Mamão é fruta que todo mundo conhece e a maioria gosta. Ovalado, tenro, doce, mas com o interior cheio de sementes. Características que podem mudar, quando, atendendo a tendências futuras do mercado, ele começar a chegar às feiras livres e supermercados sem as sementes, mas mantendo consistência e sabor originais. É nesse sentido que trabalha a professora Telma Nair Santana Pereira, que no Laboratório de Melhoramento Genético Vegetal, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), em Campos, vem fazendo pesquisas com híbridos de mamoeiro (Carica papaya L.) via triploidia.
A idéia é que o cultivo dessas frutas seja introduzido e adaptado na região do norte e noroeste fluminense, como uma das alternativas para a agricultura local.
A opção pelo mamoeiro não aconteceu por acaso. Desde 1995, o Laboratório de Melhoramento Genético Vegetal da Uenf desenvolve, sob a coordenação do professor Messias Gonzaga Pereira e em parceria com a produtora e exportadora capixaba Caliman, apoio da FAPERJ e da Finep, um projeto de introdução, adaptação e desenvolvimento de tecnologias para esta cultura. Como resultado, nove híbridos de mamão já foram registrados, o que pode levar a uma economia de cerca de dois milhões de dólares por ano, que é o valor atualmente gasto no país apenas com a importação de sementes da Ásia.
“Seguramente, como os primeiros híbridos nacionais de mamão, estes resultados constituem excelente contribuição aos agricultores e ao nosso país”, entusiasma-se a pesquisadora. Mas se estes híbridos nacionais têm melhor sabor, maior teor de sólidos solúveis (20% a mais que o importado) e maior uniformidade de frutos, o que permite maior produtividade para exportação, pode-se dizer que a pesquisa da professora Telma Nair é uma complementação a esse projeto. Pesquisadora de Produtividade do CNPq e contemplada pelo programa Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, ela trabalha para conseguir híbridos sem caroços.
“O mercado no futuro tenderá para as frutas sem sementes, pela facilidade de preparo e consumo. Assim, se conseguirmos, será mais uma alternativa para o mercado consumidor”, explica a professora. Agrônoma com mestrado em Genética e Melhoramento de Plantas pela Universidade Federal de Viçosa e Ph.D em Melhoramento de Plantas pela Iowa State University, nos Estados Unidos, ela atualmente coordena o Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento de Plantas, criado na Uenf em 2004 e credenciado pela Capes. “Não creio que em outras instituições nacionais haja alguém nessa mesma linha de pesquisa com o mamão. Pode haver em outras culturas, como é o caso do que vem sendo realizado pela Embrapa no semi-árido brasileiro, que desenvolveu, ou está desenvolvendo, a melancia sem sementes”, fala.
De um modo geral, a semente é resultado da fertilização que ocorre quando o grão de pólen fecunda o órgão feminino de uma planta. “Os materiais sem sementes podem surgir naturalmente, sem a interferência do homem, como em alguns cultivares de uva. Mas podem surgir também pela manipulação humana, como é o caso da melancia sem sementes e da banana comestível. Em mamão, a literatura reporta a ocorrência de partenocarpia, formação do fruto sem sementes. Mas trata-se de um evento raro e há alguns inconvenientes, como por exemplo a manutenção da planta, considerando que ela não produz sementes e o método de propagação do mamoeiro é, preferencialmente, via sementes. No caso da nossa pesquisa esse inconveniente poderá ser superado, pois teremos o material genético original”, explica a pesquisadora.
A área de atuação da professora Telma tem sido principalmente a citogenética, no estudo dos diferentes aspectos da reprodução de plantas (mamão e maracujá), e na caracterização e avaliação de recursos genéticos vegetais (pimentas e pimentões). Ela explica que até conseguir chegar ao fruto sem sementes, há cinco etapas durante o processo. Ainda em fase inicial, o projeto conta com uma equipe de dez estudantes, de graduação e de pós-graduação, e com os recursos da FAPERJ, do CNPq e da Finep, que lhe permitiram a aquisição de equipamento e material de consumo para as pesquisas.
“Estamos desenvolvendo um protocolo para induzir poliploidia em mamoeiro a partir de genótipos diplóides”, diz. Primeiramente, os genótipos da planta, que são diplóides (2n=2x=18 cromossomos), serão submetidos a um agente poliploidizante que provocará alterações no número de cromossomos. Num segundo momento, identificam-se e selecionam-se genótipos tetraplóides (com quatro vezes o número de cromossomos característico da espécie ou 2n=4x=36 cromossomos), que após avaliação agronômica, serão cruzados, na fase seguinte, com os diplóides. O resultado serão genótipos triplóides (com três vezes o número de cromossomos característicos da espécie ou 2n=3x=27 cromossomos).
“Por apresentar um número ímpar de cromossomos, esse material triplóide tem a divisão meiótica irregular, gerando gametas desbalanceados e inviáveis. Quando frutifica, seus frutos não apresentam sementes devido a esse desbalanço dos cromossomos nos gametas”, explica a pesquisadora. A última fase é de avaliação do comportamento agronômico desses triplóides. Pesquisas desse tipo normalmente envolvem o uso de colchicina, um alcalóide muito utilizado em plantas justamente com o objetivo de obter poliplóides do tipo tetraplóide e triplóide.
Depois de haver testado várias concentrações de colchicina e tempos diferentes de exposição, o protocolo começa a ser definido. “Esta é a fase mais crítica do projeto, e a que leva mais tempo, uma vez que não há um protocolo definido para essa cultura. Preliminarmente, entretanto, já chegamos a uma concentração que aparentemente provoca uma desordem mitótica nas pontas das raízes e no colo da plântula”, diz a professora.
São ainda resultados iniciais, obtidos no primeiro ano de trabalho. E ainda é possível encontrar problemas pela frente, como os riscos de que, inicialmente, os frutos sem semente percam em forma e sabor, já que o genoma da espécie está sendo manipulado. A solução será testar os materiais obtidos quanto à qualidade dos frutos, que serão o produto final. ”Por isso, a partir da terceira fase do projeto, todas as características importantes para a cultura serão avaliadas, para que seja selecionado o que for o melhor em termos de produção e qualidade de fruto”, diz.
O provável é que dentro de mais algum tempo e com a continuidade da pesquisa, os agricultores passem a contar com novas alternativas para complementar a tradição fluminense de cultivo da cana-de-açúcar. O que pode ser especialmente importante quando cresce no mercado mundial a demanda pelo mamão, apoiada nas descobertas dos benefícios da papaína para a saúde humana. Quarta fruta mais cultivada no país atrás apenas da banana, do abacaxi e da melancia, e a terceira mais consumida, sua produção vem progressivamente aumentando. Atualmente, o maior produtor e exportador é o Espírito Santo, mas espera-se que o estado do Rio possa ocupar uma boa posição entre os estados produtores de frutas, inclusive o mamoeiro.
“Em termos de fruteiras, no estado, os agricultores já cultivam o maracujá amarelo, o abacaxi e o coco. Conseguindo sucesso com o projeto, e desde que devidamente testado, o material poderá ser cultivado em todas as regiões do país que plantam o mamoeiro, e não apenas na região fluminense”, conclui a professora.
Autor: Vilma Homero
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 29/03/2006
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=710.2.6
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