segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Corte das despesas militares e descarbonização da economia

Corte das despesas militares e descarbonização da economia, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Poucos estão dispostos a admitir que a maioria dos problemas modernos são insolúveis”
John N. Gray
O mundo chegou a quase US$ 2 trilhões de gastos militares no ano de 2020, em plena pandemia.

Mesmo a economia internacional estando em recessão em 2020 – com aumento do desemprego, da pobreza e da fome – não faltaram recursos para os gastos de guerra, de morte e segurança. O ano de 2020 também registrou as temperaturas mais altas desde a o início dos registros em 1880 e a concentração de CO2 bateu todos os recordes do Holoceno (últimos 12 mil anos). Portanto, em vez de investir na descarbonização da economia, os grandes países estão fazendo investimentos social e ambientalmente improdutivos em despesas militares.

O relatório de 2020 do Instituto Internacional para a Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute), publicado em 21/04/2021, mostra que os gastos militares no mundo, no ano passado, chegaram à impressionante cifra de US$ 1.981.000.000.000,00 (um trilhão e novecentos e oitenta e um bilhão de dólares). Os cinco maiores gastadores em 2020, que juntos responderam por 62% dos gastos militares globais, foram os Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Reino Unido, como mostra o gráfico abaixo.




O aumento de 2,6% nos gastos militares mundiais ocorreu em um ano em que o produto interno bruto (PIB) global encolheu 4,4% (segundo o Fundo Monetário Internacional). Como resultado, os gastos militares como parcela do PIB – o fardo militar – alcançaram uma média global de 2,4 por cento em 2020, ante 2,2 por cento em 2019. Este foi o maior aumento ano a ano no fardo militar desde a crise financeira e econômica global em 2009.

Embora os gastos militares tenham aumentado globalmente, alguns países realocaram explicitamente parte de seus gastos militares planejados para a resposta à pandemia, como o Chile e a Coreia do Sul. As despesas militares dos EUA chegaram a cerca de US$ 778 bilhões no ano passado, representando um aumento de 4,4% em relação a 2019. Como o maior gastador militar do mundo, os EUA responderam por 39 por cento do total das despesas militares em 2020. Este foi o terceiro ano consecutivo de crescimento nos gastos militares dos EUA, após sete anos de reduções contínuas.

Os recentes aumentos nos gastos militares dos EUA podem ser atribuídos principalmente a pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento e a vários projetos de longo prazo, como a modernização do arsenal nuclear dos EUA e a aquisição de armas em grande escala. Nos últimos 20 anos os EUA aplicaram trilhões de dólares em guerras fracassadas como no Iraque e no Afeganistão.

As despesas militares da China aumentam pelo 26º ano consecutivo. O Instituto SIPRI estima que os gastos militares da China, o segundo maior do mundo, totalizaram US$ 252 bilhões em 2020. Isso representa um aumento de 1,9% em relação a 2019 e 76% na década de 2011-2020. Os gastos da China aumentaram por 26 anos consecutivos, a mais longa série de aumentos ininterruptos de qualquer país no Banco de Dados de Despesas Militares do SIPRI. O crescimento contínuo dos gastos chineses se deve em parte aos planos de modernização e expansão militar de longo prazo do país, em linha com o desejo declarado de alcançar outras potências militares importantes.

Quase todos os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) viram o seu fardo militar aumentar em 2020. Como resultado, 12 membros da OTAN gastaram 2% ou mais do seu PIB com os seus militares, a meta de gastos da diretriz da Aliança, em comparação com 9 membros em 2019. A França, por exemplo, o oitavo maior gastador globalmente, ultrapassou o limite de 2% pela primeira vez desde 2009.

Os gastos militares da Rússia aumentaram 2,5% em 2020, chegando a US$ 61,7 bilhões. Este foi o segundo ano consecutivo de crescimento. No entanto, os gastos militares reais da Rússia em 2020 foram 6,6% menores do que seu orçamento militar inicial, um déficit maior do que nos anos anteriores. Com um total de US$ 59,2 bilhões, o Reino Unido se tornou o quinto maior gastador em 2020. Os gastos militares do Reino Unido foram 2,9% maiores do que em 2019, mas 4,2% menores do que em 2011. A Alemanha aumentou seus gastos em 5,2%, para US$ 52,8 bilhões , tornando-se o sétimo maior gastador em 2020. Os gastos militares da Alemanha foram 28% maiores do que em 2011. Os gastos militares em toda a Europa aumentaram 4% em 2020.

