma falha sistêmica em priorizar a resiliência em saúde. De acordo com o estudo, apenas 41,2% dos países da região declararam publicamente ter concluído uma Avaliação de Vulnerabilidade e Adaptação desde 2020, e apenas nove países, 53%, desenvolveram um Plano Nacional de Adaptação em Saúde. Além disso, a integração do componente de saúde nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) ainda é insuficiente. Essas Contribuições são referentes aos compromissos que cada país assume sob o Acordo de Paris para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas.
Coordenador de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Guilherme Franco Netto ressaltou que a Fiocruz tem se aprofundado no tema das mudanças climáticas e que não há mais nenhum setor da saúde pública que possa se colocar à margem do enfrentamento dessa crise. “Estamos diante de um paradigma para a saúde pública que precisa compreender de forma sistêmica a relação entre clima e vida humana”, pontuou.
Para Guilherme, os efeitos do clima não são homogêneos e refletem as desigualdades e vulnerabilidades dos territórios, especialmente na América Latina. “A ciência, as políticas públicas e a organização da sociedade são elementos a serem considerados para enfrentar a crise climática no campo da saúde”, finalizou.
A diretora do departamento de Vigilância em Saúde, Ambiente e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Agnes Soares da Silva, falou do Plano de Ação de Saúde de Belém que visa fortalecer a resiliência dos sistemas de saúde para a crise climática e que deverá ser apresentado durante a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorre entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém (Pará).
Na avaliação dela, não há como superar um problema tão complexo quanto o climático sem olhar para a equidade em saúde. “Equidade, justiça climática e governança com participação social precisam ser princípios centrais da nossa prática”, destacou.
Também participaram do lançamento a editora-chefe do The Lancet Regional Health - Americas, Taissa Vila; a secretaria executiva do Organismo Andino de Saúde - Convênio Hipólito Unanue (ORAS-CONHU), Maria Del Carmen Calle. A moderação foi feita pelo chefe da Unidade de Mudanças Climáticas e Determinantes Ambientais de Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Daniel Buss.
Às vésperas da COP 30, o relatório é um relevante aporte que destaca a necessidade urgente de ações de adaptação e mitigação para proteger a saúde humana, com governança eficaz, transição energética justa e estratégias de mitigação, como agricultura sustentável e transformação do sistema alimentar com o objetivo de reduzir os efeitos das mudanças climáticas na América Latina.
Autor: Suzane Durães (VPAAPS/Fiocruz)
Fonte: Fiocruz
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data: 03/11/2025
Publicação Original: https://fiocruz.br/noticia/2025/11/relatorio-alerta-para-impactos-crescentes-do-calor-na-america-latina
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