quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Saiba como é o uso do cateter nasal de alto fluxo na pediatria

Pacientes pediátricos com hipoxemia devido a um quadro respiratório agudo requerem, muitas vezes, o uso de oxigênio inalatório, que pode ser administrado através de uma cânula nasal ou de uma máscara facial. A concentração de oxigênio no gás inspirado aumenta de acordo com elevação do fluxo de oxigênio e com a redução do ar atmosférico durante a respiração.

No entanto, gases medicinais, como o oxigênio, são substâncias desidratadas: o seu uso prolongado pode provocar ressecamento e irritação de mucosas, prejudicando o transporte mucociliar. Portanto, o oxigênio inalatório precisa ser umidificado. Muitas vezes, esta umidificação é feita com o uso de água esterilizada. Infelizmente, este método não é adequado quando os fluxos de gás são elevados1.

Recentemente, um método não invasivo de suporte ventilatório alternativo à oxigenoterapia convencional tem se destacado: a cânula nasal de alto fluxo (CNAF). Esta estratégia pode fornecer misturas de gases aquecidos e umidificados através de uma cânula nasal, podendo ser utilizada em setores distintos da pediatria, como nos departamentos de emergência, em enfermarias e em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP)1,2,3. Este circuito fornece uma fração inspirada de oxigênio (FiO2) até 1,0 e um fluxo máximo de 60 L/min4.

Há inúmeras evidências de que a CNAF exerce efeitos possivelmente benéficos através de vários mecanismos distintos que englobam uma resistência inspiratória reduzida, a eliminação do espaço morto anatômico nasofaríngeo, um trabalho metabólico relacionado ao condicionamento de gás reduzido (a CNAF disponibiliza gás totalmente condicionado para as vias aéreas, minimizando as perdas insensíveis de água e o custo de energia para o aquecimento do gás inspirado à temperatura do corpo), uma melhora da condutância das vias aéreas e do transporte mucociliar e um fornecimento de baixos níveis de pressão positiva nas vias aéreas1.

Portanto, é possível que o tratamento com CNAF reduza o espaço morto, melhorando a depuração de CO2 e produzindo uma ligeira pressão positiva ao final da expiração5. No entanto, ao contrário do CPAP, não é possível regular ou determinar a pressão aplicada nas vias aéreas na CNAF6.

As indicações para uso da CNAF incluem: insuficiência respiratória hipoxêmica, insuficiência respiratória hipercápnica, desmame ventilatório, suporte para a realização de procedimentos invasivos e doenças pulmonares crônicas4. Em crianças, a CNAF tem se mostrado uma técnica segura e eficaz no manejo da bronquiolite e da asma. A cânula nasal de alto fluxo tem sido considerada uma alternativa ao CPAP em pacientes com insuficiência respiratória por bronquiolite, asma ou outros doenças.

Além disso, para alguns autores, pacientes com escores de gravidade mais elevados e maior número de internações prévias constituem um subgrupo de risco que poderia se beneficiar desta modalidade de suporte respiratório5. No Brasil, em 2018, Colleti et al. relataram o caso de um lactente de oito meses de idade intubado no departamento de emergência devido a um quadro de laringite aguda grave. Este paciente apresentou uma falha de extubação na primeira tentativa e foi submetido à terapia com CNAF após a segunda extubação traqueal, o que, provavelmente, evitou sua falha7.

A maioria dos estudos não relatou eventos adversos em crianças ocasionados pelo uso da CNAF. No entanto, há relatos na literatura de distensão abdominal, lesão de mucosa nasal com sangramento e ulceração e pneumotórax. Um surto de contaminação por Ralstonia mannitolilytica (patógeno humano oportunista de origem hídrica) foi relatado em 2005, nos EUA, em pacientes pediátricos que receberam CNAF. Este surto foi relacionado à contaminação intrínseca dos dispositivos de CNAF. Entretanto, desde que mudanças nos aparelhos foram efetuadas, nenhuma outra complicação infecciosa foi relatada6.

A estrutura básica de um sistema de CNAF inclui1:
Uma cânula nasal não oclusiva;
Uma fonte pressurizada de oxigênio e ar, regulada por um fluxômetro/misturador;
Um reservatório de água esterilizada, conectada a um aquecedor e umidificador;
Um circuito isolado e/ou aquecido que preserve a temperatura e a umidade relativa do gás condicionado enquanto ocorre o deslocamento até o paciente1.

