segunda-feira, 8 de novembro de 2021

CBMI 2021: como reduzir os malefícios da sedação na Covid-19?

Estamos acompanhando o Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI) 2021, que acontece nesta semana, dos dias 9 ao dia 12 de novembro. O Portal PEBMED acompanhará os melhores momentos do evento. Fique ligado!

Continuamos no primeiro dia do CBMI. A mesa redonda intitulada “Covid-19: Fábrica de Delirium?” trouxe, além dos pontos abordados no texto CBMI 2021: os desafios da sedação em pacientes graves com Covid-19, quais estratégias poderiam ser tomadas no sentido de reduzir os malefícios da sedação. Os tópicos abordados neste texto ainda se referem à conferência do Dr. Bruno Besen.
Olhando a “Ventilação Mecânica Protetora” de outra forma

Nem toda Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) moderada a grave necessita sedação profunda. Não podemos entender o paciente como um órgão único (pulmões). Precisamos entender o pacote como um todo do paciente. Ou seja, sedação profunda para todo paciente com SDRA moderada a grave a qualquer custo? Precisamos balancear o cuidado dos pulmões com o cuidado dos músculos e do cérebro.
Reconciliando conceitos…

A conferência abordou a necessidade de reconciliar conceitos e a seguinte frase ilustra muito bem esse pensamento:

“Lung, diaphragm, brain and muscle protective ventilation”

Não precisamos proteger apenas os pulmões. Precisamos proteger pulmões, diafragma, cérebro e músculo. Em um momento inicial, os pulmões são mais importantes, principalmente quando a maior preocupação é a Patient Self-Inflicted Lung Injury (P-SILI).

Em outro momento, já posterior ao insulto agudo inicial, a função pulmonar do paciente ainda pode estar debilitada, mas a P-SILI talvez não seja um grande problema. O paciente vai depender do ventilador mecânico mas pode ficar acordado, em modo espontâneo, fazendo exercícios, com boa adaptação ao ventilador e sem necessidade de sedação. Assim, é possível determinar de forma racional o momento em que a VM protetora pulmonar será priorizada, sem esquecer das demais funções.
O que se pode fazer individualmente?

Conhecer os vieses cognitivos (podem implicar barreiras no raciocínio da sedação em pacientes críticos);

Buscar quebrar seus vieses:
Ancoramento: Ex: “Esse paciente é muito grave. Precisou ser curarizado ontem. Melhor manter curarizado hoje.”
Confirmação: Ex: “Tirei a sedação, o paciente acordou agitado, começou a tossir e dessaturou. Precisei voltar a sedação.”

Trazer a equipe a seu favor (independente da sua profissão);

Fazer o básico bem feito:
Sedar somente se realmente necessário;
Evitar benzodiazepínicos, idealmente evitar sedação completamente (é possível!);
Atenção aos outros componentes do ABCDEF (em especial a Família. Não podemos negligenciar tal aspecto importante da prevenção do delirium).
Adapte o ventilador ao paciente e não o paciente ao ventilador

O estudo “Analgesia and Sedation in patients with ARDS”, publicado na Intensive Care Medicine em 2020, traz uma proposta interessante do Bundle ABCDEF específico para pacientes ventilados mecanicamente com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). O ABCDEF-R leva em conta fatores do paciente e fatores do ventilador mecânico, sendo o “R” adicional relacionado ao controle do drive respiratório.

Lembrando que sedação não controla drive respiratório (a não ser que estejamos falando a nível de anestesia geral). Por mais que você aumentasse as doses de sedação, víamos pacientes COVID-19 ainda taquipnéicos e mal adaptados ao ventilador mecânico.

Em relação ao problema acima, o bundle enfatiza a necessidade de adaptarmos o ventilador ao paciente e não o paciente ao ventilador, assim como a mudança para modos ventilatórios espontâneos assim que possível. Além disso, recomenda a preferência por bloqueadores neuromusculares intermitentes em detrimento a bloqueadores contínuos.

Na prática, com a pandemia, vimos um grande número de pacientes curarizados por longo período. Conforme as evidências produzidas até o momento, não podemos encarar tal fato como normal, sendo importante reavaliar nossa prática. Nem todo paciente com sedação profunda demanda curarização.

 

Adaptado de: Intensive Care Med. 2020;46(12):2342-2356.


E quando a sedação foi necessária e o despertar ruim?

Vários pacientes na pandemia necessitaram sedação por longos períodos. No momento do desmame, muitos apresentavam agitação. Quais estratégias podem ajudar?
Pode haver abstinência (de opioides e benzodiazepínicos): podemos considerar a utilização de lorazepam ou diazepam via enteral, assim como metadona enteral.
Na presença de delirium, antipsicóticos são meros sintomáticos (modulam a agitação mas não modificam a história natural da condição), a dexmedetomidina pode auxiliar (mas não é bala mágica) e a cetamina tem papel incerto.
Cuidado com as pioras transitórias, como tosse e agitação psicomotora ao despertar. Não necessariamente indicam retorno à sedação.
Sobre processos assistenciais

Utilize protocolos clínicos que não corroborem MITOS:
Nem sempre é necessária sedação profunda em SDRA moderada a grave
Reavaliação, no mínimo diária, da necessidade de sedativos e BNMs;
Preferência por BNM intermitente em vez de contínuo

Visita multidisciplinar diária com metas, estabelecendo a indicação do desmame de sedação e quais estratégias a serem implementadas em caso de agitação;

Comemorar com a equipe as “vitórias” (usar o groupthinking a seu favor)


Mensagens práticas
A conferência destacou: “Cuidamos de pacientes inteiros, não de pulmões”;
É necessário manter ventilação mecânica protetora, mas balancear o timing da intervenção (na maioria das vezes será mais importante na fase precoce), imobilismo e risco de delirium;
Manter um paciente com SDRA grave reabilitado durante a internação é possível e pode melhorar desfechos de longo prazo.





Autor: Filipe Amado
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 08/11/2021
Publicação Original: https://pebmed.com.br/cbmi-2021-como-reduzir-os-maleficios-da-sedacao-na-covid-19/

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