Além da China, Índia ($ 72,9 bilhões), Japão ($ 49,1 bilhões), Coreia do Sul ($ 45,7 bilhões) e Austrália ($ 27,5 bilhões) foram os maiores gastadores militares na região da Ásia e Oceania. Todos os quatro países aumentaram seus gastos militares entre 2019 e 2020 e ao longo da década de 2011-2020. Os gastos militares na África Subsaariana aumentaram 3,4% em 2020, chegando a US$ 18,5 bilhões. Os maiores aumentos nos gastos foram feitos pelo Chade (+31 por cento), Mali (+22 por cento), Mauritânia (+23 por cento) e Nigéria (+29 por cento), todos na região do Sahel, bem como Uganda (+46%).

Os gastos militares na América do Sul caíram 2,1 por cento, para US$ 43,5 bilhões em 2020. A redução foi em grande parte devido a uma queda de 3,1% nos gastos do Brasil, o maior gastador militar da sub-região. Os gastos militares combinados dos 11 países do Oriente Médio para os quais o SIPRI tem gastos diminuíram 6,5% em 2020, para US$ 143 bilhões. Oito dos nove membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) cortaram seus gastos militares em 2020. Os gastos de Angola caíram 12%, os da Arábia Saudita em 10% e os do Kuwait em 5,9%. O exportador de petróleo não pertencente à OPEP, Bahrein, também cortou seus gastos em 9,8%. Os países com os maiores aumentos na carga militar entre os 15 maiores gastadores em 2020 foram Arábia Saudita (+0,6 ponto percentuais), Rússia (+0,5 ponto percentuais), Israel (+0,4 ponto percentuais) e os EUA (+0,3 ponto percentuais) .

Todos estes dados do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) mostram que as prioridades do mundo não são a geração de emprego, a redução da pobreza e da fome e a resolução dos problemas ambientais.

Mas, paralelamente, novo relatório pela Agência Internacional de Energia mostra que o futuro da energia e do clima mundial depende cada vez mais de as economias emergentes e em desenvolvimento serem capazes de fazer uma transição bem-sucedida para sistemas de energia mais limpos, exigindo uma mudança radical nos esforços globais para mobilizar e canalizar o enorme aumento de investimento necessário. O relatório especial – realizado em colaboração com o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial – estabelece uma série de ações para permitir que esses países superem os principais obstáculos que enfrentam para atrair financiamento para construir sistemas de energia limpos, modernos e resilientes que podem impulsionar suas economias em crescimento nas próximas décadas.

O investimento anual em energia limpa em economias emergentes e em desenvolvimento precisa aumentar em mais de sete vezes – de menos de US$ 150 bilhões em 2020 para mais de US$ 1 trilhão até 2030 para colocar o mundo no caminho certo para alcançar emissões líquidas zero até 2050, de acordo com o relatório, Financing Clean Energy Transitions in Emerging and Developing Economies.

Ou seja, se os diversos governos do mundo cortarem pela metade os gastos militares e investirem este dinheiro na descarbonização da economia seria possível evitar um colapso ambiental global. Reduzir os gastos de guerra de US$ 2 trilhões para US$ 1 trilhão e investir estes recursos na mudança da matriz energética poderia contribuir substancialmente para um mundo mais pacífico e com mais sustentabilidade ambiental.

Contudo, os bilionários do mundo estão brincando de viajar para o espaço e os maiores países estão gastando cada vez mais em despesas militares e na corrida espacial. Só ingênuos podem achar que todos estes gastos improdutivos e estes investimentos necrófilos vão reverter a favor do bem-estar humano e ambiental. Na verdade, a civilização humana – que comanda o Antropoceno – está caminhando aceleradamente para o colapso ecológico e civilizacional. A janela de oportunidade sair da rota do abismo está se fechando e o efeito dominó pode desencadear desastres em cascata.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

World military spending rises to almost $2 trillion in 2020, SIPRI for the media, 26 April 2021
https://www.sipri.org/media/press-release/2021/world-military-spending-rises-almost-2-trillion-2020

It’s time to make clean energy investment in emerging and developing economies a top global priority, IEA, 9 June 2021
https://www.iea.org/news/it-s-time-to-make-clean-energy-investment-in-emerging-and-developing-economies-a-top-global-priority

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/09/2021





Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 27/09/2021
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2021/09/27/corte-das-despesas-militares-e-descarbonizacao-da-economia/

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