A descoberta, descrita pelo geólogo Ismar de Souza Carvalho e publicada dia 15 de março em artigo no Journal of South American Earth Science é importante para o estudo da diversidade das biotas do período Cretáceo, bem como para o entendimento da dispersão dos anfíbios através do antigo supercontinente de Gondwana. “Os fósseis do Araripe são internacionalmente reconhecidos por sua qualidade de preservação e abundância. Encontrados em rochas calcárias, possuem detalhes da anatomia dos organismos fossilizados, incluindo tecidos moles e restos de pigmentos”, esclarece Carvalho, professor e pesquisador no Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ele, a região é um dos mais importantes depósitos fossilíferos do mundo e o registro ali encontrado possibilita o entendimento da diversidade da vida em um momento crucial para a história do território brasileiro – o da formação do Oceano Atlântico.
Marcado por diversas mudanças, tanto na biota quanto no clima e na configuração geográfica dos continentes, o período Cretáceo é o momento em que o antigo supercontinente de Gondwana se fragmenta, dando origem aos vários continentes que hoje conhecemos. “Além da ocorrência de grandes extinções, foi também um momento de oportunidade para o surgimento de novos organismos, muitos deles com afinidades com as espécies atuais”, diz o geólogo. Segundo ele, durante os momentos iniciais de separação da América do Sul e da África, há 100 milhões de anos, desenvolveram-se depressões no interior destes dois continentes, nas quais se estabeleceram amplos lagos rasos de águas carbonáticas. O mais importante deles é o paleolago Araripe, onde são encontrados registros de uma ampla variedade de animais e plantas que viveram neste momento geológico.
O fóssil foi encontrado na Pedreira Pedra Branca, no município de Nova Olinda, região do Cariri, na bacia sedimentar do Araripe/CE
O professor do Departamento de Geologia da UFRJ explica que a água carbonática, de ph alcalino, favorece a proliferação de bactérias que, através de filmes bacterianos, impediram a necrólise dos tecidos e a desagregação dos ossos desses animais. Esta combinação manteve Cratopipa em excepcional estado de preservação, o mais antigo ancestral dos Pipimorpha. “Praticamente completo, o exemplar apresenta ainda resquícios da musculatura e traços da pele preservados. Um aspecto pouco comum, quando se trata de fósseis de vertebrados, que tendem a se desagregar rapidamente e seus ossos serem preservados isolados”, relata Carvalho.
De acordo com o pesquisador, é importante ressaltar a contribuição do trabalho para o entendimento dos ambientes deposicionais no tempo de Cratopipa. “Sabemos que anfíbios não toleram água salgada. Assim, fica a indagação: existiria aporte de água doce, através de rios temporários, dentro do lago de natureza carbonática, e por vezes até mesmo com salinidade elevada? Durante os momentos de afluxo de água fresca, haveria o estabelecimento de nichos ecológicos que levariam à proliferação destes anfíbios?”, questiona.
Entretanto, Carvalho ainda acredita que um dos aspectos mais relevantes deste novo estudo dos fósseis do Araripe é a análise de relações de parentesco e filogênese entre fósseis e formas atuais. Isto porque Cratopipa novaolindensis é um indicativo da existência de conexões terrestres entre os continentes sul-americano e africano, mesmo depois de iniciado o processo de deriva continental. Em sua opinião, este fóssil revela, assim, uma história ainda desconhecida da evolução das paisagens no transcorrer do período Cretáceo, além de desvendar uma janela no tempo para a evolução dos anfíbios.
Carvalho: o trabalho ajudará a entender os ambientes geológicos no tempo de Cratopipa
Carvalho tem recebido, ao longo dos anos, apoio da FAPERJ para a realização de suas pesquisas. Atualmente, ele integra o seleto grupo de pesquisadores contemplados no programa Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. Em seu trabalho no Departamento de Geologia da UFRJ, ele conta com a colaboração de outros sete pesquisadores, sendo três argentinos do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia (Buenos Aires); um pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC), apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e mais dois geólogos, um do Geoparque Araripe e outro do Departamento Nacional de Produção Mineral.
Além disso, Carvalho destaca a colaboração dos trabalhadores da Pedreira Pedra Branca, em Nova Olinda (CE). Sobre a interação entre o trabalho de pesquisa e a exploração comercial da pedreira, Carvalho esclarece que a frente de lavra de mineração é local de treinamento de coleta para alunos de graduação e pós-graduação. “Pedreiras, assim como corte de estradas e margens de rios são locais naturalmente ricos em materiais geológicos”, justifica. Segundo o pesquisador, os empregados das lavras da região são grandes parceiros, e trabalham atentos aos possíveis materiais de interesse da pesquisa. No caso Cratopipa, eles indicaram o local provável da descoberta. “É o conhecimento científico através da prática, sendo que eles reconhecem a relevância do trabalho desenvolvido por pesquisadores e sua importância para a ciência”, afirma o pesquisador.
Capa: reconstituição de Cratopipa novaolindensis, em arte de Deverson da Silva (Pepi)
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: Faperj
Sítio Online da Publicação: Faperj
Data: 05/04/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3730.2.4
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