Neste registro de formigueiros-do-litoral, uma espécie ameaçada, a fêmea está sentada no ninho e macho na borda (Foto: Luiz Freire)
Identificar as espécies de aves, onde se encontram, suas interações, o tamanho de suas populações, quais delas estão ameaçadas e acompanhar os impactos ambientais na Mata Atlântica que atuam como pressões a estas aves. Este é o trabalho que Maria Alice dos Santos Alves, professora no Departamento de Ecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), desenvolve conjuntamente com colegas e orientandos há cerca de três décadas, sempre em parceria com órgãos de gestão ambiental e os moradores das regiões onde são realizadas as pesquisas. As principais regiões de sua atuação no longo prazo são Ilha Grande, Reserva Biológica União e Parque Estadual da Costa do Sol. "O estado do Rio de Janeiro tem destaque em diversidade e riqueza de espécies, mas também concentra elevado número de espécies de aves passeriformes ameaçadas de extinção nas Américas. Entre as 799 espécies registradas no Estado, 123 espécies estão ameaçadas em ao menos uma lista oficial (internacional, nacional ou do estado do RJ)", diz Maria Alice.
Em meio a tantas notícias recentes e preocupantes sobre preservação ambiental no País, vem da Reserva Biológica União uma notícia animadora. Os espaços de pastagens que interrompiam a conexão da área de reserva com áreas florestais contínuas preservadas do entorno foram comprados em um esforço de parceria internacional, entre a organização Saving Nature junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para garantir a continuidade da área. "Essa ampliação da área é vital para o reestabelecimento de conexões perdidas. A ideia é juntar essas áreas do entorno e estabelecer ligação com as áreas de conservação com a Serra do Mar", explica a pesquisadora, contemplada no programa de fomento à pesquisa Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ.
Uma das principais funções da continuidade da área é a manutenção do deslocamento das aves em busca de recursos para sua sobrevivência, como as frugívoras (que se alimentam de frutos) e também as que exercem a função de polinização, importantes para a renovação do ambiente. "O ambiente, como a floresta, depende delas para sua manutenção e regeneração, porque tanto as polinizadores como as dispersoras de sementes contribuem para a reprodução das plantas. Realizamos estudos na região desde a década de 1990, quando eram conhecidas 17 espécies ameaçadas de extinção na região. E agora estamos finalizando uma publicação que vai mostrar que, com o melhor conhecimento da área, esse número dobrou. A boa notícia é que essa reserva é importante para a conservação de espécies ameaçadas, o que foi relevante para ampliar em mais de duas vezes sua área, de forma a proteger essas espécies", conta a biológa.
O nome da reserva se deve à fazenda existente no local no século XIX, de propriedade de Joaquim Luiz Pereira de Souza, pai de Washington Luís, presidente no período de 1926 a 1930. No final da década de 1930, as terras foram adquiridas pela companhia inglesa “The Leopoldina Railway Company Limited”, para produção de lenha para as locomotivas. Em 1994, tornou-se reserva para abrigar remanescentes do mico-leão dourado. A região concentra um grande número de espécies de aves e entre as ameaçadas de extinção constam diversas frugívoras, como a araponga e o chauá. A reserva se divide entre os municípios de Rio das Ostras, Casimiro de Abreu e, em território reduzido, Macaé.
Já no Parque Estadual da Costa do Sol, habitat do fomigueiro-do-litoral, ave restrita à restinga do estado do Rio de Janeiro, ameaçada de extinção e símbolo do parque, que foi criado com ajuda dos resultados obtidos a partir dos estudos da equipe de Maria Alice, os pesquisadores se defrontaram com um desafio: saguis invasores do gênero Callithrix. Esses saguis extremamente carismáticos são responsáveis por afetar 90% dos 16 ninhos monitorados dessa ave e outra endêmica de Mata Atlântica , o choca-de-Sooretama. Para identificar os predadores dos ninhos dessas duas aves, a equipe instalou câmeras de monitoramento que são recolhidas a cada quinze dias para análise.
Maria Alice, em saída de campo para pesquisa, posa ao lado dos bolsistas de Iniciação Científica Caio Max (dir.), apoiado pela FAPERJ, e João Campos, financiado pelo CNPq (Foto: Arquivo pessoal)
Originários do Nordeste e Centro-Oeste do País, os saguis estão adquirindo novos hábitos – e aparentemente predando mais ninhos e ovos de aves nos novos ambientes. "Esses saguis se reproduzem rapidamente e formam híbridos férteis. A legislação não permite que, uma vez capturados, esses saguis sejam devolvidos ao novo hábitat do qual não são nativos. Além disso, os híbridos não podem ser devolvidos aos seus habitats originais. Uma das soluções mais indicadas para resolver esse problema seria a eutanásia, embora não desejável", comenta a bióloga. Estes dilemas foram recentemente abordados em artigo em conjunto com os pesquisadores Yara Ballarini (orientada de mestrado), Flávia Chaves e Mauricio Vecchi.
Os trabalhos orientados por Maria Alice também destacam a importância do monitoramento das populações por longos períodos para detectar a presença de padrões e melhor direcionar ações de conservação. Um exemplo é a pesquisa que tem sido realizada na Ilha Grande, onde a pesquisadora atua com sua equipe há 25 anos junto ao Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (Ceads/Uerj). “Na Ilha compilamos 253 espécies, entre elas 12 estão ameaçadas. Pudemos detectar mais recentemente novos visitantes, como o tucano-verdadeiro, vindo do Centro-Oeste e a famosa asa-branca”, conta Maria Alice. Em seu trabalho de mestrado, seu aluno Luis Martin Bardalles identificou espécies de aves diferentes para segmentos de florestas com idades diferentes. A pesquisa fez uma correlação entre a idade da flora de determinada porção da ilha com a comunidade de aves existente. "Essa pesquisa mostrou que quanto mais preservada a porção de floresta, maior a presença das aves ameaçadas, especialmente as que se alimentam de frutos. Mesmo quando a floresta não foi fragmentada, se mantendo contínua e tudo parece estar preservado, há variações importantes como diferentes idades da floresta (em função do corte) levando à diferença na composição da avifauna. Nossos resultados indicam que o uso de características da vegetação foi apropriado para detectar espécies de aves indicadoras de qualidade de habitat, o que pode se aplicar a outros grupos animais e outros biomas, com aplicações em termos conservacionistas. As espécies de aves associadas a esses estágios da floresta podem ser usadas como bons representantes para o monitoramento da dinâmica da floresta", avalia a pesquisadora.
Autor: Autor: Vital Brazil
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 29/01/21
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4154.2.3
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