terça-feira, 30 de outubro de 2018

‘Expertise’ e governança ambiental, Parte 1/6, artigo de Roberto Naime

LÉTORNEAU (2014) assevera que muitos termos possuem um sentido técnico sem que ele seja evidente para todos como a “governança ambiental”.

Termo que remete no contexto atual a uma participação cidadã nesse tipo de questão, por exemplo, da saúde de um ecossistema específico, tal como uma floresta ou um vale agrícola, a partir de preocupações partilhadas e não a partir de uma problemática de controle organizacional.

Governança transcende a assistencialismo social. Conceito transposto da área empresarial, neste contexto significa mediar de forma sistêmica, os interesses envolvidos de todas as partes interessadas, buscando a máxima satisfação possível com a conciliação das demandas emergentes. De forma sistêmica e permanente, sem espontaneísmos e improvisações.

Mediar e compatibilizar interesses legítimos e que transcendem caráter pessoal ou financista. E que ampliem a conceituação de preservação ambiental e de empreendimentos, procurando satisfazer as demandas das populações locais atingidas.

Após ter tornado preciso o que é a “expertise” e quais são os principais problemas postos pelo recurso à “expertise” nos contextos da ação cidadã, proponho que as expertises técnicas podem ser postas no mesmo nível, referindo principalmente aos saberes comuns, à prática e à experiência concreta, dita “de campo”, o que corresponde a uma ampliação.

LÉTORNEAU (2014) assevera a preocupação com o exercício do poder e com a tomada de decisões sobre questões de organização da cidade que afetam a todos.

O que se passa com as questões de ética ambiental? Os pesquisadores especializados nesse assunto limitaram-se geralmente a refletir se a ética ambiental deveria ser ecocentrista ou biocentrista ou, então, se deveria pelo menos ser antropocêntrica. Com base em uma clarificação dos princípios e das justificações, se propugna uma orientação prática que se supõe que obtém adesão e conduz a uma reorientação prática.

Se houver preocupação com questões que dizem respeito ao ambiente, deve se fazer apelo a pessoas com certa “expertise”. Isso pode se produzir em função de instâncias “autorreguladas”, como um comitê de cidadãos. Pode se tratar também de práticas de governança que se exercem local ou regionalmente, de maneira contínua, recorrente e frequente.

Ocorre refletir nos trabalhos de comitês técnicos que fornecem pareceres aos departamentos de recursos hídricos, ou nos engenheiros chamados em socorro de um comitê de questões fluviais que quer saber o estado de certa barragem ou as condições de sua reconstrução.

Como se interessar pelas florestas, pelos cardumes, pelos recursos minerais ou pelo cuidado ou gestão dos recursos de água sem dever imediatamente recorrer aos “experts”. Difícil deixar de lado a “expertise” com sua dificuldade para convencer a governança, especialmente no plano internacional, com sua incapacidade atual de operar de maneira eficaz.

Por incrível que pareça, alguns dos “experts” chamados com maior assiduidade são os filósofos. Sua função é em parte educacional e motivacional. O trabalho filosófico consiste em esclarecer a situação de um ponto de vista terminológico e conceitual, pois os termos do debate não são claros.

É preciso perguntar sobre o espaço social e as mediações concretas das quais se necessita e que são às vezes instrumentos para se ocupar das questões ambientais de maneira eficaz. Para tanto, o filósofo se apóia nas questões do simples cidadão e também nas ciências humanas e sociais.

Esta perspectiva apresenta a vantagem de não partir somente de uma consideração de princípio, obrigando a considerar os contextos e o conjunto dos valores relevantes e também os fins visados bem como os resultados previsíveis de nossas ações.

Como se denota, o problema do papel da “expertise” na sociedade moderna, democrática e complexa, foi levantado por John Dewey em 1927 em “The public and its problems”.

LÉTORNEAU (2014) assevera que mesmo as perspectivas que consideram uma democracia mais deliberativa e mais participativa devem levar em consideração os problemas colocados pelas exigências de especialistas em nossas sociedades, incluindo o diálogo com outros tipos de “expertise”, em concepção multidisciplinar, oriundos de outros setores da sociedade civil.



Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.



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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/10/2018




Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 30/10/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/10/30/expertise-e-governanca-ambiental-parte-16-artigo-de-roberto-naime/

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