terça-feira, 30 de abril de 2019

Solidariedade e consumo, Parte 1/2, artigo de Roberto Naime




Solidariedade e consumo

Lisabete Alves, coordenadora do serviço educativo da Fundação de Serralves, reflete sobre o paradigma do consumismo, o qual associa diretamente a concepção de sucesso e felicidade. Associar a capacidade de consumo de cada pessoa com satisfação existencial é algo disseminado por todas as culturas ditas “desenvolvidas” do planeta.

Hoje todos são confrontados com claros sinais de colapso da lógica do arranjo econômico global, apoiado em altos níveis de consumo, encontrando-se as pessoas, empresas e países por todo o mundo desenvolvido a viver acima das suas posses, com consequências a longo prazo, quer em termos financeiros quer em termos ambientais.

O planeta não oferece recursos em quantidade suficiente para suportar este modelo de desenvolvimento econômico, ou esta atual autopoiese sistêmica.

A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda.

O consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos.

A abordagem sociológica e antropológica alicerça movimentos da sociedade que propugnam alterações ideológicas como apanágios para a solução de problemas ambientais.

Não ocorre encaminhamento de soluções, pois tanto vertentes socialistas como da livre iniciativa rezam pela cartilha de crescimento permanente como forma de incrementar círculos econômicos virtuosos.

Outro mundo é possível, mesmo dentro da livre iniciativa. Ocorre enfatizar que nada é contra a livre-iniciativa. Que sem dúvida sempre foi e parece que sempre será o sistema que melhor recepciona a liberdade e a democracia. Mas uma nova autopoiese sistêmica para o arranjo social, é urgente.

A civilização humana determinará nova autopoiese sistêmica, na acepção de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio.

Que é um sistema instável, muito frágil e vulnerável. Para sua própria sobrevivência, o “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva.

Ao nível social, se sabe que este modelo de desenvolvimento apresenta também impactos elevados, na medida em que tantos dos produtos que se adquire são produzidos em países em que o respeito pelos direitos humanos, direitos da criança e outros tantos reconhecidos, não ocorrem adequadamente.

Por isto se afirma que o “sistema socioeconômico”, da forma como se conhece influenciou na formação familiar, procurando maximizar as ações de consumo e apenas isto. Nenhuma preocupação com solidariedade, que só é incorporada na família estendida pelas senzalas.

O deslocamento maciço de bens através do planeta por ar, água ou terra apresenta um custo ambiental extremamente elevado e não contabilizado no preço do produto final. Assim, o crescimento demográfico, a diferença de acesso a condições mínimas de sobrevivência nas várias nações, as condições para a paz e justiça e a degradação ambiental constituem alguns dos desafios globais adicionais a resolver.

As pessoas se sentem prisioneiras de um sistema que se desenvolve a um ritmo vertiginoso, em que não existe tempo para parar, pensar, partilhar ou conviver com família e amigos.

É preciso trabalhar mais e mais para ganhar dinheiro para colmatar as necessidades que cada vez são mais e mais ou para pagar o que se consumiu a crédito.

O paradigma do consumismo incita-nos a tornarmo-nos competitivos e sufoca o desenvolvimento de outros sentimentos e afetividades. O individualismo impera. A solidão, a tristeza e o desespero são companheiros próximos de todos aqueles que não conseguem acompanhar o ritmo da máquina e mesmo de muitas pessoas que conseguem.

O valor econômico e felicidade são duas coisas que se vinculam, mas que percorrem caminhos distintos e se influenciam e são influenciadas pelo sistema.

A dependência dos circuitos globais coloca em causa a soberania dos países no que se refere ao aprovisionamento dos produtos para a sobrevivência dos seus habitantes, de entre os quais a mais evidente será possivelmente a soberania alimentar.

Que é a capacidade de cada nação produzir alimentos em quantidade suficiente para responder a uma parte significativa das necessidades da sua população.

Outras soberanias estão também em causa, como a energética, hídrica e geração de emprego.

No estado de dependência atual dos circuitos globais, não se possui um controle mínimo da realidade imediata.

Os seres humanos crescem, constroem a sua identidade e inscrevem as suas marcas no quotidiano, inseridos em contextos sociais que nem sempre conferem sentido às significações. Mas modela a sua forma de conceber e agir no mundo.

Em sociedade se desempenhar diferentes trajetórias e personagens, cada um deles em resposta direta a práticas e valores que se aprende a perceber como “naturais” ou “adequados”. A este conjunto de referências e significados e que confere sentido à existência, modelando práticas e atitudes, se chama “cultura”.



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/04/2019




Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 30/04/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/04/30/solidariedade-e-consumo-parte-12-artigo-de-roberto-naime/

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