segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Galáxia “gêmea” traz pistas sobre o passado da Via Láctea

NGC 6744 – Créditos: ESO

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Uma nova análise da galáxia NGC 6744, “gêmea” da nossa Via Láctea, trouxe mais informações sobre seu núcleo e sobre a evolução dessas estruturas. O trabalho foi desenvolvido pela astrônoma Patrícia da Silva no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, com a colaboração de seu orientador João Steiner e do astrônomo Roberto Menezes, atualmente pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal do ABC (UFABC). O estudo da NGC 6744 revela que a galáxia possui um núcleo ativo de baixa luminosidade, que pode ter existido no local onde hoje se encontra o buraco negro no núcleo da Via Láctea.

O artigo, publicado no periódico especializado The Astrophysical Journal, também foi destacado na AAS Nova, um site que seleciona os principais artigos publicados em periódicos da área. Galáxias “gêmeas” da Via Láctea, neste estudo, são aquelas que possuem o mesmo tipo morfológico da Via Láctea. Ou seja: são galáxias espirais com uma barra central e relações similares entre núcleo e os braços. “É interessante estudar ‘gêmeas’ da Via Láctea para estudar a evolução da nossa galáxia. Queremos conhecer informações como a frequência com que tais objetos apresentam núcleos ativos (AGN, na sigla em inglês), as idades das populações estelares, a composição do gás, e onde a Via Láctea se enquadra nesse conjunto”, explica a astrônoma.

NGC 6744 é uma galáxia relativamente próxima da Via Láctea (cerca de 25 milhões de anos luz de distância) que foi descoberta no século 19 e apresenta baixa luminosidade em seu núcleo. “Não tínhamos muita informação na literatura sobre o núcleo dela. Sabíamos apenas que a emissão era compatível com um AGN de baixa luminosidade, que chamamos de Liner (acrônimo em inglês para região de emissão nuclear de baixa ionização)”, conta Patrícia.
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Cubo de dados

A análise começou com um cubo de dados – um conjunto de informações espaciais e espectrais coletadas com instrumentos observacionais do telescópio Gemini Sul. Patrícia trabalha em sua pesquisa com um mapeamento chamado DIVING3D (Deep Integral Field Spectroscopy View of Nuclei of Galaxies), que é coordenado por Steiner e tem como objetivo estudar todas as galáxias mais brilhantes do Hemisfério Sul. Os cubos de dados do DIVING3D mostram a região central do bojo de cada galáxia estudada e permitem investigar características como emissão de gases, cinemática do gás e composição e cinemática estelar.

A partir dessa análise, os autores do artigo identificaram uma emissão muito fraca vinda do bojo da galáxia. Assim, a primeira pergunta que eles precisaram responder era se havia mesmo a presença de um AGN, já que a emissão era tão baixa que poderia ser causada por outros objetos, como estrelas jovens. Para dar continuidade, a astrônoma utilizou dados do telescópio espacial Hubble e identificou uma emissão azul compacta que poderia indicar um AGN ou a presença de estrelas jovens. “A pergunta então foi: existem estrelas jovens nesse núcleo?”, explica.

Por meio de uma síntese espectral, os astrônomos identificaram dois eventos de formação de estrelas no núcleo de NGC 6744: um durante a formação da galáxia, há cerca de 10 bilhões de anos, e outro há 1 bilhão de anos. Os autores do artigo acreditam que esse segundo grupo se formou durante um “merger” – uma fusão entre NGC 6744 e, muito provavelmente, uma galáxia menor. “A síntese espectral mostrou a ausência de estrelas jovens, confirmando a presença de um núcleo ativo de galáxia de baixa luminosidade (Liner)”, conclui a astrônoma.


Imagens das principais linhas de emissão do cubo de dados de NGC 6744 obtido com o cubo de 
dados do telescópio Gemini Sul. Essas imagens revelam as principais regiões de emissão do núcleo de NGC 6744. As regiões 1 e 2 aparecem em todas as imagens das linhas de emissão, sendo, portanto, duas regiões relevantes de emissão do núcleo de NGC 6744. Já a região 3 aparece claramente apenas na imagem da linha [OIII]λ5007, uma linha de alta ionização, e sua morfologia sugere alguma relação com a região 1, sendo um possível cone de ionização do AGN da região 1. Por fim, a região 4 aparece claramente apenas na imagem de [OI] λ6300, uma linha de baixa ionização, revelando portanto que esta região é de baixa ionização
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Mudanças recentes

A Via Láctea não é classificada como uma galáxia com núcleo ativo atualmente, e estudar galáxias como a NGC 6744 pode mostrar como ela se comportou em outros períodos. “Se no passado o buraco negro no núcleo da Via Láctea foi ativo, ele muito provavelmente foi do tipo Liner antes de chegar ao que é hoje”, avalia a pesquisadora. A partir do estudo das linhas de emissão do cubo de dados, os astrônomos também identificaram quatro regiões com características de emissão distintas. A região 1, a principal região emissora do núcleo de NGC 6744, é o centro do bojo estelar e onde está localizado o AGN e, consequentemente, o buraco negro supermassivo.

Duas regiões mostraram-se mais ionizadas do que o buraco negro – uma característica pouco usual. A hipótese dos astrônomos é que a região 1 apresentava mais atividade e mais brilho até pouquíssimo tempo atrás, e as regiões 2 e 3 estão ainda recebendo a luz dessa antiga atividade. Essa hipótese é conhecida como eco do AGN. NGC 6744 foi a segunda galáxia gêmea da Via Láctea estudada por Patrícia, quando ela estava no mestrado. Atualmente realizando sua pesquisa de doutorado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Patrícia da Silva já está em sua sétima análise. O artigo NGC 6744: A Nearby Milky Way Twin with a Very Low-luminosity, pode ser lido aqui.

Com informações da Assessoria de Comunicação do IAG

Mais informações: e-mail patricia2.silva@usp.br, com Patrícia da Silva




Autor: Jornal da USP
Fonte: Jornal da USP
Sítio Online da Publicação: Jornal da USP
Data: 28/09/2018
Publicação Original: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-exatas-e-da-terra/galaxia-gemea-traz-pistas-sobre-o-passado-da-via-lactea/

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