Cientistas europeus identificaram uma espécie de fungo até agora desconhecida que transforma as aranhas das cavernas em “zombies”. O fungo atrai-as para fora das suas teias antes de provocar a sua morte prematura e depois usa os cadáveres das aranhas para espalhar os seus esporos.
A espécie recém-descoberta, denominada Gibellula attenboroughii, atua de forma semelhante ao fungo da formiga zombie, aparentemente manipulando as suas presas para que se desloquem para um local mais adequado à propagação do fungo, de acordo com um estudo publicado a 24 de janeiro na revista Fungal Systematics and Evolution.
Mas a forma como o fungo afeta o cérebro do aracnídeo é ainda um mistério e subsistem muitas questões sobre o percurso evolutivo do fungo e os seus impactos ecológicos.
“Conhecemos muito bem as formigas, as vespas e muito poucos outros exemplos. E agora este é de uma família diferente, por isso é uma nova origem de manipulação de comportamento”, diz o coautor do estudo, João Araújo, micologista do Museu de História Natural da Dinamarca e professor assistente na Universidade de Copenhaga. “É algo realmente interessante e que não é muito comum no mundo dos parasitas.”
A descoberta abre novas oportunidades de investigação para compreender melhor os fungos que controlam os animais e ilumina a diversidade de fungos ainda por descobrir, afirmam os investigadores.
O fungo atrai as aranhas para uma área mais adequada para espalhar os seus esporos, segundo os autores do estudo. Uma aranha está infetada com G. attenboroughii na fase de produção de esporos Tim Fogg
Descoberta do fungo da aranha zombie
A espécie recém-descoberta faz parte de um ramo maior de fungos que infeta exclusivamente aranhas.
Os investigadores observaram uma espécie diferente de Gibellula (G. aurea encontrada no Brasil) possivelmente manipulando as aranhas para se moverem para a parte inferior das folhas antes da morte, conforme descrito num estudo de novembro de 2022 em coautoria com João Araújo. No entanto, a manobra não foi tão evidente como quando G. attenboroughii tem como alvo as aranhas das cavernas, explica João Araújo.
Até agora, os cientistas só observaram G. attenboroughii a infetar as aranhas Metellina merianae e Meta menardi, ambas tecelãs que vivem em cavernas e são encontradas na Europa.
A primeira observação do fungo peculiar tem uma história curiosa: em 2021, uma equipa de televisão detetou pela primeira vez o fungo numa aranha tecelã enquanto filmava um programa num armazém de pólvora abandonado no Castle Espie Wetland Centre, no condado de Down, na Irlanda do Norte.
A equipa notou que a aranha colocou-se numa posição exposta antes de morrer, longe da sua teia, sugerindo que o fungo tinha causado uma mudança de comportamento.
Outras observações revelaram a existência de mais aranhas infetadas em grutas tanto na Irlanda do Norte como na Irlanda, todas posicionadas em áreas expostas do teto ou das paredes das câmaras, de acordo com o estudo.
Os investigadores observaram várias aranhas infetadas que estavam no teto e nas paredes das grutas de Whitefathers' Caves, na Irlanda. O fungo também foi encontrado em sistemas de cavernas na Irlanda do Norte Tim Fogg.
“A maioria das aranhas construtoras de teias gosta muito de ficar na sua teia. São construídas para serem boas dentro de uma teia, mas são bastante más a andar no chão”, diz Jay Stafstrom, especialista em ecologia sensorial de aracnídeos e investigador de pós-doutoramento na Universidade de Cornell, em Ithaca, Nova Iorque.
“O facto de um fungo poder infetar algo e depois alterar o comportamento do animal de modo a que este ajude o fungo a espalhar-se é muito intrigante”, refere Stafstrom, que não participou no estudo.
Os investigadores afirmam não ter a certeza da mecânica exata e do funcionamento interno do fungo. Mas a equipa coloca a hipótese de o fungo atrair as aranhas para fora das suas tocas, onde ficam expostas a correntes de ar circulantes, o que ajuda a espalhar os seus esporos, diz João Araújo, que é também investigador honorário associado no Royal Botanic Gardens, Kew, no Reino Unido.
Os autores ainda não identificaram quais os metabolitos - compostos produzidos pelo fungo que podem interagir com outros organismos - que o G. attenboroughii está a libertar no cérebro do hospedeiro. São necessários mais estudos para conhecer o impacto ecológico do fungo, mas João Araújo diz não acreditar que haja motivos de preocupação para as espécies de aranhas afetadas.
“Os fungos evoluíram há muitos milhões de anos, mais de 100 milhões de anos, e têm coexistido com estas aranhas e outras espécies de fungos e outros insetos”, afirma João Araújo.
“Na verdade, podemos supor que eles mantêm a floresta em equilíbrio”, acrescenta, apontando para o caso dos fungos das formigas zombies. Os cientistas documentaram o parasita letal que regula a população de insetos, sublinha João Araújo.
Mais para descobrir sobre os fungos
Cerca de 150.000 espécies de fungos foram formalmente documentadas, mas estima-se que esse número represente apenas cerca de 5% da diversidade de fungos por descobrir, diz Matthew Nelsen, biólogo evolutivo e investigador do Field Museum of Natural History de Chicago, que não participou no novo estudo. “Este estudo chama a atenção para este desafio e irá inspirar ainda mais a comunidade a trabalhar para colmatar esta lacuna”, acrescenta Nelsen num e-mail.
Os autores também notaram a presença de micoparasitas observados a comer o fungo da aranha zombie, “demonstrando que essas aranhas são importantes fontes de alimento para fungos, que por sua vez sustentam outros fungos”. “Em conjunto, isto serve para iluminar o mundo complexo e diverso que nos rodeia”, afirma Nelsen.
Autor: cnnportugal
Fonte: cnnportugal
Sítio Online da Publicação: cnnportugal
Data: 14/04/2025
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