A CNAF é baseada em quatro características de extrema relevância1:
As pontas da cânula nasal devem ocupar, no máximo, 50% da área transversal de cada narina, para que não haja obstrução ao fluxo;
As misturas de gases devem estar adequadamente aquecidas e umidificadas, para que não haja ressecamento de mucosas;
A cânula deve conduzir fluxos de misturas de gases maiores do que o pico de fluxo inspiratório do paciente, para que não haja entrada de ar ambiente durante a inspiração;
O gás conduzido em elevada velocidade penetra profundamente as vias aéreas, fornecendo gás fresco mais próximo à carina e proporcionando suporte ventilatório1.

Três variáveis principais precisam ser monitoradas quando é iniciada a oxigenoterapia com CNAF: a temperatura do gás, a fração inspirada de O2 (FiO2) e o fluxo. A temperatura deve estar em torno de 1 a 2 graus Celsius inferior à temperatura corporal, sendo ajustada de acordo com o conforto do paciente (Slain et al. relatam que crianças mais velhas e adultos descrevem desconforto e um grau de claustrofobia quando a temperatura do gás é igual ou superior à temperatura do corpo, como se estivessem respirando em um dia muito quente e úmido ou no interior de uma sauna)1.

É comum a terapia com CNAF ser iniciada com uma FiO2 de 0,6 em quadros de hipoxemia, sendo ajustada de acordo com as necessidades de cada paciente, com o objetivo de se manter uma saturação arterial de oxigênio (SatO2) entre 92 a 97%. Pacientes com insuficiência respiratória sem hipoxemia podem ser beneficiados pelos efeitos da CNAF sobre a mecânica respiratória com ar condicionado sem a adição de oxigênio. Além disso, atenção deve ser dada a situações que contraindiquem fisiologicamente a aplicação de concentrações muito altas de oxigênio. É o caso de pacientes em pós-operatório do estágio I de Norwood para hipoplasia ventricular esquerda.

Por fim, o fluxo de gás é dado de acordo com o tamanho do paciente e com o suporte ventilatório necessário. Geralmente, pacientes mais velhos ou maiores e pacientes com dispneia significativa necessitarão de maiores fluxos1. Não existe um consenso sobre a melhor definição de alto fluxo1,8.

Alguns autores utilizam as seguintes taxas: pacientes com menos de seis meses: 2 L/min; pacientes com idades entre seis e 18 meses: 4 L/min; pacientes com 18 a 24 meses de idade: 8 L/min ou 8-12 L/min para bebês e 20-30 L/min para crianças. Há ainda autores que referem dosagens de acordo com o peso (1 a 2 L/kg/min). Uma estratégia é fornecer, no início, de 0,5 a 1,0 L/kg/min, aumentando-se o fluxo até 1,5-2,0 L/kg/min, o que pode atenuar as oscilações na pressão intratorácica e diminuir o trabalho respiratório (Tabela 1). Slain et al. referem que fluxos superiores a 2,0 L/kg/min podem não ser muito eficazes1.

IDADE
PESO
CÂNULA
FLUXO INICIAL
FAIXA DE FLUXO
0 a 30 dias
1 mês a 1 ano
1 a 6 anos
6 a 12 anos
>12 anos
<4 kg
4 a 10 kg
10 a 20 kg
20 a 40 kg
>40 kg
Neonato
Bebê
Pediátrica pequena
Pediátrica
Pediátrica grande/adulto
4 a 5
4 a 10
5 a 15
10 a 20
20 a 30
2 a 8
2 a 20
5 a 30
5 a 40
5 a 50


Tabela 1: Fluxos para a terapia com CNAF em pediatria de acordo com a idade e o peso

A monitoração da eficácia da CNAF e a resposta terapêutica são baseadas na evolução clínica do paciente, em seu desconforto respiratório, frequência respiratória, frequência cardíaca e SatO2, gasometria arterial e radiografia de tórax. Além disso, a permeabilidade das narinas e as conexões do sistema ao paciente devem ser checadas, assim como o fluxo e a FiO2 administrados, temperatura programada e condensação de água no sistema8.

Quando o paciente apresenta-se mais estável, deve-se iniciar o desmame sempre com a redução da FiO2 para, por fim, reduzir o fluxo4. Devemos lembrar que a CNAF é uma modalidade muito recente e promissora de suporte ventilatório não-invasivo, mas há ainda a necessidade da realização de estudos randomizados mais robustos para que descreva melhor suas reais potencialidades e efeitos adversos.




Autor: Roberta Esteves Vieira de Castro
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 17/01/2019
Publicação Original: https://pebmed.com.br/saiba-como-e-o-uso-do-cateter-nasal-de-alto-fluxo-na-pediatria/

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