terça-feira, 3 de dezembro de 2019
Cartilha de prevenção à violência armada tem pré-lançamento na Fiocruz
Por: Luiza Gomes e Nathalia Mendonça (Cooperação Social da Fiocruz)
Na última segunda-feira (25), a Fiocruz sediou o pré-lançamento da Cartilha de Prevenção à Violência Armada em Manguinhos. O material inédito aproxima os temas de saúde e segurança pública e reúne informações sobre a rede de proteção social a vítimas de violência, medidas preventivas e de tratamento à saúde mental, além de indicadores do impacto na saúde dos moradores de Manguinhos, Maré e Jacarezinho, e está disponível para download.
O livreto, que possui cerca de 50 páginas, foi feito em formato de bolso e é direcionado tanto a moradores de Manguinhos quanto aos agentes de segurança pública – dois dos principais grupos afetados em sua saúde, segundos os organizadores. A iniciativa é da Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz em parceria com o Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Claves/Ensp/Fiocruz).
Na mesa de abertura, o chefe de gabinete da Presidência, Valcler Rangel, reforçou a importância e o peso que a discussão vem assumindo dentro da instituição. “Parabenizamos a equipe responsável pelo grande significado do lançamento dessa cartilha e pelo modo como ela foi construída: em articulação com a população, trabalhadores, agentes de segurança, gestores da política de segurança do Estado, ou seja, com todos os atores envolvidos. É como acreditamos que a discussão sobre violência armada tenha que ser feita”, defendeu. Ele lembrou que desde 2017 a Fiocruz conta com um programa institucional de Violências e Saúde.
A educadora Lucia Cabral, moradora do Complexo do Alemão há 52 anos, é referência comunitária na luta por saúde e foi uma das integrantes da primeira mesa do encontro. “Muitas vezes a gente não entende que segurança pública é saúde, educação e lazer; há uma lógica dominante que inverte tudo: segurança pública passa a ser ‘tiro, porrada e bomba’ na favela”, criticou.
Ela contou a experiência do grupo Ocupação Saúde, no Alemão, que inclui residentes médicos, profissionais de saúde da Clínica da Família para discutir em grupo e propor caminhos de enfrentamento ao impacto da violência em seu cotidiano. “Tomamos essa iniciativa porque a gente sabe que os profissionais que atuam dentro das favelas estão adoecidos”, explicou.
Impacto na educação
A rotina escolar de territórios marcados pela violência também é impactada: baixa frequência dos estudantes, dificuldades de concentração nas aulas, adoecimento psíquico de alunos e trabalhadores são alguns dos aspectos destacados por Michelle Oliveira, educadora da Educação de Jovens e Adultos (EJA-Manguinhos). O EJA atende aproximadamente 200 estudantes, sendo a maioria deles moradores de Manguinhos, Maré e Jacarezinho, atualmente em funcionamento na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e na RedeCCAP, organização comunitária da favela de Vila Turismo.
“Há uma série de impactos que a escola vive e que não necessariamente envolve a suspensão das aulas. Quando começa o tiroteio, tem gente que fica o tempo todo com crise de ansiedade, a pressão aumenta. Houve casos de alunos passando mal e a gente com dificuldade de levar para unidade de saúde porque não tinha como sair no meio do tiroteio – o que só agrava a situação”, narrou.
Magali Portela, coordenadora do Núcleo de Gestão Social de Farmanguinhos, descreveu a rotina dos trabalhadores da Unidade. Localizada dentro da favela carioca conhecida como Cidade de Deus, a fábrica convive com os tiroteios. “Farmanguinhos dispõe de um sistema de alerta aos trabalhadores. É uma ferramenta de segurança que informa como estão os acessos, se poderemos entrar na fábrica, se precisamos aguardar, se está tendo operação”, informou.
Para amenizar o estresse dos trabalhadores, Magali contou que a Unidade realiza com grande frequência o atendimento ao público interno com práticas integrativas e complementares em saúde, com atenção especialmente aos quadros de pressão alta, ansiedade e pânico. Ela informou que o Núcleo de Gestão Social tem se reunido com organizações comunitárias, entes do poder público instalados na região para definição de estratégias de manutenção do funcionamento das atividades frente ao cenário de constantes conflitos.
Como forma de promover saúde e a autoestima do moradores, o setor coordenado por ela realizou na semana passada, em parceria com a Comlurb, mutirões para revitalização da área em frente à fábrica.“Temos que reforçar o tempo todo que favela não é lugar de criminosos. Na Cidade de Deus temos cerca de 65 mil habitantes, entre jovens e crianças: é muita potência”, exaltou.
Adoecimento de policiais
O Delegado titular da 21ª Delegacia de Polícia Civil, Flavio Narciso, caracteriza a região de Bonsucesso, Manguinhos e Maré, como uma área “bastante sensível” e afirma que o profissional de segurança pública é diretamente impactado pelo cotidiano violento. Ao contrário do que indicaria o senso comum, Narciso informou na ocasião que a maioria das questões de saúde que acometem os servidores são de natureza psíquica, não física. “Temos atendimentos recorrentes por conta dessa questão: alcoolismo, suicídio, e principalmente depressão; por outro lado, quase nenhum acompanhamento ortopédico”, comentou.
“Não temos números oficiais, mas minha experiencia pessoal dentro do efetivo da 21ª DP, é de que 20% dos policiais tem acompanhamento psicológico atualmente. Temos mais profissionais dedicados a psiquiatria do que a outros tipos de especialidade”, completou. Ele informou que desde 2010, a Polícia Civil possui um núcleo específico de apoio à saúde mental do policial, mas os dados são sigilosos.
Campanha de prevenção
O lançamento oficial da campanha está previsto para o dia 11, às 15h, na sede do projeto Ballet Manguinhos, localizada no território de mesmo nome e será realiza junto ao Conselho Comunitário de Manguinhos e ao Conselho de Segurança Pública local. Na ocasião, serão convocados organizações comunitárias, lideranças e coletivos envolvidos com o debate sobre violência armada no território. Na ocasião, se iniciará distribuição dos 4 mil exemplares do informativo. Segundo os idealizadores da cartilha, o evento inicia uma ampla campanha de pacto pela vida em Manguinhos, com a possibilidade de se expandir para outras comunidades cariocas.
Autor: Luiza Gomes e Nathalia Mendonça (Cooperação Social da Fiocruz)
Fonte: Fiocruz
Sítio Online da Publicação: Fiocruz
Data: 02/12/2019
Publicação Original: https://portal.fiocruz.br/noticia/cartilha-de-prevencao-violencia-armada-tem-pre-lancamento-na-fiocruz
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